Reinflando a bolha: um balanço de 10 anos de crise

Nos últimos dois meses vimos se renovarem as preocupações sobre a economia. Esperava-se que fosse um período de otimismo, com muitas cifras positivas nos dados de desemprego, aumento de salários etc. No entanto, apesar das cifras, os mercados estão inquietos e a burguesia está gradualmente percebendo que nenhum dos problemas que causaram a crise em 2008 foram resolvidos. Se algo aconteceu, foi para pior.

A crise de 2008

A crise de 2008 foi de início considerada como “a crise do crédito”, e havia certa lógica nisto. A economia havia acumulado um nível sem precedentes de dívidas. Subitamente, os investidores entraram em pânico, já que muitas hipotecas “subprime” ficaram inadimplentes nos EUA. Os bancos pararam de emprestar uns aos outros. Ninguém sabia que bancos estavam expostos a essas hipotecas, ou expostos a um banco que, por sua vez, estivesse exposto a essas hipotecas. O crédito congelou e o Estado interveio para garantir e resgatar o sistema bancário.

Foi este o resultado de todo um período de expansão do crédito. Depois da Segunda Guerra Mundial, a dívida mundial total (das famílias, empresas e governos) era relativamente alta depois de todas as dívidas contraídas pelos governos durante a guerra. Em 1950, ela se encontrava em torno de 140% da produção econômica, mas, na década de 1960, estava em 110% e nos anos 1970 caiu para 100%. No entanto, viu-se uma virada brusca nos anos 1980. Em 1990, a dívida havia mais uma vez alcançado 130% da produção. Em 2000, 180%, e em 2007, logo antes da crise, alcançou 280%, ou aproximadamente três vezes a produção econômica mundial [[1]]. Isso significa que, de cada dólar gasto, três são emprestados.

Nenhum dos problemas causados pela crise em 2008 foram resolvidos. Imagem: Pingnews.

Os wiz-kids [garotos geniais – NDT] de Wall Street e da Cidade de Londres estavam no mundo da Lua com sua engenhosidade financeira, permitindo que o capitalismo se expandisse muito além dos limites do mercado, da capacidade dos trabalhadores de comprar de volta os produtos que eles mesmos produziram. As hipotecas “subprime” eram por si mesmas um eufemismo para hipotecas que nunca seriam pagas. Os bancos apostaram em sua capacidade de vender a casa a um preço mais alto, já que a hipoteca havia ficado inadimplente. Os governos nos anos 1990 e início dos anos 2000 removeram todas as restrições sobre essa conduta irresponsável dos bancos. Os bancos centrais também ajudaram reduzindo as taxas de juros. Particularmente importante foi o momento crucial que se seguiu ao estouro da bolha das “pontocom”, em 2001. O banco central americano baixou suas taxas de 5% para 1,25% e, dessa forma, voltou a inflar os mercados de crédito. Do ponto de vista capitalista, tal política era completamente irresponsável, mas a classe dominante temia as consequências de uma crise econômica prolongada e optou por adiar seus problemas.

Em 2008, os investidores entraram em pânico quando as hipotecas “subprime” quebraram nos EUA e dispararam o gatilho da crise mundial. No balão: “E lá se vai a vizinhança…”. Nas casas: “hipotecas subprime, empresas de hipoteca, credores, construtoras, mercados, economia dos EUA, economia mundial”. Imagem: Mike Luckovich.

Em artigo recente, Martin Wolf insinuou o seguinte:

“Os que argumentam que teria sido melhor para os bancos centrais terem deixado a economia em recessão do que assumir políticas monetárias agressivas estão totalmente enganados. É imoral e, em última instância, impossível sacrificar o bem-estar da maioria das pessoas para aplacar os deuses dos mercados financeiros” [[2]].

