Relator da redução da maioridade penal prevê aborto de feto com “tendências à criminalidade”

“Um dia, chegaremos ao estágio em que poderemos determinar se um bebê, ainda no útero, tem tendências à criminalidade. Se sim, a mãe não terá permissão para dar a luz” – declaração do Deputado Laerte Bessa, relator da PEC da redução da maioridade penal.

O Deputado Laerte Bessa (PR-DF), ex-delegado da Polícia Civil e relator da PEC da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, deu uma declaração ao jornal inglês ‘The Guardian’ (29/06) que repercutiu enormemente esta semana no Brasil colocando a discussão sobre a redução da maioridade penal num outro patamar. Bessa já havia dito que a redução da idade penal para 16 anos é insuficiente e que defende reduzir para 12 no futuro, mas agora deixou ainda mais evidente seu pensamento abominável.

“Um dia, chegaremos ao estágio em que poderemos determinar se um bebê, ainda no útero, tem tendências à criminalidade. Se sim, a mãe não terá permissão para dar a luz”, disse o parlamentar.

Talvez Bessa tenha levado muito a sério Cazuza quando cantou que “nossos destinos foram traçados na maternidade”. E como a letra também fala de “mendigar” e crimes como “roubar, matar”, e o pior, a confissão de “mil rosas roubadas”, é provável que num momento de pressão o poeta tenha feito o deputado “exagerar”?

Algumas pessoas perplexas com Laerte Bessa perguntam nas redes sociais se é o caso de exigir uma exame de sanidade mental ao parlamentar. Pois se antes o debate era se um jovem de 16 anos já tem ou não capacidade de discernir como adulto sobre suas atitudes, o que dizer sobre bebês que ainda nem nasceram? Como eles poderiam ser condenados por estupro, assassinato, roubos..?

As ideias sobre direito criminal do policial deputado de Brasília parece uma peça de ficção de dar inveja a Philip K. Dick, autor de Minority Report – A Nova Lei, conto que inspirou o cineasta Steven Spielberg. Dick construiu um mundo futurista onde não há crimes, pois eles são previstos antes de acontecerem e os culpados presos antes de cometê-los. E assim como os interesses por trás da redução da idade penal, nos tribunais onde a fraude do Domínio do Fato ou de denúncias de delatores que substituem provas materiais, Minority Report ajuda a revelar onde se esconde o fascismo na “democrática” sociedade capitalista. Mas parece que Larrte Bessa conseguiu superar todos estes.

Cazuza, Dick ou Tom Cruise, quem será que inspirou mais Laerte Bessa? Ou seria Sergio Cabral Filho? Vamos relembrar o que disse o Governador do Rio de Janeiro alguns anos.

“Sou favorável ao direito da mulher de interromper uma gravidez indesejada. (…) Você pega o número de filhos na Lagoa, na Tijuca, no Méier e em Copacabana. É padrão sueco. Agora, pega na Rocinha, no Vidigal, no Alemão [favelas do Rio]. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginais”. (Sergio Cabra, Governador. Revista Época 2007)

É claro que essa fala de Cabral não tem nada a ver com o direito ao aborto, que nós defendemos, mas uma visão carregada de preconceito que tenta vender a ideia de que o problema da criminalidade é provocado pela falta do controle de natalidade entre a população das regiões periféricas mais pobres.

As declarações de Bessa e Cabral representam uma síntese do pensamento de uma classe social. A violência  é um processo social e não uma patologia, uma doença genética e hereditária de negros e pobres. Vemos aqui o preconceito e o racismo elevado a potência inimagináveis, como se não bastasse a caça diária que a polícia faz quando o caveirão sobe a favela. É melhor matar antes que nasçam.

O grave problema social da violência urbana no Brasil se insere no quadro de decomposição da sociedade capitalista. Bessa e Cabral são fiés representantes da burguesia, disseram isso porque no fundo esta classe social não tem mais nada a oferecer. Eles expressaram a profunda decadência da consciência da burguesia diante da crise do seu sistema e por isso seu pessimismo diante da atual tendência histórica. Estamos debatendo a violência no Brasil como mais de 50 mil mortes por ano, mas poderíamos estar discutindo as múltiplas guerras em curso que produzem hoje um montante de mais de 60 milhões de refugiados, 5 milhões somente da Síria.

Alan Woods, dirigente da Corrente Marxista Internacional explicou este fenômeno no seu artigo “Civilização, barbárie e a visão marxista da história”, traduzido e publicado em nosso site.

“(…) Aqueles que negam a existência das leis que dominam o desenvolvimento social humano, sem exceção, abordam a história desde um ponto de vista subjetivo e moralista. Como Gibbon (mas sem seu extraordinário talento), sacodem a cabeça ante o interminável espetáculo de violência sem sentido, a “desumanidade do homem contra o homem” (e a mulher) e outras coisas pelo estilo. Em lugar de uma visão científica da história, temos a visão de um sacerdote. Mas o que necessitamos não é de um sermão moral e sim de uma visão racional. Acima e mais além dos fatos isolados, é necessário compreender as tendências, as transições de um sistema social a outro, e extrair as forças motrizes fundamentais que determinam estas transições.

(…) O período que se abre será o de uma luta de vida ou morte, uma luta por parte daqueles elementos da nova sociedade que já estão surgindo e uma resistência igualmente feroz por parte da velha ordem, que quer evitar que isto aconteça.

A crise do capitalismo representa não somente uma crise econômica que ameaça os empregos e o nível de vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Também ameaça a própria base da existência civilizada. Trata-se de uma ameaça que faria retroceder a humanidade em todas as frentes. Se o proletariado, a única classe verdadeiramente revolucionária, não consegue derrocar o domínio dos bancos e dos monopólios, o cenário estará preparado para o colapso da cultura e o regresso à barbárie.

Na realidade, para a maioria da população ocidental (e não somente no ocidente) as manifestações mais óbvias e dolorosas da crise do capitalismo não são econômicas, e sim aqueles fenômenos que afetam sua vida pessoal nos pontos mais sensíveis e emocionais: a ruptura da família, a epidemia de crime e violência, o colapso dos velhos valores e da moralidade com nada para colocar em seu lugar, a constante erupção de guerras, tudo isto provoca o sentimento de instabilidade, a ausência de fé no presente ou no futuro. Estes são os sintomas do beco sem saída do capitalismo que, em última instância (embora não somente em última instância) é o resultado da rebelião das forças produtivas contra a camisa de força da propriedade privada e do estado nacional. (…)”

Todos os grandes problemas de ordem social, ambiental, científico estão atravessados pela acumulação de capital e não serão resolvidos antes de acabarmos com a divisão entre classes da sociedade. E o embrião da nova sociedade já está amadurecendo dentro do útero da velha e não deixaremos que nenhum Bessa, Cabral, Obama ou Netanyahu os mate.

Vivemos um período de ascenso da consciência de classe e da organização e luta dos trabalhadores e da juventude no mundo inteiro. A melhor resposta a barbárie pode vir pela conecção de cada luta com o combate geral pela superação do capitalismo.

O proletariado é capaz de substituir o sistema capitalista por uma nova ordem social baseada na planificação harmoniosa e racional das forças produtivas e no controle consciente de homens e mulheres de sua própria vida e seu próprio destino. Deixando para trás o pesadelo do colapso social, econômico e cultural que o capitalismo está nos conduzindo.