Revolta na Líbia: Tremam tiranos!

O poder está rapidamente escapando por entre os dedos de Muammar Khadafi, enquanto os protestos anti-governo continuam a varrer a nação africana apesar da repressão brutal e sangrenta.

Com uma cidade após a outra somando-se às forças anti-Khadafi, sua única base agora é Trípoli. O leste está sob controle dos insurgentes e a maior parte do oeste está nas mãos dos rebeldes, incluindo cidades bem próximas da capital.

Há apenas uma semana o povo levantou-se em revolta em Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia. Desde então a rebelião se espalhou na velocidade da luz para outras cidades apesar das tentativas brutais das forças de segurança de sufocar o levante.

O número de vítimas é desconhecido, mas está certamente na casa das centenas e Franco Frattini, o Ministro do Exterior italiano, disse que relatos “confiáveis” informam que pelo menos mil morreram na repressão. Um médico francês estimou que havia 2 mil mortos apenas em Benghazi. Mas nem as balas nem as bombas pararam o movimento que está agora varrendo o país inteiro de leste a oeste.

Khadafi prometeu esmagar o levante independentemente do preço em vidas humanas. Na noite de terça-feira (22/2) ele fez um pronunciamento incoerente na televisão, declarando que morreria como um mártir na Líbia, e ameaçando eliminar seus oponentes “casa por casa” e “centímetro por centímetro”. Ele culpou os “Islamitas” pela revolta no país, e avisou que um “emirado Islâmico” já foi instituído em Bayda e Derna, onde ameaçou usar a força extrema.

Tendo perdido o controle de Benghazi, Khadafi mandou 3 navios da Marinha atacar a cidade. Relatos indicam que a tripulação da Marinha estava indecisa sobre o que fazer. Este comportamento é uma receita pronta e acabada para empurrar cada vez mais setores dos militares a abandonar o líder e tomar o lado do povo revolucionário. Isso já está acontecendo.

Mercenários

Em uma tentativa desesperada de esmagar a rebelião e criar um regime de terror, Khadafi mandou sua força aérea atacar o povo, e soltou um exército de mercenários estrangeiros sobre a população. O jornal britânico The Guardian relata as palavras de um oficial dissidente do Exército Líbio:

“Um oficial das forças aéreas, Major Rajib Faytouni, disse que testemunhou pessoalmente mais de 4 mil mercenários chegando em aviões de transporte Líbio por um período de 3 dias começando em 14 de fevereiro. Ele disse: ‘É por isso que nos tornamos contra o governo. Isso e o fato de que havia uma ordem de usar os aviões para atacar as pessoas.’

Várias testemunhas em Benghazi disseram que enquanto a artilharia era usada contra cidadãos, aviões da força aérea não atiravam neles. No entanto, segundo Faytouni, eles jogaram duas bombas dentro da base militar de Rajma para impedir que as armas caíssem nas mãos das forças anti-governo.

‘Os dois coronéis que desertaram com seus MiGs se recusaram a cumprir as ordens de bombardear as pessoas’, disse ele, referindo-se a dois oficiais da força aérea que voaram para Malta em seus jatos na segunda. Ele acrescentou: ‘Houve também dois helicópteros que voaram para Túnis’.”

Em outro incidente os pilotos de um avião, preferiram pular de pára-quedas e deixar seus aviões baterem do que atirar contra civis. O jornal espanhol El Pais afirma que 17 pilotos das forças aéreas foram executados hoje por se recusarem a atirar na população civil. Um navio de guerra que tinha sido enviado para bombardear Benghazi fugiu para Malta.

O povo armado

A tentativa de afogar a rebelião em sangue falhou. Um correspondente da rede de TV Al Jazeera, falando da cidade de Tobruk, 140km da fronteira egípcia, disse que não havia presença de forças de segurança: “Pelo que eu vi, diria que o povo da Líbia oriental é que está no controle”, disse Hoda Abdel-Hamid.

