Foto: Pedro Guerreiro, Agência Pará

A pandemia no Brasil: o risco iminente de um desastre social

Com poucas exceções, a regra geral que explica as oscilações da pandemia não foi alterada: mesmo quando o risco imediato de um colapso do sistema de saúde obriga o Estado burguês a implementá-las com algum rigor, a eficácia das quarentenas é corroída pela lógica econômica dos capitais individuais e pela estreita mentalidade da burguesia, principalmente ao promover o contágio nos transportes públicos e nos locais de trabalho.

Essa lógica e essa estreiteza são agravadas pelo negacionismo radical do governo Bolsonaro, que é o retrato mais acabado da debilidade da burguesia brasileira. Como um demagogo a serviço da burguesia, ansioso para que ela reconheça o seu valor, e sobretudo avaliando que tal reconhecimento poderia garantir a sua sobrevivência política, Bolsonaro atuou deliberadamente contra as medidas sanitárias, sem ignorar as consequências potenciais em mortes que poderiam ser evitadas.

O Ministério da Saúde, sob o comando do general Pazzuelo, fiel seguidor das ideias de Bolsonaro, não realizou sequer uma campanha de orientação sobre as medidas de prevenção, não coordenou as ações das entidades estaduais e municipais, e ainda divulgou informações falsas sobre a eficácia do uso precoce da cloroquina e outros medicamentos, além de não utilizar boa parte dos recursos do orçamento da saúde.

Inclusive as providências para obter uma pequena quantidade de vacinas só foram tomadas com muito atraso e sob pressão, quando Bolsonaro e seu general-ministro perceberam que, nessa questão das vacinas, poderiam ficar muito isolados. Afinal, a burguesia quer a vacinação em massa para salvar a economia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem batendo nessa tecla, divergindo de Bolsonaro neste ponto, há vários meses.

Neste momento, o Brasil é um dos pontos fora da curva na evolução global da pandemia. Ainda que não tenha interrompido a sua expansão em nenhum momento, a pandemia apresentou uma nova onda ascendente que começou em novembro, atingiu um “pico” em janeiro (bem mais alto que o anterior no primeiro semestre de 2020) e novamente começou uma redução em fevereiro, tanto em número de novos casos quanto de óbitos.

Como outros países (Hungria, Ucrânia etc.) que também são pontos fora da atual tendência global, no lugar de uma redução, no Brasil estamos vendo uma grande aceleração no aumento de casos e de óbitos, particularmente nas duas últimas semanas, que dessa vez atinge o país de modo quase homogêneo, do Norte ao Sul. Embora o Brasil realize uma quantidade de testes diagnósticos muito menor do que os Estados Unidos, agora o número de novos casos é maior aqui do que no baluarte do imperialismo, onde a pandemia já matou mais de meio milhão de americanos.

O aparecimento das “cepas variantes” é um resultado direto do descontrole da pandemia. Em função da seleção natural das mutações espontâneas, quanto mais é permitida a circulação do vírus, maior é a chance dele aperfeiçoar a sua capacidade de infectar um número maior de indivíduos. De acordo com os estudos mais recentes, a cepa variante que surgiu em Manaus, que é entre duas a três vezes mais transmissível que as anteriores, tornou-se a cepa predominante também nas outras regiões.

Além disso, quanto mais a vacinação for retardada, de novo em razão da mecânica da seleção natural, mais provável é o surgimento de variantes resistentes às vacinas em uso, embora ainda não esteja claro em que medida isso já estaria ocorrendo. Portanto, enquanto uma vacinação eficaz não for implementada de maneira ampla em todos os países, as medidas sanitárias para deter o contágio continuarão sendo o principal instrumento de saúde pública no enfrentamento da pandemia.

Depois que mais de 200 mil brasileiros já tinham morrido pela Covid-19 ao longo do ano passado, a tragédia que aconteceu em janeiro no estado do Amazonas, onde centenas de pessoas morreram por falta de oxigênio e de leitos de UTI, ameaça agora repetir-se em escala nacional. De fato, a mídia está noticiando que centenas de doentes já estão na “fila de espera” por leitos de UTI. O número diário de óbitos provavelmente deverá superar a marca de 2 mil no curtíssimo prazo de alguns dias, e depois continuará subindo.

O curso da pandemia, no Brasil, pode transbordar para um desastre social generalizado. São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Fortaleza, Cuiabá, Florianópolis etc., simultaneamente atingidas no mesmo patamar da tragédia em Manaus? Essa é uma possibilidade real que pode concretizar-se nas próximas semanas. Embora a estrutura do sistema de saúde em Manaus seja mais frágil do que a média nacional, a estrutura nas outras capitais, e em muitas outras cidades, não pode suportar uma disparada exponencial de novos casos graves.

Muitos epidemiologistas estão enfatizando a necessidade urgente de um lockdown rigoroso em todo o país por ao menos seis semanas, que deveria ter sido implementado antes para que não chegássemos à situação crítica na qual já estamos. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que tenta ocupar o papel de grande crítico do negacionismo de Bolsonaro, anunciou medidas muito superficiais, mantendo o transporte público lotado, as indústrias não essenciais funcionando, além das escolas, das igrejas etc. Doria e os outros governadores, e a maioria dos prefeitos, ainda que sejam críticos do negacionismo da boca para fora, seguem a mesma lógica dos capitais individuais na pandemia.

A débil burguesia brasileira está dançando com Bolsonaro na beira do precipício. O problema é que Bolsonaro pode ter levado longe demais a lógica dos capitais individuais na sua guerra contra as medidas sanitárias. Especialmente em momentos críticos, o Estado Burguês existe para defender os interesses do conjunto da grande burguesia, como tem sido o caso na regra geral das oscilações na evolução da pandemia. Neste sentido, Bolsonaro pode estar paralisando o Estado burguês, cuja ação para reduzir o contágio torna-se urgentemente necessária para evitar um forte abalo na ordem social.

A burguesia brasileira é realmente débil, e disso tem dado provas suficientes, mas certamente que não seria por amor ao Bolsonaro que ela o acompanharia para o precipício.