A batalha de Belo Monte

Enquanto que o governo Dilma propaga aos quatro ventos que Belo Monte é necessária para o desenvolvimento do país, para impedir o “apagão” elétrico e que os índios e os ambientalistas são contra o progresso, a realidade, escondida do “cidadão comum” que vive nos grandes centros urbanos, é bem diferente.

Enquanto que o governo Dilma propaga aos quatro ventos que Belo Monte é necessária para o desenvolvimento do país, para impedir o “apagão” elétrico e que os índios e os ambientalistas são contra o progresso, a realidade, escondida do “cidadão comum” que vive nos grandes centros urbanos, é bem diferente.

No coração da floresta amazônica, no Rio Xingu, Estado do Pará, uma guerra já começou. É a guerra contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte que opõe de um lado, a obstinada política da presidente Dilma Rousseff, aliada das grandes empreiteiras, empresas mineradoras e dos interesses do imperialismo na região, e de outro, os povos e nações indígenas do Xingu, os povos ribeirinhos e da floresta, assim como a comunidade científica brasileira, as organizações ambientais brasileiras e internacionais e militantes de diferentes partidos e organizações populares que lutam para preservar o ecossistema do Xingu, onde a vida das nações indígenas e das comunidades populares são os componentes mais importantes.

A resistência contra a construção da Usina de Belo Monte se transformou no grande símbolo de defesa da floresta amazônica e da vida dos seus povos. Enquanto que o governo Dilma propaga aos quatro ventos que Belo Monte é necessária para o desenvolvimento do país e impedir o “apagão” elétrico e que os índios e os ambientalistas são contra o progresso, a realidade, escondida do “cidadão comum” que vive nos grandes centros urbanos, é bem diferente.

Conforme denunciou a jornalista Eliane Brum, da revista Época, em outubro do ano passado:

“O governo federal publicou um pacote de sete portarias ministeriais com o objetivo de “destravar a concessão de licenças ambientais no país para acelerar grandes empreendimentos, como rodovias, portos, exploração de petróleo e gás, hidrelétricas e até linhas de transmissão de energia”. Ou seja: o governo caminha para anular as conquistas socioambientais obtidas na redemocratização do país.

Dias antes, em 26 de outubro, o Senado havia aprovado um projeto de lei que retira o poder do IBAMA para multar crimes ambientais, como desmatamentos. Se não for vetado pela presidente, o poder de multar passará para estados e municípios, sujeito às pressões locais já bem conhecidas. A aprovação do projeto aconteceu quatro dias depois de mais um assassinato no Pará: João Chupel Primo, mais conhecido como João da Gaita, foi morto com um tiro na cabeça, depois de denunciar ao Ministério Público Federal, em Altamira, uma rota de desmatamento ilegal na reserva extrativista Riozinho do Anfrísio e na Floresta Nacional Trairão, área do entorno de Belo Monte. Como de hábito, o Congresso decide os rumos do país desconectado com o que acontece na vida real para além do aquário brasiliense”.

A jornalista ainda acrescenta:

“No momento histórico em que recursos como água e biodiversidade se consolidam como o grande capital de uma nação, o Brasil, um dos países mais beneficiados pela natureza no planeta, corre em marcha ré”.

As comunidades do Rio Xingu, especialmente as diversas etnias indígenas, têm muitos motivos para se preocuparem e combaterem a construção da Usina. Está em jogo o futuro das tribos indígenas no Xingu, sua cultura, suas tradições e seus estilos de vida. A obra, que por si só vai provocar uma devastação sem precedentes na região da estrada Transamazônica e no entorno do Rio Xingu, é um “cavalo de Tróia”, a porta de entrada de um programa de construção de várias usinas hidrelétricas na Amazônia. Belo Monte é uma obra prioritária do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) cujo motivo velado, não revelado ao povo brasileiro, que está sendo enganado com a história de “apagão”, consiste em fornecer energia elétrica para as indústrias de alumínio no Maranhão, grande consumidora de energia, de propriedade da empresa norte-americana ALCOA, devidamente instalada nas terras da “capitania hereditária” do senador José Sarney, o grande aliado dos governos Lula-Dilma.

Um conflito que não para de crescer

A Usina Hidrelétrica de Belo Monte faz parte do complexo hidrelétrico do Xingu, concebido no final da ditadura militar pela Eletronorte, a ser implantado a partir das usinas de Babaquara e Kararaô (agora Belo Monte). O projeto foi elaborado por uma subsidiária da empreiteira Camargo Correa. Os próprios responsáveis pelo projeto, na época apontaram em um relatório um grande número de impactos ambientais e sociais. O projeto teve grande oposição das comunidades indígenas do Xingu. O Instituto Socioambiental descreve, no histórico sobre Belo Monte, o clima de revolta no Xingu e que levou a Eletronorte a desistir do empreendimento:

“Em 1989 foi realizado o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em fevereiro, em Altamira (PA). Patrocinado pelos Kaiapó, conta com a participação da equipe do Cedi (Centro Ecumênico de Documentação e Informação) desde o início dos preparativos até a implantação, realização e avaliação do encontro. Seu objetivo é protestar contra as decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios e contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu.

