A morte de Miguel e a dor das mulheres trabalhadoras

A morte de Miguel, de 5 anos, em meio à uma semana na qual o mundo está em revolta contra o racismo abre mais uma ferida na classe trabalhadora.

Esse caso particular encerra em si os inúmeros elementos da sociedade de classes, na qual a classe trabalhadora é tratada como mera peça de reposição na engrenagem capitalista.

A família burguesa, com marido prefeito de uma pequena cidade e primeira dama que mora na capital, habita um prédio chamado de “Torres Gêmeas” em Recife, cuja construção se deu em meio a fraudes e polêmicas. O projeto arquitetônico desse e de outros empreendimentos similares se apoia na ideologia de “modernizar” o centro histórico da cidade, acabando com prédios históricos e locais públicos de lazer e convivência.

A mesma família incluiu o nome de Mirtes, mãe de Miguel, na lista de funcionários da prefeitura de Tamandaré, onde o patrão é prefeito, demonstrando a forma como a classe dominante trata a coisa pública.

A situação de Mirtes e Miguel é a situação de milhares de mães e filhos da classe trabalhadora. Mães que precisam trabalhar, sem ter onde deixar seus filhos. Mesmo em condições “normais”, fora da pandemia, todos conhecem alguém que, alguma vez, precisou levar os filhos ao trabalho por não ter com quem deixá-los. Mesmo com o funcionamento regular das escolas, o Estado não garante a quantidade nem a qualidade necessária para a educação em tempo integral, as vagas necessárias na educação infantil e muito menos espaços de lazer e cultura para essas crianças.

E isso tem sido assim há muitos séculos, e desde muito tempo os marxistas incluem em sua luta o direito à educação pública e gratuita para todos, a socialização dos serviços domésticos, a ampliação das licenças maternidade e paternidade, o direito ao aborto, o salário igual para trabalho igual de homens e mulheres e a abolição da sociedade de classes.

E os marxistas sempre tiveram certeza, desde os escritos de Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin e Alexandra Kollontai, de que a luta da mulher trabalhadora é distinta e antagônica às demandas da mulher burguesa. A luta de Mirtes, por direito ao trabalho e salários dignos, por educação e condições de vida digna para Miguel, é muito distinta das demandas de Sari Corte Real, que incluem, por exemplo, a extrema necessidade de manter a empregada doméstica trabalhando em sua casa mesmo durante uma pandemia. Sari tem direito ao isolamento social, Mirtes e sua família não.

A morte de Miguel é a morte de milhares de crianças e jovens negros da classe trabalhadora, que diariamente convivem com a violência da fome, da pobreza, da polícia e do Estado. Crianças e jovens filhos da classe trabalhadora que, nesse cenário de pandemia, são levados pela política assassina de Bolsonaro a ter que escolher entre a fome ou a doença. 

Mas a classe trabalhadora pode tomar seu destino em suas mãos e construir um futuro no qual a exploração da nossa classe já não exista e no qual possamos usufruir tudo que existe de melhor no mundo e que é produzidos por nós!

  • Basta de exploração! Chega de mortes!
  • Isolamento social como direito de todos os trabalhadores!
  • Fora Bolsonaro! 

Eu só queria a minha mãe (Por Rosane Nienchoter)

Era mais um dia para limpar, cozinhar, passar, servir, resistir ao sistema e se expor à pandemia, doentia. E eu só queria a minha mãe.

Era mais um dia puxado, de sobrevivência diária à perversa economia, de luta pelo necessário, mas virei estatística do disfarçado racismo e do noticiário. Eu só queria a minha mãe.

Era mais um dia de satisfazer os caprichos e futilidades da patroa, além dos afazeres domésticos, passear com seus cachorros, à toa. Eu só queria minha mãe. 

Era mais um dia de rotina, como de tantas mães que compartilham trabalho e maternidade, mas virei sinônimo de impunidade pela arrogância inconsequente da esposa de uma autoridade. Eu só queria minha mãe.

Era mais um dia como de tantas mulheres da classe trabalhadora, mas terminou em barbárie, fui abandonado ao acaso, ao pouco caso, à desigualdade, à injustiça, rasos 20 mil reais. 

Meu nome era Miguel, tinha 5 anos, negro e pobre, filho da empregada doméstica. Morri pela indiferença, quando o trágico egoísmo da burguesia apertou o botão do nono andar.  Mas, como todo menino nessa idade, eu só queria minha mãe. 

Vidas negras e pobres não importam? foi o que pensei. Perdendo minha infância e me despedindo da vida e àquela altura, certamente, eu só queria a minha mãe.