Santiago Maldonado: que apareça com vida já!

Em 1º de agosto de 2017, Santiago Maldonado desapareceu pelas mãos da Gendarmería Nacional[1] e do Estado.

Por ordem do juiz da cidade de Esquel, Guido Otranto, a gendarmería iniciou uma repressão para acabar com um bloqueio na rodovia Ruta 40. Contudo, sem ordem judicial, invadiram o território de Pu Lof Cushamen reprimindo os manifestantes. Testemunhas afirmam que Santiago Maldonado – presente no lugar – foi detido e levado em uma caminhonete das forças de segurança.

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Soraya Maicoño, testemunha chave na causa do desaparecimento de Santiago, denuncia:

“As caminhonetes que circulavam também eram da fazenda Leleque de Benetton. Entravam na delegacia, iam e vinham, voltavam a entrar na fazenda, iam ao Pu Lof na resistência. Eles também davam ordens, orientações. Estavam cientes do que acontecia. Assim que, além das caminhonetes da Gendarmería e de Noceti, também circulavam as de Benetton” (Revista Crítica, disponível aqui.

O chefe de gabinete do Ministério de Segurança da Nação, Pablo Noceti, também estava no operativo, antecipando à mídia que todos os integrantes da comunidade mapuche seriam detidos, dizendo: “Com o RAM (Resistência Ancestral Mapuche) não temos nada para dialogar; a única coisa que vamos fazer é os indiciar, vão ficar todos presos […]. Vamos terminar de identificar a todos e, à medida que os individualizarmos, vamos ir detendo” (Disponível em aqui).

Pablo Noceti foi defensor de Naldo Miguel Dasso, ex-chefe do Regimento de Concordia entre 1975 e 1977, condenado à prisão perpétua pelo sequestro de quatro pessoas e pelos desaparecimentos de Sixto Francisco Zalasar e Julio Alberto Solaga, delitos cometidos nos marco do “segundo genocídio nacional”, como foi qualificado pelo Tribunal Oral Federal de Paraná em sua sentença. Também foi advogado de outros repressores que não chegaram a ser julgados, mas que estiveram imputados na denominada causa Área Concórdia (vide mais em aqui).

A Comissão Provincial pela Memória (COM) apresentou no dia 4 de setembro um harbeas corpus pelos detidos em Pu Lof Cushamen.

Os povos originários lutam pelo reconhecimento das terras que foram adquiridas por capitalistas europeus, como é o caso do magnata Luciano Benetton. O terreno onde ocorreu o despejo está ocupado por mapuches desde 2015 e pertence à Companhia de Terras Sud Argentino, empresa produtora de lã adquirida pela companhia italiana. Os originários foram despejados de suas terras ancestrais, o que não é reconhecido pelo empresário Benetton com o apoio do governo de Mauricio Macri. No dia 1º de agosto, a comunidade mapuche protestava exigindo a liberação do lonco (chefe) Facundo Jones Huala e contra a usurpação de suas terras feita pela empresa multinacional.

Por sua vez, o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) afirmou que uns 100 agentes dispararam balas de chumbo e borracha e queimaram os pertences das famílias do grupo que realizava o bloqueio de rodovias em protesto pela detenção de Facundo Jonas Huala, que tem um pedido de extradição da justiça chilena por ter cometido, supostamente, delitos de terrorismo.

A abordagem dos jornais radiofônicos, impressos e televisivos acerca da detenção e desaparecimento de Santiago pelas mãos da Gendarmería Nacional na província de Chubut é simplesmente repugnante. O Secretário de Segurança Interior da Nação, Gerardo Milman, declarou que a família e a comunidade não estão colaborando. Por sua vez, a Ministra de Segurança, Patricia Bullrich, pôs o foco na comunidade mapuche, a quem acusa de não reconhecer o Estado argentino.

