Perspectivas Mundiais 2012

A situação está se movendo à velocidade de um raio e em escala mundial. Depois da revolução árabe, os acontecimentos se sucederam rapidamente: o movimento dos indignados na Espanha, a onda de greves e manifestações na Grécia, os motins na Grã-Bretanha, o movimento em Wisconsin e o movimento Ocupa nos EUA, a derrubada de Kadhafi, a queda de Papandreou e Berlusconi… todos estes são sintomas da época atual.

 

Informe do Comitê Executivo Internacional da CMI ao Congresso Mundial (Julho/2012)

 

       

Perspectivas Mundiais 2012

1.       A situação está se movendo à velocidade de um raio e em escala mundial. Depois da revolução árabe, os acontecimentos se sucederam rapidamente: o movimento dos indignados na Espanha, a onda de greves e manifestações na Grécia, os motins na Grã-Bretanha, o movimento em Wisconsin e o movimento Ocupa nos EUA, a derrubada de Kadhafi, a queda de Papandreu e Berlusconi… todos estes são sintomas da época atual.

2.       Estas viradas bruscas e repentinas indicam que algo de fundamental mudou em toda a situação. Os acontecimentos estão começando a afetar a consciência de setores cada vez mais amplos da população. A classe dominante está cada vez mais dividida e desorientada pela profundidade de uma crise que não esperava nem tem ideia de como resolver. De repente, defronta-se com o fato de não poder manter o controle da sociedade com os velhos métodos.

3.       A instabilidade é o elemento predominante na equação em todos os níveis: econômico, financeiro, social e político. Os partidos políticos estão em crise. Os governos e os líderes surgem e caem, sem encontrar nenhuma maneira de sair da estagnação.

4.       O mais importante de tudo é que a classe trabalhadora se recuperou da comoção inicial da crise e está entrando em ação. Os elementos avançados dos trabalhadores e dos jovens estão começando a tirar conclusões revolucionárias. Todos estes sintomas significam que estamos entrando no primeiro capítulo da revolução mundial. Este se desenvolverá durante anos, possivelmente décadas, com ascensões e quedas, avanços e recuos; um período de guerras, revolução e contrarrevolução. Esta é uma expressão do fato de que o capitalismo esgotou seu potencial e entrou em uma fase de declive.

5.       Contudo, esta observação geral não exclui a possibilidade de determinados períodos de recuperação. Inclusive no período 1929-39 houve variações cíclicas, mas a tendência geral será em direção a recessões mais prolongadas e mais profundas, interrompidas por auges superficiais e efêmeros. A “recuperação” que se seguiu à recessão de 2008-09 é um indicador desta tendência. É a recuperação mais débil da história – a mais débil desde 1830, segundo os economistas burgueses – e simplesmente prepara o caminho para uma recessão ainda mais profunda.

6.       Isto reflete o fato de que o sistema capitalista chegou a um beco sem saída. O capitalismo esteve acumulando contradições durante décadas. No fundo, a crise é a manifestação da rebelião das forças produtivas contra a estreita camisa de força do sistema capitalista. As principais barreiras que bloqueiam o desenvolvimento da civilização são, por um lado, a propriedade privada dos meios de produção e, por outro, o Estado nacional.

7.       Durante um período, esta contradição foi resolvida parcial e temporariamente por uma expansão sem precedentes do comércio mundial (“globalização”). Pela primeira vez desde 1917 todos os rincões do mundo se uniram em um imenso mercado mundial. Contudo, as contradições do capitalismo não foram abolidas por isto, mas simplesmente se reproduziram em escala sem precedentes. Agora, a fatura está sendo passada.

8.       A globalização agora se manifesta como uma crise global do capitalismo. A enorme capacidade produtiva que se desenvolveu em escala mundial não pode ser utilizada. Esta crise não tem um verdadeiro paralelo na história. A escala da mesma é muito maior que a de qualquer outra crise no passado. Os estrategistas do capital são como os antigos navegantes que entraram em um mar inexplorado, sem mapa e bússola. Atualmente existe uma crise de confiança generalizada nas fileiras da burguesia internacional.

9.       A burguesia adiou o dia fatídico mediante o uso de mecanismos que normalmente utiliza para sair de uma depressão. Agora, isto é impossível. Os bancos não emprestam; os capitalistas não investem; as economias estão estagnadas e o desemprego está crescendo, o que indica que a débil recuperação pós-2009 se converterá em determinado momento em nova depressão.

10.   A crise do capitalismo europeu tem seu reflexo nas flutuações dos mercados de bônus, que exigem aumentos dos prêmios de risco para um país após outro. Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália caíram um depois do outro na armadilha do mercado, que os condena a pagar taxas de juros usurárias por sua já inflada dívida nacional. Ao fazer isto, os “mercados” convertem uma situação difícil em outra completamente impossível.

11.   Agora, as organizações internacionais de qualificação ameaçam reduzir de categoria à França e à Alemanha e, de fato, ao conjunto da Zona do Euro. É uma espécie de contágio mortal que infectou todos os grandes países da Zona do Euro. A constante agitação nos mercados mundiais mostra o nervosismo da burguesia que, às vezes, chega às fronteiras do pânico. São como um termômetro que mede a intensidade da febre. Os economistas burgueses estão em torno da cama do paciente e balançam a cabeça, mas não têm nenhum remédio eficaz que possam receitar.

12.   O pânico, que se reflete nas viradas selvagens das bolsas e mercados de bônus, se espalhou rapidamente da Europa para a América. Em vão, Merkel e os outros clamam contra a irresponsabilidade das agências de qualificação. A resposta destas últimas é que simplesmente estão fazendo seu trabalho: estão refletindo exatamente a ansiedade geral sobre a economia global e a falta de confiança nos políticos para enfrentá-la. Mas, ao fazê-lo, dão um novo empurrão nas economias que estão cambaleando à beira do precipício.

