Foto: Paulo Desana, Dabakuri, Amazônia Real

A Covid-19 e a segunda onda no Brasil

Após recuo dos números de pessoas contaminadas ou mortas pela Covid-19, o mundo todo tem registrado aumento expressivo de casos da doença.

Apesar da discussão se os países estão vivendo uma segunda onda de contágio ou a continuação da primeira, já que novos casos e óbitos continuaram a existir ininterruptamente – sobretudo no Brasil em que, jocosamente, já se fala em um “efeito pororoca” –, o fato é que as ocorrências da doença aumentaram significativamente, atribuídas ao afrouxamento das medidas de restrição e o retorno à “vida normal”, com o agravante de apresentarem números superiores aos de pico da pandemia anteriormente registrados.

Mundialmente, o número de pessoas infectadas já passou de 56 milhões e superou um milhão de vidas perdidas. A primeira quinzena de novembro, trouxe um novo recorde desde o início da pandemia: mais de 11 mil pessoas morreram em um único dia pela Covid-19. Um número devastador diante de uma doença que, embora sem vacina, ainda poderia ser evitada.

Em termos de ocorrência de casos, os EUA já ultrapassam 11 milhões de casos e 250 mil mortes, atingindo mais de 1.900 mortes em um único dia. Seguido pela Índia, que chega aos 9 milhões de casos, superando 40 mil casos novos nas últimas 24 horas. O Brasil, beira os 6 milhões de casos registrados desde o início da pandemia, em março de 2020, e ultrapassou a marca de 160 mil mortes. A tendência do país era de queda lenta até o mês passado, mas ainda em patamares elevados, o que impede firmar que a pandemia estava sob controle. A França, o país mais afetado da Europa, aponta a ocorrência de 2 milhões de casos.

Mesmo em 3º no ranking de casos de Covid-19 confirmados e registrados, o Brasil passou por problemas na compilação e divulgação de dados relacionados à pandemia no início deste mês de novembro. Alguns estados ficaram impossibilitados de transmitir informações completas, incluindo o número de óbitos. Os governos de São Paulo, Rio de Janeiro e Minhas Gerais alegam que o problema foi em decorrência de bloqueios na transmissão de informações epidemiológicas.  Ao longo dos dias, outros estados também apresentaram dificuldades para transmissão de informações.

É importante lembrar que em junho de 2020, após sair do ar para “manutenção”, o site do Ministério da Saúde alterou seu método de divulgação de dados, ocultando o número total de mortes  e reduziu recursos que permitiam acompanhar a progressão da pandemia no Brasil com mais detalhes, voltando atrás após receber críticas. Agora, Elcio Franco, secretário-executivo do Ministério da Saúde, em pronunciamento, apontou que a falha mais recente na divulgação foi resultado de um ataque de hackers, embora ainda não tivessem informações comprovando o ocorrido. Além da conhecida subnotificação por falta de testagem, também de casos assintomáticos, rastreamento de contágio e até falta de homogeneidade na divulgação dos dados oficiais, a ausência dessas informações básicas para monitoramento compromete a análise precisa para tomada de decisões, quando o objetivo é conter a disseminação do novo coronavírus.

Apesar das inúmeras tentativas de justificar esses absurdos, o fato é que o Brasil tem apresentado uma das piores respostas ao novo coronavírus. Em declarações recentes, o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), se referiu a ocorrência de uma segunda onda da Covid-19 como “conversinha”. O tipo de negacionismo sustentado por Bolsonaro em nada se assemelha às incertezas sobre as características conceituais de uma segunda onda no Brasil; ou mesmo se a pane dos dados oficiais ofereceriam incoerências numéricas para determinar a situação atual da pandemia no país, já que é clara a dificuldade que ele apresenta em reconhecer, minimamente, a ocorrência de uma primeira onda. No estado e na cidade de São Paulo, governo e prefeitura questionadaram a validade dos dados de internação para confirmar a retomadas do crescimento do número de pessoas com Covid-19. Um negacionismo mais elaborado, claramente.

Mas, a despeito das incertezas, especialistas avaliam o aumento dos casos baseados em indicativos de avanço da doença já no mês de outubro, com aumento de casos confirmados e óbitos, além do crescimento no número de internações hospitalares, ao longo desse período até agora, em razão da doença:

“Em ao menos seis capitais, a ocupação de leitos de UTI estaduais chega ou supera 80%, segundo levantamento da Folha com prefeituras e governos estaduais. E o número pode ser maior, já que Recife e Macapá, por exemplo, não informaram dados, mas seus estados apresentam taxas elevadas de lotação, de mais de 70% —e leitos de UTIs tendem a se concentrar a maioria nas capitais.

