Brasil: a representatividade feminina na presidência

Com o afastamento de Dilma Rousseff da presidência, tem-se discutido sobre a composição do “núcleo duro” em torno de Michel Temer, presidente interino. Neste núcleo, até o momento e segundo notícias veiculadas pela imprensa, os possíveis cargos de ministro são compostos apenas por homens, o que tem provocado questionamentos quanto à representatividade da mulher neste governo, e muito tem se caracterizado a situação em si como retrocesso.

Com o afastamento de Dilma Rousseff da presidência, tem-se discutido sobre a composição do “núcleo duro” em torno de Michel Temer, presidente interino. Neste núcleo, os cargos de ministro são compostos apenas por homens, o que tem provocado questionamentos quanto à representatividade da mulher neste governo, e muito tem se caracterizado a situação em si como retrocesso.

Há semanas, era uma mulher que ocupava a presidência. Politicamente, o governo Dilma, governo PT, significou para as mulheres trabalhadoras do país o crescimento das privatizações, da terceirização do emprego, crescimento vertiginoso do desemprego que acomete primeira e principalmente mulheres e, mais ainda, mulheres negras. Traduziu-se em início de nova reforma previdenciária que as obriga a trabalhar mais e sem aumento de direitos, em intensificação da repressão e de cerceamento dos direitos de manifestação dos movimentos sociais. E representativamente? Até que ponto a representatividade, por si só, de uma mulher em um cargo importante, possui alguma expressão real nas conquistas da maioria das mulheres brasileiras?

Faz-se importante refletirmos sobre:

1. Por que a mulher não está representada na política parlamentar?

2. O que são as ações afirmativas, entre elas a cota?

3. Qual contribuição o parlamento burguês pode oferecer para a emancipação feminina?

Conquistas legais como foi o sufrágio, retomando a história da luta da mulher, e uma série de direitos dentro da ordem capitalista são necessárias e servem como fomentadoras da organização e da conscientização quanto à questão de classe pelos que reivindicam. Entretanto, é necessário que se distinga as necessidades reais das mulheres trabalhadoras das políticas “afirmativas” que, no contexto do capitalismo, não irão desempenhar papel progressivo para este setor.

Neste sentido, o direito ao voto feminino e o direito da mulher a se candidatar para as eleições parlamentares são cruciais. Entretanto, compreendemos que as cotas para mulheres no parlamento e em outros espaços dos poderes do Estado Burguês não constitui em si um avanço.

A causa da exclusão da mulher dos espaços políticos advém de uma construção social desde a formação da sociedade de classes, e a forma como a sociedade distribui o trabalho. No contexto capitalista, especificamente, a mulher é assolada por dupla a tripla jornada, obrigada a trabalhar na esfera privada e pública, mas impossibilitada de atuar plenamente dotada de direitos na esfera pública, nos âmbitos político, econômico e social, conforme explicou a revolucionária alemã Clara Zetkin. Portanto, reservar um número determinado de assentos para a “representatividade” feminina no parlamento, sindicatos, partidos e movimento estudantil não resolve os problemas estruturais. Por outro lado, constitui-se em uma solução aparente e imediata, colocando-se lugar a “representantes” que, devido ao sexo, não necessariamente irão defender os interesses da maioria das mulheres, as trabalhadoras, podendo contribuir para o mascaramento da realidade desta maioria, distantes de atuação efetiva na vida pública.

Seria excelente que sim, mas, infelizmente, não é o sexo ou gênero, de quem atua no parlamento, que determina a luta pela libertação da maioria esmagadora das mulheres no mundo, e sim o conteúdo político e de interesse de classe de quem atua. A prática tem mostrado isto. No próprio governo Dilma, Kátia Abreu foi ministra de agricultura, atuante em favor de latifundiários, um setor da classe dominante que detém e explora recursos do país, que mina de forma assassina as resistências com que se depara, como foi o caso do assassinato da sindicalista paraibana Margarida Maria Alves, nome a quem o movimento da Marcha das Margaridas homenageia. Internacionalmente, temos os exemplos de Margaret Thatcher e Angela Merkel, que não defendem interesses das mulheres trabalhadoras, e sim defendem os interesses dos capitalistas, que exploram essa maioria em diversos países, e precisam da segregação de gênero, estabelecida no seio da classe trabalhadora, para dominar. Apenas exemplos de inúmeros casos semelhantes. 

Os marxistas lutam pela inclusão das mulheres nos espaços políticos e, especificamente, parlamentares, a partir da batalha militante empreendida pela mulher e pela sua organização para que possa se formar politicamente, pela conformação de sua consciência e prática com cunho de classe. As cotas, que tem como único critério o sexo para um determinado número de cadeiras reservadas, se for encarada como fim, como acontece efetivamente no capitalismo, serve como boicote à tarefa revolucionária de construir uma sociedade estruturalmente justa para as mulheres, sobre os escombros desta ordem vigente machista.

As políticas afirmativas, empregadas pela classe dominante e alheias à questão de classe, colaboram com esta elite, que apoia ativamente essa causa, para que o sistema não entre em colapso, aprovando, assim, amplamente as cotas como medida afirmativa em parlamentos de diversos países, e inclusive propagandeando os “progressos” que representam. Conforme coordenador nacional do Movimento Negro Socialista, José Carlos Miranda “O impulso dado às políticas chamadas ações afirmativas em especial as ‘cotas’ vem da ONU, do Banco Mundial e seus seguidores, entre eles os governos de todas as colorações políticas, ONG’s de todas as espécies, e intelectuais bem remunerados por gordas contribuições de bilionárias fundações internacionais como a Fundação Ford.” (https://www.marxismo.org.br/content/13-de-maio-luta-continua-abaixo-o-racismo-e-o-racialismo). Trata-se de uma política empreendida por grandes capitalistas e burgueses que operam pela manutenção do sistema.

O movimento de cunho liberal pelas demandas da mulher teve origem com o Renascimento Cultural e posteriormente com o Iluminismo. Uma vez que a ordem burguesa constrói marcos legais da igualdade, este direito passa a ser pauta das mulheres, que buscavam vê-lo concretizado de fato para seu sexo enquanto setor social. Este feminismo caracteriza-se pelas lutas por reformas que equiparem os direitos das mulheres aos direitos dos homens quanto às propriedades e oportunidades. As suas reivindicações estão no bojo do direito burguês, e se inserem na ordem burguesa, a fim de reformá-la. Teoria, portanto, limitada, pois é funcionalista, ou seja, vê a opressão como aspecto disfuncional que pode ser corrigido, e não como componente estrutural da sociedade.

A luta pela igualdade jurídica sem questionar a estrutura desconsidera que o direito burguês possui limites em sua essência para a libertação efetiva da mulher e que o Estado burguês tem função de guardião da opressão feminina, esta que é central na conformação da sociedade de classes. Marx, nas cartas que escreveu sobre a questão judaica, enfatiza a diferença entre o cidadão constitucional genérico dotado de direitos, e o homem inserido na sociedade burguesa. O primeiro não existe na prática, e o segundo sofre com um Estado que surgiu para assegurar o privado em detrimento do público. Logo, a luta que visa apenas a direitos sem a perspectiva revolucionária não apenas possui limites e é alvo de constantes retrocessos, mas colabora para a criação do falso imaginário da democracia burguesa e para a crescente ilusão no papel do Estado burguês como provedor de justiça. Engels explica sobre a luta jurídica nos marcos capitalistas: 

Essa argumentação tipicamente jurídica é exatamente a mesma de que se valem os republicanos radicais burgueses para atacar e calar o proletário. Supõe-se que o contrato de trabalho seja livremente firmado por ambas as partes.  Mas considera-se livremente firmado desde o momento em que a lei estabelece no papel a igualdade de ambas as partes. A força que a diferença de situação de classe dá a uma das partes, a pressão que essa força exerce sobre a outra, a situação econômica real de ambas, tudo isso não interessa à lei.  (…) Com relação ao casamento, mesmo a legislação mais avançada se considera inteiramente satisfeita desde que os interessados declarem formalmente em ata que é de sua livre vontade. A lei e os juristas não se preocupam com o que se passa por trás dos bastidores jurídicos, em que ocorre a vida real, nem como se tenha chegado a esse consentimento de livre vontade. (…) A situação não é melhor no tocante à igualdade de direitos, sob o ponto de vista jurídico do homem e da mulher no casamento. A desigualdade legal de ambos, que herdamos de condições sociais anteriores, não é causa e sim efeito da opressão econômica da mulher. (Grifo nosso.) (ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado.)