Mudança de Época

13.   Lênin explicou que não existe nada semelhante a uma situação impossível para o capitalismo. Até que não seja derrubado pelos esforços conscientes da classe trabalhadora, o capitalismo pode se recuperar da mais profunda das crises. Como proposição geral, esta é, sem dúvida, correta. Contudo, esta afirmação geral não nos diz nada sobre a situação concreta que agora enfrentamos, nem do resultado mais provável. Há que se analisar o momento histórico concreto, levando-se em consideração o ponto de partida.

14.   Na história do capitalismo podem-se observar período definidos. Por exemplo, a etapa anterior à Primeira Guerra Mundial foi um longo período de auge econômico que durou até 1914. Este foi o período clássico da socialdemocracia. Os partidos de massas da Segunda Internacional se formaram em condições de pleno emprego e de uma melhora relativa do nível de vida da classe trabalhadora europeia. Isto levou à degeneração nacionalista e reformista da socialdemocracia, que se evidenciou em 1914, quando quase por unanimidade se aliaram com “suas” respectivas burguesias na guerra.

15.   A etapa que se seguiu à Revolução Russa de 1917 foi de um caráter completamente diferente. Foi um período de luta de classes, de revolução e de contrarrevolução que se prolongou até a explosão da Segunda Guerra Mundial. A recessão que começou com o crash de Wall Street de 1929 e que se converteu na Grande Depressão foi precedida por uma fase de especulação febril, que tem muitas analogias com o boom que precedeu a crise econômica atual.

16.   A depressão da década de 1930 só terminou pela própria guerra. Em 1938, Trotsky previu que a guerra ia terminar numa nova onda revolucionária. Isto era correto, mas a forma em que terminou a guerra foi diferente da que Trotsky havia previsto. A vitória militar da URSS fortaleceu o estalinismo durante todo um período. A socialdemocracia e os estalinistas foram capazes de abortar a onda revolucionária na Itália, na França, na Grécia e em outros países. Esta foi a premissa política que preparou o caminho para um novo auge do capitalismo, que Lênin e Trotsky haviam considerado como uma possibilidade teórica em 1920.

17.   As razões para o auge de 1948-74 foram explicadas em documentos anteriores (ver Ted Grant – Haverá uma recessão? – http://www.tedgrant.org/espanol/1960/habra-recesion.htm, 1960). É suficiente assinalar aqui que este foi o resultado de uma concatenação peculiar de circunstâncias que é impossível de se repetir. Esta perspectiva está descartada na atualidade. O auge do capitalismo se prolongou durante quase três décadas e, da mesma forma que no período anterior à Primeira Guerra Mundial, deu lugar a uma degeneração adicional da socialdemocracia, dos partidos estalinistas e dos sindicatos na Europa e em outros países capitalistas avançados. Contudo, inclusive nesse lapso de tempo vimos a maior greve geral na história da França em 1968.

18.   Este período foi interrompido pela primeira recessão desde o final da Segunda Guerra Mundial, que começou em 1973-74, coincidindo com uma onda de ascensão revolucionária: revoluções em Portugal, na Espanha e na Grécia; greves de massas na Grã-Bretanha; fermentação revolucionária na Itália e agitação revolucionária na América Latina – particularmente no Cone Sul: Chile, Argentina e Uruguai e nos demais países ex-colônias. A classe trabalhadora europeia, e de outras regiões, estava se movendo nesse momento em uma direção revolucionária. Contudo, as traições dos dirigentes da socialdemocracia e dos estalinistas criaram as condições para a recuperação do capitalismo.

19.   O período que se abriu na década de 1980 pode ser descrito como um período de reação suave. A burguesia tratou de deter a política do keynesianismo, que supunha uma explosão inflacionária e uma intensificação da luta de classes. Este foi o período de Reagan e Thatcher, da economia monetarista e de uma contraofensiva contra a classe trabalhadora.

Colapso do estalinismo

20.   Tudo isto foi intensificado ainda mais pelo colapso do estalinismo. Novas áreas do mundo foram forçadas a se abrir ao mercado capitalista e aos investidores. Uma grande massa constituída por centenas de milhões de trabalhadores mal pagos, que antes haviam permanecido inacessíveis aos capitalistas, junto aos crescentes mercados de consumo no sudeste asiático, China, na ex-União Soviética e na Índia (que também experimentou a abertura de seu mercado com a destruição das barreiras alfandegárias protecionistas), proporcionaram o oxigênio que impediu que a recessão de 1990 se convertesse em uma depressão, e deram ao sistema um balão de oxigênio.

21.   Nas décadas de 1990 e 2000, a burguesia e seus ideólogos estavam inchados como a rã da fábula de Êsopo. Sucumbiram à ilusão de que o “livre mercado” poderia resolver todos os problemas, sempre e quando não houvesse intromissões. Anteriormente, a burguesia idolatrou o Estado como um Deus generoso; agora, o amaldiçoa como a fonte de todo mal. A única coisa que exigiram do Estado foi que os deixassem em paz.

22.   A tendência em direção a uma maior estatização (a “transgressora sociedade socialista”) foi totalmente revertida. Em vez de nacionalização se produziu uma onda de privatização. A nova situação foi racionalizada pelos economistas na teoria da “hipótese do mercado eficiente”, segundo a qual os mercados tinham uma tendência inata ao equilíbrio, em que a demanda e a oferta se equilibrariam automaticamente entre si e, portanto, as crises de superprodução eram impossíveis. Isto não é uma ideia nova, e sim somente uma regurgitação da lei de Say a que Marx já respondeu há muito tempo [veja-se, Teorias da Mais-valia, Marx 1861-3, capítulo XVII, A teoria de Ricardo sobre a acumulação e a crítica da mesma. (A própria natureza do capital conduz às crises), http://www.marxists.org/archive/marx/works/1863/theories-surplus-value/ch17.htm].

23.   A crise de 2008-09 marcou outro ponto de inflexão. Minou totalmente todas as teorias dos economistas burgueses. Desencadeou fortes tremores que ainda continuam sacudindo. Assinalou o final de um longo período de aparente ordem e estabilidade financeira. Destruiu o sonho da burguesia que tinha acreditado ter descoberto a pedra filosofal que finalmente daria um fim ao círculo vicioso de auges e depressões.