Essa política é bastante diferente daquela dos anos 1930. Quando ocorreu o crash de Wall Street em 1929, A dívida total dos EUA estava em torno de 180% do PIB, nos quatro anos seguintes ela subiu dramaticamente para 260% (alcançou 350% em 2007), como resultado da crise. Contudo, no final dos anos 1930, voltou para 180%. Isto se conseguiu através do colapso de bancos, do fechamento de fábricas, do desemprego em massa e da fome. As indústrias e os bancos menos lucrativos foram liquidados e substituídos por outros mais modernos e eficientes. Foi um período social tremendamente tumultuoso na história dos EUA e do mundo, quando a classe dominante forçou a classe trabalhadora a pagar pela crise. É a isso que Schumpeter se referia, eufemisticamente, como “destruição criativa”. Mas isso tambeém não conseguiu tirar a economia mundial da crise. A destruição da Europa continental e do Japão na Segunda Guerra Mundial foi necessária para abrir caminho ao boom dos anos 1950 e 1960.

Hoje os burgueses vêm tentando desesperadamente evitar precisamente eventos calamitosos como esse. Estão preocupados com a abertura de um período revolucionário como o dos anos 1930.

Reinflando a bolha

Em vez de apertar o crédito, a burguesia tentou reinflar a bolha. No início da crise, em vez de deixar os bancos serem liquidados, só deixaram que dois fossem punidos, colocando efetivamente o Estado como avalista de todas as dívidas contraídas pelos bancos.

Os resgates se combinaram com uma política monetária ultraflexível, em que os bancos centrais criaram bilhões em dinheiro novo (“flexibilização quantitativa”) e emprestou-o aos bancos, às grandes corporações e ao governo. Ao mesmo tempo, os bancos centrais baixaram as taxas de juros a 0,25 – 0,50% (praticamente zero) e alguns países, como o Japão e a Suécia, até estabeleceram taxas negativas de juros (pagando aos bancos para emprestar). Os ativos do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos cresceram de US$ 900 bilhões em 2008 (6% do PIB) para US$ 4,4 trilhões em 2017 (12% do PIB). Os ativos do Banco Central Europeu cresceram de € 1,1 trilhão em 2006 (12% do PIB) para €4,5 trilhões em 2017 (41% do PIB). Os economistas falavam sobre estar navegando em “águas inexploradas”, e estavam corretos.

A austeridade e o corte de gastos reduziram a demanda por produtos e serviços, enquanto as grandes corporações tentaram reduzir a capacidade excedente e os bancos cortaram seus empréstimos a consumidores e negócios. Foto: Peoplesworld.

Em termos normais, criar uma quantidade tão grande de dinheiro produziria inflação em grande escala, mas isto não aconteceu. A austeridade e os cortes salariais reduziram a demanda por produtos e serviços, ao mesmo tempo em que as grandes corporações estavam tentando reduzir o excesso de capacidade nas fábricas de todo o mundo. Os bancos estavam tentando fortalecer seus balanços e cortar seus empréstimos aos consumidores e negócios. As grandes corporações não queriam investir porque já tinham uma capacidade de produção muito além do que o mercado poderia engolir.

Os governos e os bancos centrais estavam tentando reinflar a bolha do crédito, mas só evitaram uma depressão profunda, adiando mais uma vez o dia do desastre. Muito do crédito criado terminou em uma orgia de especulação. Os mercados de ações estavam crescendo, alcançando recordes cada vez mais altos. O índice do Dow Jones Industrial Average de Nova York subiu de 14 mil pontos em outubro de 2007 para 26.600 pontos em janeiro deste ano. O London Financial Times Stock Exchange 100 (FTSE 100) subiu de 6.700 pontos a 7.700. O índice Nikkei de Tóquio seguiu o mesmo padrão de pico em 2007 aos 21.700 pontos que tocaram o fundo em 2009, seguido de um aumento e um novo máximo em janeiro deste ano, em 23.800 pontos. As criptomoedas (bitcoins) aumentaram de forma explosiva, bem como as obras de arte. Em novembro, um quadro supostamente de Leonardo da Vinci alcançou um recorde de US$ 400 milhões em um leilão, apesar de sua duvidosa autenticidade. O capital financeiro, em vez de se engajar no investimento produtivo na economia, estava desesperadamente buscando fontes alternativas de lucro rápido.