Nove dias depois, usando o termo “pessoa desaparecida” – em vez de “sequestrado” – o Governo Argentino pôs uma recompensa de 500 mil pesos (cerca de US$ 29 mil) para quem der alguma informação sobre Maldonado. O Secretário de Direitos Humanos, Claudio Avruj, sustentou que “o artesão Santiago Maldonado segue desaparecido e um caminhoneiro disse que o viu em Entre Rios”, o que foi rapidamente desmentido.

O desaparecimento de Santiago Maldonado não somente se inclui como responsabilidade do Estado, mas também o papel que assumiram os meios de comunicação para dar uma blindagem midiática ao Governo macrista; jornais como Infobae, Clarín e mesmo o La Nación tergiversaram, mas agora têm que dar uma cobertura ao chamado “Caso Maldonado” diante da pressão e tensão que foi ganhando este caso a partir das organizações de direitos humanos, partidos políticos e sindicatos que denunciaram o sequestro e que explodiu nas redes sociais.

Tanto o Governo como a mídia quiseram desvirtuar e macular a luta da comunidade mapuche, assim como a imagem de Santiago Maldonado.

Uma série de pistas falsas foram surgindo ao longo dos dias. Ele teria sido visto na província de Entre Rios, bem como na de Mendoza e até mesmo no Chile. Tudo abalizado pela brutal Ministra de Segurança, Patricia Bullrich, que sustentou e sustenta a Gendarmería Nacional dando todo apoio a este corpo de segurança tanto em seu ministério como por todo o governo do Cambiemos[2].

No dia 10 de agosto, pela primeira vez a Justiça ordenou invadir sedes da gendarmería em Esquel e El Bolsón, onde foram encontrados cabelos e uma corda, ambos guardados como prova para coleta e comparação com o DNA de Santiago. O defensor público reconhece que os veículos da força de segurança haviam sido limpos, o que prejudica a investigação e, por isso, tais provas são questionadas.

A primeira mobilização nacional para exigir o aparecimento com vida de Santiago Maldonado aconteceu no dia 11 de agosto. O ato principal foi realizado na Praça de Maio de Buenos Aires com a presença de familiares e instituições de Direitos Humanos.

No dia 16 de agosto, a Ministra de Segurança Bullrich comparece diante do Senado por conta do caso Maldonado e relativiza a responsabilidade da gendarmería sobre o desaparecimento.

Em 24 de agosto, o Juizado Federal de Esquel reconheceu que o caso de Santiago se trata de um “sequestro”, tal como alegavam os familiares. No dia seguinte, a gendarmería, por meio do comandante-maior Diego Conrado Héctor Balari, reconheceu que o acionamento da força se realizou seguindo “ordens precisas” do Ministério de Segurança.

Desde o sequestro no dia 1º de agosto, foram registrados na Argentina cinco ataques com coquetéis molotov e explosivos, além de protestos anarquistas que provocaram um atentado com bomba incendiária no edifício anexo do Senado provincial, sem vítimas (LA VANGUARDA, 29 ago. 2017).

Diante desses incidentes, o governo do Cambiemos decidiu reforçar as medidas de segurança. A Ministra de Segurança manifestou que “há violência política” e afirmou que o governo se “preocupa” que grupos opositores “queiram gerar uma ingovernabilidade depois de não terem conseguido fazê-lo com marchas ridículas” (LA VANGUARDA, 29 ago. 2017).

Os meios de comunicação de massa lançaram uma série de disparates políticos que somente procuram gerar um ambiente de desordem social, tentando manchar as forças políticas opositoras. Depois das próximas eleições de outubro, o governo Macri vem com tudo. Desde a reforma trabalhista à mudança da idade para aposentadoria. Os capitalistas, diante da crise mundial, precisam de trabalhadores que trabalhem muitas horas, por muitos anos e com salários baixos.

Um “alto funcionário” que preferiu o anonimato declarou ao jornal La Nación em 30 de agosto de 2017 que “estamos na presença de grupos anarquistas e kirchneristas que estão instalando um clima de violência, usando politicamente o desaparecimento de Maldonado”. A Ministra de Segurança informou ao gabinete acerca da “intenção desses grupos de alterar a ordem pública” e supostos “contatos” entre “anarquistas argentinos e chilenos”. Na linha seguinte, os suspeitos alcançam “facções trotskistas, kirchnerista e revolucionários” (sic) que, segundo a “Justiça”, seriam autores de 70 atos de violência (LA NACIÓN, 30 ago. 2017).

