Vivemos uma explosão da luta de classes em todo o mundo


Entrevista com

Alan Woods

Publicada na Revista Caros Amigos

Gabriela Moncau


Escritor e teórico marxista galês, Alan Woods tem mais de 50 anos de militância marxista. Participou do combate à ditadura franquista na Espanha nos anos 1970, presenciou a Revolução dos Cravos em Portugal e hoje é o principal dirigente da Corrente Marxista Internacional e editor do site da (CMI). Autor de mais de 20 livros traduzidos em 10 idiomas, no Brasil foram publicados dois: Razão e Revolução, Filosofia Marxista e Ciência Moderna” e “Reformismo ou Revolução – Marxismo e Socialismo do Século XXI: uma resposta a Heinz Dieterich.

Entre abril e maio desse ano, Woods fez um giro pela América Latina, passando por Bolívia, Argentina e Brasil, onde participou de reuniões, debates e palestras acerca da crise mundial do capitalismo e das insurreições dos povos árabes. Durantes os dias em que esteve aqui, reservou um tempo para receber a Caros Amigos e expor suas análises a respeito da situação política e econômica mundial, bem como sobre as perspectivas atuais das lutas anticapitalistas.

Caros Amigos – Podemos começar com a relação entre os levantamentos árabes e a geopolítica mundial. Como a crise econômica de 2008 influenciou as insurreições no mundo árabe hoje?

Não são apenas levantes. É uma revolução. É o despertar do grande povo árabe depois de décadas de opressão e silêncio forçado. É um acontecimento de grande importância histórica, representa uma mudança fundamental em toda a situação política mundial. Não é correto ver como algo isolado, um assunto especificamente dos árabes. Não, é mais uma expressão da crise global do sistema capitalista, que faz com que a vida seja cada vez mais intolerável para a massa dos trabalhadores e para a juventude. Nós não nos surpreendemos, já prevíamos isso, sobretudo no caso do Egito. Porque realmente há dois ou três anos o movimento grevista dos trabalhadores egípcios vem ganhando corpo, houve uma onda de greves muito forte nos últimos tempos.

Essa revolução começa no país aparentemente menos provável: Tunísia. Um país considerado pela burguesia como um país modelo, porque os tunisianos aceitaram todas as receitas do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, as privatizações, tudo isso. E tiveram uma taxa de crescimento alta, de 4%, 5%, 6%. Mas o povo não teve nenhum benefício com isso. Por exemplo, no caso da juventude, 75% dos jovens na Tunísia não têm trabalho. E em dezembro aconteceu o trágico caso do jovem de 26 anos, um graduado de universidade, que não encontra emprego e se vê obrigado a vender frutas na rua. Mas não o permitiram por ele não ter os documentos necessários. Ele foi espancado pela polícia e alguns dias depois se suicidou, ao atear fogo em si. E isso provoca uma insurreição nacional que reflete que já havia um descontentamento crescente que esperava só uma faísca. Foi realmente impressionante ver como a população derrotou a polícia. E o exército se negou a disparar contra o povo. Iniciou-se um processo de manifestações todos os dias, greves gerais, e finalmente cai a ditadura de Ben Ali e se desenrola um processo revolucionário que se estende a todo o mundo árabe.

Mas por que você classifica como revolução? Acredita que essas insurreições têm necessariamente uma perspectiva anticapitalista? Há os que fazem a análise de que vai acontecer um rearranjamento de quem está no poder, mas não no sentido de uma ruptura sistêmica.

A melhor definição de uma revolução que eu conheço está no livro ‘A história da Revolução Russa’, de Leon Trotsky. Na introdução, Trotsky questiona: “o que é uma revolução?” E responde da seguinte forma: uma revolução em sua essência é uma situação que não é normal, na qual as massas começam a participar da política e a tomar os seus destinos em suas mãos. Nesse sentido, o que está acontecendo na Tunísia e no Egito é exatamente uma revolução. Claro que não está terminado. Uma revolução não é uma peça de um só ato, a Revolução Russa de 1917, por exemplo, durou nove meses, de fevereiro a outubro. E dentro desses nove meses houve períodos de grandes avanços e também de reações e derrotas como em julho e agosto. Mas acredito que o melhor exemplo é a revolução espanhola nos anos 1930, que começa em 1931 com a queda da monarquia e só termina em maio de 1937, e nesses 6 ou 7 anos também houve momentos extremamente difíceis em 1934 e 1935, terminando em 1936.

Então qual é a etapa atual da revolução árabe? Podemos dizer que está na etapa de reivindicações democráticas. Me parece lógico: depois de décadas de ditadura, o povo quer os seus direitos. Mas em minha opinião, essa luta pela democracia necessariamente levará em certo momento a conclusões que vão mais além do sistema capitalista.
Porque nenhum governo burguês – como o do Egito – é capaz de dar ao povo o que é exigido. O que querem não são só os direitos democráticos, mas também um trabalho, uma casa, uma vida digna. Essas coisas o governo não é capaz de dar na Inglaterra, nos Estados Unidos, como vão fazer isso na Tunísia e no Egito? Creio que vai haver um processo que pode durar anos, com altas e baixas, mas que as massas, pouco a pouco, vão perceber que para satisfazer as suas reivindicações será preciso uma mudança fundamental, uma revolução socialista. Agora, mesmo na Tunísia e no Egito, as pessoas estão exigindo a confiscação dos bens e das propriedades dos clãs de Ben Ali e Mubarak. Lógico, porque são bandidos que roubaram muito dinheiro do povo, mas essas reivindicações já têm caráter socialista, a expropriação da propriedade privada.

Por que considera que tenha sido uma reação à crise econômica de 2008?

Todos os países árabes estão enfrentando uma situação dramática, Argélia, Egito, todos. No Egito, 76% dos mais jovens que 30 anos não têm trabalho, é uma situação dramática, porque não podem viver, não podem aspirar a ter uma vida normal, uma família, nada. É desesperador. E é uma condenação do sistema capitalista, não só nesses países mas em todo o mundo, também no Brasil. São países que necessitam de professores, médicos, engenheiros, cientistas, sim, mas esse sistema não é capaz de dar trabalho aos jovens, mesmo os graduados como o pobre homem que se suicidou em Tunísia.

Em segundo lugar, essas altas taxas de crescimento econômico não trouxeram nenhum benefício ao povo. No Egito, 40% da população ganha menos que US$ 2 por dia e 20% ganha US$ 1 por dia, um salário de fome. Por isso estou seguro que vamos ver um processo de tomada de consciência que cedo ou tarde vai desembocar em um questionamento às estruturas sociais e econômicas, é inevitável.


Nossos agradecimentos à Revista Caros Amigos