24.   Na realidade, não haviam descoberto nada de novo. O boom foi uma cabana construída sobre palitos: um modelo baseado na expansão massiva da especulação imobiliária, alimentado pela expansão do crédito sem precedentes e pelo domínio absoluto do capital financeiro. O parasitário setor de serviços se expandiu exponencialmente à custa da atividade produtiva genuína. As bolsas de valores se converteram ainda mais em cassinos, viciadas no jogo em escala massiva, e os banqueiros se lançaram neste alegre carnaval de fazer dinheiro com despreocupação imprudente.

25.   O elemento puramente parasitário do capitalismo floresceu no último período. Isto, por si mesmo, era um indício da decadência senil do capitalismo: o esmagador domínio do capital financeiro e o aumento dos “serviços” à custa da indústria manufatureira; a expansão massiva do crédito e do capital fictício; todos os tipos de trapaças e de especulação desenfreada na bolsa de valores e nos grandes bancos…

26.   O elemento especulativo esteve presente em cada boom capitalista desde a bolha financeira das tulipas holandesas do século XVII. Mas o grau a que chegou, no período recente, supera tudo o que já se viu no passado. Tão somente o comércio de derivados ascende a 650 trilhões de dólares e representa uma enorme fraude. Os capitalistas empregam um exército de contadores e economistas que se especializam em fazer com que o mercado de Derivativos seja o mais complicado possível para esconder esta fraude. Supunha-se que isto iria dar maior estabilidade aos mercados, mas, na realidade, é um importante elemento no aumento da instabilidade. Isto contribuiu poderosamente para o colapso atual e as repercussões da dívida faz com que seja ainda mais difícil sair da crise. Ao mesmo tempo, se produziu um desenvolvimento sem precedentes da concentração do capital.

27.   Nossa tendência esperava que a recessão ocorresse antes. Contudo, foi adiada devido aos fatores antes mencionados, e isto teve certo impacto em nossas perspectivas. Mas a primeira coisa que temos a nos perguntar é: por quais meios se adiou a crise e quais as consequências disto? Nós explicamos os fundamentos em um documento de perspectivas há 12 anos (No fio da navalha: perspectivas para a economia mundial, http://centromarx.org/index.php/documentos/teoria-economica/72-economia/93-en-el-filo-de-la-navaja-perspectivas-para-la-economia-mundial). Assinalamos que a burguesia havia adiado a crise mediante o uso dos métodos que se devem utilizar para se sair de uma recessão. Mantiveram baixa a taxa de juros, enquanto expandiam o crédito a um grau nunca visto. Isto é, evitaram uma crise, mas somente à custa de tornar mais profunda a recessão que estava por vir.

28.   Os capitalistas sempre tratam de contornar as contradições atuais, adiando a crise inevitável, mas somente para que o precário edifício caia sobre suas cabeças com força ainda maior. O crédito tem seus limites definidos e não pode se expandir indefinidamente. Em determinado momento todo o assunto começa a desmoronar. Todos os fatores que impulsionaram o auge se convertem em seu contrário. A supostamente interminável espiral ascendente se torna em uma espiral descendente incontrolável.

29.   O problema que a burguesia tem pela frente é fácil de definir: já não podem utilizar os instrumentos habituais para sair da crise, visto que os utilizaram durante o auge. As taxas de juros estão próximas de zero nos EUA e na Europa, e são de zero no Japão. Se levarmos em consideração a inflação, que, nos EUA e na Europa, é maior que a taxa de juros, isto significa que em termos reais a taxa de juros é negativa. Como podem diminuir ainda mais as taxas de juros, para animar o crescimento? Como podem aumentar os gastos do Estado, quando todos os governos estão carregados de dívidas colossais?

30.   Como podem os consumidores gastar mais, quando devem antes pagar as massivas dívidas atuais herdadas do boom? E que sentido tem investir em mais produção, quando os capitalistas não encontram mercados para vender seus produtos? Pela mesma razão, os agiotas não têm interesse na expansão do crédito. Já que não tem sentido investir na produção de bens para mercados saturados, a burguesia prefere ganhar dinheiro especulando nos mercados monetários.

31.   Uma grande quantidade de dinheiro está em constante movimento por todo o mundo buscando fazer mais dinheiro mediante a especulação contra moedas como o euro. Agem como uma alcateia de lobos famintos seguindo um rebanho de renas, em busca dos animais mais débeis e enfermos. E agora há um montão de animais enfermos para escolher. Esta atividade especulativa soma-se à instabilidade geral, imprimindo um caráter ainda mais convulso à crise.

As tendências protecionistas

32.   Uma vez aceita a economia de mercado, deve-se aceitar as leis do mercado, que são muito semelhantes às leis da selva. Aceitar o capitalismo e em seguida se queixar de suas consequências é um exercício fútil. Os reformistas (particularmente os reformistas de esquerda) continuam insistindo na ideia keynesiana de resolver a crise mediante o aumento do gasto público. Mas já há uma enorme dívida pública que tem de ser paga. Em vez de aumentar o gasto público, todos os governos estão cortando o gasto e despedindo os trabalhadores do setor público, exacerbando ainda mais a crise.

33.   É a expressão do desespero da burguesia, que está se agarrando a um prego em brasa. Nos EUA e na Grã-Bretanha, mais uma vez, voltaram à “flexibilização quantitativa”, isto é, à impressão de mais dinheiro. Isto não vai resolver nenhum dos problemas, e sim vai intensificá-los no longo prazo. Quando isto finalmente se fizer sentir na economia, produzirá uma explosão de inflação, preparando o terreno para uma recessão ainda mais profunda no futuro.

34.   A confusão desesperada dos economistas é ilustrada pelo estranho espetáculo de Jeffrey Sachs, o homem que lançou o neoliberalismo na Europa do Leste, apelando por uma versão global do New Deal. O problema é que tal sugestão é anátema para o Congresso norte-americano dominado pelos republicanos, que está empenhado na aplicação de políticas opostas.

