Foto: Katja Just

Água como direito essencial à vida: nem o mínimo o capitalismo é capaz de assegurar aos trabalhadores

No Brasil, 85,5% das moradias têm a rede geral de distribuição como a principal fonte de abastecimento de água. Isso nos mostra que 14,5% das casas brasileiras estão fora do abastecimento regular de água1. É o que mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) 2019, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para além disso, a mesma pesquisa mostra que, mesmo dentre esses 85,5%, 10,3% sofrem com o fornecimento interrompido ao menos uma vez na semana, ou seja, cerca de 18,3 milhões de pessoas não tem acesso regular à água.

Dentro da legalidade burguesa, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, diz o seguinte:

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”2

No estado do Rio de Janeiro, a água não é considerada como direito básico essencial à vida e à saúde, notadamente neste momento, em que se vive a pandemia da Covid-19. Para se ter saúde, é necessário ter água potável e fornecimento contínuo; e tal direito está sendo negado para a maioria da classe trabalhadora. Estamos falando de um estado com alta taxa de mortalidade por Covid-19, onde muitos sequer têm acesso à água encanada e os que têm sofrem com desabastecimento constante e com água não potável que chega às torneiras.

Em 2020 e em 2021, os fluminenses sofreram com a geosmina, tendo gastos extras com compra de água mineral, cujo valor subiu. Isso quem pôde comprar água potável; quem não pôde, ficou exposto a doenças, num cenário em que a saúde está em situação caótica.

A Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) está em processo de privatização com edital de licitação já publicado pelo Governo do Estado3. Tudo no capitalismo é mercadoria, inclusive o acesso à água e ao esgoto tratado. O acesso à água potável é negado à maioria das pessoas, notadamente às camadas pior remuneradas da classe trabalhadora; e sequer adianta ferver água, pois a maior parte dos resíduos é de origem industrial, com conhecimento dos gestores, que nada fazem a esse respeito.

A “concessão”, na verdade privatização, destes serviços é uma exigência do Regime de Recuperação Fiscal, que permitiu no ano de 2017 a suspenção do pagamento de dívidas do Estado com a União3. Com esse processo, a restrição ao acesso à água será maior, principalmente para as parcelas mais empobrecidas da classe trabalhadora.

Sabemos que a corrupção é inerente ao capitalismo e sua sanha por lucros. Isso não seria diferente no Rio de Janeiro, que sofreu com a corrupção por longos anos em diversos governos, com serviços sucateados pela própria gestão – como ocorreu na Cedae, onde, infelizmente, esta lógica foi assumida pelo corpo gerencial da companhia. Agora, quem é chamada a pagar a conta, mais uma vez, é a classe trabalhadora.

Como dito, com a busca do lucro acima da saúde e da vida da classe trabalhadora, a Cedae foi sucateada por diversas gestões, com o serviço mal prestado e, agora, a “solução” para as dívidas e para possibilitar “um serviço melhor” à população seria o setor privado assumir essa missão. Não sejamos ingênuos. Por que uma empresa, que visa ao lucro, estaria interessada em assumir a gestão de uma companhia sucateada, com dívidas, se ela não lhe proporcionasse lucros maiores do que o que será lançado em edital?

O que se pode concluir é que o próprio Estado sucateia os serviços, com o não investimento, com a diminuição no repasse de verbas, com demissão de quadros importantes no controle da qualidade da água4, bem como com a omissão ao não tomar medidas quanto ao reservatório que se enche de água poluída oriunda de empresas. Tudo isso para que a administração pública possa ter a “desculpa” de que a privatização proporcionaria um serviço melhor… Já vimos isso acontecer na saúde e sabemos no que deu.

Possivelmente, poderemos ver no Rio de Janeiro o que ocorre no Chile, o único país do mundo em que a Constituição diz que a água é um “bem privado”5. Lá, os mais pobres ficam em longas filas para terem acesso à água ou têm-na por pouco tempo e até animais morrem. Algumas falas mostram a realidade neste país, que sofre uma crise hídrica, onde a água é privatizada:

“Eu não conto (as vacas mortas), porque todos os dias uma morte amanhece, duas, três […]. E eu não dou mais, não tenho mais como alimentá-las”.

“A água é de todos […] a água é um direito, não é um negócio e um comércio.”

“Estamos a falar de um processo de desertificação e não de um problema de seca temporária ou falta de chuva.” 6

Com a privatização da água, os chilenos se veem obrigados a escolher se cozinharão ou se lavarão suas roupas: “A gente teve que parar de lavar roupa para poder cozinhar7. A água é racionada – 50 litros diários, o suficiente para um banho de 5 minutos, e quando acaba, a classe trabalhadora é quem deve contratar o “bem privado”, cujo valor se eleva, “naturalmente”.

Algumas falas podem projetar o que o estado do Rio de Janeiro viverá com a privatização da água:

“Eu não tenho o bastante para a água que eu consumo, mas realmente não tenho dinheiro para comprar mais, não tenho.”

“O estado foi claro, a água providenciada é só para consumo humano, sinto raiva, impotência, estamos de mãos atadas e abandonados.” 7

Esse curto paralelo com a situação chilena nos mostra as duras consequências que a privatização da água poderá ter, seja no consumo doméstico, seja na agricultura, no cuidado dos animais domésticos, na pecuária, fazendo com que os trabalhadores paguem para que o capital lucre mais.

Com base nisso, defendemos a estatização da Cedae sob o controle da classe trabalhadora, pois é inadmissível que um elemento tão essencial à vida humana seja tolhido a muitos e se torne uma mercadoria!

Como o próprio Estado tem sucateado o serviço de água e se omitido em assumir as ações que deveria para garantir qualidade, qualquer empresa que assumir a Cedae e tomar as mínimas medidas passará a imagem de que a prestação do serviço melhorou. Ledo engano; mas este é o objetivo da política de privatização, repito: ao mudar imediatamente para empresa privada, esta toma poucas medidas e já se notará uma brutal melhora na prestação do serviço, pois se despeja esgoto direto na água, fará parecer que a privatização foi boa, só tomando poucas medidas, isso porque a administração pública não age.

O sistema capitalista mostra, de forma cada vez mais clara, o que a vida dos trabalhadores vale para ele: nada! Não se importa se morrerem aglomerados nos transportes indo para serviços não essenciais e se, ao chegarem a casa, terão ou não água para suas necessidades mais básicas. E esse Estado está a serviço da burguesia.

Por isso, de forma cada vez mais nítida, fica claro para a classe trabalhadora que temos apenas a nós mesmos para contar. A nossa força e arma estão na nossa organização.

Conheça e faça parte da Esquerda Marxista.

  • Contra a privatização da Cedae!
  • Pela estatização da Cedae sob controle da classe trabalhadora!
  • Pelo direito à vida! Pelo socialismo!
  • Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais.

Referências:

1 <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-05/falta-agua-em-um-de-cada-dez-domicilios-brasileiros>

2 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>

3 <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/12/29/governo-do-rj-lanca-edital-de-privatizacao-da-cedae.ghtml>

4 <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/01/16/em-meio-a-crise-cedae-acumula-indicacoes-feitas-pelo-pastor-everaldo.htm>

5 <https://factchecking.cl/user-review/la-constitucion-actual-trata-como-bien-privado-al-agua-a-pesar-que-en-el-codigo-civil-se-define-como-de-uso-publico/>

6 <https://es.euronews.com/2019/12/12/chile-sequia-historica-y-funesta-en-un-pais-con-el-agua-privatizada>

7 <https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2018/03/21/miseria-pura-ex-agricultores-chilenos-sofrem-em-regiao-de-agua-privatizada.htm>