Ela disse que não havia oficiais na fronteira quando a equipe da rede de TV Al Jazeera entrou em território Líbio:

“Ao longo de toda a fronteira, nós não vimos nenhum policial, não vimos nenhum soldado e pessoas aqui disseram-nos que eles (as forças de segurança) todos fugiram ou estão escondidos e que o povo agora está no comando, sendo responsável por todo o caminho da fronteira, de Tobruk até Benghazi.”

Jornalistas ocidentais que entraram agora em Benghazi declararam que o aparato do Estado desapareceu completamente. O jornal The Guardian descreve a cena:

“Por toda a Benghazi havia indícios de que Khadafi tinha perdido o controle da cidade. O Exército não está mais operando nos postos de controle, que agora são ocupados apenas por poucos policiais de trânsito. Cada sinal físico do ditador foi derrubado ou queimado. Enquanto não houve violência nos últimos dois dias, manifestantes raivosos dirigiam pela cidade disparando para o alto com rifles Kalashnikov exigindo que Khadafi ceda o controle e deixe o país.”

A ex-bandeira líbia, que data das lutas por independência, tremula sobre prédios governamentais saqueados. Os prédios das forças de segurança foram queimados, o arsenal foi saqueado. O povo está agora fortemente armado com esses armamentos que removeram do arsenal. O jornal The Guardian reporta:

“Como primeira organização de imprensa estrangeira a reportar da chamada Benghazi Livre, o Guardian testemunha tropas desertadas transportando para o pátio de uma estação saqueada da polícia toneladas de armamento e munições roubadas de um arsenal militar para impedir de ser capturado por forças fiéis ao ditador líbio.

Soldados trouxeram foguetes e artilharia pesada que estavam sendo usadas em ataques contra cidadãos no centro de Benghazi no sábado enquanto Khadafi tentava manter o controle da cidade. Médicos em Benghazi disseram que pelo menos 230 pessoas foram mortas, com mais 30 seriamente feridos.

Havia também a mais clara confirmação de que o regime de Khadafi usou mercenários estrangeiros para tentar reprimir a rebelião. Ao lado da delegacia uma grande multidão se reuniu em outro pátio. No andar de cima, o Guardian viu um número de mercenários, que teriam sido trazidos na semana anterior, sendo interrogados por advogados e oficiais do Exército.”

Khadafi teve que usar mercenários estrangeiros porque não podia confiar em seus próprios soldados para atirar nas pessoas. Eles são culpados de atrocidades terríveis contra o povo. Seus destinos são desconhecidos. Mas ao menos eles serão julgados pelos seus crimes. As pessoas em quem eles atiraram a sangue frio nas ruas de Benghazi não tiveram essa chance. E gangs de mercenários ainda continuam à solta, cometendo novos assassinatos, como reporta a Al Jazeera:

“As pessoas me disseram que até que está calmo em Bayda e Benghazi. Eles dizem, entretanto, que as ‘milícias’ estão circulando, especialmente à noite. Eles os descrevem como homens africanos, dizem que eles falam francês então deduzem que são do Chade.”

O Major-General Suleiman Mahmoud, o comandante das forças armadas em Tobruk, disse à rede de TV Al-Jazeera que as tropas lideradas por ele mudaram de lealdade. “Nós estamos ao lado do povo”, disse ele. “Eu estava com ele (Khadafi) no passado, mas a situação mudou – ele é um tirano”.

Assim como na Tunísia e no Egito, o povo revolucionário está criando comitês para assumir o controle da sociedade. A agência Reuters publicou a citação de uma mulher em Benghazi que resumiu completamente a situação: “Somayah, uma dona de casa em Benghazi disse: ‘A cidade está bem agora depois que um grupo de advogados e médicos, assim como jovens voluntários, formou comitês públicos e estão mantendo as coisas em ordem’.”

Engels explicou que o Estado é um bando de homens armados. Em Benghazi e outras cidades controladas pelos rebeldes, o velho Estado já não existe mais. Foi substituído pelo povo armado, milícias revolucionárias, que Lênin disse que eram o embrião de um novo poder estatal. Segundo um relato, os postos militares entre Benghazi e o Egito para o leste estão agora sendo controlados somente por milícias armadas. Jovens carregando Kalashnikovs param um motorista de caminhão para uma checagem casual. “Mas não tem mais governo!” o motorista protesta. O argumento parece bem convincente para os jovens, que respondem rindo.

