Foto: Sasha Popovic, Flickr

Anistia para os presos políticos catalães! Lutar contra a direita e o judiciário reacionário com a mobilização em massa!

A intenção do governo espanhol de perdoar parcialmente os presos políticos do movimento catalão de independência provocou uma reação irada da direita, que tenta agitar sua base social para desgastar o presidente do Partido Socialista (PSOE), Pedro Sánchez. No entanto, setores-chave da classe dominante apoiam a anistia, nos bastidores, confiantes de que seus interesses serão melhor defendidos fazendo esta pequena concessão ao movimento de independência catalã. Qual deve ser a posição da esquerda?

Nossa posição

Para começar, queremos deixar claro que defendemos incondicionalmente o direito à autodeterminação do povo catalão, direito que é apoiado por 75,1% da população catalã, segundo a última pesquisa do Centre d’Estudis d ‘Opinió de la Generalitat (CEO). Deve ser o povo catalão quem decide se quer formar o seu próprio Estado ou permanecer no Estado espanhol.

A união forçada só consegue aumentar a suspeita e o ódio nacionais, que vão contra a fraternidade e a unidade das classes trabalhadoras catalãs e espanholas. Só o reacionário aparato estatal espanhol, com seus chefes de exército, polícia, guarda civil, judiciário e monarca no comando, e os grandes capitalistas que o apoiam, estão interessados ​​em impor a unidade do Estado espanhol, dados os enormes privilégios e interesses econômicos que lhes proporciona.

O Estado espanhol e sua constituição opõem-se implacavelmente ao exercício do direito à autodeterminação, o que contraria a vontade da maioria do povo catalão. Portanto, consideramos legítima qualquer ação que tente exercer esse direito por meio da ação direta de massa, como o referendo de 1º de outubro de 2017.

Reconhecemos o referendo e seu resultado e, portanto, consideramos os 12 líderes do movimento como presos políticos. Exigimos, portanto, sua libertação incondicional e a anulação de suas sentenças. Da mesma forma, exigimos a suspensão de todas as acusações contra os mais de 3 mil ativistas republicanos catalães, processados ​​por diferentes motivos, e que os representantes políticos catalães exilados fiquem livres para retornar sem ameaças ou coerção.

Em relação ao assunto em questão e à libertação dos presos, do ponto de vista da formalidade legal, sempre defendemos sua anistia. Mas, na medida em que o governo central lhes concede o perdão, sem a obrigação de arrependimento ou desculpas de sua parte, também o apoiamos.

Nossa posição nada tem a ver com os cálculos cínicos da política burguesa que busca canalizar o retorno dos partidos independentistas majoritários, ERC e Junts, ao caminho da autonomia constitucional em troca desses perdões. Defendemos a libertação incondicional dos prisioneiros, por qualquer meio, com base em considerações elementares de democracia e justiça.

A reação contra-ataca

É claro que as forças da reação não perderam tempo e colocaram todo o seu maquinário em movimento para mobilizar sua base na pequena burguesia reacionária, aquela massa de profissionais, autônomos, aposentados, rentistas, mercadores e pequenos patrões exploradores: a massa histérica e ignorante. O aparelho de Estado reacionário não fica para trás, com a oposição mobilizada por meio da polícia, da guarda civil, do exército e principalmente da casta judiciária.

Infelizmente, uma camada de trabalhadores, contaminada pelo chauvinismo espanhol, também quer rejeitar os perdões. Este sentimento foi cultivado em parte pela política de “unidade nacional” com a direita, vergonhosamente praticada pelo PSOE e incorporada na atitude ambígua dos líderes do Unidos Podemos. Estes últimos foram intimidados pela pressão dominante da opinião pública espanhola após a aplicação do artigo 155 da Constituição, que dissolveu temporariamente a autonomia catalã no final de 2017 e por alguns meses instalou um clima de semirreação na sociedade.

A primeira medida da reação foi convocar uma manifestação em Madri no dia 13 de junho, com o apoio dos partidos de direita PP, Vox e Ciudadanos, para mostrar sua rejeição aos indultos. Isso foi seguido por um relatório da Suprema Corte, esse bando reacionário de indivíduos privilegiados que foge de qualquer supervisão popular. Transbordando de uma atitude vingativa, eles declararam os perdões “uma solução inaceitável”.

A rejeição do perdão pelo Supremo Tribunal Federal obriga legalmente o governo a conceder um perdão parcial, não total, que consiste em reduzir a pena, mas não a anular, e poderá incluir a desqualificação para o exercício de cargos públicos. Apesar disso, os presos políticos provavelmente sairão em questão de semanas ou poucos meses.

Por que setores-chave da classe dominante defendem os perdões

Um dos pontos mais importantes a destacar é que setores-chave da classe dominante, ligados ao Ibex35 (Bolsa de Valores de Madri), são a favor da medida. Na realidade, a concessão de perdões é a única medida sensata do ponto de vista do regime capitalista espanhol, como uma tentativa de apaziguar a situação catalã e facilitar a integração dos dirigentes do ERC e do Junts em um remendo de autonomismo sancionado na Catalunha.

O ERC e o Junts catalães precisam oferecer algo à sua base social e aos eleitores para justificar o congelamento da chamada luta unilateral pela independência e retornar à situação anterior ao movimento de independência. Ainda que em seus discursos e proclamações assegurem a seus partidários que o adiamento de medidas unilaterais rumo à independência é simplesmente uma trégua temporária enquanto aguardam um momento mais propício para retomar.