35.   Nem a economia de mercado nem as políticas de estímulo keynesianas funcionaram ou podem funcionar. Os governos e suas assessorias econômicas estão em estado de desespero. Não há mais dinheiro para estímulo fiscal, mas as políticas de austeridade somente servem para deprimir ainda mais a demanda, agravando dessa forma a recessão.

36.   O maior temor é que uma nova recessão provoque o ressurgimento das tendências protecionistas e das desvalorizações competitivas, como aconteceu na década de 1930. Isto teria efeitos catastróficos sobre o comércio mundial e representa uma ameaça à própria globalização. Tudo o que se conseguiu nos últimos 30 anos poderia se desfazer e se converter em seu contrário.

37.   As medidas anunciadas pelo Banco Nacional Suíço (em setembro de 2011) de reduzir o valor do franco suíço são uma advertência de como as coisas estão derivando na direção de políticas protecionistas e de desvalorizações competitivas. Foi isto que converteu o crash de Wall Street de 1929 na Grande Depressão da década de 1930. Algo similar poderia acontecer novamente.

Espiral descendente

38.   Trotsky escreveu em 1938: “Os capitalistas estão marchando para o desastre com os olhos fechados”. Necessitamos fazer uma pequena ressalva nessa declaração: Os capitalistas estão marchando para o desastre com os olhos bem abertos. Podem ver o que está acontecendo. Podem ver o que vem com o euro. Na América, podem ver o que vem com o déficit. Mas não têm ideia do que fazer a respeito.

39.   Desde o colapso de 2008, as autoridades comprometeram trilhões de dólares para resgatar o sistema financeiro, mas isto foi em vão. A Comissão Europeia esteve rebaixando continuamente seu prognóstico para o crescimento econômico na Zona do Euro, que agora chegou praticamente ao estancamento. O estancamento, contudo, é somente a variante mais otimista. Agora, tudo aponta para uma nova queda, inclusive mais pronunciada que a de 2008-9.

40.   Nos meses seguintes ao resgate dos bancos, a burguesia tratou de se consolar a si mesma falando de uma recuperação. Mas, como já vimos antes, se trata da recuperação mais débil da história. Não há “brotos verdes”. Na realidade, a economia mundial não se recuperou da recessão de 2008, apesar dos trilhões de dólares injetados na economia. Com este procedimento desesperado, simplesmente lograram evitar uma queda imediata parecida à de 1929, mas estas medidas de pânico não solucionam nada de fundamental. Pelo contrário, produziram-se novas e insolúveis contradições.

41.   A burguesia evitou o colapso dos bancos, mas somente à custa de provocar a bancarrota e o colapso de Estados inteiros. O que ocorreu na Islândia é uma advertência do que lhe espera a um país depois do outro. Converteram o buraco negro do sistema financeiro privado em um buraco negro das finanças públicas.

42.   Agora os políticos europeus se queixam de que os gregos falsificaram os dados financeiros para ocultar o verdadeiro estado de suas finanças. “Se tivéssemos sabido disto, nunca teríamos permitido à Grécia entrar na Zona do Euro”, se queixam. Mas supõe-se que o trabalho dos banqueiros é o de analisar os dados dos solicitantes de empréstimos e descobrir os dados falsos. A acusação contra os gregos, portanto, pode ser estendida aos banqueiros. Como não puderam descobrir o ardil grego?

43.   A resposta é que não quiseram. Todas as instituições financeiras estiveram envolvidas no escândalo especulativo, com o que conseguiram benefícios gigantescos especulando com tudo, desde hipotecas imobiliárias até a compra de bônus governamentais. Nesta orgia especulativa de fazer dinheiro, os banqueiros não estavam particularmente interessados em avaliar a qualidade de nenhum empréstimo. Pelo contrário, conspiraram com os mutuários para que sua dívida parecesse mais atrativa.

44.   A crise sub-prime dos EUA revela exatamente a mesma história. Os bancos emprestaram muito dinheiro a pessoas que não tinham meios para comprar sua própria casa. De fato, fizeram pressão sobre as pessoas para que comprassem a crédito. As dívidas resultantes foram logo divididas, reestruturadas e vendidas para fins especulativos. Conseguiram enormes quantidades de dinheiro com este tipo de especulação. Desde que o dinheiro entrasse abundantemente, não se preocupavam pelas finanças do governo grego ou dos proprietários insolventes no Alabama, em Madri ou em Dublin.

45.   Não é exagero afirmar que a classe capitalista neste período perdeu completamente a cabeça. Da mesma forma que um pinguço libertino, os burgueses se intoxicaram com seu êxito. Viviam somente ao dia, e que o diabo se encarregasse do futuro! Como a maioria dos libertinos, desprezaram o inconveniente detalhe de que estavam vivendo a crédito, e incorreram em dívidas que em algum momento teriam que ser pagas. E, da mesma forma que a maioria dos libertinos finalmente despertaram com uma forte dor de cabeça.

46.   Mas aqui termina a analogia. A dor de cabeça foi logo transferida para o Estado, que amavelmente a transferiu para toda a sociedade. Os banqueiros se levantaram da cama refrescados por uma transfusão de trilhões de dinheiro público, enquanto que ao restante da sociedade foi apresentada a fatura.

47.   O público está agora despertando para o fato de que nossa suposta sociedade democrática é, na realidade, governada pelas juntas diretivas não eleitas dos bancos e das grandes corporações. Estas se relacionam com o Estado mediante milhares de conexões, e também com as elites políticas que as representam. Esta constatação levou ao abandono dos velhos sistemas de crenças reconfortantes e a uma ruptura do consenso. A sociedade está se polarizando rapidamente. Isto representa um risco colossal para a classe dominante.

48.   Dialeticamente, todos os fatores que impulsionaram a economia para cima estão se combinando para derrubá-la. A sociedade está entrando em uma espiral descendente agônica que parece não ter fim. A classe trabalhadora na Europa e nos EUA conquistaram através da luta o que poderíamos denominar de condições para uma existência semicivilizada. A continuação destas conquistas sociais se tornou intolerável para a classe capitalista. O sistema capitalista está em bancarrota no sentido mais literal da palavra.