No Sul, há excesso de pacientes graves da Covid-19 em todas as capitais. São 87,76% dos leitos de UTI ocupados em Florianópolis, 85,38%, em Porto Alegre, 85,39%, e 82%, em Curitiba.” (Folha de S. Paulo)

O secretário da saúde do estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, admitiu, no último dia 16, que o aumento de 18% nas internações se valida como um indicativo e declarou a suspensão no avanço do projeto de flexibilizações intitulado Plano São Paulo. O governador João Doria (PSDB), por sua vez, determinou a reavaliação do Plano SP. Por mais que o atual prefeito, Bruno Covas (PSDB) tente argumentar que São Paulo é um polo de referência para outras cidades e estados – e o números dizem respeito a procura pelos hospitais e não ao aumento efetivo dos casos –, sabemos que tanto Doria quanto Covas se utilizam da mais pura demagogia para criar uma aparência de combate ao vírus, quando na prática, mantêm as empresas e serviços não essenciais abertos, o transporte coletivo funcionando etc.

Em registros oficiais, o Hospital Israelita Albert Einstein e o HCor, entre outros, confirmaram aumento considerável de casos confirmados e internações na última semana. Extraoficialmente, médicos recomendam atenção e retomada das medidas de distanciamento a partir da experiência com o crescimento de casos em seus locais de trabalho. O aumento dos números é consistente tanto em hospitais particulares, quanto em hospitais públicos.

Aponta-se que as contaminações têm ocorrido em função de relaxamento do isolamento social e do uso de máscaras. A cidade de São Paulo passou para a “Fase Verde” em 9 de outubro, que permite ocupação de ambientes em 60% da capacidade, consumo local em bares e restaurantes, retorno de eventos culturais mantendo protocolos de distanciamento, sem restrições de horário. No entanto, como o levantamento da Rede de Pesquisa Solidária, a partir de direcionamentos do Harvard Global Health Institute (HGHI), com o objetivo de analisar a severidade da epidemia, apontou que a cidade de São Paulo avança as fases de flexibilização do Plano SP apesar de manter-se em níveis Moderado-Alto e Alto.

Medidas de relaxamento estão diretamente relacionada com o aumento de novos casos de Covid-19 /Foto: Roberto Parizotti, Fotos Públicas

Especialistas do mundo todo apontam que a flexibilização das medidas de isolamento está ligada ao aumento de casos de Covid-19. O que não se trata de uma novidade já que desde o início da pandemia as restrições e o distanciamento se mostraram essenciais no controle da propagação da doença. Mas também não é novidade que empresários bilionários aumentaram suas fortunas em cerca de 30% enquanto a pobreza no mundo, para aqueles que são impossibilitados de seguir o distanciamento social, se amplia.

Conforme já explicamos em artigo anterior, a atual crise tem suas raízes no sistema capitalista que possibilita às maiores corporações enriquecer às custas do proletariado. A crise e a escassez são terrenos propícios para o aumento da exploração e cortes de direitos, sob o pretexto de “salvar a economia”, mas, o que se vê são empresas que aumentam seus lucros às custas da vida dos trabalhadores. Vale ressaltar que desde o início da pandemia, muitos trabalhadores não tiveram direito ao isolamento social ou a Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados em seus ambientes de trabalho, havendo casos de contaminação em empresas por obrigarem que funcionários doentes se mantivessem em seus postos pelo risco de perderem seus empregos, além do uso do transporte público frequentemente lotado. Uma demonstração clara dos abismos em uma sociedade de classes quando separa aqueles que têm direito ao isolamento social daqueles que não têm.

A crise, que se afirma ser em decorrência das desordens causadas pelo novo coronavírus, na verdade, é a crise de um sistema incapaz de garantir a sobrevivência de todos. O sistema capitalista promove todas as desigualdades que estão na origem e no agravamento desta pandemia: a miséria; a precarização do trabalho e vulnerabilidade das classes mais pobres; o colapso do sistema de saúde sistematicamente enfraquecido; a incapacidade do Estado em amparar jovens e trabalhadores, pois se ocupam em socorrer empresas e pressionar o retorno às atividades, preciosas à sobrevivência desse sistema. Querem, mais uma vez, que os trabalhadores paguem a conta.

Entretando, há uma saída para a classe trabalhadora: lutar pelas reivindicações transitórias apresentadas no Programa Emergencial para a Crise no Brasil.

  • Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais.