Revolução Russa: o ano de 1917

A Revolução Russa de 1917 foi o mais importante evento da história da luta de classes. A primeira vez que a classe operária tomou o poder e conseguiu conservá-lo. O presente artigo busca dar um panorama geral dos episódios de 1917, concentrando-se da Revolução de Fevereiro até a tomada do poder pelos bolcheviques, em outubro.

De início, para compreender a revolução, é preciso retornar a 1914 – começo da 1ª Guerra Mundial. Conflito que envolveu grandes potências na disputa por mercados e revelou aos olhos do proletariado internacional os horrores proporcionados pelo capitalismo, com um banho de sangue nunca antes visto na história.

Vergonhosamente a Internacional Socialista (2ª Internacional), ao invés de defender os interesses internacionais do proletariado e colocar-se contra a guerra imperialista, curvou-se à pressão nacionalista e às burguesias de cada país. Na Alemanha, o único deputado socialdemocrata a votar contra os créditos de guerra foi Karl Liebknecht, que junto com Rosa Luxemburgo impulsionaria em seguida a constituição da Liga Spartacus, em oposição à direção do partido.

Os revolucionários internacionalistas buscaram resistir e se reagrupar. A Conferência de Zimmerwald, em 1915, reuniu os socialistas contrários à 1ª Guerra. Na Conferência, Lenin encabeça o combate contra a ala pacifista da Conferência, defendendo que a guerra entre nações deve se transformar em guerra civil, do proletariado contra a burguesia. Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, já concluíam que diante de tamanha capitulação, a 2ª Internacional estava morta para a luta dos trabalhadores e apontavam a necessidade de uma nova Internacional.

A Revolução de Fevereiro

Na Rússia, a guerra tem um profundo impacto e é um elemento decisivo para o estouro da revolução. Como país atrasado no desenvolvimento do capitalismo, dominado pelo capital internacional, seu exército também era atrasado tecnicamente e tecnologicamente em relação tanto aos “aliados” da Entente, Reino Unido e França, quanto ao principal adversário, o Império Alemão.

As seguidas derrotas no front, os milhares de soldados mortos, a escassez de alimentos nas cidades, as longas filas para conseguir um pedaço de pão, a hiperinflação, formavam um caldo propício para explosões sociais.

Grandes acontecimentos, especialmente guerras e crises, têm o potencial de provocar saltos na consciência de classe do proletariado, levando-o a quebrar a rotina e sacar conclusões revolucionárias. Esse foi o caso da 1ª Guerra Mundial na Rússia, ainda governada pela decadente monarquia czarista.

Já em 1916 há um aumento do número de greves, que continua no início de 1917. A classe operária, apesar de pouco numerosa em relação aos países capitalistas avançados, está concentrada em grandes fábricas e centros industriais.

Para o dia 23 de fevereiro de 1917 (8 de março no calendário ocidental), as mulheres da cidade industrial de Petrogrado decidem convocar uma manifestação no Dia da Mulher, reivindicando centralmente “Pão e Paz”, comida e o fim da guerra.

O movimento inicia no bairro operário de Vyborg e se alastra por Petrogrado. No dia 24, metade dos operários da cidade está em greve.  Soldados e também os cossacos, a cavalaria, setor tradicionalmente mais reacionário, recusam-se a cumprir ordens de reprimir a população. As mulheres na linha de frente chamam os soldados a deporem as armas. Há confrontos, mas também episódios de confraternização.

O regime tenta contra-atacar, realizando prisões e ameaçando os grevistas de serem enviados para o front de guerra, o que é praticamente uma sentença de morte. Nada disso contém o movimento. As greves e manifestações seguem crescendo e exigindo a derrubada da autocracia czarista. Soldados atiram em oficiais ao invés de seguir a ordem de atirar contra manifestantes. Regimentos inteiros são ganhos para a revolução.

O czar e a czarina, apartados da realidade, embebidos pela vida de luxo, consideram esse um movimento passageiro e que a normalidade prontamente será restabelecida. Trotsky, no clássico A História da Revolução Russa, faz um paralelo entre o casal russo e o casal real francês Luis XVI e Maria Antonieta, às vésperas da Grande Revolução Francesa, que iria depô-los e guilhotiná-los.

No dia 27 de fevereiro, o Palácio Tauride, sede da Duma (o parlamento), é tomado pelos revolucionários e ressurge lá o Soviete de Petrogrado, organismo de duplo poder que retoma a tradição dos conselhos de operários da Revolução Russa de 1905. No dia 28 de fevereiro é formado o Soviete de Moscou.