O alto custo da moradia significa que casas com grandes hipotecas só podem se pagar com taxas de juros historicamente baixas. Foto: Fibonacci.

As grandes corporações acumularam centenas de bilhões de dólares em dinheiro que luta para encontrar investimentos produtivos. As empresas não-financeiras dos EUA estão sentadas sobre US$ 1,9 trilhões, dos quais Apple, Microsoft, Alphabet (Google), Cisco e Oracle possuem US$ 679 bilhões no total [[3]]. O Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, está sentado sobre US$ 116 bilhões, graças em grande parte à doação de impostos de Trump ano passado. Os lucros recordes das empresas, bem como o crédito barato, levaram a um novo episódio de fusões e aquisições. No momento, o fabricante de chips eletrônicos Broadcom está tentando uma aquisição nada amistosa da Qualcomm, que produz 42% dos processadores de smartphone. O acordo que estão oferecendo é de impressionantes US$ 117 – o maior acordo de tecnologia da história. Outros acordos em preparação incluem uma guerra de ofertas de US$ 30 bilhões pela emissora britânica Sky. De fato, Buffett se queixou em sua carta anual aos acionistas dos preços das empresas dizendo que não conseguiu encontrar “nenhum preço de compra sensato” porque os preços estavam muito elevados.

As bolhas imobiliárias também surgiram em várias economias. Desde 2005 os preços da habitação aumentaram 108% na Austrália e na China, 50% no Reino Unido e 43% no Canadá [[4]]. Em Nova York e outras importantes cidades dos EUA, os preços ainda não estão acima de 2008, mas já voltaram ao patamar daquele ano. O alto custo da habitação significa também uma profusão de famílias com grandes hipotecas que só podem pagar com base em taxas de juros historicamente baixas. Se os bancos centrais tentarem restringir o crédito elevando as taxas de juros ou destruindo parte do dinheiro que criaram no auge da crise, as inadimplências de hipotecas podem se tornar endêmicas.

Nada resolvido

Os mais astutos comentaristas burgueses perceberam que não se conseguiu resolver nenhum dos problemas que causaram a crise em primeiro lugar:

“Depois da crise financeira de 2008 e 2009, a esperança era que uma combinação de recuperação econômica, inflação e austeridade reduzisse a montanha da dívida. Isso, no entanto, foi demasiado otimista. O crescimento foi abaixo do normal, a inflação foi reduzida e a austeridade se tornou autodestrutiva. Enquanto os governos retrocedem sobre a reforma fiscal e industrial, a mesma toxina que desencadeou a crise está contida no relançamento das economias nas Américas e na Europa” [[5]].

Durante todo um período a economia estagnou. Em 2012, a pequena recuperação foi chamada de “A pior recuperação econômica da história” pelo Wall Street Journal. A União Europeia necessitou de sete anos para recuperar sua produção no patamar de 2008, embora os EUA e o Japão o tenham conseguido em três e cinco anos, respectivamente.

Ainda hoje o Estado está respaldando 75% das hipotecas americanas [[6]] e a Grã-Bretanha e a Alemanha têm várias centenas de bilhões de dólares investidas em sua indústria bancária. Os mais afetados, a Grécia e a Irlanda, ainda não puderam recuperar o dinheiro do resgate financeiro: o equivalente a 25% de seus PIBs [[7]]. A inflação permaneceu teimosamente baixa, apesar do crédito extremamente barato. Somente no ano passado houve uma ligeira subida da inflação até o ponto em que o banco central americano ousou aumentar as taxas de juros acima de 1%. O Banco Central Europeu (BCE) e o Banco do Japão ainda não descontinuaram seus programas de flexibilização quantitativa e suas taxas de juros permanecem em torno de zero.