A queda de Misurata

Khadafi provavelmente pesou que poderia manter Trípoli e a parte ociental do país e usar isso para acabar com os insurgentes no leste. Mas os acontecimentos reduziram seus cálculos a cinzas. A revolução já se espalhou para o oeste. Na quarta-feira o governo perdeu o controle de Misurata, a terceira maior cidade da Líbia. Oficiais do Exército na cidade prometeram “apoio total aos manifestantes”.

Misurata é a maior cidade do oeste do país a cair nas mãos dos insurgentes. Confrontos eclodiram nos últimos dois dias na cidade de Sabratha, oeste da capital. Agora Tajura, uma cidade a menos de 15 kilometros de Trípoli, caiu e a bandeira dos rebeldes tremula sobre ela. Há relatos de que a cidade de Zwara, também no oeste, ficou calma depois que o povo tomou o controle. As pessoas se uniram para patrulhar as ruas. Aí também setores do Exército se juntaram aos manifestantes.

As massas em Benghazi estão nas ruas manifestando-se em solidariedade com o povo de Trípoli. É meramente uma questão de tempo antes da decisiva Batalha de Trípoli acontecer. O jornal espanhol El Pais relata que em Tobruk as pessoas criaram comitês populares e “um clima de revolução permeia tudo.”

Khadafi e o imperialismo

Como ocorreu no caso da Tunísia e do Egito, os Americanos e Europeus podem apenas observar de mãos atadas enquanto a situação foge do controle. Eles tinham esperanças de chegar a um acordo com Khadafi, abrindo esta nação rica em petróleo aos investimentos estrangeiros.

Algumas pessoas da Esquerda dizem que Khadafi é um “socialista” ou um “anti-imperialista” de alguma espécie. Isso é mentira. Na verdade, Khadafi abandonou qualquer pretensão de lutar contra o imperialismo, fez acordos com os EUA, Reino Unido e outras potências imperialistas e abiu o país para as multinacionais do petróleo.

A reaproximação entre a Líbia e o imperialismo se intensificou em 2003-2004, a partir do reconhecimento da responsabilidade pelo bombardeio de Lockerbie. Os britânicos soltaram o líbio acusado pelo bombardeio, para indignação dos americanos, mas os britânicos fizeram lucrativos contratos com Trípoli. Como diziam os romanos: dinheiro não tem cheiro.

Reacionários politicos como Tony Blair e Berlusconi cortejaram Khadafi. Por sua vez o “anti-imperialista” Khadafi implementou privatizações e incentivou empresas estrangeiras a abrir lojas em Benghazi e Trípoli. Recentemente, em novembro passado, o jornal britânico The Economist publicou uma reportagem cheia de confetes sobre a Líbia, comparando-a com Dubai. Agora todos esses sonhos estão em ruínas.

Foram justamente estas políticas que destruíram os elementos de um Estado de bem-estar que existia anteriormente, criou um abismo enorme entre a riqueza obscena da camarilla de Khadafi e a pobreza das massas e desenvolveu o desemprego em massa. Qualquer característica progressiva que o regime possa ter tido no passado foi eliminada. Esta é a raiz da causa da atual insurreição.

Agora há relatos de que Khadafi ordenou o bombardeio de terminais de petróleo. Grandes companhias petrolíferas estrangeiras como a BP e a Repsol tiveram que suspender as operações na Líbia. Metade de toda a produção de petróleo na Líbia foi desativada. As conseqüências para a economia mundial podem ser dramáticas. Os preços do petróleo já estão subindo. A cotação do Brent alcançou 110 dólares o barril. A agitação no mundo árabe ainda pode ser a ruína da fraca recuperação econômica, dando um empurrão ainda maior à crise global do capitalismo.