O regime czarista já não tem base de apoio, nem entre o exército, muito menos entre a população. No dia 2 de março, o czar Nicolau II é forçado a abdicar. A princípio tenta fazê-lo em favor de seu irmão, Miguel Alexandrovich, mas este, sem garantias de sobreviver à revolução, decide não assumir o trono, e legitima um Governo Provisório formado pela Duma e a convocação de uma Assembleia Constituinte.

Se o regime absolutista era odiado pelas massas, a burguesia, representada pela Duma, também não tinha apoio popular. Havia condições para o Soviete de Petrogrado tomar o poder. No entanto, o soviete estava dominado pelos conciliadores, os socialistas-revolucionários e os mencheviques. Os bolcheviques eram ainda minoritários. Tal situação permite a formação de um Governo Provisório a partir da Duma, tendo o Príncipe Lvov, um latifundiário, como Primeiro-Ministro; Milyukov, do partido burguês liberal Cadete, como Ministro da Guerra; e o socialista-revolucionário Kerensky, como Ministro da Justiça.

Apesar da instauração de um governo burguês, a instabilidade política continua, com uma situação de duplo poder, de um lado o Governo Provisório e a Duma, de outro os Sovietes e seu Comitê Executivo. Regimentos do exército chegam a declarar que só obedeceriam as ordens do novo governo que não entrassem em contradição com as decisões do soviete. O duplo poder seguirá até outubro.

Os bolcheviques e as Teses de abril

Nos acontecimentos de fevereiro, as organizações de esquerda estavam sem seus principais dirigentes, exilados por conta da perseguição do regime czarista. Lenin encontrava-se na Suíça e Trotsky nos Estados Unidos.

Os dirigentes do Partido Bolchevique no território russo estavam ainda impregnados pelas velhas fórmulas. Concebiam a necessidade de uma revolução democrático-burguesa e um período de desenvolvimento capitalista, antes de se colocar a tarefa de uma revolução proletária.

Stalin e Kamenev retornam em março. Assumem a edição do periódico bolchevique, Pravda, imprimindo uma política de maior adaptação ao Governo Provisório. A atitude do partido se limita a pressionar o governo, descartando qualquer perspectiva de superá-lo através de uma revolução socialista. Trotsky explica na brochura Lições de Outubro o que estava em jogo nas discussões no interior do partido:

“A principal questão em litígio, à volta da qual giravam todas as outras, era a seguinte: deve-se lutar pelo poder? Deve-se ou não conquistar o poder? Já isto, só por si, revela que estávamos em presença, não de episódicas divergências, mas de duas tendências de princípio. Uma era proletária, inserindo-se na via da revolução mundial, a outra “democrática”, isto é, pequeno-burguesa, implicando, em última análise, a subordinação da política proletária às necessidades da sociedade burguesa que se reformava”.

Lenin retorna em 3 de abril para a Rússia e, já ao desembarcar na estação Finlândia, com um inflamado discurso, inicia a batalha para reorientar o partido. Contrariando a maioria do Comitê Central, defende: nenhuma confiança no Governo Provisório, explicação da falsidade de suas promessas e a necessidade da preparação da revolução socialista. Nas suas famosas Teses de Abril, lançadas no dia 7, Lenin escreve:

“O traço mais característico da situação atual na Rússia consiste na transição da primeira etapa da revolução, que entregou o poder à burguesia, dada a insuficiência tanto da organização como da consciência proletária, até sua segunda etapa, que há de pôr o poder nas mãos do proletariado e dos setores mais pobres do campesinato”.

Dessa forma, as posições de Lenin se encontram com as de Trotsky, formuladas na teoria da Revolução Permanente. Nessa teoria, elaborada a partir das conclusões da Revolução Russa de 1905, Trotsky constata a incapacidade da burguesia em levar à frente as tarefas democrático-burguesas nos países atrasados e a necessidade da revolução proletária como tarefa imediata, agregando a análise do desenvolvimento desigual e combinado entre as nações, em que mesmo em um país atrasado, como a Rússia, encontravam-se as formas mais elevadas da indústria capitalista e da organização do proletariado. Trotsky retorna em 4 de maio para a Rússia e imediatamente começa a trabalhar em aliança com Lenin e os bolcheviques.

Após uma dura batalha interna contra a linha de adaptação à burguesia, as posições defendidas por Lenin são vitoriosas na conferência do partido ocorrida entre os dias 24 e 27 de abril. Ao mesmo tempo, consciente de que os bolcheviques ainda são minoritários no movimento, Lenin coloca que a tarefa do partido é explicar pacientemente e ajudar o proletariado a aprender com sua própria experiência e erros.