49.   Quem vai pagar todas estas dívidas? Os economistas não têm nem ideia de como sair da crise. O único com que estão de acordo é que a classe trabalhadora e a classe média têm que pagar a fatura. Mas, por cada passo atrás que dê as pessoas, os banqueiros e os capitalistas exigirão mais dez. Esse é o significado real dos ataques que foram lançados por toda parte.

50.   Mas certas coisas devem derivar disto. As revoluções inglesa e francesa começaram com uma crise da dívida. Ambos Estados estavam em bancarrota e se colocou a questão: “Quem vai pagar?”. A nobreza se negou a pagar. Essa foi a causa inicial da revolução. Na atualidade, enfrentamos uma situação análoga. Os trabalhadores não ficarão de braços cruzados, enquanto a classe dominante destrói sistematicamente todas as conquistas dos últimos cinquenta anos.

51.   A classe trabalhadora grega se levantou em rebelião contra estas imposições. Seu exemplo será seguido pelos trabalhadores da Itália, da Espanha e de todos os demais países da Europa. O serviço da dívida (os juros) é o terceiro maior gasto do governo espanhol, depois da assistência sanitária e das prestações ao desemprego: 35 bilhões de dólares ao ano. A crise espanhola se expressa com maior intensidade no desemprego. Há cerca de cinco milhões de pessoas sem trabalho: um de cada cinco da população economicamente ativa. No sul, há um desemprego de cerca de 30%. A metade dos jovens está desempregada. Foi isto o que produziu o movimento dos “indignados”.

52.   O “contágio” está na ordem do dia, não somente no plano econômico, mas também no político. Os protestos contra cortes de gastos e aumentos de impostos se espalharam de Madri a Atenas, de Atenas a Roma, e de Roma a Londres. Nos EUA, o movimento Occupy se espalhou como um rastilho de pólvora, expressando o mesmo acúmulo de descontentamento e frustração. O cenário está preparado para uma explosão da luta de classes por todas as partes.

A crise do capitalismo europeu

53.   Nossa tendência não acreditou sequer que o euro pudesse mesmo ser introduzido, devido à impossibilidade de se unir economias que puxam em direções diferentes. Mas, de fato, durante um tempo, conseguiram isto devido ao auge capitalista prolongado. Em um documento de 1997, Uma alternativa socialista à União Europeia (http://www.marxist.com/ue-alternativa-socialista.htm), assinalamos que o euro colapsaria “em meio a recriminações mútuas”. Este cenário está começando a se desenvolver ante nossos olhos.

54.   A Zona do Euro está atravessando a crise mais grave de toda sua história, e isto coloca um grande sinal de interrogação sobre sua existência futura. Como havíamos previsto há muito tempo, em uma crise grave todas as contradições nacionais saem à luz, como podemos ver agora com as difíceis relações entre a Grécia, a França, a Alemanha e a Itália. A União Europeia enfrenta a hora da verdade.

55.   Nenhuma destas coisas se supunha que pudessem acontecer. Os termos do Tratado de Maastricht proibiam grandes dívidas e déficits orçamentários. Mas Maastricht é, agora, somente uma lembrança remota. Em teoria, uma vez que todos são membros da mesma moeda única, com o mesmo banco central estabelecendo uma taxa de juros única, cada país deveria ser capaz de pedir emprestado aproximadamente à mesma taxa. Contudo, em 2010, os mercados começaram a diferenciar na Zona do Euro as economias mais fortes – a Alemanha e seus satélites (Áustria, os Países Baixos e uns poucos mais) – e as economias mais débeis, como a Grécia, a Irlanda, a Espanha, Portugal e Itália. Agora, mesmo as economias mais fortes, como a França, a Áustria e os Países Baixos, estão sendo afetadas. Standard & Poor’s advertiu que até 15 dos 17 membros da Zona do Euro poderiam ter sua qualificação creditícia reduzida, com um sinal de interrogação colocado inclusive sobre a Alemanha.

56.   Cada vez mais, aos países mais débeis estão sendo cobradas taxas punitivas pelo dinheiro emprestado por parte dos mercados de dinheiro. Este aumento das taxas torna a carga da dívida mais pesada e mais difícil de pagar. Por isso, quando uma agência de crédito, como Moody, reduz o status de solvência de um país, esta ação se converte em uma profecia que se realizará com toda segurança. O juro dos bônus italianos se elevou a quase 7,5% antes da queda do governo Berlusconi.

57.   Nós assinalamos, mesmo antes da introdução do euro, que é impossível unificar economias que estão puxando em diferentes direções. Agora, alguns economistas burgueses advertem que as pressões e tensões que se estão acumulando poderiam levar ao colapso da moeda única. Pela primeira vez, a questão da possibilidade da ruptura está sendo colocada abertamente, não somente do euro, mas também da própria União Europeia. A queda do euro é uma expressão das contradições insolúveis da União Europeia.

58.   Já vimos o fracasso de alguns grandes bancos europeus, o que contribuiu para um clima geral de nervosismo. Nos EUA, vimos o fracasso de MF Global, a maior empresa de Wall Street que colapsou desde a implosão de Lehman Brothers, em setembro de 2008.

59.   Em determinado momento, tudo isto poderia desencadear um efeito similar à da queda do banco austríaco Credit-Anstalt, em maio de 1931. A queda do Credit-Anstalt, um banco que era considerado invulnerável, causou um efeito dominó por todo o continente europeu, e a onda resultante de pânico se fez sentir até os EUA. Da mesma forma, uma moratória grega poderia propagar a crise financeira, não somente através da Europa, mas também de todo o mundo.

Grécia, o elo mais fraco

60.   A crise na Europa iniciou na Grécia, e, embora tenha demorado um pouco na Alemanha, na Áustria e na Escandinávia, já começou a se espalhar. Mais cedo ou mais tarde, todos serão tragados pelo sorvedouro.

61.   Na tentativa de acalmar os mercados, a França e a Alemanha insistiram em que a Grécia continuava sendo parte “integrante” da moeda única. Mas embora estes discursos audazes tivessem o efeito de estabilizar temporariamente os mercados, eram meras palavras e logo se desfizeram como bolhas de sabão. A Grécia se viu obrigada ao que equivale a uma moratória parcial. Contudo, os mercados financeiros internacionais estão de fato trabalhando na suposição de a Grécia irá à moratória completa.

