A Coreia do Norte, manobras belicistas de um regime agonizante

Há algumas semanas, a mídia internacional vem dando grande destaque às ameaças feitas pelo líder norte-coreano Kim Jong Un contra a vizinha Coreia do Sul, o Japão e os próprios EUA. O jovem e excêntrico sucessor da dinastia iniciada em 1953 por seu avô Kim Il Sung (1912-1994), seguido por seu pai, Kim Jong Il (1941-2011) afirma que seu país está pronto para realizar ataques com mísseis e até mesmo armas atômicas caso os exercícios de guerra realizados por militares sul-coreanos e americanos no Mar Amarelo continuem.

Com essa retórica militarista, que vem acompanhada de desfiles de centenas de milhares de soldados fardados e bradando hinos militares pelas ruas de Pyongyang, capital da Coreia do Norte, Kim Jong Un abandona a imagem de líder mais cosmopolita, que estaria disposto a normalizar as relações de seu governo com a Casa Branca e até mesmo com Seul. Agora, ele adota as mesmas posições belicistas defendidas pelos seus dois antecessores.

Curiosamente, seus três principais adversários na arena geopolítica do Extremo Oriente, Coreia do Sul, Japão e os EUA permanecem curiosamente passivos, se limitando a dar declarações e pronunciamentos, deixando Kim Jong Un seguro o suficiente para anunciar que atacaria Seul com mísseis no dia do aniversário de Kim Il Sung. Trata-se de uma mudança de atitude que merece uma análise mais profunda por parte dos marxistas.

O regime de Kim, baseado na violência contra a classe trabalhadora, está levando adiante uma provocação reacionária e contrarrevolucionária que em nada serve aos trabalhadores. O nível de degeneração do regime de Kim Jong é cada vez maior, a loucura aparente do governo dinástico faz parte de uma política que tenta justificar-se como sendo para resistir contra uma ameaça externa. Na verdade o regime se fragiliza e abre a retaguarda para uma ofensiva capitalista internacional. O crescente abandono do país pela China tora-o ainda mais vulnerável frente aos EUA e Coréia do Sul.

Um regime instável começa a agonizar

Com o fim da União Soviética, em 1991, a Coreia do Norte perdeu sua grande aliada no cenário internacional. A URSS comprava a maior parte das exportações da frágil economia norte-coreana e respondia por quase todas as importações do país. Os mísseis intercontinentais e satélites soviéticos eram o que mantinham as poderosas tropas norte-americanas instaladas no paralelo 38, que separa o país da Coreia do Sul capitalista, longe de Pyongyang.

Além da proteção militar e da dependência econômica, a URSS inspirou o modelo político instalado na Coreia do Norte. Afinal, o primeiro líder do país, Kim Il Sung, viveu parte de sua vida em território soviético e chegou a servir no Exército Vermelho Chinês em uma divisão coreana, que combateu os japoneses e depois, os nacionalistas de Chiang Kai Shek. O culto a personalidade e o estado totalitário, que caracterizam a política interna norte coreana até hoje, foram herdadas dos regimes de Stalin e de Mao.

Sem mais poder contar com a União Soviética para proteção e sustento da economia, a burocracia norte-coreana se viu defrontada com o isolamento internacional. As dificuldades econômicas impostas pela extrema escassez foram agravadas pelos desmandos da burocracia estatal e militar, que até hoje mantém a economia totalmente estatizada, mas com os trabalhadores sob forte controle da polícia política que controla um amplo sistema de prisões, centros de tortura e até campos de concentração.

Com a morte de Kim Il Sung, seu filho, Kim Jong Il, assume o poder em 8 de Julho de 1994. Na ânsia de manter vivo o agonizante regime norte-coreano, o novo líder não hesitou em buscar apoio na China, antiga rival do governo de seu pai. A nova aliança, apesar de garantir a Pequim uma enorme influência sobre os assuntos econômicos do país, não tirou a independência política de Pyongyang, que aparentemente resiste à adoção do modelo de abertura capitalista chinês.

Os motivos são óbvios. Uma abertura política e econômica na Coreia do Norte jamais poderia ser como foi na China e está sendo, agora, em Cuba. A Coreia é uma nação dividida, mas que compartilha a mesma língua e até mesmo a moeda dos dois países tem o mesmo nome, Won. Assim como ocorreu com a fronteira que dividia a Alemanha no sentido leste e oeste, o paralelo 38, que divide a península coreana, está fundamentado na existência de dois regimes econômicos distintos em cada lado, e a extinção de um deles faria com que a essa divisão perdesse sua razão de ser. O passo seguinte seria a unificação, na qual a atual burocracia norte-coreana perderia todos os seus privilégios e, consequentemente, deixaria de existir.

