PT e Kassab: Uma releitura do filme de terror “Dormindo com o inimigo”

Hoje, 10 de fevereiro, quando o PT completa 32 anos, a proposta de aliança entre o PT e o PSD – partido do atual prefeito de São Paulo, Kassab – tem levado a base do partido na cidade de São Paulo a se indignar com os dirigentes simpáticos à ideia.

“Dormindo com o inimigo” é um filme norte-americano estrelado pela atriz Julia Roberts em 1991, que conta a história de uma mulher que casa com o homem de seus sonhos, mas, após o casamento descobre o verdadeiro monstro que ele é. Extremamente possessivo e violento, seu marido passa a espancá-la diariamente e a única forma que ela encontra de escapar dele é forjando a própria morte, mudando de cidade, de nome e de aparência.

Agora, em 2012, para o povo da cidade de São Paulo, o inimigo é o atual prefeito Gilberto Kassab. Após tê-lo eleito prefeito, o povo passou a apanhar cotidianamente deste verdadeiro monstro. Nem mesmo os artistas escaparam dos acessos violentos do prefeito: em 2010 ele instalou a “operação delegada” através da qual a prefeitura de São Paulo contratava oficiais da PM (Polícia Militar) do estado de SP para agredir e deter comerciantes ambulantes. No decreto do prefeito, artistas de rua, músicos, malabaristas, palhaços, etc. também eram enquadrados como “comerciantes” ambulantes, agredidos e presos.

Foi Kassab também que substituiu todos os subprefeitos da capital paulista por Coronéis da reserva da PM. A militarização da administração pública em São Paulo transformou as relações entre subprefeituras e população em coisa muito parecida com o que acontece entre a personagem de Julia Roberts e seu marido violento naquele filme.

Quando a juventude paulistana saiu repetidamente às ruas aos milhares para protestar contra os aumentos abusivos das passagens de ônibus, Kassab e seu comparsa do governo estadual mandaram a PM “sentar o bambu” nos manifestantes em várias ocasiões. E quando os manifestantes foram até os parlamentares do PT para angariar apoio para sua luta, foram os vereadores do PT a apanhar da polícia!

A última de Kassab foi a “limpeza” do bairro da Luz no centro de São Paulo – região popularmente conhecida como “Cracolândia” – onde a prefeitura, em parceria com o governo estadual, usou de todos os métodos de violência e coerção, numa clara demonstração de abuso de autoridade e total desrespeito aos direitos humanos, para desalojar famílias que habitavam edifícios ocupados no centro e literalmente limpar as ruas frequentadas pelos dependentes de crack que vagam dia e noite sem ter onde morar. Teria sido isso por uma nobre vontade política de dar moradia digna às famílias e tratar os viciados em crack? Não! Ocorre que os empreendimentos imobiliários planejados para aquela área, num projeto chamado de “Nova Luz”, necessitavam de tal “limpeza”. Qualquer semelhança com a operação do governo estadual em São José dos Campos para desalojar os moradores de Pinheirinho não é mera coincidência.

Kassab, que além de prefeito de São Paulo é presidente nacional do PSD, tem sua vida política ligada ao que existe de mais conservador. Foi presidente estadual do DEM, secretário do planejamento da prefeitura de São Paulo durante o mandato de Celso Pitta (discípulo de Paulo Maluf) e entrou no governo municipal como vice de José Serra. Desde o ano passado articula a criação de um novo partido: o PSD. Mas todos sabem que o PSD não tem nada de novo. É uma nova agremiação formada em sua maior parte por políticos da pior estirpe provenientes dos velhos quadros do DEM e PSDB.

Durante os últimos 8 anos, o PT através de seus vereadores e lideranças dos movimentos sociais na cidade – em particular os movimentos de moradia – fez dura oposição à gestão de Kassab/Serra. Nada mais justo! Mas agora Kassab oferece todo apoio ao Governo de Dilma e uma aliança na própria capital paulista, dizendo inclusive que o próprio Lula poderia escolher qualquer membro do PSD para ser o vice na chapa de Fernando Haddad – pré-candidato a prefeito pelo PT.

Não poderíamos esperar menos de um oportunista como este filhote do malufismo. Mas o que surpreendeu os petistas foi a instantânea aceitação de Lula e parte dos dirigentes do partido a essa infame proposta. Isso abateu imediatamente a militância e lideranças locais do partido que até agora aceitavam a política de alianças com todos os partidos inimigos dos trabalhadores (como PMDB, PL, PR, PP, etc.) começaram a esbravejar sob o risco de se desmoralizarem completamente diante de sua base social.