62.   Em 2010, Atenas tomou emprestado o equivalente a 10,5% da produção econômica anual somente para financiar gastos gerais do governo. A Grécia claramente não pode pagar suas dívidas e o único resultado da austeridade imposta pelos líderes da Zona do Euro seria empurrá-la ainda mais ao pântano da recessão, ao desemprego e à miséria. Inclusive se o plano mais recente fosse realizado ao pé da letra – o que é supor demais –, o déficit grego ainda se situaria em 120% do PIB para o ano de 2020, enquanto que o povo grego vai sofrer novas quedas nos níveis de vida.

63.   Em troca da “ajuda”, o governo grego está sendo espremido para se extrair a última gota de sangue do povo grego. Mas, afinal Grécia não vai poder pagar sua dívida. Esse é o primeiro problema. O segundo é que países como Finlândia, Eslováquia e os Países Baixos estão colocando problemas sobre um financiamento mais amplo para os planos de resgate. Mais importante ainda, o estado de ânimo na Alemanha está endurecendo sobre este tema.

64.   Parece quase inevitável que a Grécia finalmente seja expulsa da União Europeia. Mas isto terá consequências muito graves, tanto para a Grécia quanto para toda a União Europeia. Todas as condições objetivas para a revolução existiam na Grécia nos últimos dezoito meses:

·         A classe capitalista estava dividida e havia perdido a confiança;

·         A classe média estava vacilante e inclinada a apoiar uma virada revolucionária;

·         A classe trabalhadora estava na luta e disposta a fazer os maiores sacrifícios para seguir adiante.

65.   Que mais se pode esperar da classe trabalhadora grega? Que mais podia fazer? Se não tomaram o poder, não foi por sua culpa, mas pelo fracasso de todos e cada um dos chamados líderes. A falência da direção é tudo o que está freando os trabalhadores. Se a direção do Partido Comunista grego tivesse adotado um ponto de vista leninista correto, tanto no que se refere ao seu programa quanto à aplicação correta da política de Frente Única, a questão do poder já estaria proposta. Em muitos sentidos, a situação era bastante mais avançada do que na Rússia em fevereiro de 1917.

66.   Depois das primeiras greves gerais na Grécia, a palavra de ordem da greve geral de 24 horas deixou de ter sentido. O movimento já a tinha ultrapassado. A única palavra de ordem adequada era a de uma greve geral indefinida. Mas, numa situação como a da Grécia, isto propõe a questão do poder. Não se pode brincar com este lema. Tem que estar vinculado ao desenvolvimento dos órgãos de poder popular (comitês de ação ou sovietes), vinculados aos sindicatos.

67.   É possível que parte da classe dominante esteja acalentando a ideia de um golpe de Estado. Mas, depois da experiência da Junta Militar, entre 1967 e 1974, os trabalhadores gregos não aceitariam passivamente a imposição de uma ditadura. Essa medida, sem dúvida, daria lugar a uma guerra civil. O problema é que a burguesia não estaria segura de ganhá-la. A classe trabalhadora grega é muito mais forte do que era naquele tempo; suas organizações estão intactas e não sofreram uma derrota grave há décadas.

68.   Por esta razão e não por nenhum apego sentimental à democracia, a classe dominante tentará alcançar seus objetivos por outros meios, a começar através de um governo de “unidade nacional”. Isto terminará numa maior intensificação da luta de classes, numa forte polarização à direita e à esquerda e numa série de governos burgueses instáveis. Antes que as questões possam se resolver decisivamente numa forma revolucionária ou contrarrevolucionária, o pêndulo oscilará violentamente para a esquerda e para a direita. Antes que a classe dominante recorra à reação aberta, a classe trabalhadora terá muitas oportunidades para tomar o poder.

Volta ao dracma?

69.   Alguns na esquerda grega defendem o abandono da moeda única, o euro, sem colocar a questão dos Estados Unidos Socialistas da Europa. “Voltemos ao dracma!” é o seu grito nacionalista. Mas, na prática, se uma Grécia capitalista sai da União Monetária Europeia, inevitavelmente isto significará também sair da União Europeia. Isto a deixaria sem acordo comercial com a Europa. Imaginar que a União Europeia iria ficar de braços cruzados enquanto os produtos baratos gregos estivessem inundando seus mercados é totalmente utópico. Uma economia grega isolada imediatamente se tornaria vítima das medidas protecionistas, como o banco suíço UBS assinalou:

70.   “A ideia de que um Estado secessionista teria de imediato alguma vantagem competitiva através da desvalorização da NMN (nova moeda nacional) contra o euro é provavelmente irreal. O restante da Zona do Euro (de fato, o restante da União Europeia) com pouca probabilidade consideraria a secessão com indiferença tranquila. No caso de que uma NMN fosse depreciada em 60% face ao euro, parece muito plausível que a Zona do Euro impusesse uma tarifa de 60% (ou mesmo mais) contra as exportações do país secessionista. A Comissão Europeia alude explicitamente a esta questão, dizendo que, se um país fosse sair do euro, ’compensaria’ por qualquer movimento indevido na NMN” (Perspectivas Econômicas Globais, seis de setembro de 2011, UBS).

71.   O UBS faz um cálculo aproximado do custo para um país débil, como a Grécia, que decida sair do euro. Assume que qualquer país que saia do euro veria diminuir sua moeda em 60% frente ao que restar do bloco do euro. Tal impacto não se pode comparar com os pequenos ajustes das convulsões do Mecanismo de Taxa de Câmbio na década de 1980 ou princípios da de 1990. Em vez disso, o paralelo mais apropriado se encontra provavelmente na implosão econômica da Argentina há uma década.

