Foto: Marlene Bergamo

Uma súplica à burguesia – Análise da entrevista de Lula

A entrevista de Lula publicada nesta quinta-feira (1/3) pelo jornal Folha de São Paulo representa uma súplica do ex-presidente para que as classes dominantes e seus emissários retrocedam e permitam que sirva aos seus interesses mais uma vez. Durante a conversa toda, vê-se um homem submisso à burguesia, que tenta se mostrar ainda como um líder capaz de garantir a paz social, ou seja, a paz na luta de classes para os negócios dos capitalistas.

Lula reafirma que confia nas instituições do Estado capitalista: “Eu acredito na democracia, acredito na justiça”. O problema estaria apenas nas más intenções ou atitudes irresponsáveis de alguns indivíduos como o juiz Sérgio Moro, os desembargadores do TRF-4 e o ex-procurador geral da República Rodrigo Janot.

Lula chega a se referir a Temer com um tom positivo: “o Temer resolveu enfrentar. Teve a coragem de desmascarar o Janot, o Joesley e ficou presidente. E ainda ganhou duas paradas no Congresso Nacional, não se sabe a que preço”. Desta forma, Temer teria evitado um novo “golpe” no país. Reforça assim que a tese do “golpe” serve somente para os dias de comício, pois na prática já perdoou aqueles que colocaram ele, Dilma e o PT para fora do Palácio do Planalto.

Lula se demonstra surpreso com a oposição feita a ele pelos grandes veículos da imprensa. Destaca a “republicanidade” com que tratou os meios de comunicação, referindo-se à Folha de SP, Estadão, Jornal do Brasil, Globo, Bandeirantes, SBT e Record. Todos veículos de comunicação burgueses, controlados por famílias ou empresas reacionárias e financiadas com volumosas fatias de dinheiro estatal. Ao mesmo tempo os mandatos petistas proibiram a concessão de rádio ou TV para comunidades, movimentos sociais e sindicatos. Fecharam rádios comunitárias e processaram seus impulsionadores. Para Lula a “republicanidade” corresponde à liberdade de a burguesia utilizar-se ao seu bel-prazer, com patrocínio estatal e exclusividade, da palavra escrita e falada.

Aqui vale a pena transcrever um trecho integral da entrevista:

“Eu tenho orgulho de dizer que o meu governo foi o período em que os empresários mais ganharam dinheiro, os trabalhadores mais ganharam aumento de salário, em que geramos mais empregos, em que houve menos ocupação no campo, na cidade, e menos greve. Eu trago comigo essa honraria de saber conviver com a sociedade brasileira.”

Nessas poucas palavras o petista apresenta suas cartas mais fortes para convencer a burguesia brasileira e seus emissários sobre sua serventia para mais uma vez governar o país. Este “saber conviver” a que Lula se refere não passa da política de conciliação de classes, que garante o lucro da burguesia, iludindo e contendo o ímpeto de luta dos trabalhadores. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social foi apenas um dos inúmeros mecanismos tripartites instituídos pelos governos petistas, com o fim de reunir capitalistas, trabalhadores e o Estado para tomar as decisões. Na realidade impondo os interesses da burguesia e buscando cooptar as lideranças da classe trabalhadora.

Esse modelo que tanto “orgulho” deu para Lula, entretanto, está confrontado com condições que não permitem mais sua aplicação. Assistimos a uma crise orgânica do regime capitalista que desalenta os próprios economistas burgueses. A burguesia nacional e os acionistas imperialistas querem converter para suas taxas de lucro cada centavo que puderem da massa salarial brasileira, seja em sua forma direta, seja na forma de serviços públicos, de assistência social ou de previdência.

O crescimento da tensão social alimentada pela crise econômica fez o PT perder a capacidade de controlar as massas, cada vez mais desde as Jornadas de Junho de 2013. Os trabalhadores e jovens se expressam hoje com ocupações de escolas, ocupações de moradia, greves localizadas e gerais, manifestações de rua e uma fantástica abstenção ou votos nulos nas eleições. Se suas direções não os acompanham, essas massas tendem a passar por cima delas. Sentem indignação e ódio contra as instituições e seus representantes, vendo o PT como uma das grandes engrenagens do sistema, e buscam canais para se expressar.

O conjunto da situação leva a burguesia a descartar a conciliação de classes e preferir um governo burguês capaz de ir fundo nos ataques à classe trabalhadora. Por isso agora decidiram rifar Lula e impedir sua candidatura, condenando-o sem provas.

Em outro trecho da entrevista, o ex-presidente expressa sua visão sobre mobilização popular:

“Ele [o povo] nunca foi chamado [para ir à rua]! Eu sou um homem tão civilizado, acredito tanto nas instituições que estou apostando nelas. Eu ando no Brasil, mas eu não ando chamando o povo numa pregação contra ninguém. Eu ando chamando o povo para ele acreditar que é possível esse país ser diferente.”

Essa foi a orientação adotada durante todos os governos petistas. Essa postura corresponde a uma busca por canalizar toda a luta de classes para os canais seguros das instituições burguesas. É a clara demonstração de que os reformistas tem mais medo de mobilizar as massas do que dos ataques da classe dominante.

As ideias e visões que Lula apresenta nesta entrevista são as mesmas que defendia antes mesmo de subir a rampa do Palácio do Planalto em 2003, desde os tempos em que os congressos do PT estavam decidindo se o partido adotaria o caminho da reforma ou da revolução. A velhice de suas ideias está demonstrada no fracasso dos governos Lula e Dilma em solucionar os problemas tão sentidos pelas massas brasileiras e em abrir um futuro livre do capitalismo para as futuras gerações.

Os marxistas avaliam os governos petistas como de ataques à classe trabalhadora e não atendimento das reivindicações populares. Lula fez a “Reforma” da Previdência em 2003, retirando direitos dos servidores públicos; vetou o fim do fator previdenciário; não reverteu as privatizações do governo FHC e continuou privatizando inúmeros serviços, empresas públicas, rodovias, hidrelétricas e bacias de petróleo (o governo Dilma, aliás, fez o maior leilão da história do país com o leilão do Campo de Libra); instrumentos de repressão e criminalização foram fortalecidos, como a aprovação da Lei Antiterrorismo; grandes tubarões do ensino aumentaram seus lucros com programas como Prouni e Fies; empréstimos e isenções fiscais foram concedidas a grandes empresas; além da continuidade do pagamento da fraudulenta dívida interna e externa.

Enquanto Lula continua nos tentando fazer acreditar nas qualidades supremas da democracia burguesa e suas instituições de classe, as lições práticas de capitalismo sob os governos Lula e Dilma, e agora do governo Temer, estão elevando e ampliando os níveis de indignação. Lula acha que a luta contra o sistema só pode ser coisa de “moleques de 16 anos” que acreditam “que só tem solução na luta armada”. Para o desprezo de Lula, esses “moleques” têm se multiplicado desde as Jornadas de Junho de 2013. De nossa parte, simpatizamos com eles.