No dia 5 de maio é formado o primeiro governo de coligação. Os mencheviques entram no governo provisório, o socialista-revolucionário Kerensky se torna Ministro da Guerra, no lugar de Milyukov.

Junho, cresce a influência dos bolcheviques

No dia 3 de junho começa o 1º Congresso Pan-Russo dos Sovietes. Dos 777 delegados que declararam ligação a um partido, 285 eram socialistas-revolucionários, 248 mencheviques, 105 bolcheviques, além de outros delegados de grupos menores.

Mas na base operária em Petrogrado, os bolcheviques contavam com uma força muito maior do que a expressa na correlação de delegados no congresso. Com a linha política correta, o partido experimenta um importante crescimento, de aproximadamente 3 mil militantes no início de 1917, salta para 160 mil no mês de junho.

O Partido Bolchevique convoca uma manifestação para 10 de junho contra o governo, em Petrogrado. Ela é proibida pelo Congresso dos Sovietes. Na véspera da manifestação, os bolcheviques anulam a mesma para evitar um choque direto com a decisão dos sovietes.

No entanto, são convocadas manifestações pela “unidade” pelo Soviete de Petrogrado, ainda dominado pelos socialistas-revolucionários e mencheviques, para o dia 18 de junho. Os bolcheviques decidem participar, mas com sua própria coluna, suas faixas e palavras de ordem. A grande surpresa é que a maioria dos manifestantes empunhavam as palavras de ordem defendidas pelos bolcheviques: “Abaixo os 10 ministros capitalistas!”, “Todo poder aos Sovietes!”. Foi uma demonstração da fraqueza, na base, da esquerda moderada e conciliadora.

Com a experiência prática as massas perceberam que esse governo e os partidos de esquerda que o compunham (mencheviques e socialistas-revolucionários), não resolviam nenhum de seus problemas fundamentais, continuava a guerra, continuava a fome. O pêndulo oscilava para a esquerda e encontrava os bolcheviques.

Julho e a contrarrevolução

Há uma impaciência crescente entre as massas, especialmente na base do exército. Afinal, para esse setor, a continuidade da guerra significa a perspectiva de encontrar-se com seus horrores na frente de batalha.

No dia 3 de julho, os soldados decidem realizar uma manifestação armada em Petrogrado contra o governo, por conta do envio de um novo regimento para o front.

Mais do que uma simples manifestação, havia um caráter insurrecional, de derrubada do governo. Os bolcheviques se posicionaram contra essa tática, não por qualquer apoio ao Governo Provisório, obviamente, mas porque a maioria do proletariado ainda não tinha chegado a essa conclusão. A tomada do poder em Petrogrado não seria seguida nas demais províncias e a revolução poderia ser rapidamente sufocada.

Um bom general, em uma guerra, não é aquele que só sabe orientar seu exército a atacar. A arte da guerra inclui também saber recuar organizadamente, quando necessário, ou mesmo esperar o momento mais adequado para o ataque vitorioso. O mesmo vale para uma direção revolucionária consequente. Lenin e os bolcheviques dominavam essa arte.

Com os soldados e operários saindo às ruas em massa, os bolcheviques não poderiam simplesmente ignorá-los e deixá-los à própria sorte. Decidem então dirigir a manifestação e organizá-la, convencendo os participantes de que não havia chegado a hora da insurreição. As manifestações crescem no dia 4 de julho, chegam a 500 mil participantes, com maior presença da classe operária. A repressão se dá com atiradores escondidos no alto dos prédios, os cossacos também são chamados. Há mortos e feridos dos dois lados, no total estima-se 29 mortos e 114 feridos. Isso não impede que o Palácio Tauride seja cercado por manifestantes que exigem soluções ao Comitê Executivo dos Sovietes, que segue se recusando a tomar o poder. No fim do dia os manifestantes começam a se dispersar.

No dia 5, o governo parte para a perseguição contra os bolcheviques. Consegue arregimentar tropas disseminando a calúnia de que Lenin é espião da Alemanha. A sede da redação do Pravda é destruída. Lenin é condenado à prisão, decide com o partido refugiar-se na Finlândia para continuar atuando politicamente à distância.  Trotsky, assim como vários bolcheviques, são encarcerados, acusados de organizar uma insurreição contra o governo. A contrarrevolução levanta a cabeça.

Em 7 de julho forma-se o Governo Socialista de Salvação, o Príncipe Lvov se demite e Kerensky passa a estar à frente do governo.