72.   “O calote massivo dos governos e das corporações geraria um maior prêmio de risco pelo custo do capital – assumindo que o sistema bancário nacional seja de alguma forma capaz de proporcionar capital. Numa estimativa muito conservadora, isto implicaria em aumento do prêmio de risco de 700 pontos básicos. Se o sistema bancário está completamente paralisado (uma vez mais, a Argentina oferece um precedente, ou o sistema bancário dos EUA durante o colapso da união monetária dos EUA, em 1932-33), então o custo de capital de fato aumenta uma quantidade infinita. Na paralisia extrema das finanças, o capital não está disponível a qualquer preço” (Perspectivas Econômicas Globais, seis de setembro de 2011, UBS).

73.   O banco suíço pressupõe, ademais, uma diminuição no volume do comércio de 50% e a adoção de tarifas protecionistas para compensar a depreciação da moeda do Estado secessionista. Também pressupõe que as perdas dos bancos serão em torno de 60% (“Naturalmente, também estamos assumindo um pânico bancário antes que a secessão se realize”).

74.   “Tomando todos estes fatores em consideração, um país secessionista teria que esperar um custo de 9.500 euros a 11.500 euros por pessoa, quando se separe da Zona do Euro. Há que se levar em consideração que, enquanto a recapitalização bancária poderia ser considerada com um custo único, o custo dos prêmios de risco e do estancamento do comércio teria que ser suportados ano depois de ano. Assim o custo econômico inicial seria de entre 9.500 euros e 11.500 euros por pessoa, e logo um custo em torno de 3.000 euros a 4.000 euros por pessoa que se faria sentir a cada ano subsequente”.

75.   E o banco acrescenta: “Estes são cálculos conservadores. As consequências econômicas dos conflitos civis, da ruptura do país secessionista etc., não estão incluídos nestes custos”.

76.   A revolução grega, por seu lado, deve estar vinculada às perspectivas de uma revolução europeia. Contudo, a esquerda e, particularmente, os estalinistas, estão infectados com a enfermidade do nacionalismo. Imaginam que os problemas da Grécia podem ser resolvidos dentro dos limites estreitos do capitalismo e dentro das fronteiras da Grécia, se sair da União Europeia. Este é o caminho do desastre. Na realidade, não há futuro para o capitalismo grego, seja dentro ou fora da União Europeia.

Há semelhança com a Argentina?

77.   Um dracma restabelecido não teria nenhum valor. O colapso da moeda alimentaria a inflação, acabaria com as poupanças e causaria desemprego em massa. Seria uma situação como a da Alemanha em 1923, que destruiu a moeda e criou uma situação revolucionária.

78.   Haveria um pânico bancário, como ocorreu na Argentina há uma década, quando as pessoas desesperadas chegavam a dormir frente aos caixas automáticos para poder retirar o dinheiro tão logo as máquinas eram abastecidas. Antes de uma situação de calote, as empresas e os indivíduos retiram tanto dinheiro em efetivo quanto seja possível. Na Grécia, o dinheiro já está saindo, em grande parte para Chipre, Suíça e Londres.

79.   No caso da Argentina, o calote de 93 bilhões de dólares da dívida externa – a maior bancarrota nacional da história – resultou numa queda de 60% do consumo interno, uma vez que as famílias viram como seus ativos desapareciam e a inflação se espalhava. Todos os produtos importados, fosse uma BMW ou um saco de arroz, converteram-se em luxos inalcançáveis.

80.   Os bancos fecharam as portas. As prateleiras dos supermercados ficaram vazias. Os ricos encheram suas maletas com dólares e se dirigiram ao aeroporto mais próximo. Stephen Deo, de UBS, escreve: “Se um país chegou ao extremo de reverter a introdução do euro, pelo menos é plausível que as forças centrífugas tentem quebrar o país, (…) rupturas de uniões monetárias vão quase sempre acompanhadas por extremos de desordem civil ou guerra civil”.

81.   Numa bancarrota nacional, os empréstimos cessam e a vida das empresas se paralisa. O desemprego e a pobreza disparam. No caso da Argentina, a taxa de desemprego se aproximou dos 25%. Em 2003, a cifra da população em “pobreza extrema” alcançou 26%, com mais de 50% considerados abaixo da linha de pobreza. Os trabalhadores tomaram empresas falidas e as administraram sob o controle operário. Também surgiram assembleias locais, que ajudaram a distribuir alimentos e a organizar a assistência sanitária.

82.   O colapso econômico na Argentina produziu uma situação revolucionária, mas não existia um partido revolucionário capaz de dirigi-la. Em 2001, se produziu uma situação insurrecional na Argentina. O presidente Fernando de la Rua fugiu de helicóptero desde o telhado do palácio Casa Rosada. Dias depois, o país oficialmente descumpriu os pagamentos. Se existisse uma direção bolchevique genuína poderia ter tomado o poder. As inumeráveis seitas “trotskistas” mostraram-se totalmente incapazes de levar o movimento a frente e a oportunidade foi perdida.

83.   Até este ponto as semelhanças entre Atenas e Buenos são muito claras. O abandono grego do euro seria igualmente doloroso e haveria graves consequências políticas. Mas a analogia termina aqui. Uma vez que a oportunidade revolucionária foi perdida, a classe dominante recuperou a calma e a situação foi revertida com o tempo. Uma vez que os ativos na Argentina se tornaram 80% mais baratos, os compradores estrangeiros regressaram. A Argentina se recuperou dos horrores de dezembro de 2001 mais rápido do que se esperava, graças à desvalorização do peso.

84.   Isto levou a uma rápida recuperação das exportações e o país logo obteve um enorme superávit comercial. O crescimento econômico se elevou a 8,7-9,2% entre 2003 e 2007 e o desemprego caiu. Toma-se isto como um precedente de esperanças para a Grécia, mas a comparação é enganosa. A economia argentina se beneficiou do auge mundial do capitalismo e da crescente demanda de seus produtos agrícolas, como a demanda chinesa por soja. Mas uma moratória grega terá lugar em circunstâncias muito diferentes: recessão da economia mundial, mercados contraídos, queda da demanda e protecionismo.

85.   O capitalismo grego não obteria nenhum benefício da desvalorização de sua moeda, mas sofreria as terríveis consequências da inflação importada, das medidas protecionistas hostis de seus ex-sócios da União Europeia, do colapso de seu sistema bancário e do esgotamento do crédito e do investimento. Marcaria uma nova viragem mortal numa espiral descendente de crise econômica, social e política cheia de possibilidades revolucionárias.