Oportunista de alto nível, Kassab também flerta com o PSDB e há quem diga que tudo não passa de uma encenação para provocar o caos dentro do PT e enfraquecer a campanha de Haddad. Mas, quem provocou o caos no PT e está jogando a campanha do companheiro Haddad pelo ralo não é o Kassab, e sim a própria direção do PT! Afinal, se assim que o oportunista tivesse feito o convite, nosso companheiro Lula e demais dirigentes o tivessem recusado firmemente, nada disso estaria acontecendo. Pelo contrário, a reafirmação da oposição à política de Kassab elevaria o moral da militância para fazer uma campanha ainda mais forte.

O povo da cidade de São Paulo necessita que o PT cumpra o papel de organizador das lutas contra a desvalorização dos serviços e servidores públicos, contra a entrega dos equipamentos de saúde para as OSs (Organizações Sociais), em defesa da educação e por creches públicas para todas as crianças, por moradia digna para todos, pelo transporte público e de qualidade, etc. Todo o oposto do que a gestão do PSD de Kassab vem fazendo.

Pauta da reunião do Diretório Municipal do PT é tomada por Kassab!

Após todos tomarem conhecimento pela imprensa das conversas entre Lula e Kassab, o Diretório Municipal (DM) do PT se reuniu em 04 de Fevereiro na sede do Diretório Estadual em São Paulo. Presentes vereadores, deputados, membros do DM e presidentes dos diretórios zonais da capital – cerca de 100 pessoas.

O companheiro vereador Antonio Donato, presidente do DM, abriu a reunião dizendo que a pauta deveria ser o calendário de atividades e programa de governo, que o DM não votaria nada sobre a proposta de acordo com Kassab, que quem deverá decidir sobre a política de alianças é o Encontro Municipal do PT que ocorrerá em 2 e 3 de Junho. Depois externou suas preocupações de que até lá o PT ficasse paralisado por essa discussão sem avançar na campanha. Em seguida, o companheiro Fernando Haddad, pré-candidato a prefeito, repetiu o mesmo discurso: “Vamos debater propostas para o programa de governo! Nada de paralisar nosso debate interno por essa discussão sobre a aliança com o Kassab! O que o encontro de Junho decidir, faremos!”

Mas não era isso que a base do partido esperava do DM. A base petista ansiava por um rotundo NÃO do Diretório Municipal para tranquilizar a todos sobre essa questão e colocar a campanha na rua. Mas, o debate que se seguiu explicou porque isso não foi a voto no DM: não havia consenso nem mesmo entre os dirigentes nacionais do PT sobre a questão e não havia como saber qual posição sairia vencedora. Preferiram ser prudentes e adiar. Mas o adiamento dessa tomada de posição provoca justamente o que os companheiros temiam: a paralisação do partido. Se tem alguém rindo com isso, é o Kassab!

Abertas as inscrições, 30 companheiros pediram a palavra. Todos contrariaram a pauta apresentada pela mesa e todos, sem exceção, falaram sobre a proposta de aliança com Kassab. A maioria falou contra. Discursos inflamados e exaltados contrários a qualquer acordo com Kassab. E a cada intervenção contrária a Kassab, cerca de metade do plenário aplaudia. Por outro lado, alguns petistas que aparentavam ser favoráveis a uma aliança com Kassab não tiveram coragem de defender e mantiveram o discurso da mesa: “Temos que avaliar com cuidado e o que o Encontro decidir, faremos!” Esses recebiam aplauso da maioria dos presentes. Apenas 3 dos 30 que se inscreveram, tiveram coragem de defender abertamente uma aliança com o partido do atual prefeito e também foram bem aplaudidos. Ou seja, apesar da maioria dos inscritos para falar ter se posicionado contra a aliança com Kassab, não é certo que a maioria dos presentes tivesse essa mesma opinião e uma votação resultaria imprevisível.

Dentre os que falaram abertamente contra, estava o companheiro Testa, do Diretório Zonal do Capão Redondo. Em sua fala afirmou que se chegar para a sua base e disser apenas que estão avaliando a proposta de aliança com o Kassab, já perdemos 20% dos votos, de cara. Outro companheiro disse: “Eu não sou louco de ir lá na base falar que vamos fechar com o Kassab!” Já a companheira vereadora Juliana Cardoso foi clara: “Estamos em campanha interna contra essa proposta de aliança!” E apresentou um abaixo-assinado do movimento encabeçado por ela que se chama “PT SIM! KASSAB NÃO!” Outos vereadores que já declararam ser contrários à aliança com Kassab, como o companheiro Chico Macena, Carlos Neder e o próprio Donato, preferiram ser mais prudentes aceitando adiar a discussão para o Encontro Municipal de junho.

O combate da Esquerda Marxista no interior do PT

Na porta do Diretório Estadual, cerca de uma hora antes da reunião do DM começar, militantes da Esquerda Marxista panfletavam a declaração “Unidade Petista para derrotar a aliança com Kassab e o PSD!”. Não foram poucos os membros do DM e presidentes de Zonais que pararam para conversar com os camaradas e manifestar acordo com a declaração.

Com apenas um suplente do Diretório Municipal, não tivemos direito a intervir na reunião, mas demos nosso recado com a panfletagem da declaração. Quando abertas as inscrições, o primeiro inscrito usou seus 3 minutos para criticar o panfleto da Esquerda Marxista. O centro de sua argumentação era de que “se fôssemos seguir o que diz o panfleto da Esquerda Marxista já não teríamos feito aliança com o PMDB em nível nacional e não teríamos eleito a companheira Dilma”.

Está claro que para esse companheiro os princípios políticos não valem muita coisa. Para companheiros como esse, o que interessa é ter alianças para ter mais votos, não importando se o aliado for o pior inimigo do povo trabalhador e adversário histórico do nosso partido, defendendo interesses de classe completamente opostos aos nossos. Para ele a discussão é pragmática: mais alianças são necessárias para que tenhamos mais votos! Ledo engano!

Nem é preciso dizer que esse tipo de raciocínio só se faz possível diante de uma degeneração política enorme, de companheiros que há muito abandonaram a luta original do PT para mudar a sociedade e a trocaram por cargos e salários nos mandatos e administrações do PT. E o discurso desses companheiros nos debates municipais reproduzem a linha política que emana do núcleo dirigente do partido. Basta ver o que escreveu Zé Dirceu em seu blog para defender a proposta de aliança com Kassab: “Primeiro, porque vem com o aval e o apoio entusiasta do presidente Lula. Segundo, porque apoio não se recusa. E, para vencer, precisamos de aliados e de mais de 50% de votos no primeiro, ou no segundo turno”.

Ocorre que mesmo do ponto de vista eleitoral pragmático esse raciocínio está equivocado. Num artigo intitulado “Dilma presidente! Vencemos uma batalha, mas a luta continua!” publicado em 1º de Novembro de 2010, dizíamos:

“Nos anos 30, ao criticar a política de Frente Popular – levada a cabo pelos stalinistas em aliança com os liberais da Espanha com o pretexto de estar contra os fascistas – Trotsky nos explicava:

“Os teóricos da Frente Popular não ultrapassam a primeira operação aritmética: a adição. A soma dos comunistas, socialistas, anarquistas e liberais, é maior do que cada um de seus termos. No entanto, a aritmética não é suficiente! É preciso, pelo menos, conhecimentos de mecânica. A lei do paralelograma de forças ocorre também na política. A resultante é, como sabemos, tão menor quanto mais divergentes forem as forças. Quando aliados políticos puxam em direções opostas, o resultado é zero.

O bloco dos diferentes grupos políticos da classe trabalhadora é absolutamente necessário para resolver tarefas comuns. Em determinadas circunstâncias históricas, um bloco desse tipo é capaz de arrastar as massas oprimidas pequeno-burguesas, cujos interesses são próximos aos do proletariado, já que a força conjunta deste bloco é muito maior do que a somatória das forças que o constituem. Pelo contrário, a aliança entre o proletariado e a burguesia, cujos interesses agora sobre questões-chave formam um ângulo de 180 graus, não pode nada além de paralisar a força reivindicativa do proletariado.” (Leon Trotsky, Lições da Espanha: Última Advertência, Dezembro/1937).

Todos sabemos a que levou essa política de alianças com setores da burguesia na Espanha e como acabou a revolução espanhola. E no Brasil de hoje, seria diferente?

O Governo Lula já vem aliado a setores da burguesia há 8 anos. Aliança que aumentou do primeiro para o segundo mandato com a consolidação do PMDB como aliado e agora é coroada com o vice do PMDB na chapa de Dilma!

Em 2006, sem ter o PMDB e nem o PDT na chapa, Lula teve 2 milhões de votos a mais que Dilma obteve agora coligada com o enorme PMDB, inclusive com um de seus principais quadros como vice!

Alguns podem dizer que em 2006 tivemos mais votos porque o candidato era o Lula e agora quase ninguém conhecia a Dilma. Esse é um fator importante a ser considerado. Mas não esconde o fato de que a ampliação das alianças com partidos burgueses resultou num número menor de votos.”

Na nossa opinião uma aliança com o PSD de Kassab seria ainda mais trágica do ponto de vista eleitoral. Aceitar a aliança com Kassab levará o PT à derrota eleitoral em São Paulo, diminuição da bancada de vereadores do PT e enorme desmoralização do partido no interior dos movimentos sociais organizados da capital.

Desde que Kassab começou a articular a criação do novo partido, nós já alertamos que este era um movimento oportunista para buscar um acordo com o PT. No Congresso de Direções Zonais do PT municipal de São Paulo realizado no início de 2011, fizemos uma intervenção explicando isso para um plenário lotado com mais de 500 petistas. Na ocasião, os mesmos vereadores que agora se encontram pressionados por suas bases para combater a proposta de aliança com Kassab bradavam da primeira fila do plenário que estávamos fora da realidade ao cogitar que o PT aceitaria uma aliança com Kassab.

Depois, em Junho de 2011, no encontro estadual de Macros do PT de SP, a direção do partido viu os delegados se insurgirem contra a proposta de aliança com o PSD e foi obrigada a manobrar adiando a discussão. Com medo da base voltam a adiar o debate e pensam que poderão fazer passar de supetão no Encontro Municipal. Veremos!

Nosso combate há anos tem sido pela ruptura da coalizão do PT com os partidos burgueses (PMDB, PSB, PTB, PR, PP…), essas alianças impedem que as mais sentidas reivindicações populares sejam verdadeiramente atendidas, contaminam nosso governo com as práticas corruptas tradicionais nos partidos de direita e desmobilizam a militância como ficou evidente no episódio em que a Direção Nacional do PT impôs um apoio à Roseana Sarney na campanha ao governo do Estado do Maranhão em 2010, ou quando impôs apoio a Garotinho para o governo do Estado do Rio de Janeiro, em 1998. Militância de cabeça erguida, organizada e mobilizada necessita do partido comprometido com a classe trabalhadora e presente nas lutas diárias por melhorias nas condições de vida da maioria da população.

Todos estão acompanhando a mobilização das massas no Norte da África, Oriente Médio, Europa e até mesmo nos EUA! Nos países árabes o movimento de milhões lembra muito o movimento contra a ditadura no Brasil que deu origem ao PT no final dos anos 70 e início dos anos 80. O PT é o produto histórico das lutas massivas dos trabalhadores que voltarão a eclodir no Brasil assim que a economia brasileira completamente dependente dos países imperialistas exigir da classe dominante e seu Estado um ataque frontal contra os direitos e conquistas dos trabalhadores. Nesse ponto, o PT será chamado a cumprir sua vocação histórica de partido das massas exploradas.

A Carta de Princípios do PT diz:

“O PT entende que sua existência responde à necessidade que os trabalhadores sentem de um partido que se construa intimamente ligado com o processo de organização popular, nos locais de trabalho e de moradia. Nesse sentido, o PT proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão a seu objetivo maior, que é estimular e aprofundar a organização das massas exploradas.” (Movimento Pró-PT, Carta de Princípios, 1º de maio de 1979)

Depois o Manifesto de Fundação do PT, há exatos 32 anos reafirmava isso:

“O PT afirma seu compromisso com a democracia plena e exercida diretamente pelas massas. Neste sentido proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas.” (Manifesto de Fundação do PT, 10 de fevereiro de 1980)

Esse é o PT que a Esquerda Marxista defende. Não o PT que faz o inverso, que subordina os movimentos e a organização das massas exploradas à eleição de seus candidatos nas eleições burguesas.

Por isso, seguimos o combate. Integramos o movimento “PT SIM! KASSAB NÃO!” junto ao mandato da vereadora Juliana Cardoso e inscrevemos uma pré-candidatura marxista para disputar as eleições a vereador em São Paulo em 2012 com uma política de confronto aberto com os inimigos do povo. Estamos discutindo a formação de uma chapa para o Encontro Municipal de junho com todos os petistas que queiram resistir à proposta de aliança com o PSD de Kassab. Junte-se a nós!

São Paulo, 10 de fevereiro de 2012.

* Caio Dezorzi é membro suplente no Diretório Municipal do PT de São Paulo e pré-candidato da Esquerda Marxista a vereador pelo PT.

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