Síria – Não à agressão imperialista!

Os tambores da guerra em Washington estão batendo bem alto o som de sua música macabra, anunciando um ataque iminente dos EUA contra a Síria. No Reino Unido, o fiel escudeiro, Cameron, está de bom grado fazendo coro à chamada. A intervenção imperialista direta marca uma mudança fundamental na situação na Síria depois que a tempestade de uma guerra civil sectária apagou o potencial revolucionário dos protestos contra o regime, desencadeados em janeiro de 2011 pelos acontecimentos da Primavera Árabe.

Travada ao meio de uma sangrenta guerra civil, a revolução foi impiedosamente adiada. A espiral sectária reforçou o controle do regime de Assad sobre as minorias alauítas e cristãs, e sobre a população urbana ameaçada pela crescente onda da reação fundamentalista sunita islâmica dentro da oposição. As forças reacionárias assumiram a direção em ambos os lados.

Uma vez que a oposição, inicialmente um movimento de massas da juventude contra o regime opressivo, transformou-se em uma luta militarizada, as massas foram relegadas para segundo plano e a capacidade da juventude revolucionária de apelar para a massa da população e quebrar a barreira da divisão sectária ao longo de linhas de classe foi neutralizada. Assim, a questão de quem tinha acesso a armas, suprimentos, etc, tornou-se cada vez mais decisivo no campo da oposição, marcando o surgimento da reação mais obscura na forma de forças armadas jihadistas sunitas principalmente em torno da Jabhat Al-Nusra [Frente Al-Nusra]. Estes exércitos, reforçados por mercenários estrangeiros e alimentados por doações generosas e armas do Qatar e de outros patronos do Golfo, foram lançados para a frente da batalha. Desde então qualquer componente revolucionário residual foi completamente marginalizado ou esmagado.

Como estávamos alertando em junho, o imperialismo norte-americano finalmente resolveu intensificar a intervenção direta fornecendo armas e treinando o Exército Sírio Livre, em uma tentativa desesperada de alterar as relações de forças dentro da oposição e impedir que os jihadistas consolidassem a sua posição de liderança.

Esta tentativa veio um pouco tarde demais. Obama falhou miseravelmente na tentativa de ganhar o apoio do Congresso, enquanto a situação militar rapidamente mudou em favor do regime de Assad que está claramente vencendo a guerra, forçando, assim, o imperialismo norte-americano a se apressar em uma intervenção mais direta, a fim de abrandar e, eventualmente, impedir a consolidação do avanço militar do regime sírio.

A chave para entender a situação atual reside justamente na virada dramática que decorre dos acontecimentos no campo de batalha da Síria.

O regime de Assad está usando armas químicas?

Na Quarta-feira, 21 de Agosto, surgiu a notícia de um ataque com gás Sarin ou algum outro agente químico matando centenas de civis em uma área de Damasco controlada pela oposição. Quase imediatamente (e, em alguns casos, até mesmo antes do suposto ataque acontecer) vídeos mostrando grande número de cadáveres e hospitais cheios de civis em sofrimento agudo, especialmente crianças, foram publicados na internet alegando que o ataque foi realizado por forças do governo.

A justificativa para o anunciado ataque dos EUA baseia-se na suposta “evidência” montada em mais um “dossiê” mal costurado pela inteligência dos EUA, apontando para o uso de armas químicas contra a população civil pelo regime de Assad.

No fim de semana, Obama reuniu sua equipe de segurança nacional e ordenou a preparação de um relatório não reservado para divulgação ao público antes que qualquer ataque militar começasse. Na segunda-feira, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, afirmou que a evidência “está saltando aos nossos olhos”, que armas químicas foram usadas na Síria, e que o uso de armas químicas pela Síria “deveria chocar a consciência do mundo.”

Como foi dito muitas vezes ao longo dos últimos meses por fontes do governo dos EUA, e reiterado por um conselheiro de segurança nacional de Obama em 14 de junho, “o uso de armas químicas viola as normas internacionais e cruza linhas vermelhas que já existem na comunidade internacional ao longo de décadas” – proporcionando assim uma desculpa providencial para justificar os planos para um ataque à Síria.

Nós não sabemos se há algum fundo de verdade neste “dossiê”. Muito provavelmente as armas químicas estão ​​nas mãos tanto do exército sírio quanto dos bandos armados da oposição. Se realmente foram usadas armas químicas especificamente neste ataque, isso poderia ter sido o resultado de um erro trágico por parte do Exército sírio, como alguns comentaristas têm sugerido, ou uma ação desesperada e fora de controle por parte de uma das facções da oposição armada a fim de provocar a intervenção EUA – ou isso poderia ser pura e simplesmente falso.

Mas, certamente, não há interesse em estabelecer a verdade, nem pelo governo dos EUA – desesperado por um pretexto para intervir – nem pelas forças desmoralizadas da oposição armada, que veem a intervenção dos EUA como a única forma de ressuscitar as suas chances de reverter a seu favor o curso da guerra.

Para quem nutre esperanças (como infelizmente parece ser o caso da maioria dos líderes da esquerda internacional e do movimento sindical) de que as Nações Unidas poderiam desempenhar um papel na prevenção de uma escalada do conflito, basta repetir o que dissemos em junho:

“A ONU é uma irrelevância. A diplomacia foi posta de lado pelos acontecimentos no campo de batalha. A guerra vai agora decidir tudo.”

Por outro lado, não necessitamos enfatizar que o regime de Assad não precisa usar armas químicas para esmagar seus oponentes – e de fato seria uma loucura completa  fazê-lo e assim dar aos EUA a tão desejada desculpa para intervir diretamente no conflito.

O equilíbrio de forças nesta guerra mudou drasticamente durante os últimos meses e o exército sírio demonstrou ser suficientemente capaz de dominar a força militar da oposição.

“Na guerra, a verdade é a primeira vítima” – a famosa frase atribuída a Aeschilus permanece – mas mesmo de acordo com os baixos padrões da propaganda de guerra, esta parece ser uma farsa completa.

Esta situação não pode deixar de nos lembrar do “dossiê” pelo qual George Bush e Tony Blair juraram solenemente – e solenemente mentiram – e segundo o qual o regime iraquiano de Saddam Hussein possuía “armas de destruição em massa”, justificando, com isso, que os EUA conduzissem a agressão ao Iraque em 2003.

Quais são os objetivos reais do imperialismo norte-americano?

Mas a questão não é apenas se armas químicas foram usadas ou não, e por quem. Depois de mais de 100 mil mortes nessa sangrenta guerra civil na Síria nos últimos dois anos, o governo dos EUA torna-se de repente muito preocupado com a morte de mulheres e crianças e civis inocentes. Quantos foram mortos antes por armas fornecidas pelas potências imperialistas para um ou outro lado desta sangrenta guerra por procuração – A Rússia e o Irã em apoio ao regime de Assad e a aliança profana entre EUA, Grã-Bretanha, França, Qatar e Arábia Saudita do outro lado?

O grande número de vítimas fala por si. Será que importa que crianças sejam executadas por bandidos reacionários nas ruas ou na frente de seus pais por terem desafiado as regras das chamadas leis islâmicas, ou mortos em um dos muitos bombardeios de bairros inteiros realizados pelos rebeldes (ou pelo exército sírio) com armas “convencionais”? Será que importa que famílias inteiras sejam agrupadas, trancadas em um edifício e explodidas com dinamite como aconteceu em Khalidiya só porque eram de descendência cristã ou Alawita? É evidente que tudo isso não é o suficiente para “cruzar a linha vermelha” da hipocrisia imperialista.

E será que mísseis de cruzeiro (1) “inteligentes” dos EUA vão discriminar entre militares e civis quando transformarem bairros das cidades sírias em uma bola de fogo? Quem vai arcar com as consequências da destruição do material de infraestrutura, de comunicação, de energia e de suprimento de água, e as consequências devastadoras em longo prazo de um uso “cirúrgico” das armas “convencionais” de destruição em massa dos EUA (como as cascas de urânio empobrecido das bombas derrubadas sobre a ex-Jugoslávia)? Serão as mesmas crianças e civis que esses hipócritas sórdidos alegam defender. (1) Nota do editor: míssil de cruzeiro é um míssil teleguiado que transporta uma carga explosiva e é propulsionado, normalmente por um motor a jato, rumo a um alvo em terra ou no mar. Fonte wikypédia.

Como essas crianças e civis seriam socorridas por uma barragem de mísseis de cruzeiro desabando em seu país? Mas acima de tudo, quais são os objetivos reais da intervenção imperialista?

O objetivo declarado do ataque contra as instalações militares do regime sírio como sendo um “aviso para não usar armas químicas” é risível. Como também é risível o pretexto de destruir os depósitos de armas químicas, como se o exército sírio ficasse esperando pacientemente que os estrategistas militares dos EUA tomassem a iniciativa, ao longo dos últimos meses, sem ter posto em prática medidas preventivas elementares para proteger seus estoques de armas e defender sua capacidade operacional militar de ataques aéreos.

Talvez um vislumbre do verdadeiro objetivo do ataque militar anunciado poderia ser dado pelo seguinte comentário publicado no domingo pelo New York Times:

“Mas o governo Obama deve resistir à tentação de intervir com mais força na guerra civil da Síria. Uma vitória por qualquer lado seria igualmente indesejável para os Estados Unidos.”

“Nessa altura dos acontecimentos, um impasse prolongado é o único resultado que não seria prejudicial aos interesses norte-americanos.” (NYT, 25-09-2013)

O objetivo mais plausível da intervenção dos EUA parece ser a de afetar seriamente a capacidade do exército sírio de aproveitar a dinâmica adquirida em sua ofensiva contra os exércitos da oposição. Os estrategistas militares norte-americanos têm como objetivo ganhar algum tempo para que possam reorganizar e restabelecer uma situação de impasse, onde a guerra continue sem que qualquer dos adversários seja capaz de vencer. Este cenário abriria a oportunidade para que os imperialistas manobrassem e chegassem a um acordo, à revelia das massas em desespero, através da diplomacia e de uma assim chamada “conferência de paz”. Então adeus aos gritos em defesa de crianças e civis desarmados contra a ameaça do monstruoso regime de Assad!

É uma perigosa – e mesmo desesperada – cartada por parte do imperialismo dos EUA, que pode ser ineficaz no melhor dos casos, e, no pior, arrastá-los para um envolvimento direto muito mais profundo no conflito – o que é muito temido pelos estrategistas militares norte-americanos. A guerra da Síria já tem as características de uma guerra por procuração entre importantes potências imperialistas na região.

Segundo algumas fontes, os militares russos já entregaram as avançadas baterias de mísseis superfície-ar S-300 para Assad, operadas por técnicos russos. Quais seriam as consequências de um ataque aéreo dos EUA matando soldados russos, isso está aberto à especulação. O ataque dos EUA pode ser lançado a partir de quatro destroyers com mísseis, que a Marinha dos EUA instalou na região nos últimos dias. Mas as opções dos EUA para atacar a Síria incluem bases da força aérea em vários países do Mediterrâneo, Turquia entre eles.

Parcialmente em resposta a isso, a Rússia, pela primeira vez em décadas, anunciou o estabelecimento de uma presença militar permanente no Mediterrâneo e transferiu vários grandes navios de desembarque, navios de abastecimento e destroyers para a região.

Na mídia internacional estamos observando o início de uma campanha de propaganda destinada a preparar a “opinião pública” para uma intervenção militar direta por parte do imperialismo dos EUA e seus parceiros menores.

É um dever elementar dos revolucionários internacionalmente desmascarar os verdadeiros interesses do imperialismo e se opor a esta intervenção, que não tem nada a ver com considerações humanitárias. As massas sírias são apenas peões em um amplo e cínico jogo de xadrez das potências imperialistas.

O imperialismo não tem nada a oferecer ao povo sírio e às massas no Oriente Médio. Ao longo dos últimos três anos, milhões de pessoas tomaram as ruas exigindo condições dignas de vida, trabalho, pão, dignidade, o fim da corrupção e dos regimes repressivos brutais. As forças revolucionárias conseguiram derrubar alguns desses regimes odiados, mas falharam até agora em derrubar o sistema que os engendrou e as classes dominantes que se beneficiam deles. Em alguns casos, como na Líbia e na Síria, esta falha foi paga com uma guerra civil e reação sangrenta, e temos testemunhado que mesmo as aspirações mais básicas das massas não podem ser atendidas dentro do sistema do capitalismo.

Nosso apelo para a juventude e a classe trabalhadora da Síria, independentemente das divisões religiosas e étnicas, é não confiar nos imperialistas, nem confiar em Assad ou na oposição reacionária, mas se preparar e se juntar a seus irmãos e irmãs e às massas do Oriente Médio na luta comum contra o capitalismo e a opressão imperialista. Mais insurreições revolucionárias estão sendo preparadas em toda a região, e é nelas que está o caminho para a libertação das massas no mundo árabe.

 

Traduzido por Ruy Penna