Nas economias avançadas do G20, a dívida permaneceu alta, apesar de toda austeridade. A dívida total alcançou 234% do PIB antes da crise e está, hoje, em 263% [[8]]. Então, apesar de os bancos e famílias, em alguns países, não estarem tão endividados, as empresas e os governos estão todos cada vez mais endividados. Portanto, mesmo que o último período tenha conseguido produzir um pouco de crescimento, não ajudou a melhorarnos níveis da dívida.

Um país que suportou a crise melhor que a maioria foi a China. A economia chinesa continuou crescendo durante a crise. Contudo, somente foi capaz de fazer isso acumulando grandes quantidades de dívidas. As cifras da China não são das mais confiáveis, mas estima-se que a dívida total tenha alcançado 255% do PIB no final de 2016. Isso é quase duas vezes os 133% que apresentava no final de 2008 [[9]]. Isso significa que para cada dólar extra de produção econômica, a China adiciona dois dólares a sua dívida. Da mesma forma que nas economias avançadas do período anterior a 2008, a China alimentava o seu boom com enormes quantidades de crédito. Também afeta a quase todos os setores da economia: empresas privadas, empresas estatais, famílias e governos locais.

Entre as economias menos desenvolvidas do mundo, a China não é a única onde a dívida aumentou, mas, devido ao tamanho da economia chinesa, recebeu um impacto decisivo. Isso significou que a dívida global atingiu uma nova alta de US$ 233 trilhões ou 300% da produção econômica, acima dos 280% de 2008. Há alguns anos falou-se de reequilibrar a economia mundial, com ênfase particular no crescimento das importações chinesas. Isto aconteceu claramente, mas de forma completamente insustentável. A China deixou de ser uma fonte de estabilidade da economia mundial para se tornar um dos elos fracos.

Um outro aspecto disso são as chamadas empresas zumbis – empresas incapazes de produzir lucro [[10]]. O Bank of International Settlement ressalta que o percentual de empresas zumbis tinha quintuplicado desde 1987, e que elas eram duas vezes mais propensas a permanecerem zumbis do que no passado. Entre 2008 e 2014, o percentual aumentou de 7% para um pouco mais de 10% [[11]], mas elas representam um setor muito maior do mercado de trabalho e do total do capital por ações. As taxas baixas de juros são capazes de manter essas empresas à tona mesmo que elas não estejam ganhando dinheiro. Se um setor dessas empresas falisse, poderia ter um efeito potencialmente calamitoso na economia. Isso não só afetaria seus credores (bancos etc.) e fornecedores, como também ameaçaria um grande setor de trabalhadores com o desemprego.

O BCE e o Banco do Japão ainda não descontinuaram seus programas de empréstimos a juros próximos de zero. Foto: Ilaria Caterina.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) produziu um informe em dezembro chamado “confrontando as zumbis”, no qual tentaram sugerir políticas para mitigar tais colapsos. Na teoria, empresas não lucrativas que são liquidadas é uma boa coisa. Na prática, essa “destruição criativa” é frequentemente muito destrutiva, e não muito criativa. Cada país tem o seu próprio “cinturão da ferrugem”, de uma forma ou outra, onde a destruição de indústrias arruinou comunidades e nada veio para substituí-las. Em um período de crise capitalista isso vai ser ainda pior e os burgueses estão admitindo tacitamente que este é o caso.

Então, depois de 10 anos de crise, a situação econômica, longe de melhorar, tornou-se pior. Nenhuma das contradições foi resolvida e todas as tentativas para superá-las somente criaram novas contradições.

Equilíbrio político

Nos tempos de Marx, os economistas referiam-se ao seu tema como “economia política”. Como Marx, pelo menos tentaram estudar a interrelação entre a economia e a sociedade. Contudo, os economistas neoclássicos preferiram tratar a economia como um sistema de considerações puramente matemáticas. A política era meramente um fator indesejado e incalculável que não se ajustava aos seus modelos. Somente Keynes tentou lidar com a questão nos turbulentos anos 1920 e 1930. Não surpreende que Keynes tenha se tornado popular mais uma vez entre os que estão tentando resgatar o sistema capitalista de si mesmo.