Lenin conclui das jornadas de julho que a época pacífica da revolução havia se encerrado, era hora de preparar a revolução armada. Ele chegou a considerar que os sovietes, dominados pelos conciliadores, não poderia servir como instrumento de tomada do poder, cogitou que os comitês de fábricas e oficinas poderiam cumprir este papel. Isto mostra como não havia nenhum fetichismo sobre os sovietes.

Um fato relevante ainda de julho é a realização, no dia 26, do 6º Congresso do Partido Bolchevique. Lenin está ausente, mas colabora na redação das resoluções. Nesse congresso é aprovada a integração no partido da Organização Interdistritos (Mezhrayontzi, em russo), trata-se da organização dirigida por Trotsky, que em realidade já trabalhava em aliança com os bolcheviques desde seu retorno à Rússia. A formalização dessa fusão foi postergada apenas para ganhar o conjunto do grupo para a entrada no Partido Bolchevique. O Congresso elege também o Comitê Central que irá dirigir o partido na insurreição de Outubro.

A tentativa de golpe de Kornilov

Diante da fraqueza de Kerensky, a burguesia decide-se por um golpe bonapartista contrarrevolucionário. Escolhe para encabeçar essa ofensiva o general Kornilov, promovido a Comandante Chefe do Exército Russo pelo próprio Kerensky, em julho.

A tentativa mal organizada de golpe, com um contingente pouco convencido de sua missão, ocorre entre os dias 28 e 30 de agosto.

Lenin, através de carta ao Comitê Central desde seu exílio, e Trotsky, reunindo-se com membros do partido dentro da prisão, lançam a mesma orientação: frente única contra o golpe, apoiar o fuzil nos ombros de Kerensky e atirar em Kornilov, nenhuma confiança e nenhum apoio a Kerensky, derrotar a contrarrevolução para, em seguida, acertar as contas com o Governo Provisório.

A ação dos bolcheviques é decisiva para desarticular o avanço das tropas de Kornilov a Petrogrado. Linhas de trem são desviadas, enviando as tropas para locais distantes. Agitadores se lançam em direção aos soldados para explicar os objetivos contrarrevolucionários da ofensiva. Ao final, o golpe fracassa, sem conflitos, com a decomposição do exército contrarrevolucionário.

Hora de tomar o poder

A vitória contra Kornilov aumenta o prestígio dos bolcheviques entre as massas e enfraquece Kerensky e o governo. A política de coligação com a burguesia revela todo o seu fracasso. Mencheviques e Socialistas Revolucionários seguem insistindo na aliança de classes e se desmoralizando.

Já em meados de Agosto, Trotsky escreve:

“Perseguido, caluniado, o nosso partido nunca tinha crescido tão rapidamente como nos últimos tempos. E esse processo não tardará a passar das capitais às províncias, das cidades às vilas e ao exército… Todas as massas trabalhadoras do país aprenderão, nas novas situações, a ligar a sua sorte à do nosso partido”.

Em setembro, os bolcheviques ganham a maioria no Soviete de Petrogrado e de Moscou. No exército, também aumentam sua influência. Amadurecem as condições para a insurreição. O chicote da contrarrevolução faz avançar a revolução.

Lenin, em seguidas cartas ao Comitê Central, apela pela preparação da tomada do poder. Há uma vacilação por parte do Comitê Central, são os mesmos traços do combate empreendido por Lenin em abril para reorientar o partido para uma política proletária.

Sem dúvida, um general não deve saber apenas atacar. Mas perder o momento propício para o ataque exitoso também pode ser um erro fatal para o resultado da guerra.

No dia 10 de outubro ocorre a reunião do Comitê Central do partido. Lenin retorna do exílio disfarçado e participa. Trotsky também está presente, havia sido solto da prisão em setembro, com pagamento de fiança.  A maioria decide pela insurreição armada como tarefa imediata. Dois votos contrários, Zinoviev e Kamenev.

Os dois escrevem uma carta para a base do partido alertando para os perigos da decisão tomada pelo Comitê Central, acusando a direção de subestimar as forças da reação, fazendo referências à derrota da Comuna de Paris. Propõem que deve se esperar a Assembleia Constituinte para tomar o poder, uma adaptação à democracia burguesa. Zinoviev e Kamenev divulgam e combatem publicamente a decisão da insurreição no jornal “Novaya Zhizn”, de Máximo Gorki, quebrando a disciplina interna. Lenin propõe a expulsão dos dois do partido.

A insurreição é preparada pelo Soviete de Petrogrado e seu Comitê Militar. Paralelamente, prepara-se a realização do 2º Congresso Pan-Russo dos Soviets, com a chegada de delegados de vários cantos do país.