Por ter consciência disso, os líderes norte-coreanos preferem reduzir as condições de vida de seu povo, que já foram melhores que as dos sul-coreanos, à situação de miséria extrema a realizar qualquer mudança no status quo que coloque sua posição privilegiada em risco. Não podem ir na direção do socialismo e está, pela defesa de seu status, enjaulado entre o capitalismo e a própria manutenção de sua essência.  A fome é uma constante no país, além dos blecautes periódicos e da escassez de todos os produtos de higiene básicos, a repressão contra os trabalhadores é o que lhe dá sustentação, mas tremendamente instável.

Essa distinção é importante para a esquerda internacional, cuja parte, muitas vezes confunde o combate ao imperialismo com o apoio a regimes stalinistas como o que é agora liderado por Kim Jong Un. As ameaças do líder norte-coreano, ao invés de ser uma tentativa de resistência a uma investida do imperialismo, são na verdade provocações contrarrevolucionárias que visam desviar e amainar o imenso descontentamento interno do povo norte-coreano frente a uma ameaça externa que a própria burocracia ajuda a engendrar.

Alguns teóricos classificavam equivocadamente o modelo político dos regimes que compunham o chamado “bloco comunista” como sendo de “Estados Operários Deformados”.

Ao contrário da URSS, onde triunfou uma revolução comandada e dirigida pela classe operária, nos demais países (China, Vietnã, Coréia e o anterior Leste Europeu)) o que houve foram revoltas, com forte cunho nacionalista e baseadas em um campesinato pobre e atrasado.  Em nenhum desses países houve uma experiência real de poder baseado nos sovietes, os movimentos já estavam sob o firme controle de uma burocracia dirigente desde os primeiros dias, portanto foram Estados operários burocraticamente degenerados. Essas condições permitiram às burocracias nesses países criar novas versões da fraudulenta teoria stalinista de “socialismo em um só país”. Em comum com a burocracia soviética: todas essas ditaduras se mantiveram no poder apoiadas em gigantescos estados policiais.

A Coreia do Norte é um exemplo dessa farsa. Apesar das inúmeras provas das injustiças e barbaridades cometidas pelos “Líderes Supremos” da Coreia do Norte, algumas organizações de origem stalinista, como o PCdoB no Brasil, seguem apoiando a existência de semelhante regime, acreditando equivocadamente que essa é a forma correta de fazer frente ao imperialismo dos EUA na região e defender a revolução. Ao fazerem isso, influenciam uma parte considerável de direções, criando confusão na classe operária e na juventude. É obrigação dos marxistas no mundo inteiro desmascarar a verdadeira natureza do governo norte-coreano e fazer oposição intransigente a ele e lutar ao mesmo tempo pelo verdadeiro socialismo, contra o imperialismo e contra a burocracia.

Rechaçamos qualquer tentativa de invasão da Coreia do Norte, seja por parte da Coreia do Sul, dos EUA, dos dois em aliança, ou por qualquer força imperialista. Nenhuma catástrofe pode ser pior para os trabalhadores norte-coreanos e também para os Sul-Coreanos, do que uma guerra seguida pela restauração do capitalismo. Lutamos pela unificação das Coreias sob o signo de um único estado dirigido pela classe operária, alicerçado no controle operário em aliança com o campesinato pobre que varra a burocracia.

De qualquer forma, o raio de ação de ambos os lados é na verdade muito curto, apesar da troca de ameaças via imprensa. Os EUA estão presos na crise econômica internacional e no imenso abismo fiscal por ela provocado. Nenhum cenário de guerra, pouco provável, pode terminar com vitória norte-coreana.

Kim Jong Un está utilizando disputas criadas em outros tempos para amenizar o descontentamento interno que cresce nas ruas de Pyongyang, sua capital, e também nas de Nova York, Chicago e Los Angeles.

A tarefa dos marxistas é construir seções em todos os países para conduzir a luta pela derrubada dos governos burgueses e das burocracias em todo o mundo.

Abaixo o Imperialismo! Abaixo o regime de Kim Jong Un! Lutar pelo Socialismo!