Também disseram barbaridades tais quais a de que Facundo Jones Huala, hoje preso em Neuquén, é uma dos mentores do grupo. Segundo o Ministério de Segurança, a RAM (Resistência Ancestral Mapuche) “manteve reuniões cotidianas com a Cámpora[3] e a Universidade das Madres[4] e recebe financiamento e apoio logístico das FARC e de grupos extremistas curdos da Turquia” (CLARÍN, 26 ago. 2017).

Uma destacada fonte do Ministério de Segurança afirmou ao Infobae em 8 de agosto de 2017 que “o grupo [mapuche] RAM manteve, nos últimos anos, reuniões com o grupo terrorista ETA. Também existem reuniões com setores da esquerda setentista que reivindicam os atos de violência”.

Com todo esse castelo de mentiras sustentado pelas mídias mais poderosas do país, tenta-se gerar ou preparar um ambiente propício para o avanço maior da repressão e criar opinião nos setores de massas de que as organizações políticas opositoras estão vinculadas ao terrorismo de todas as cores.

Contudo, o sequestro de Santiago representa um ponto de inflexão na situação política nacional e se expressa de maneira clara nas centenas de milhares de jovens e trabalhadores na jornada de sexta-feira, dia 1º de setembro. Deram uma resposta popular ao governo que não somente é incapaz de dizer onde está Santiago Maldonado, mas que pôs todos os recursos do Estado – sob a direção da Ministra de Segurança, Patricia Bullrich – para proteger a gendarmería que executou a repressão. Não somente atuam para proteger as forças repressivas, de cujos serviços necessita mais do que nunca esse governo que está implantando um brutal ajuste contra a maioria da população, mas também para defender a acumulação de terras por parte dos Benetton e os interesses das petroleiras e mineradoras que operam na Patagônia, contra as reivindicações da comunidade mapuche.

Esta luta tem tocado profundamente a população, porque em um país onde o terrorismo de Estado desapareceu com 30 mil companheiros, sequestros não podem ser tolerados. Somente na capital federal marcharam mais de 500 mil pessoas e houve uma resposta nacional nas principais cidades de cada província, mostrando a energia que o povo argentino tem para lutar pelas liberdades democráticas.

Fazemos um chamamento aos trabalhadores e à juventude internacional para que se solidarizem com a luta do povo trabalhador argentino, pelo aparecimento com vida de Santiago Maldonado, em defesa das liberdades democráticas e para derrotar o plano repressivo do qual o governo necessita para impor seu programa de fome.

Somente conquistando uma nova legalidade para o socialismo poderão ser satisfeitas as necessidades mais agonizantes sentidas pelos trabalhadores e setores populares. Somente a luta proletária em direção a seu objetivo final, seu próprio governo, poderá satisfazer a luta pela recuperação da terra dos povos originários ligada indissoluvelmente às lutas dos trabalhadores e camponeses. As vias mortas do capitalismo não podem nem poderão satisfazer qualquer dessas demandas.

Socialismo ou barbárie!

 

[1] Organização militar nacional argentina que cumpre funções de polícia em cidades menores (Nota do Tradutor – N.T.).

[2] Coalizão política formada para o lançamento da candidatura de Macri à presidência da Argentina em 2015 (N.T.).

[3] Agrupamento político criado em 2006 de orientação peronista e kirchnerista (N.T.).

[4] Instituição de Ensino Superior criado pela Associação das Mães da Praça de Maio (N.T.).

Artigo publicado na página El Militante, da seção argentina da Corrente Marxista Internacional Corriente Socialista Militante, sob o título Santiago Maldonado: ¡¡Aparición con Vida Ya!!, publicado em 4 de setembro de 2017. 

Tradução de Nathan Belcavello