As ações para a tomada do poder começam no dia 24 de outubro. Ao contrário da imagem que muitos têm de uma insurreição, com grandes batalhas e mortes, a Revolução de Outubro ocorreu quase sem derramamento de sangue. Em Petrogrado, os revolucionários tomaram o controle com relativa facilidade dos centros de poder, da central telefônica e de telégrafo, dos bancos, etc. A tomada do Palácio de Inverno inicia-se no dia 25 de outubro e ocorre praticamente sem resistência.

No mesmo dia 25, começa o Congresso Pan-Russo dos Sovietes. O poder, tomado pelo Comitê Militar do Soviete de Petrogrado, é colocado nas mãos do Congresso. A grande maioria dos delegados agora está com os bolcheviques, os Sovietes enfim tomam o poder, socialistas-revolucionários e mencheviques abandonam o congresso. John Reed, no livro-reportagem Os 10 dias que abalaram o mundo, retrata o momento em que Lenin sobe à tribuna para dar sequência à leitura e aprovação do decreto da paz e do decreto da terra, que põe fim aos latifúndios e divide as terras entre os camponeses:

“Afinal, Lenin levantou-se. Apoiando-se no parapeito da tribuna, percorreu a assistência com seus olhinhos piscos, aparentemente insensível à imensa ovação da Assembleia, que o aclamou durante vários minutos. Quando as palmas abrandaram, disse, simplesmente:

– Passemos agora à edificação da ordem socialista. Novamente, estalou na sala uma formidável tempestade de aplausos. (…)

Sua grande boca parecia sorrir. Abria-se inteiramente quando falava. A voz, apesar de rouca, não era desagradável. Estava como que endurecida por anos e anos de discursos. As palavras saíam num tom monótono, sempre igual. Tinha-se a impressão de que sua voz nunca mais ia se interromper. Quando desejava frisar, deixar bem clara uma frase, uma ideia, Lenin inclinava-se ligeiramente para a frente. Não gesticulava. E, a seus pés, milhares de rostos simples estavam voltados para ele, numa expressão de profunda alegria interior, uma espécie de intensa adoração.” (Reed, John. 10 dias que abalaram o mundo. Global Editora: 1978. Página 130)

O poder soviético parte da capital para as principais cidade e províncias, causando reverberações em todo o mundo. Uma nova página se abre na história da humanidade.

Algumas conclusões

As revoluções vitoriosas e também as derrotadas são ricas de lições para continuarmos a luta pelo socialismo. Sem o estudo da Comuna de Paris e sua derrota, dificilmente o Partido Bolchevique teria alcançado o sucesso em 1917.

Em primeiro lugar, a Revolução Russa é a confirmação, na prática, da Revolução Permanente. Não se trata de uma questão teórica apenas, mas um combate prático na atualidade. A ideia da necessidade do desenvolvimento do capitalismo nos países atrasado, antes de se pensar em revolução socialista, foi requentada pelo estalinismo e utilizada atualmente pelos partidos reformistas, como o PT no Brasil. Dessa concepção decorre a tática de alianças com setores da burguesia, que só pode reservar derrotas para a classe trabalhadora.

O desenvolvimento do Partido Bolchevique em 1917 mostra também como uma tática flexível e o combate pela Frente Única foram decisivos para um partido minoritário conseguir ganhar a confiança das massas e dirigir o proletariado em direção à tomada do poder. As palavras de ordem defendidas pelos bolcheviques são um exemplo dessa luta pela unidade que dialoga com a necessidade das massas, dirigindo reivindicações à direção do movimento, sem um denuncismo sectário: “Paz, Pão e Terra”, “Abaixo os 10 ministros capitalistas”, “Todo poder aos Sovietes”.

Por fim, mas não menos importante, a Revolução Russa, em contraste com as revoluções derrotadas, mostra a importância decisiva do partido revolucionário para a conquista do poder, um partido disciplinado, centralizado, de revolucionários profissionais, que conquiste a confiança das massas. Esse foi o Partido Bolchevique em 1917, cujo legado deve ser estudado, incluindo suas lutas internas, que revelam como mesmo o partido mais revolucionário da história não esteve imune à pressão das classes inimigas. Aprender com a história do Partido Bolchevique é preparar o instrumento necessário para as próximas vitórias.

Hoje, ventos revolucionários correm o mundo. É dever de todo revolucionário aprofundar o estudo sobre esse extraordinário capítulo da história que foi a Revolução Russa, que nos mostra o poder da classe trabalhadora, das ideias marxistas, da luta pelo socialismo como o único caminho para pôr fim à barbárie que se alastra fruto da decadência do capitalismo.