Atualmente, no que se caracteriza “terceira onda” do movimento feminista, é muito comum que se defenda a inclusão da mulher na política tanto por meio das cotas, quanto por meio de uma educação formal de qualidade, para que possa agir politicamente e assegurar os seus direitos, segundo uma perspectiva de “autoemancipação”. Os marxistas lutam para de fato trazer as mulheres para a política, tanto no sentido amplo, quanto no sentido restrito, parlamentar e eleitoral da palavra, reconhecida a maior dificuldade em recrutá-las para se organizarem politicamente, e a necessidade de um trabalho específico em cada partido e sindicato para este fim. Entretanto, o recrutamento da mulher trabalhadora para ocupar os espaços políticos não têm função de autolibertação nem de meramente representar todas as demais, e sim função de um movimento maior e mais amplo, que favoreça a organização política consciente da classe oprimida em um partido operário revolucionário.

Neste sentido, quanto à atuação eleitoral e à educação política, tanto a mulher quanto o homem devem estar munidos com um programa revolucionário, e com consciência de que o parlamento deve ser utilizado como meio de propaganda e apoio ao movimento real da classe explorada, que se dá nas ruas, fábricas, escolas, universidades, bairros, etc, pelas suas demandas, a favor da transformação completa de todas instituições, a favor da derrubada completa do próprio parlamento burguês em que se atua. 

Exemplo disso foi o papel político da participação das mulheres na revolução francesa. Alan Woods, no texto “Marxismo versus Feminismo: a luta de classes e a emancipação da mulher” (2013) mostra que, mesmo no ambiente burguês parlamentar, defenderam a mudança radical da sociedade, e se inseriram na disputa contra os freios da burguesia à continuidade da revolução. É evidente que a participação da mulher sem critérios políticos não resolve sua luta. O que é decisivo é a política revolucionária defendida e o estado geral de ânimo das massas: 

A emergência das massas no cenário político é o elemento primeiro e mais fundamental de toda revolução. Isto é particularmente verdadeiro com relação às mulheres. Na Revolução Francesa, as mulheres não se limitaram a deixar a política para os homens. Em Paris, vimos a criação das pró-jacobinas Citoyennes Républicaines Révolutionaires (Cidadãs Republicanas Revolucionárias) que usavam um uniforme vermelho e branco, calças listradas, e o barrete vermelho da liberdade, e carregavam armas em suas manifestações. Elas exigiram o voto para as mulheres e o direito das mulheres de ocupar os mais altos cargos civis e militares na República – isto é, o direito da mulher a plena igualdade política com os homens, o direito de lutar e morrer pela causa da Revolução. (Grifo nosso.) (WOODS, A. Marxismo versus feminismo: a luta de classes e a emancipação da mulher.)

A luta pela emancipação das mulheres no Brasil, hoje, está inserida na luta por um governo dos trabalhadores, contra o parlamento burguês que, dia a dia, escancara sua podridão, a divisão interna e os impasses crescentes para a manutenção dos lucros e privilégios da minoria, durante a crise do sistema capitalista sem precedentes. Há claramente crescente repúdio das instituições pela população, e a própria burguesia nacional, tonta de desespero, foi capaz de desatar forças das quais se arrependerá amargamente (https://www.marxismo.org.br/content/resolucao-politica-do-5o-congresso-da-esquerda-marxista).

Logo, a constituição do governo Temer, que se firma a partir de dribles de parlamentares réus, sendo composto ou não por mulheres, não é exatamente o centro da questão. Não há muito o que se lamentar da distorção e da falta de conexão deste governo com as trabalhadoras, se a perspectiva for mais ampla e ultrapassar a pretensão de remendo deste sistema em decomposição. Nesta luta mais ampla e consequente, a constituição de um governo dos trabalhadores passa pela luta por uma Assembleia Popular Nacional Constituinte, composta por trabalhadoras e trabalhadores e representantes reais dos locais de trabalho, estudo, bairros, periferias, entre outros, com mandato supervisionado diretamente pela base, revogável e sem qualquer privilégio financeiro.

Este é um passo crucial para a conquista efetiva de direitos para as mulheres. Começando-se primeiro por varrer o Congresso Nacional, composto por figuras retrógradas como Cunha, Bolsonaro, entre outros que vomitam ideias e projetos de retirada dos direitos das mulheres. Depois, com a tarefa de construção de um partido operário revolucionário, pautado na democracia operária, em que a mulher terá espaço e voz plenas para o árduo, e necessário, caminho da edificação do socialismo no Brasil e internacionalmente.

Fora Temer e o Congresso Nacional!

Por uma Assembleia Popular Nacional Constituinte!

Por um governo dos trabalhadores!