Imagem: Writersguildwest, Instagram

A greve dos roteiristas de Hollywood e a luta contra a burguesia

Os roteiristas de Hollywood estão em greve. Na noite de 1º de maio, a Writers Guild of America (WGA, algo como Associação de Roteiristas da América, em português) anunciou que não se havia chegado a um acordo nas negociações com algumas das maiores produtoras de cinema e televisão, entre as quais Apple, Netflix, Amazon, Disney, Warner Bros., Discovery, Sony, Paramount e NBC Universal, representadas pela Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP). Com isso, o sindicato, do qual fazem parte cerca 11.500 pessoas, anunciou a paralisação dos trabalhadores a partir do dia seguinte.

Interrompidas durante a pandemia da Covid-19, as grandes produções de cinema e televisão retomaram em meados de 2020. Essa retomada veio acompanhada de um conjunto de denúncias na piora das condições de trabalho, em jornadas extenuantes e até mesmo em acidentes de trabalho. Soma-se a isso a ameaça de demissões, principalmente em produtoras que têm passado por reestruturações e fusões, como a Warner e a Disney.

Os roteiristas, por meio de seu sindicato, apontam dificuldade em receber remunerações reajustadas pela inflação. O salário médio recebido pelos roteiristas é de US$ 229 mil anuais. Para chegar-se a essa média, entram no cálculo tanto os salários mais elevados, normalmente recebidos por um pequeno grupo de profissionais que participam de grandes produções, como o da maioria dos roteiristas, muitos dos quais recebem o piso salarial. Em termos de comparação, basta lembrar que atores e atrizes protagonistas das grandes produções de cinema ganham, na maior parte dos casos, US$ 10 milhões ou mais por cada um de seus trabalhos. Nas principais produções de televisão, é comum que as grandes estrelas ganhem mais por cada um dos episódios do que os roteiristas em um ano (por exemplo, o ator Pedro Pascal, no recente sucesso da HBO, The Last of Us, recebeu US$ 600 mil por cada um dos nove episódios da primeira temporada da série).

O sindicato dos roteiristas também tem levantado a discussão sobre o uso da Inteligência Artificial (IA). Os roteiristas pedem a regulamentação do uso dessa tecnologia em produções, de tal forma que a IA não possa ser usada para escrever ou adaptar qualquer material. Quanto aos grandes estúdios, representados pela AMPTP, propõe que sejam realizadas reuniões anuais para discutir o avanço da tecnologia e seu uso no desenvolvimento de projetos. O sindicato dos roteiristas, diante dessa questão e de outras posturas assumidas pelos grandes estúdios, aponta para o risco de que a categoria se torne uma “profissão freelancer”.

Os roteiristas também pedem a possibilidade de trabalhar em mais de um projeto ao mesmo tempo. Como está estabelecido atualmente, se um escritor trabalha em uma determinada série, por exemplo, não pode trabalhar em nenhum outro projeto, mesmo durante a pausa entre as temporadas. Nos últimos anos, em função da pandemia ou de problemas econômicos, foi comum que muitos programas fizessem pausas mais longas que o normal. Nesse contexto, pelas regras atuais, os roteiristas não têm como compensar com outros trabalhos os períodos em que não estão recebendo.

Outro entre os pontos centrais nas reivindicações dos roteiristas passa pela questão dos chamados “ganhos residuais”. Esses são valores pagos aos profissionais envolvidos em produções que são reprisadas ou retransmitidas em canais de televisão ou mesmo por outras mídias. Contudo, com as plataformas de streaming, não existe um repasse do valor residual para os roteiristas. Estes recebem apenas um valor fixo, independentemente do sucesso da produção em que estiveram envolvidos.

Pouco mais de quinze anos atrás, os roteiristas se mobilizaram e realizaram uma grande greve, iniciada em 5 de novembro de 2007 e concluída em 12 fevereiro de 2008. Na ocasião, projetos em andamento foram abandonados pelos grandes estúdios, produtores largaram produções no meio e muitas séries ou foram canceladas ou tiveram suas temporadas reduzidas. A postura intransigente dos grandes estúdios de não atender as reivindicações dos trabalhadores resultou na perda de 37 mil empregos e no prejuízo de cerca de US$ 2,1 bilhões. Certamente é o fantasma desse impacto na economia o que fez o próprio presidente Joe Biden se pronunciar sobre a greve:

“Espero sinceramente que a greve seja resolvida e que os escritores recebam um acordo justo o mais rápido possível. Esta é uma indústria americana icônica e significativa e precisamos dos escritores – e de todos os trabalhadores – para contar as histórias de nossa nação, e as histórias de todos nós.”

O atual processo de paralisação dos roteiristas vem encontrando grande adesão entre os trabalhadores e apoio inclusive entre alguns produtores. Neil Gaiman, se referindo à produção da série Good Omens, da Amazon, disse no Twitter:

“Estou no Writers Guild of America. Eu gostaria que isso não estivesse acontecendo e apoio absolutamente. Quando eu acordar amanhã estarei em greve. (Para evitar as perguntas inevitáveis, Good Omens [temporada] 2 foi concluída e entregue. Talvez eu não consiga promovê-la como esperava.”

Um dos roteiristas da série Cobra Kai, da Netflix, disse em suas redes sociais:

“Detestamos entrar em greve, mas se for preciso, entraremos com força. Largamos os lápis na sala dos roteiristas do Cobra Kai. Nenhum roteirista no set. Estes não são momentos divertidos, mas, infelizmente, são necessários. No momento em que um acordo justo estiver em vigor, voltaremos a detonar. Enquanto isso, mandando força e apoio ao comitê de negociação. Vocês conseguem!”

Outras produções já estão sendo impactadas pela greve dos roteiristas, tanto pela ausência dos profissionais como pelo apoio de produtores à paralisação, como nas badaladas séries Grey’s Anatomy (ABC/Disney),  Stranger Things (Netflix) e Os anéis do poder (Amazon), no filme Blade (Marvel/Disney), e em programas de televisão de sucesso nos Estados Unidos, como Last Week Tonight, The Late Show, Jimmy Kimmel Live e Saturday Night Live.

Essa greve se soma ao conjunto de lutas que vêm mobilizando massivos segmentos da classe trabalhadora norte-americana desde, pelo menos, o ano de 2020. Parte disso se materializa na onda de sindicalização crescente nos Estados Unidos, colocando os trabalhadores em enfrentamento direto com grandes empresas, como é o caso da Amazon. Somente os trabalhadores em luta, por meio de suas organizações, podem fazer uma mudança real, na luta pela revolução e pelo socialismo.