O fato é que as tentativas de restabelecer o equilíbrio econômico perturbaram o equilíbrio político. A austeridade, os ataques sobre as condições de trabalho, os enormes lucros e os resgates bancários colocaram a política na vanguarda do “risco” econômico. A classe dominante perdeu sua capacidade para ditar a linha ao establishment político. Talvez, de maneira mais clara, esse seja o caso do Brexit e Trump, em que a classe dominante está tentando desesperadamente controlar seus próprios representantes.

A raiva e a frustração acumuladas na última década expressaram-se em votos de protestos contra o status quo, contra o establishment. A política está ficando crescentemente polarizada entre uma direita protecionista, anti-imigrante (o Partido Conservador, Trump) e uma esquerda radicalizada (Corbyn, Sanders). Nenhuma dessas opções é particularmente atraente para a classe dominante.

Donald Trump: “guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar!”. Foto: Flickr, Gage Skidmore.

Em um documentário recente da CNN chamado “Por que Trump ganhou”, o presidente do Partido Democrata do Condado de Mahoney afirmou, sem reservas: “tudo o que ouviram foi apenas empregos, empregos, empregos e que ele iria recuperar nossos empregos”. Os especialistas habilidosos apresentarão números sobre o recorde do baixo desemprego e omitirão o ponto. A questão não é ter um emprego, mas que tipo de emprego e em que termos. No passado, as pessoas do cinturão da ferrugem e do Norte da Inglaterra teriam empregos bem pagos e qualificados. Atualmente, são convidados a trabalhar em call centers, estabelecimentos de fast food e lojas da Amazon com salário mínimo.

Trump culpa o livre comércio por esta situação, argumentando que os EUA assinaram demasiados acordos comerciais que não beneficiaram a “América”. Em vez disso ele quer colocar “a América em primeiro lugar”. A verdade é que os acordos comerciais foram assinados no interesse dos capitalistas americanos, que ganharam toneladas de dinheiro com eles, inclusive Trump. Agora Trump afirma que vai “trazer de volta os empregos”. A única forma de fazer isto é à custa de outros países: forçando fábricas a fechar no México e na Europa para, supostamente, abrir novas nos EUA. Isso não acontecerá, ou, se acontecer, será importando as condições de trabalho do México e da indústria de fast food na indústria dos EUA.

Do ponto de vista da burguesia, essa política é extremamente perigosa. Uma guerra comercial entre a Europa e os EUA ou entre a China e os EUA traria consequências desastrosas para a economia mundial, e isto, de fato, é o que Trump está ameaçando. Em 1 de março, ele deu outro passo nessa direção, acompanhando suas tarifas para máquinas de lavar e painéis solares com novas tarifas para o aço e o alumínio. As bolsas de valores receberam um golpe. A UE respondeu imediatamente ameaçando com medidas retaliatórias, às quais Trump respondeu com ameaças de tarifas ainda mais altas contra a UE. Trump inclusive escreveu um tweet defendendo a política:

“Quando um país (os EUA) está perdendo muitos bilhões de dólares no comércio com praticamente todos os países com os quais negocia, guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar. Exemplo: quando reduzimos 100 bilhões de dólares com um determinado país e eles continuam bonitinhos, não há mais negócios – uma grande vitória. É fácil!”

Os burgueses veem isso como totalmente imprudente. A economia mundial está completamente integrada e guerras comerciais têm efeito extremamente perturbador nos EUA e nas outras economias. Não seria “fácil” ou uma “grande vitória”, em absoluto. A burguesia está seriamente preocupada com os desdobramentos recentes. Membros do gabinete de Trump se opuseram a isso e um setor do Partido Republicano anunciou sua disposição de promulgar legislação para deter as tarifas de Trump.

