A luta contra o Future-se e os limites das direções da UNE e ANPG

A UNE e a ANPG, em parceria com a gestão das reitorias de instituições como IFSP e UNIFESP, lançou o documento “Outro Futuro para Universidades e Institutos Públicos”, dia 2 de novembro, em contraposição ao programa Future-se. Busca-se com esse projeto, elaborado sob responsabilidade de setores da esquerda reformista como PCdoB e PT, direcionar a insatisfação dos estudantes, mobilizados ao longo dos anos, para as disputas institucionais, combatendo o Future-se sem questionar o avançado processo de privatização em curso das universidades e dos institutos federais.

Embora aponte para problemas graves das instituições de ensino que devem estar na pauta dos movimentos ligados à educação, como o corte no orçamento ou os ataques aos trabalhadores, e ainda que defenda temas fundamentais, como a autonomia universitária, o documento não aponta para medidas que possam levar à superação da atual situação das instituições de ensino. O projeto da UNE e da ANPG apresenta apenas propostas de melhoria nas condições imediatas, ou seja, não critica os fundamentos sobre os quais se sustenta o Future-se.

O Future-se foi um projeto lançado em julho pelo governo federal, com objetivo de modificar profundamente o caráter das instituições federais de educação, afetando principalmente a gestão, que passaria a ser compartilhada com uma organização social, e o financiamento, que estaria associado a fundos ligados ao capital financeiro. Se a primeira versão do texto foi criticada de forma quase unânime, a segunda parece ter ganhado a simpatia de muitos gestores, pois incorporou a possibilidade de a mediação com o programa ser feita por meio das fundações de apoio atualmente em funcionamento nas instituições de ensino.

O Future-se não pode ser entendido como outra coisa que não parte dos ataques promovidos pelo governo, em especial por meio do corte de orçamento que, por sua vez, é consequência do “teto de gastos” imposto pela PEC 95. Esse é o mecanismo legal que garante o sufocamento nos investimentos e na manutenção das instituições de ensino, apresentando-se agora o Future-se quase como uma salvação para a difícil situação que os próprios governos criaram nos últimos anos. Por isso é preciso fazer um debate que vai muito além das meras discussões estéticas propostas no documento publicado pela UNE e ANPG.

O fato de não questionar profundamente a atual situação das universidades faz com que esse documento seja conivente com aspectos do processo de privatização. Em certo momento, afirma-se: “Universidades inovadoras são as que pensam os problemas do país em uma perspectiva social e não mercantil, por isso são relevantes as parcerias público-privada, com entidades civis, comunidades e movimentos sociais e não apenas com empresas privadas”. O documento, portanto, não vê problema na relação com empresas privadas, desde que estenda essa relação para ONGs e movimentos sociais.

Outro ponto problemático se dá quando afirma: “Ampliar a rede de atendimento dos Hospitais Universitários e manter seu atendimento 100% SUS”. Com certeza a proposta de uma saúde totalmente pública é fundamental, mas, no caso dos HUs, qualquer reivindicação deveria partir prioritariamente da extinção da Ebserh, que fere a autonomia das universidades e abre as portas para a privatização.

No que se refere às terceirizações, o documento também deixa a desejar, na medida em que se limita a “rechaçar propostas que ampliem a terceirização e a substituição do servidor público por celetista e contratado sem concurso”. Não reivindica, portanto, o fim imediato das terceirizações ou mesmo uma pauta fundamental para os técnico-administrativos, que é a retomada de concurso público para os cargos extintos.

O documento também reivindica a PEC 24/2019, que propõem tirar da contabilidade do “teto de gastos” as despesas próprias das IFES (ou seja, o documento aceita a existência da PEC 95, sem exigir sua imediata revogação). Essas despesas são assim definidas na PEC: “Os recursos diretamente arrecadados no exercício ou em exercícios anteriores, de natureza financeira e não financeira, são aqueles cuja arrecadação tem origem no esforço próprio da universidade nas atividades de fornecimento de bens ou serviços facultativos e na exploração econômica do próprio patrimônio e remunerada por preço público ou tarifas, bem como o produto da aplicação financeira desses recursos”. Portanto, no caso desses recursos, pode-se estar falando inclusive de investimentos privados, provenientes da alienação de imóveis ou mesmo da venda de serviços para empresas.

O documento, lançado como projeto pela UNE, ANPG e reitorias, mostra-se como mais uma forma de desviar a luta para um caminho de derrota. A tática apresentada se limita a resistir aos ataques de Bolsonaro, combatendo institucional e pontualmente suas medidas, sem colocar como horizonte a derrubada do governo. Qualquer projeto para a educação superior deve estar baseado na plena autonomia das instituições, no combate a qualquer forma de privatização e na defesa da educação pública, gratuita e para todos.