O encontro acaba ganhando imprevista notoriedade, com a maciça presença da mídia nacional e estrangeira, de movimentos ambientalistas e sociais. Reúne cerca de três mil pessoas. Entre elas: 650 índios de diversas partes do país e de fora, lideranças como Paulo Paiakan, Raoni, Marcos Terena e Ailton Krenak; autoridades como o então diretor e durante o governo FHC, presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, o então presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fernando César Mesquita, o então prefeito de Altamira, Armindo Denadin; deputados federais; 300 ambientalistas, em torno de 150 jornalistas e o cantor inglês Sting. Durante a exposição de Muniz Lopes sobre a construção da usina Kararaô, a índia Tuíra, prima de Paiakan, levanta-se da plateia e encosta a lâmina de seu facão no rosto do diretor da estatal num gesto de advertência, expressando sua indignação. A cena é reproduzida em jornais de diversos países e torna-se histórica. Na ocasião, Muniz Lopes anuncia que, por significar uma agressão cultural aos índios, a usina Kararaô – nome que significa grito de guerra em Kaiapó – receberia um outro nome e não seriam mais adotados nomes indígenas em usinas hidrelétricas. O evento é encerrado com o lançamento da Campanha Nacional em Defesa dos Povos e da Floresta Amazônica, exigindo a revisão dos projetos de desenvolvimento da região, a Declaração Indígena de Altamira e uma mensagem de saudação do cantor Milton Nascimento. O encontro de Altamira é considerado um marco do socioambientalismo no Brasil.”

O governo Lula, desconsiderando tudo que havia dito na campanha eleitoral sobre a Amazônia e o Xingu, em 2003 decide retomar a obra, desconsiderando a opinião da população indígena, dos povos ribeirinhos e dos ambientalistas que criticavam duramente o projeto. Em meio a um imbróglio envolvendo a justiça, o IBAMA, o governo do Pará, a obra segue no impasse.

Em maio de 2008 acontece o Encontro Xingu Vivo para Sempre, que reúne representantes de populações indígenas e ribeirinhas, movimentos sociais, organizações da sociedade civil, pesquisadores e especialistas, para debater impactos de projetos de hidrelétricas na Bacia do Rio Xingu: a construção prevista da usina de Belo Monte, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). A mobilização ocorre 19 anos depois do I Encontro de Povos Indígenas, realizado em Altamira, que reuniu três mil pessoas – 650 índios – para protestar contra a construção já prevista de cinco hidrelétricas no Rio Xingu, Belo Monte entre elas. Durante o encontro de 2008, índios entram em confronto com responsável pelos estudos ambientais da hidrelétrica de Belo Monte e, no meio da confusão, o funcionário da Eletrobrás e coordenador do estudo de inventário da usina, Paulo Fernando Rezende, fica ferido, com um corte no braço. Após o evento, o Movimento divulga a Carta Xingu Vivo para Sempre, documento final que avalia as ameaças ao Rio Xingu, apresenta à sociedade brasileira um projeto de desenvolvimento para a região e exige das autoridades públicas sua implementação.

Eleito em 2010, o governo Dilma Rousseff, uma coligação do PT com os partidos da burguesia, especialmente o PMDB, tendo como grande aliado o senador José Sarney, o oligarca “dono” do Maranhão e de forte influência na Eletronorte resolve transformar Belo Monte em obra prioritária do PAC.

Depois de tumultuado processo de concessão para construir Belo Monte é formado o Consorcio Norte Energia S.A. (NESA), composto por empresas estatais, empreiteiras privadas e fundos de pensão. O começo das obras é marcado por uma grande tensão na região. Abre-se um processo de constantes manifestações contra a usina.

Diversos representantes de povos indígenas (Arara, Guarani, Juruna, Kaiapó, Xavante, Xipaia, Xicrin e Yanomami) presentes lançam um manifesto, denunciando o descaso do governo federal. O texto fala de 20 anos de luta dos povos indígenas contra o projeto de Belo Monte e conclui com a mensagem de que o Rio Xingu pode virar um “rio de sangue”.

Por sua vez, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) envia ao relator da Organização das Nações Unidas (ONU), James Anaya, uma carta denunciando a violação do direito de consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O documento descreve o processo unilateral e atropelado do licenciamento e a violação do direito de consulta prévia, confirmando o descaso do governo brasileiro e a falta de diálogo com os povos indígenas sobre Belo Monte.

Por duas vezes o canteiro de obras foi ocupado pelos indígenas. Manifestantes ambientalistas foram presos pela Polícia Federal e ameaçados de processo pela ocupação pacífica das instalações de Belo Monte. A NESA com o intuito de criminalizar o movimento acusa os manifestantes de “depredarem” as instalações da obra, sem apresentar nenhuma evidência disso. O Movimento Xingu Vivo vem denunciando que advogados na NESA estão exigindo dos povoados ribeirinhos a desocupação de suas casas e terras sob ameaça de prisão.