A desintegração do regime

Khadafi tentou mobilizar seus apoiadores para tomar as ruas e mostrar seu apoio ao seu líder. Várias centenas de partidários do governo atenderam ao seu chamado, realizando uma passeata pró-Khadafi na Praça Verde da cidade de Trípoli. Mas o discurso de Khadafi tem feito pouco para conter o fluxo constante de deserções da sua turma. No mesmo dia houve relatos de tiros na capital.

Há sinais de que o regime está entrando em um processo de desintegração. Na noite de terça-feira, o General Abdul-Fatah Younis, o Ministro do Interior do país, tornou-se o mais recente oficial do governo a se retirar, dizendo que estava resignando para apoiar o que ele chamou de “Revolução de 17 de Fevereiro”. Ele exortou o Exército líbio a juntar-se ao povo e a suas “demandas legítimas”.

Na quarta, Youssef Sawani, um assessor de Saif al-Islam Khadafi, um dos filhos de Muammar Khadafi, demitiu-se de seu posto “para expressar consternação contra a violência”, reportou a Reuters.

Antes disso, Mustapha Abdeljalil, o Ministro da Justiça do país, demitiu-se em protesto ao “uso excessivo de violência” contra os manifestantes. E diplomatas em missão na Líbia para as Nações Unidas chamaram o Exército líbio para ajudar a remover “o tirano Muamar Khadafi”. Diplomatas líbios por todo o mundo ou renunciaram em protesto pelo uso de violência contra os cidadãos, ou rejeitaram a liderança de Khadafi, dizendo que eles estão com os manifestantes.

O pior de tudo para Khadafi é que um grupo de oficiais do Exército também emitiu uma declaração exortando os soldados a “juntar-se ao povo” e remover Khadafi do poder. À medida que o laço aperta, há indícios de que setores do Exército na Líbia estão se preparando para agir contra Khadafi em uma tentativa de impedir que o país se afunde ainda mais no caos. Há rumores de que o comandante da região de Tobruk, no leste, fez um chamado para um golpe contra Khadafi e criou um tipo de comitê para substituí-lo e a todos à sua volta.

Este é o cenário que os imperialistas queriam evitar na Tunísia e no Egito com a saída apropriada do “homem forte”. Mubarak saiu apenas quando a situação já estava fora de controle. Mas, agarrando-se ao poder com unhas e dentes contra um levante de massa, Khadafi tem empurrado a situação a um ponto insuportável.

Sua conduta contradiz todas as regras de um comportamento racional. Ele ordenou que os militares atirassem no povo insurgente. Ele usou mercenários contratados para fazer a matança por ele. Com isso pretendia apavorar as massas, mas falhou em seus objetivos. Pelo contrário, isso enfureceu o povo, e também afastou setores importantes do Exército e da polícia, que se voltaram contra o Chefe.

Finalmente, parece que um vislumbre da realidade começou a penetrar na massa cinzenta do cérebro de Khadafi. Parece que um avião que levava sua filha foi impedido de aterrissar em Malta e foi forçado a voltar para a Líbia. O Líder começou a entender que o fim está próximo. Mas ele não irá fugir como Ben Ali. Depois de tudo, pra onde ele iria? Ele pretende ficar e lutar até o amargo fim e mesmo se isso significar arrastar toda a nação com ele.

A queda de Khadafi agora é só uma questão de tempo. Recusando-se a se render ele vai garantir que o final terá um caráter desastroso. Isto enviará ainda mais ondas de propagação por Estados da África do Norte e Oriente Médio já devastados pelas ondas anteriores da Tunísia e do Egito.

Com a queda de cada regime reacionário, a base para cada regime existente é enfraquecida. As massas estão assistindo a cada novo desenvolvimento e tirando suas próprias conclusões. A queda de Khadafi lhes ensinará uma nova mensagem. Se o regime líbio, com seu enorme aparato repressivo e Exército de forças mercenárias, não pode conter a revolta em massa do povo, que chances tem qualquer governo impopular árabe?

Os governantes da Arábia Saudita odeiam Khadafi. Agora eles estão rezando para ele vencer. Suas preces não serão atendidas. A mensagem das ruas de Benghazi e Misurata está ressoando alto e claro: Tremam tiranos!

Londres, 23 de fevereiro de 2011.

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