Outros governos tiveram uma visão muito sombria. Sobre a questão da renegociação do “Tratado Norte-Americano de Livre Comércio”(Nafta), Justin Trudeau chegou mesmo a dizer que “nenhum acordo poderia ser melhor para o Canadá do que um acordo ruim”. Juncker, o presidente da Comissão Europeia, disse em 2 de março:

“Então agora iremos impor tarifas de importação. O fato de ter que fazer isso é basicamente um processo estúpido. Mas temos que fazer. Imporemos novas tarifas sobre motos Harley Davidson, jeans, Levis, bebidas. Também podemos fazer estupidezes. Também devemos ser estúpidos”.

Nisso Trump é, até certo ponto, apenas um mensageiro, e é precisamente por isso que eles estão tão preocupados. Se fosse apenas uma questão de Trump, o assunto poderia ser tratado. O problema é que toda a lógica da crise econômica está empurrando as nações umas contra as outras, tentando descarregar os seus problemas sociais e políticos sobre os outros. Já sob Obama, medidas protecionistas estavam aumentando e o Brexit acompanha a mesma tendência.

O Brexit é parte de uma tendência protecionista. Imagem: MaxPixel.

Não é somente nas questões comerciais que a classe dominante está perdendo o seu controle. As recentes mudanças tributárias nos EUA não eram realmente o que a classe dominante americana estava buscando. Elas representam um enorme corte de impostos para as pessoas que já se deram muito bem com a crise. Os lucros recordes das empresas agora vão se combinar com isenções fiscais adicionais. O corte de impostos de US$ 1,5 trilhões também se adicionará ao déficit existente, um déficit que ninguém parece estar preparado para lidar.

Os congressistas e senadores republicanos deixaram de ficar profundamente preocupados com o déficit para ficar preocupados com os déficits orçamentários recordes. O último acordo orçamentário com os democratas adicionou outros US$ 300 bilhões ao déficit. Agora ele está estimado em US$ 1,2 trilhões.

Regresso à volatilidade

É nesse contexto que os mercados se assustaram no início de fevereiro. Paradoxalmente, os dados econômicos dos EUA foram muito bons. A inflação estava aumentando, algumas escalas salariais estavam subindo e assim por diante. A sacudida nos mercados de ações refletiu o fim do dinheiro barato.

Certo número de artigos acolheu com benevolência as medidas, argumentando basicamente que os mercados estavam muito calmos, muito otimistas, e isso preocupava os comentaristas. Se havia um tema em marcha entre outubro e janeiro, este era que todos os comentaristas estavam preocupados com o otimismo.

No Fórum Econômico Mundial havia pessimismo, apesar das cifras que superficialmente falavam de recuperação: “A maior preocupação que tenho é que a maioria das pessoas pensem que não há o problema de uma possível recessão neste ano ou no início do próximo”, disse o cofundador do Grupo Carlyle. “Geralmente, quando as pessoas estão felizes e confiantes, algo de ruim acontece”. Jes Stanley, presidente do Banco Barclays, declarou: “Sinto que é um pouco como 2006, quando todos falávamos se afinal tínhamos resolvido o enigma das crises econômicas”, mas “não pudemos evitar a crise financeira que se aproximava” [[12]].

Nos anos 2000, Gordon Brown falou sobre o fim dos “ciclos econômicos de boom-recessão”. Agora esse tipo de otimismo foi substituído pela sombria compreensão de que não somente fracassaram em evitar a crise de 2008, como também não podem evitar outra crise no curto prazo.

O aumento da inflação pode significar que a Receita Federal terá que elevar as taxas de juros para manter a inflação sob controle. Isso ameaçaria as famílias e as empresas com a bancarrota. “Temos pouca capacidade nos mercados de capitais para lidar com o movimento real das taxas de juros”, explicou Stanley. O presidente da M&G Investimentos tinha a mesma preocupação: “Se as taxas de juros subirem significativamente durante os próximos 12 meses, haverá um monte de gente que tomou dinheiro emprestado e que não poderá devolvê-lo”, disse ele. “Estas pessoas estão por aí afora e os mercados não estão, em conjunto, avaliando isto” [[13]].

Ninguém realmente sabe o quão altas podem ser as taxas de juros sem que provoquem outra recessão, mas muitos temem que essa taxa possa ser muito mais baixa do que seria necessário para controlar a inflação. Isso levou muitos comentaristas financeiros a pedir cautela. No geral, eles estão mais preocupados com a recessão do que com a inflação, devido à fragilidade da atual recuperação.

Uma nova crise em preparação

Ninguém sabe quando virá a próxima recessão. Se o atual crescimento econômico perdurar até o final de 2019, seria o mais longo período de crescimento ininterrupto nos EUA desde 1945 (embora muito fraco). Na superfície as cifras parecem boas, mas é sempre assim antes de um crash. Os comentaristas que olham um pouco abaixo da superfície estão preocupados.

A economia mundial se manteve flutuando, não por causa dos investimentos, melhorando a produtividade e elevando os salários, mas, novamente, por aumentar os níveis da dívida. Todas as medidas destinadas a reduzir a recessão da economia (baixar as taxas de juros, aumentar os déficits do estado e assim por diante) já se esgotaram, em particular as medidas monetárias. Quando a próxima recessão se fizer presente, os bancos centrais e os governos não terão meios de sair dela. Não são mais capazes de adiar o inevitável. É por essa razão que eles desesperadamente esperam que a recessão não chegue agora.

Tampouco se trata apenas dos termos econômicos. Os primeiros 10 anos dessa crise já produziram tremendos transtornos políticos em que a classe dominante esgotou o capital político dos partidos tradicionais, incluindo os partidos socialdemocratas. Em que irão se apoiar para a realização da próxima rodada de austeridade e manter o frágil sistema do comércio mundial em seu lugar? Na verdade, as questões políticas são as que mais os preocupam no momento – o risco de que Trump, o Brexit ou algum terremoto político nunca visto antes quebre o frágil equilíbrio econômico.

Os marxistas não dão as boas-vindas às crises econômicas, mas devemos dizer a verdade. No fim, a pergunta se reduz a: quem paga? Quem deve pagar pela crise? Quem deve pagar a dívida? A burguesia tentará fazer com que a classe trabalhadora pague através dos ataques às condições de trabalho e aos padrões de vida. Isso abrirá o caminho para conflitos ainda mais violentos entre as classes durante o próximo período.

[1] Michael Roscoe, whythings.net

[2] ‘A bit of fear is good for markets’, Martin Wolf, Financial Times, February 13, 2018

[3]  ‘Corporate America’s cash pile to balloon to $1.9tn in 2017 — Moody’s’, Mamta Badkar, Financial Times, November 20, 2017

[4] ‘The long and winding road to economic recovery’, Claire Manibog and Stephen Foley, Financial Times, August 10, 2017.

[5] ‘Global debt is the danger: beware the butterfly moment’, Pascal Blanque and Amin Rajan, Financial Times, January 4th

[6]  ‘The US government is still propping up its mortgage market’, Financial Times, August 18, 2017.

[7] ‘Bailout costs will be a burden for years’, Financial Times, August 8, 2017

[8] Figure 1.23, ‘Global Financial Stability Report October 2017’, IMF

[9] Figure 60, ‘State of China’s economy’, November 2017, Macquarie Research

[10] OECD definition is a company whose earnings before interest and taxes is less than its interest rate payments

[11] ‘How do zombies actually die?’, Financial Times, January 18, 2018

[12] ‘Davos Bank CEOs Are Worried Markets Are Complacent Like 2006’, Bloomberg, January 23, 2018

[13] Idem.

Artigo originalmente publicado em 13 de março de 2018 no site In Defense of Marxism, da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Reinflating the bubble: a balance sheet of 10 years of crisis“.

Tradução de Fabiano Leite