Uma obra desnecessária para o Brasil

Em fevereiro de 2003, o Brasil tinha 1220 empreendimentos, com uma potência instalada de 82,4 mil MW. Grande parte desse total é fornecida por usinas hidrelétricas (64,2 mil MW), segundo dados publicados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Com a crise no abastecimento de energia elétrica, em 2001, empreendimentos voltados à expansão da potência instalada do país passaram a ser novamente priorizados. Prova disso é a Medida Provisória (MP) 2.198-5, conhecida como a MP do Apagão, de junho de 2001, que estabeleceu prazos curtíssimos para o licenciamento ambiental simplificado de empreendimentos do setor elétrico de baixo impacto ambiental, sem que esta definição tenha ficado clara para os ambientalistas.

É neste contexto que a construção da Hidrelétrica de Belo Monte voltou à cena, uma vez que 63% do potencial hidrelétrico do Brasil, estimado em 260 mil MW, está concentrado na Amazônia e boa parte deste percentual no Pará. A transformação dos rios brasileiros em megawatts é recorrente. Já o fato de a construção de usinas hidrelétricas no país ter provocado a inundação de mais de 34 mil km2 e o deslocamento compulsório de cerca de 200 mil famílias, segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), é pouco lembrado ou citado.

“Enquanto a alternativa hidrelétrica era sempre apresentada como uma forma energética limpa, renovável e barata, e cada projeto era justificado em nome do interesse público e do progresso, o fato é que populações ribeirinhas, entre outros, tiveram violentadas as suas bases materiais e culturais de existência”, aponta o especialista em energia Célio Bermann, professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Coordenação do Programa Brasil Sustentável e Democrático. “Mesmo que no Brasil seja oficialmente considerada uma fonte de energia limpa, nos Estados Unidos e na Europa as usinas hidrelétricas são avaliadas como um tipo de tecnologia cara e destrutiva ao meio ambiente”, informa Glenn Switkes, da International Rivers Network (IRN).

O governo brasileiro descartou outras alternativas, viáveis, mais simples, como as pequenas centrais hidroelétricas, as micro usinas, proposta que existe há mais de 40 anos e nunca foi implantada além das usinas eólicas, cujos projetos já existem aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Os motivos para este descaso e para a obstinada proposta das “grandes obras” são políticas. Trata-se aqui de contemplar a base política burguesa aliada do governo, especialmente as grandes empreiteiras.

Em entrevista na grande imprensa, Célio Bermamn, que já foi assessor do governo Lula e da Dilma põe o dedo na ferida:

 “A governabilidade foi encontrada através de uma aliança que mantém o círculo de interesses que sempre estiveram no nosso país. É a mesma turma que continua na área energética. E isso é impressionante. A população não participa do processo de decisões. Não existem canais para isso (…)

Por isso que eu falo que não é o governo Lula, é o governo Lula/Sarney. E agora Dilma/Sarney. Constituiu-se um amálgama entre os interesses históricos do superfaturamento de obras, sempre falado, nunca evidenciado. Não se trata de construir uma usina para produzir energia elétrica. Uma vez construída, alguém vai precisar produzir energia elétrica, mas não é para isso que Belo Monte está sendo construída. O que está em jogo é a utilização do dinheiro público e especialmente o espaço de cinco, seis anos em que o empreendimento será construído. É neste momento que se fatura. É na construção o momento onde corre o dinheiro. É quando prefeitos, vereadores, governadores são comprados e essa situação é mantida. Estou sendo muito claro ao expor a minha percepção do que é uma usina hidrelétrica como Belo Monte.”

O que o professor Célio Bermann declarou é o que se vem falando desde o governo Lula: a governabilidade é mantida para garantir os interesses da burguesia. O PAC é um grande programa, não de desenvolvimento do país, mas de enriquecimento privado à custa dos interesses do povo brasileiro.

Belo Monte não pode ser construída

O capitalismo não pode desenvolver o Brasil. É senil, é podre, é uma gangrena social. Representa o passado, mas não tem como abrir qualquer futuro para o país. Que futuro a implantação deste complexo hidrelétrico reserva aos povos indígenas? A destruição de suas comunidades, suas culturas, suas tradições. A NESA está agora dando “presentes” às tribos do Xingu no sentido de comprar a consciência das nações indígenas. Carros, lanchas, aparelhos eletrônicos e todo tipo de “mercadoria” em um claro processo de destruição da comunidade das tribos, um verdadeiro crime contra a humanidade. O que se está oferecendo aos povos do Xingu é a desagregação social, a criminalidade, a prostituição, o alcoolismo e a miséria. É no que está se transformando a cidade de Altamira, vizinha à obra de Belo Monte e que vai atingir de uma forma ou de outra as comunidades indígenas.

O povo brasileiro, a classe trabalhadora, a maioria da população precisa saber o que está acontecendo. É por isso que as organizações do movimento operário e popular, os sindicatos e as centrais sindicais e todas as organizações políticas comprometidas com a luta dos trabalhadores devem esclarecer e denunciar o que está sendo feito em Belo Monte. É necessário buscar uma ampla unidade popular no sentido de criar as condições para barrar o prosseguimento dessa obra criminosa.