A dinâmica atual de desenvolvimento e expansão do agronegócio não está desvinculada da lógica estruturalmente desigual do capitalismo. Contudo, igualmente necessária é a manipulação ideológica das mais diversas situações de precariedade a que estão submetidos vários trabalhadores e a exploração realizada por vários agentes relacionados ao agronegócio.
A dinâmica atual de desenvolvimento e expansão do agronegócio não está desvinculada da lógica estruturalmente desigual do capitalismo. Contudo, igualmente necessária é a manipulação ideológica das mais diversas situações de precariedade a que estão submetidos vários trabalhadores e a exploração realizada por vários agentes relacionados ao agronegócio.
Apesar de Kátia Abreu negar a existência de latifúndios, por exemplo, atribui-se ao caso brasileiro a existência de uma das maiores propriedades de terra do mundo, uma área de cerca de 300 mil km2 de extensão, o que equivale a três vezes a extensão de Portugal. Além disso, no decorrer do primeiro governo de Dilma a concentração de terras aumentou 2,5%, sendo que de acordo com dados do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), no período de 2010 a 2014, os grandes proprietários obtiveram o controle de seis milhões de hectares o que equivale a três vezes – repito: três vezes! – o estado de Sergipe. Vale também lembrar que 175,9 milhões de hectares são improdutivos no Brasil, de acordo com informações do Atlas da Terra Brasil 2015, elaborado pelo CNPq/USP.
Outro ponto importante neste debate é a explicitação de toda polêmica que o uso de agrotóxicos vem suscitando não somente no que concerne à saúde dos trabalhadores do campo que lidam com esses venenos cotidianamente, mas também e, sobretudo, na qualidade dos alimentos que todos nós ingerimos diariamente. O mercado de agrotóxicos é monopolizado pelas empresas: Basf, Monsanto, Bayer, Syngenta, Dow e Dupont que, em 2010, obtiveram 67% de participação no mercado mundial de agrotóxicos. Ainda em 2010 o lucro dessas multinacionais foi de 7,3 bilhões de dólares e alcançando em 2011 o patamar de 8,2 bilhões de dólares. Não é por acaso que a cada ano 3 milhões de pessoas se intoxicam com os agrotóxicos e mais de 220 mil chegam a morrer o que corresponde a 660 mortes por dia, 25 mortes por hora de acordo com o trabalho de Graciela C. Gómes intitulado “Los agrotóxicos: el nuevo holocausto invisible”.
É preciso refletir que a não divulgação em massa dessas e de muitas outras contradições e perversidades do agronegócio e do próprio capitalismo se articula a uma dinâmica material e ideológica de proteção aos pontos de vista e à situação das classes dominantes. Por isso, temos o desafio, enquanto homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras em “juntar os cacos”. Precisamos lembrar o ensinamento de Lukács em seu célebre “História e Consciência de Classe”: “É o ponto de vista da totalidade e não a predominância das causas econômicas na explicação da história que distingue de forma decisiva o marxismo da ciência burguesa.” Assim sendo, é a partir da análise das contradições e das desigualdades que o agronegócio apresenta que podemos vislumbrar um ponto de vista mais próximo da totalidade, articulando essa reflexão, inclusive, ao movimento de expansão do modo de produção capitalista.
Um dos investimentos ideológicos contemporâneos do agronegócio é sua invasão em escolas públicas, por meio de projetos “educativos”, como é o caso do programa “Agronegócio na Escola”, uma iniciativa da Associação Brasileira de Agronegócio da Região de Ribeirão Preto – ABAGRP.
O programa “Agronegócio na Escola” é desenvolvido desde 2001 nesta região do estado de São Paulo na Educação Básica com escolas públicas de ensino, trabalhando “temas relativos ao Agronegócio com professores, coordenadores e alunos das duas últimas séries do ensino fundamental, jovens na faixa etária de 13 a 14 anos de idade”. De acordo com a ABAGRP mais de 135 mil alunos e 8 mil professores já participaram do programa que tem como um dos objetivos: “levar conceitos fundamentais do agronegócio aos alunos e, através de visitas às empresas associadas, possibilitar a conexão entre teoria e prática, levando a realidade do setor e da região para a sala de aula, e vice-versa”. No entanto, o programa aparece de modo impositivo à realidade escolar e ao trabalho pedagógico dos professores que são obrigados a participar de palestras e visitas à fazendas, usinas e empresas. O município de Ribeirão Preto – SP ganhou o título de “Califórnia Brasileira” ao igualar seu PIB per capita ao do estado da Califórnia nos EUA, sendo as atividades ligadas ao agronegócio responsáveis em grande parte ainda hoje por esse título tão propagandeado pela mídia local.
Dessa forma, pode-se refletir sobre as ações do programa “Agronegócio na Escola” como uma ação da iniciativa privada na ideologização manipuladora da classe trabalhadora docente, pais e alunos da educação formal pública daquela região como forma de disseminação ideológica de uma educação para o campo nos parâmetros de defesa implícita dos interesses das elites agrárias como forma de obter o consentimento e aceitação de várias ideias dentre as quais é possível agronegócio e “desenvolvimento sustentável” andarem de “mãos juntas” e de que a iniciativa privada é capaz de envolver e resolver questões da escola pública.
Essa é uma iniciativa ideológica, pois não discute os conflitos no campo, as desigualdades e as contradições da questão agrária brasileira. Do lado oposto, temos a ação organizada de trabalhadores camponeses, em movimentos sociais do campo, defendendo efetivamente o direito à educação, uma educação que não venha “de cima pra baixo”, mas que seja do território camponês, de sua gente e cultura, na meta pela apropriação de todo conhecimento elaborado pela humanidade. Exemplo disso é a Campanha Nacional Fechar Escola é Crime!
Várias escolas no campo foram fechadas nos últimos anos sem o consentimento, em muitos casos, das comunidades camponesas daqueles territórios. É por isso que há anos os trabalhadores do campo vêm concretizando ações na defesa da Educação do Campo, como meta para se problematizar a vida e o trabalho de diversas famílias camponesas. Assim, precisamos estar atentos contra a invasão que o agronegócio tem realizado em nossas escolas públicas e reivindicar, juntos e organizados, a ocupação escolar, a ocupação dos vários espaços e contextos segregados a todos camponeses historicamente no caso brasileiro. Que possamos lembrar com Roseli Salete Caldart que: “O que estamos afirmando é a necessidade da escola (instituição social) ser ocupada (ou deixar-se transformar) pelos seus próprios sujeitos (educandos, educadores, comunidade), na sua identidade coletiva de Sem Terra, de camponês, de trabalhador do campo, de classe trabalhadora, de ser humano, entendidas no espiral dialético entre específico e geral, entre singularidade e universalidade e não como identidades separadas ou que se negam uma a outra.”