O editorial publicado em 30 de maio no El País, principal porta-voz dos bancos e parte do grande capital espanhol, é interessante a este respeito, pois define a sua posição sobre os perdões. Depois de atacar rigorosamente o movimento de independência catalã, vai direto ao cerne da questão:

“As sentenças contribuíram para superar a fase mais aguda da crise, mas não resolveram definitivamente o desafio existencial para a democracia espanhola que o movimento de independência representa” (grifo nosso).

E depois:

“Sim, há evidências suficientes de que a oposição a tudo dos governos anteriores favoreceu o crescimento da independência na última década. A situação já é difícil. Mas seria uma catástrofe incontrolável se um salto qualitativo transformasse as posições a favor da secessão na grande maioria” (grifo nosso).

A grande burguesia entende a mesma coisa que os marxistas. A questão catalã é um “desafio existencial” para o regime burguês espanhol, porque a independência da Catalunha seria um golpe devastador para o aparelho do Estado espanhol: seu prestígio, seu misticismo invencível, suas regalias e privilégios e a ideologia centralista que facilita sua autoridade sobre a pequena burguesia. Também seria um duro golpe para o prestígio do exército e do monarca, caso eles se mostrassem incapazes de impedir a ruptura do Estado pelo movimento revolucionário das massas catalãs.

Além disso, atacaria o coração da classe dominante, porque a independência da Catalunha, além de retirar de seu controle direto um território que contém 20% da riqueza do Estado, mercados e vastos recursos industriais, enfraqueceria significativamente a autoridade do Estado sobre a sociedade espanhola. Isso diminuiria o medo das massas trabalhadoras em relação ao aparelho de repressão.

Esse setor sério da burguesia entende melhor do que seus representantes medíocres no aparato estatal, e nos partidos de direita, que o encurralamento indefinido do movimento de independência, em um contexto de crise do regime e descontentamento social, é o que lhe deu vitalidade nos últimos anos. A perspectiva de uma retomada desse movimento, transformando a posição pró-independência em uma posição compartilhada pela “grande maioria”, não está descartada no futuro. Isso seria de fato “uma catástrofe incontrolável”, isto é, um movimento revolucionário de pleno direito na Catalunha, necessitando de intervenção militar e com consequências imprevisíveis.

E naturalmente se, em sua loucura irreprimível, a direita fizesse com que o Tribunal Constitucional, próximo ao PP, declarasse ilegais os perdões, a perspectiva de uma “catástrofe incontrolável” seria bastante imediata. Daí a contundência desse setor mais cuidadoso da burguesia, manifestado por El País, em deixar claro ao aparato estatal que não se deve brincar com fogo.

Essa posição de cautela, ao oferecer uma isca ao movimento de independência num momento em que a Generalitat de ERC-Junts se precipita para a “autonomia”, é também partilhada pelos representantes mais sensatos da burguesia europeia. Assim, a Comissão de Assuntos Jurídicos do Conselho da Europa também solicitou a libertação dos presos políticos catalães.

Lutar contra a reação espanhola nas ruas

Na realidade, o acesso de raiva da direita e da extrema direita tem como único objetivo preservar o prestígio do aparelho repressivo do Estado (sua polícia e juízes) e tentar enfraquecer o governo o máximo possível para derrubá-lo. A eles se juntaram “ex-dirigentes” do PSOE da era “felipista” durante a Transição, como o próprio Felipe González, que degenerou completamente em termos políticos e pessoais.

Anistia para presos políticos! Pela luta de classes e autodeterminação para a Catalunha! – Foto: Jove
Esses personagens atuam como agentes diretos da reação e do aparato estatal. Não escondem o seu ódio pessoal por Pedro Sánchez e gostariam de o ver cair para ser substituído até pela direita, sem qualquer remorso. Esses indivíduos foram completamente transformados e só podem ser classificados como inimigos de classe (Felipe González, Guerra, Corcuera, Leguina, Redondo Terreros etc.).

Apesar de tudo, não estamos no outono de 2017. O amplo setor da classe trabalhadora que estava confuso, desorientado e temporariamente vítima dos cantos de sereia do nacionalismo reacionário espanhol já acertou as contas com esse período passado. Compreende o perigo que a direita representa e como manipula os sentimentos nacionais para os seus fins sujos. Muitos trabalhadores, na verdade, darão um suspiro de alívio, acreditando que os perdões poderiam amenizar a situação na Catalunha e retornar a uma situação de maior estabilidade.

Nesse contexto, a esquerda deve lutar contra as turbas da direita e desafiar sua presença nas ruas. Na Catalunha, e no resto do estado, sem deixar de exigir a anistia, é necessário organizar mobilizações exigindo a libertação imediata e incondicional dos prisioneiros, a anulação de suas sentenças e a revogação dos pedidos de extradição por parte do Supremo Tribunal e da Audiencia Nacional contra os exilados.

Seria um erro permanecer passivo, porque a decisão do governo de conceder esses indultos parece estar ao alcance, mesmo com suas limitações. Estas mobilizações deveriam também ter como objetivo o reconhecimento da opinião pública e, nas ruas, uma luta frontal contra o nacionalismo espanhol, com seu caráter franquista e opressor, não só na Catalunha, mas em todo o estado. Devemos exigir o expurgo do aparelho de Estado de todos os franquistas e reacionários e erguer com firmeza a bandeira da autodeterminação catalã mais uma vez.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM