Plebiscito de acordo de paz derrotado: qual o próximo passo para a Colômbia?

No domingo, dois de outubro, os eleitores colombianos rejeitaram o acordo entre o governo e as guerrilhas das FARCs “pelo fim dos conflitos e construção de uma paz estável e duradoura. Jorge Martín explica todo o processo de construção do referendo e o que isso significará para o futuro da luta de classes na Colômbia.

O NÃO venceu por uma pequena margem de votos, menos de 54.000 de um total de mais de 13 milhões, com a menor margem de diferença nas eleições nacionais em 22 anos. O acordo entre o governo da Colômbia e as FARCs teve o apoio total do imperialismo norte-americano, da União Europeia, bem como dos governos da Venezuela e de Cuba e supostamente deveria acabar com 52 anos de guerra. Quais foram os termos do acordo? Por que foi rejeitado? O que acontecerá?

A história das FARCs

As FARCS foram iniciaram suas atividades em 1964, mas suas origens podem ser traçadas até a revolta do Bogotazzo em 1948.

O Bogotazzo se iniciou com o assassinato de Eliécer Gaitán, um político de esquerda liberal e anti-imperialista muito popular. Gaitán se tornou proeminente pela denúncia do massacre dos trabalhadores da United Fruit de 1928, quando mais de 2.000 grevistas foram mortos pelas forças do governo. Gaitán foi um líder das massas lutando contra os partidos Liberal e Conservador ao mesmo tempo e fundou seu próprio partido da União Nacional Revolucionária de Esquerda (UNIR). Mais tarde, decidiu introduzir suas ideias dentro do Partido Liberal. Em 1946, foi o candidato a presidente da esquerda do Partido Liberal se posicionando contra o candidato de ambos os partidos Liberal e Conservador. Ele ficou em terceiro, mas conseguiu ganhar na maioria das áreas urbanas, onde teve o apoio dos trabalhadores e de importantes partes da classe média, com os seus ataques às oligarquias e seu programa de justiça social, reforma agrária e anti-imperialismo.

Em 1947, o Partido Liberal ganhou as eleições parlamentares e os eleitores de Gaitán conseguiram a maioria entre a facção parlamentar dos Liberais, significando que ele se tornou o líder do partido e o seu candidato à presidência para as eleições de 1950. As oligarquias ficaram em pânico com a possibilidade de Gaitán tomar o poder. Iniciou-se, então, uma campanha violenta quando os líderes do movimento de Gaitán foram assassinados.

Em 9 de abril de 1948, Gaitán foi assassinado em plena luz do dia na capital Bogotá. Isso levou a uma ampla revolta das classes populares contra o governo conservador que foi considerado culpado pelo assassinato.

Seguiram-se, então, 10 anos de uma guerra civil não declarada entre os partidos Liberal e Conservador conhecida como La Violência (A violência) onde os liberais montaram organizações de guerrilha e de autodefesa dos camponeses. O Partido Comunista também foi ativo naquele tempo como uma resposta à guarda branca dos proprietários de terras.

Entre 1957-58, os líderes dos partidos Liberal e Conservador decidiram colocar um fim no conflito e assinaram o acordo da Frente Nacional. Muitos dos camponeses envolvidos no conflito se recusaram a aceitar o que eles viram como uma traição dos seus líderes. Alguns foram inspirados pela vitória da Revolução Cubana em 1959. Uma aliança entre os comunistas e as guerrilhas liberais continuou a luta formando a República de Marquetalia. De fato, isso ocorreu em uma pequena área defendida por um grupo de 44 homens armados, liderados por Manuel Marulanda Tirofijo e Jacobo Areas. Foi o brutal e desproporcional desmantelamento deste pequeno enclave pelo exército que levou à formação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs) em 1964. O seu programa continha ações de luta pela reforma agrária, a desapropriação dos latifúndios e a distribuição das terras aos camponeses.

Portanto, as guerrilhas FARC têm suas raízes nas condições sociais existentes naquela época na Colômbia: a extrema desigualdade na distribuição das terras e a brutal violência dos proprietários de terra e do estado (com total apoio do imperialismo norte-americano). Muitas dessas condições sofreram poucas mudanças nestas cinco décadas desde a fundação das FARCs, o que promoveu o endurecimento da organização.

O histórico de fracassos nas tentativas de estabelecer a paz entre o estado colombiano, as FARCs e outras organizações guerrilheiras também teve um papel muito importante. Em 1985-86, as FARCs e outras organizações guerrilheiras tentaram fundar uma organização político partidária legal, a União Patriótica (UP) como parte das conversações de paz com o presidente Betancur. A UP rapidamente se tornou o terceiro partido nacional mais popular e o seu apoio entre os trabalhadores e camponeses era crescente. A classe dominante não poderia permitir que isso continuasse. Em um espaço de poucos anos, dois dos seus candidatos à presidência, oito congressistas, 13 membros do parlamento, 70 vereadores, 11 prefeitos e mais ou menos 3.500 membros do partido foram assassinados numa campanha concentrada conhecida como a “Dança vermelha” (El baile rojo) executada por grupos paramilitares do governo para que a UP não crescesse.

Em 1990, um processo em separado de paz levou à desmobilização das guerrilhas M19 que participaram das eleições. Seu candidato à presidência, Carlos Pizarro, foi morto em plena luz do dia por pistoleiros de aluguel.

Novamente de 1998 até 2002, durante a administração do presidente Pastrana, houve uma nova tentativa de negociações de paz com as FARCs, o reconhecimento que a organização controlava grandes áreas do país e não poderiam ser simplesmente desmanteladas por ações militares. Estas negociações terminaram em colapso com mútuas recriminações.

Entrementes, o cartel de drogas ilegais já tinha iniciado o seu grande negócio na Colômbia. Os narcotraficantes se infiltraram em várias áreas do estado burguês e nos partidos políticos capitalistas. Eles também mantiveram suas próprias gangues armadas para defender seus interesses. Progressivamente, esses grupos paramilitares se fundiram com as guardas brancas locais criadas pelos rancheiros criadores de gado e pelos proprietários de terras formando uma poderosa aliança com 30.000 homens armados conhecidos como Autodefensas Unidas de Colombia (Autodefesa Unida da Colômbia) executando os mais brutais crimes contra qualquer um suspeito de participar das guerrilhas, ativistas de esquerda, sindicatos urbanos e rurais e outros.

De acordo com estes números, mais de 250.000 pessoas morreram durante o conflito, 80% assassinados pelos paramilitares. É impossível expor em palavras os métodos particularmente brutais utilizados pelos paracos. Não felizes em simplesmente matar seus oponentes, eles realizaram massacres em comunidades rurais e usaram serras para desmembrar os corpos de suas vítimas, que em algumas ocasiões, ainda estavam vivas. Em muitas instâncias eles operaram em conjunto ou com a aquiescência das forças do estado (polícia, exército, serviço secreto).

Plano Colômbia: a intervenção do imperialismo norte-americano

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos iniciaram sua intervenção no país por meio do Plano Colômbia, sob a desculpa da guerra às drogas. O que começou sob a guisa de “ajuda humanitária” e “fomentos de substituição de colheitas” rapidamente se tornou uma intervenção em larga escala com um orçamento total de 10 bilhões de dólares. Este é apenas o lado oficial e aberto da intervenção norte-americana. O Plano Colômbia foi acompanhado de uma operação secreta envolvendo agentes da CIA, “terceirizados” (leia-se mercenários) e outros envolvidos diretamente e treinando o exército colombiano no uso de “técnicas de interrogatório avançadas” (leia-se tortura), assassinatos de líderes das guerrilhas e até a invasão ilegal do Equador.

Um artigo de 2013 do Washington Post revelou os detalhes deste pequeno lado da intervenção imperialista norte-americana na Colômbia: “Em 2003, o envolvimento dos Estados Unidos na Colômbia envolveu 40 agências norte-americanas e 4.500 pessoas, incluindo terceirizados, todos trabalhando na Embaixada dos Estados Unidos em Bogotá, naquele momento a maior embaixada norte-americana do mundo. (Ação secreta na Colômbia)

A dinâmica necessária para financiar um grande exército de guerrilha, levou as FARCs a utilizar métodos que minaram sua própria base de apoio, com a implantação de “impostos” nos negócios (incluindo a produção de narcóticos e o tráfico) nas áreas onde eram ativos, ataques terroristas na infraestrutura e até alvos civis, raptos aleatórios e por aí vai. Isto foi habilmente usado pelo Estado para lançar uma campanha que teve grande impacto em determinadas camadas da população.

Em um contexto de grande repressão pelo exército, pela polícia, pelo serviço de inteligência e pelos paramilitares (todos atuando em uníssono), a estratégia das guerrilhas efetivamente cortou as FARCs dos movimentos dos trabalhadores e da juventude urbanos e até mesmo de uma certa extensão do campesinato. Nos anos 1960, à época de sua fundação, a população rural representava 55% do total da população na Colômbia. Atualmente não passa de 25%. Este massivo êxodo rural foi em parte em razão da violência no campo, que fez migrar aproximadamente 7 milhões de pessoas, mas também pelo processo natural do desenvolvimento do capitalismo nos países da América Latina.

A eleição de Alvaro Uribe como presidente em 2002 marcou o ponto de virada. Ele representou os interesses da podre oligarquia colombiana, com base nos criadores de gado, narcotraficantes e foi apoiado pelos paramilitares. Seu objetivo era simples: esmagar as FARCs por quaisquer meios necessários. Ele quis “tornar o país seguro para o capitalismo” e, por esta razão, contou com o apoio dos principais grupos capitalistas na Colômbia, bem como do governo dos Estados Unidos e das corporações multinacionais.

Até o Washington Post descreveu as políticas de Uribe em termos extremamente preocupantes: “Com o apoio dos Estados Unidos, o governo da Colômbia lançou uma contraofensiva terrestre contra os domínios rurais das FARCs após a eleição em 2002 do presidente Álvaro Uribe. As tropas governamentais foram comumente seguidas por milícias de direita que atingiam alvos suspeitos de colaborar com os rebeldes e massacravam civis. Mais colombianos foram tirados de suas casas durante as fases do Plano Colômbia que em qualquer fase dos cinquenta anos do conflito”. (“Plano Colômbia: Como Washington aprendeu a amar novamente intervir na América Latina)

A combinação de paramilitarismo, Plano Colômbia, intervenção norte-americana e notórios abusos dos direitos humanos por parte do exército teve o efeito enfraquecer as FARCs e sua continuidade na luta. Numa série de ações com alto perfil, vários de seus líderes foram mortos.

A presidência de Uribe terminou entre múltiplos escândalos: “parapolíticos” conectando-o e aliados políticos com os grupos paramilitares, escutas ilegais de oponentes políticos pelo serviço secreto DAS e finalmente, os “falsos positivos” onde unidades do exército matavam civis e, depois, faziam-nos passar por guerrilheiros.

A derrubada de Uribe do poder em 2010, quando foi sucedido na presidência por seu ex-Ministro da Defesa Santos, foi outro ponto de virada. Apesar de serem ambos políticos capitalistas reacionários, eles são e representam diferentes seções da classe dominante colombiana com estratégias diferentes. Uribe representava os proprietários de terra e os criadores de gado cujos conflitos na zona rural levaram à criação das guerrilhas. Eles criaram e financiaram os grupos paramilitares sedentos de sangue que usaram o terror para defender os interesses da oligarquia. Sua estratégia de obtenção de paz era aniquilar a guerrilha por quaisquer meios necessários.

Santos, por outro lado, vem de uma rica família de Bogotá e representa uma ala da classe dominante que vê a guerrilha como obstáculo para um “posterior” desenvolvimento do capitalismo e para a pilhagem capitalista. Santos reconheceu que embora as FARCs estivessem encurraladas, elas não estavam completamente derrotadas. Sua estratégia foi de conseguir a paz trazendo os guerrilheiros para a vida civil.

Por outro lado, as FARCs perceberam que após 40 anos de luta armada, eles não estavam nem perto de atingir os seus objetivos. Ao contrário, suas forças estavam constantemente sendo reduzidas, seu apoio entre a população diminuía e seus líderes caiam um a um. Esta foi a base do atual processo de paz que se iniciou em 2012.

A experiência da Revolução Bolivariana na Venezuela tomou uma importante parte na decisão de tomada de uma estratégia diferente pelas FARCs, longe da guerrilha e frente a um movimento de massa para participar das eleições. Para a liderança cubana, o apoio a este acordo foi também uma demonstração de boa vontade que abriu os caminhos para restabelecer as relações com os Estados Unidos.

Do que consiste o acordo de paz?

Se os detalhes do acordo de paz forem olhados atentamente (texto completo em espanhol), poderá ser verificado que sua essência é a desmobilização das FARCs para tornar o país seguro para investimentos estrangeiros, incluindo na agricultura.

A primeira seção do acordo fala em reforma agrária. A distribuição das terras na Colômbia é extremamente desigual, portanto a causa principal dos conflitos que deram origem às guerrilhas cinco décadas atrás. De acordo com o Censo da Agricultura, 0,4% dos proprietários controlam 46% das terras agricultáveis, enquanto 70% dos proprietários distribuem entre eles apenas 5% das terras agricultáveis. Nos últimos 20 anos, 10 milhões de hectares de terras foram tirados de seus donos anteriores, na grande usurpação de terra realizada pelos grandes proprietários contra os camponeses. Nas áreas rurais, 65% da população vivem abaixo da linha de pobreza (30% nas cidades) e 33% são extremamente pobres. No campo, 60% não têm acesso a água corrente e 18,5% são analfabetos.

O acordo de paz contém muitas belas palavras e promessas grandiosas, mas poucos detalhes concretos. Diz que um Fundo de Terras de três milhões de hectares será criado nos próximos 10 anos e distribuídas entre os camponeses. Isso é menos que um terço da extensão das terras que foram usurpadas.

A segunda seção do acordo de paz fala em “abertura democrática”. Isto consiste basicamente em uma série de compromissos que soam bonito pelo estado colombiano para “promover a pluralidade política”, “estreitar a participação” e “uma luta contra a perseguição de líderes de partidos e movimentos políticos”.

A terceira seção do acordo envolve o fim do conflito, cessar fogo e deposição das armas. Esta é uma parte substancial do acordo e está na base na qual as FARCs se tornarão um partido político legal. Os guerrilheiros das FARCs receberão um pagamento de dois milhões de pesos (675 dólares) no momento da desmobilização, terão acesso a 2.700 dólares para investir em projetos produtivos, bem como receberão um pagamento equivalente a 90% do salário mínimo por dois anos. As campanhas políticas do novo partido serão garantidas por um fundo público por duas eleições consecutivas bem como a garantia de cinco cadeiras no Senado e cinco no Congresso por dois mandatos.

As FARCs manterão seus guerrilheiros em algumas áreas de concentração por 180 dias, enquanto o processo de deposição das armas for executado. Aqueles que depuserem suas armas serão beneficiados com anistia pelos “crimes relacionados com a guerrilha” e aqueles que forem responsabilizados por crimes de guerra ou crimes contra a humanidade serão julgados por um juízo em separado, o que é explicado na seção cinco do acordo. O processo de deposição das armas será supervisionado em conjunto pelo governo, pelas FARCs e pela ONU.

A seção quatro do acordo toca no assunto no problema das drogas ilegais. O acordo foca em substituí-las por plantações (ao contrário da política atual de queimada). Isto, entretanto, não será uma tarefa fácil enquanto a pobreza estiver espalhada pela zona rural e as drogas forem muito mais lucrativas que quaisquer outras alternativas.

O acordo toca na questão das vítimas do conflito na seção cinco. Ele estabelece um juizado especial de “verdade, justiça, reparação e não repetição” encarregado por 24 magistrados para negociar com membros das FARCs e do aparelho do Estado. As guerrilhas que cometeram “crimes relacionados com a guerrilha” terão anistia. Qualquer um que tiver cometido crimes de guerra e crimes contra a humanidade que confessar e colaborar com o sistema especial de justiça criado terá uma sentença máxima de oito anos, mas que serão em prisão domiciliar e não encarceramento. Nenhuma dessas pessoas será desqualificada para participar do processo político. Aqueles que não colaborarem e forem julgados culpados receberão uma pena de encarceramento de até 20 anos.

As FARCs já começaram a colaborar com o sistema e organizaram uma série de encontros com as comunidades onde os massacres foram cometidos em busca de perdão.

Finalmente, a seção seis do acordo envolve implementação, verificação e aprovação. Esta seção basicamente envolve os aspectos técnicos da supervisão interna da implementação do acordo, o plebiscito real (que foi perdido) e outros aspectos de quando e como o acordo será implementado.

Isto é o que está realmente escrito no acordo que o governo colombiano e as FARCs assinaram em uma cerimônia pública em 26 de setembro na presença de signatários internacionais. O que isso significa? Na essência, que é um acordo pelo qual o Estado colombiano concorda em uma série de condições pelas quais as FARCs desistirão da luta de guerrilhas. Isto inclui a integração das guerrilhas na vida civil, a transformação das FARCs em um partido político e uma ampla anistia para maioria dos seus membros.

O que as FARCs desejam com tudo isso é tornar possível o abandono das lutas de guerrilhas o massacre de seus membros e a possibilidade de defender suas políticas por meios legais. O Estado colombiano quer terminar o conflito armado para criar melhores conduções para a exploração capitalista, particularmente no campo, incluindo uma potencial atração de capital estrangeiro.

O acordo certamente não vai resolver nenhuma das questões que levaram à formação das FARCs (em particular a questão da reforma agrária). O mesmo ocorre para o fim da violência política. Os grupos paramilitares ressurgiram sob uma égide diferente, mais conhecidos “Bacrims” (gangues criminosas), que ainda estão ativas e cometendo assassinatos de sindicalistas e ativistas camponeses, bem como ataques a comunidades camponesas em favor dos capitalistas e grandes proprietários de terras, mesmo depois do muito que foi falado sobre a desmobilização dos paramilitares.

Um problema adicional com as FARCs é o fato de que a estratégia política de seus líderes é uma espécie de palanquismo. Eles sempre insistiram na ideia de uma ampla aliança entre todos os setores patrióticos do país (no qual incluem partes da classe capitalista e grandes empresários) para promover o desenvolvimento dentro dos limites do capitalismo. Somente depois que o país se desenvolvesse é que a questão do socialismo seria posta.

De fato, a realidade não corresponde a este esquema que foi herdado do stalinismo. Não há sequer uma porção da classe dominante que esteja preparada para realizar uma reforma agrária genuína e deitar as bases para um progressivo desenvolvimento do país mantendo a sua soberania. A classe dominante colombiana está dividida (como demonstrado pelo embate entre Santos e Uribe no referendo), porém ao mesmo tempo, todas as suas alas estão unidas no medo do movimento revolucionários dos trabalhadores e dos camponeses. Existe o perigo de que a transformação do movimento levará à formação de um partido político onde seus líderes defendam políticas de pequenas reformas.

Já vimos vários casos em que ex-guerrilhas se tornam movimentos políticos pelos quais seus líderes defendem pequenas reformas democráticas sociais ou casos em que se juntam ao mercado ao lado das burguesias (como no caso de Joaquín Villalobos de El Salvador).

Pistas disso podiam ser vistas durante as conversações de paz, quando os líderes das FARCs deixaram de lado algumas convicções para insistir que não eram contra a propriedade privada. Numa longa entrevista para Semana, o Comandante das FARCs Rodrigo Londoño Timochenko foi perguntado sobre o ponto de vistas das guerrilhas sobre o capitalismo e a livre empresa. Ele respondeu: “Nós nunca dissemos que éramos contra a livre empresa. O que nós nos opomos é à superexploração. Somos contra a enorme desigualdade na distribuição das riquezas que existe na Colômbia.” Na mesma entrevista ele também explicou que as FARCs tiveram uma reunião com um proeminente homem de negócios em Havana como parte das negociações de paz. Ele disse que “eles estavam satisfeitos com a explicação que foi dada sobre as perspectivas do processo… que este processo não é contra os empregadores”. Timochenko também explicou que: “O que queremos é que a Colômbia se desenvolva. Que as forças produtivas se desenvolvam. Temos que resgatar a indústria nacional, nossa própria saúde.” (Vamos dar uma chance à paz na Colômbia)

O Referendo

A derrota do acordo de paz no referendo pegou a todos de surpresa. A maioria das pesquisas eleitorais dava o SIM com uma maioria de dois para um. O acordo foi apoiado pelo partido de Uribe, a maioria da esquerda, as FARCs, Cuba e Venezuela, a União Europeia e os Estados Unidos e o Papa.

O NÃO era dominado majoritariamente pelo ex-presidente Uribe. Ele se opôs ao acordo por meio de uma campanha extremada de escaramuças anticomunistas. Ele argumentou que o acordo levaria a uma ditadura “Castro-Chavista”, que logo o líder das FARCs Timochenko se tornaria presidente e que, acima de tudo, ele era a favor da paz, mas que isto seria se render às FARCs.

O resultado do referendo foi muito apertado. Com uma diferença de apenas 37,43% (13 milhões de votos de 34,9 milhões de eleitores); 50,21% votaram NÃO e 49,78% votaram SIM. A menor diferença em eleição nacional em vinte anos, porém não tão distante da diferença no primeiro turno das eleições presidenciais de 2014.

Um fator foi o impacto do Furacão Matthew que afetou partes da costa do Caribe no dia do referendo que foi interrompido nestas áreas onde o SIM ganhou, porém uma diferença menor que a esperada. Entretanto, o referendo foi o acidente que afetou o equilíbrio. A grande questão é por que Santos e a campanha do SIM não foram capazes de mobilizar o eleitorado?

Mais de perto, se se observar o mapa dos resultados, poderá ser observado que ele segue de perto que o que aconteceu no segundo turno da campanha presidencial de 2014 de Santos contra Zuluaga, o candidato de Uribe. (veja o quadro à direta)

As áreas costeiras e de fronteira votaram SIM, enquanto que o centro da Colômbia votou NÃO, com exceção da capital Bogotá onde o SIM venceu com 56% (veja o mapa e os resultados oficiais aqui).

Estas áreas centrais votaram todas em Zuluaga no segundo turno das eleições presidenciais. As exceções foram Santander e Norte de Santander que votaram em Santos em 2014, mas votaram NÃO no referendo. Aqui, próximos à Venezuela, onde existe uma profunda crise econômica e severa escassez de produtos, as escaramuças de Uribe sobre uma ditadura “Castro-Chavista” provavelmente exerceram um papel importante.

No segundo turno das eleições presidenciais de 2014, a diferença foi maior, 47,8% (15,3 milhões de eleitores no total), mas naquele momento a questão do acordo de paz também era importante. Santos conseguiu 7,8 milhões de votos, enquanto o candidato de Uribe, Zuluaga, recebeu apenas 7 milhões. Se estes resultados foram comparados com o referendo, pode-se perceber que Santos perdeu 1,5 milhões de votos, enquanto que Uribe perdeu apenas meio milhão. A razão pela qual o SIM perdeu é porque ele foi incapaz de entusiasmar as pessoas. O furacão foi apenas um acidente de percurso.

É importante notar que as áreas que mais sofreram com a violência durante o conflito foram onde o SIM conseguiu mais votos. Foi o caso de Chocó (79% votaram SIM), Cauca (67%), Nariño (64%), Putumayo (65,5%) e Vaupés (78%). Na cidade de Bojayá (em Chocó), onde aconteceu um massacre em 2002 na luta entre os paramilitares e as FARCs), os votos foram mais de 95% em SIM.

No entanto, o NÃO foi mais forte nas áreas que são pesadamente dominadas por Uribe e sua rede de paternalismo político, paramilitarismo e pelos interesses dos capitalistas e dos criadores de gado. Foi um voto pesadamente anticomunista bem como um voto contra Santos.

Além dos fatores já mencionados, devemos nos lembrar de que a economia colombiana foi duramente atingida pela queda dos preços dos produtos agrícolas, como o preço do óleo caindo mais de 50% em dois anos. Neste contexto, a ideia de impostos para pagar a desmobilização das guerrilhas das FARCs não foi uma proposta interessante a grandes camadas da pequena burguesia.

Santos é um presidente extremamente impopular, criticado por ambos os lados, desde a direita de Uribe até a esquerda dos sindicatos, estudantes, fazendeiros e movimentos sociais que se mobilizaram contra as suas políticas de austeridade e privatização, seu assalto aos direitos democráticos e repressão contínua aos movimentos sociais. Neste contexto, muito se tornaram céticos quanto às suas promessas no acordo de paz.

Grandes camadas das massas colombianas querem uma solução para seus problemas de acesso à terra, pobreza, educação, saúde, moradia, violência do Estado, inflação e impunidade pela violação dos direitos humanos pelos paramilitares e militares. Eles olharam as realizações de Santos em todos estes assuntos e não se sentiram encorajados a votar.

Santos usou o referendo para receber legitimação pessoal, porém o tiro saiu pela culatra. Foi Uribe que saiu fortalecido.

E agora?

A vitória do NÃO no referendo não quer dizer necessariamente que haverá um retorno ao conflito armado. As FARCs já declararam que estão comprometidas “em defender seus pontos de vista com palavras e não armas”. O presidente Santos reafirmou que ele quer que o acordo de paz seja implantado e conclamou a um “diálogo nacional”. Enquanto isso, Uribe declarou que não é contra a paz, mas que ele não concorda com os termos do acordo.

É certamente uma situação perigosa que levou a uma virada para o presidente Santos. Ainda que nenhum dos atores deseje um retorno a uma situação de guerra aberta, as provocações vindas dos paramilitares não podem ser deixadas de lado e podem reiniciar as hostilidades.

O mais provável que aconteça agora é que Santos terá que chamar Uribe para algum tipo de renegociação sobre alguns aspectos do acordo. Uribe vai tentar endurecer sua posição em relação às punições dos líderes das guerrilhas. Ele quer que os principais líderes sejam presos para que não possam concorrer às eleições. O que é uma atitude cínica da parte de Uribe que usou todo o tipo de artimanhas para que os líderes das gangues paramilitares não enfrentassem a justiça pelos seus crimes de guerra. Os mais proeminentes foram extraditados para os Estados Unidos onde receberam penas muito brandas por crimes em relação ao tráfico de drogas. (Veja: A história secreta dos paramilitares na Colômbia e a guerras às drogas dos Estados Unidos). Uribe temia que se eles fossem julgados na Colômbia por crimes contra os direitos humanos, eles abririam o bico sobre quem os financiou e apoiou, o que o envolve diretamente. Uribe também quer uma anistia ampla para os membros das Forças Armadas também envolvidos em crimes contra os direitos humanos.

Um encontro já foi arranjado para que Santos e Uribe possam discutir como proceder. Ao que parece, Uribe tem sofrido grande pressão dos setores dominantes para não criar uma situação que faça retornar à violência.

As FARCs provavelmente terão que aceitar termos mais duros. Elas já começaram a destruir parte dos seus explosivos e mostrado disposição para contribuir com a reparação das vítimas com seus próprios fundos (algo que se recusavam anteriormente). Elas não têm nenhuma outra alternativa viável e se já tem demonstrado comprometimento para abandonar a luta armada. Em troca, elas devem trazer de volta assuntos que foram descartados para a agenda.

Há outro fator na situação que é muito importante: a volta dos movimentos de trabalhadores, estudantis, camponeses e das comunidades indígenas. Nos últimos cinco anos tem ocorrido onda após onda de mobilizações. O movimento dos estudantes em 2011, a mobilização dos camponeses em 2013, a greve dos trabalhadores da justiça em 2014, a greve nacional no início deste ano e milhares de lutas setoriais ou locais por melhores salários, na defesa do direito à educação, contra a mineração à céu aberto, a defesa aos direitos dos camponeses e por aí vai.

Uma vez terminado o conflito entre o Estado, os paramilitares e as guerrilhas, é possível que ocorra uma explosão dos movimentos de massa, o que tornará muito difícil para o governo dizer que são “manipulados pelos terroristas das FARCs”. O fim da luta armada na Colômbia não é de nenhuma maneira o fim da luta de classes, mas sim o seu início.


Artigo publicado originalmente em 5 de outubro de 2016, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Peace deal plebiscite defeated – what next for Colombia?“.

Tradução Ivison Poleto dos Santos.