Ameaça à União Europeia

86.   Depois de derrubar a Grécia, a Irlanda, Portugal e Espanha, os lobos voltaram sua atenção para a Itália, que tem uma enorme montanha de dívidas, que ascende a cerca de 120% do Produto Interno Bruto do país. Este é segundo mais alto nível na União Europeia, depois da Grécia. Por outro lado, a Itália tem 335 bilhões de euros de empréstimos com vencimento em 2012, muito mais que a Grécia, Irlanda e Portugal juntos. Necessitará pedir emprestadas centenas de bilhões e, cada vez que pedir um empréstimo, os investidores de todo o mundo provavelmente estarão preocupados com sua devolução, dada sua enorme dívida pública.

87.   Isto representa uma ameaça para a própria existência da Zona do Euro. O Banco Central Europeu poderia ser capaz de manter a Grécia flutuando durante um tempo (embora mesmo isto seja duvidoso). Logrou realizar um plano de resgate para a Irlanda e Portugal, que nada solucionou. Mas simplesmente não dinheiro suficiente no Banco Central Europeu para resgatar países do tamanho da Espanha ou da Itália. Qualquer tentativa de fazê-lo logo esgotaria os fundos do banco.

88.   Altos funcionários da União Europeia advertiram que a crise da Zona do Euro poderia arruinar a União Europeia. Os líderes da Alemanha e da França viram-se obrigados a dar mais dinheiro à Grécia, numa tentativa de evitar um calote que teria provocado o caos. O Comissário Europeu de Assuntos Econômicos e Financeiros, Olli Rehn, disse: “Olhe-se por onde olhar é absolutamente certo que o calote e/ou a saída da Grécia da Zona do Euro implica custos econômicos, sociais e políticos dramáticos, não somente para a Grécia, mas também para todos os Estados membros da Zona do Euro e outros Estados membros da União Europeia, assim como para nossos sócios globais”.

89.   No início da crise grega, a burguesia se consolava com a ideia de que somente os Estados da periferia da Europa tinham problemas. Mas a ideia do que os mercados consideram periferia arriscada se tornou maior e continua se expandindo de um dia para outro. As bolsas europeias experimentaram novas e mais do que nunca pronunciadas quedas. A ideia de que se pode isolar a Grécia – ou a Grã-Bretanha ou a Irlanda – é uma ilusão boba. Todos eles estão no mesmo barco, e o fato de que alguns possam ser considerados passageiros de primeira classe não os salvam, se o barco começar a fazer água onde os passageiros de segunda classe estão alojados.

90.   Que significa tudo isto para os povos da Irlanda e Portugal? Significa que todos os sacrifícios foram em vão. Aos trabalhadores e agricultores da Irlanda se pede que façam sacrifícios cada vez maiores para pagar os agiotas. Mas, como na Grécia, os contínuos ataques aos níveis de vida somente servem para minar a economia. A Irlanda é ainda menos capaz de pagar suas dívidas do que antes.

91.   Quando a Grécia for ao calote, os irlandeses e os portugueses dirão: “Por que devemos pagar?”. As consequências de um calote grego para o restante da Europa, portanto, seriam sumamente graves. Desencadearia uma reação em cadeia de bancos em bancarrota em outros países. Os bancos franceses estão muito expostos à Grécia, mas também o estão os bancos alemães. Os bancos austríacos estão expostos à Itália, e assim sucessivamente. Os resultados seriam catastróficos para a Europa e não somente para a Europa.

92.   Os mercados perderam a confiança nos bancos europeus e ameaçam provocar uma crise bancária não somente na Espanha e Itália, como também na França e na Bélgica. O banco franco-belga Dexia teve que ser nacionalizado em outubro para evitar o colapso. Supunha-se ser este banco um banco “são”. De fato, saiu em décimo-segundo lugar dos 90 principais bancos que se submeteram aos famosos “testes de estresse” da Autoridade Bancária Europeia em julho de 2011. As ações de três bancos franceses despencaram pela preocupação com o grau de exposição à dívida grega. Moody’s rebaixou a qualificação de Crédit Agricole e Société Générale, e deixou um grande sinal de interrogação pendendo sobre BNP Paribas.

93.   Os bancos franceses estão particularmente expostos à Grécia. A dívida acumulada da França é de 1,6 trilhões de euros (83% do PIB). A dívida do Estado está aumentando em 7-8% ao ano, apesar dos cortes. Em 2011, o déficit foi de 150 bilhões de euros. Se isto continua assim, na França se chegará a um colapso geral das finanças, da mesma forma que na Grécia. Foi isto que animou Sarkozy a dizer que “fará tudo o que for possível para salvar a Grécia”. Mas este tipo de “ajuda” é como estar amarrado com arame farpado.

94.   O problema é que, enquanto todos querem salvar o euro, ninguém quer por as mãos nos bolsos. É uma medida do desespero dos líderes europeus o fato de que estejam implorando ao grupo do BRICS – Brasil, Índia, China e África do Sul – para que proporcione o dinheiro para ajudar a resolver suas dificuldades.

95.   Todas estas conversas não levaram a lugar nenhum. Sarkozy viajou à China, onde, de forma cortês, mas firme, foi informado de que a China não estava disposta a ajudar. A razão é que não está segura de que lhe seja devolvido o dinheiro. Em qualquer caso, teme que sua própria economia possa começar a andar mais lentamente, razão porque necessita do dinheiro para se ajudar a si mesma. Como se sabe, a caridade começa na própria casa.

Itália

96.   A chanceler alemã, Angela Merkel, advertiu que a zona do euro se arrisca a um “efeito dominó” se não se unir. “A maior prioridade é evitar uma insolvência sem controle, já que isto não afetaria somente a Grécia, e o risco de que golpeie a todos – ou pelo menos a vários países – é muito grande”, disse ela. “Deixei muito clara minha posição que se deve fazer tudo o que for possível para manter a zona do euro unida politicamente, porque logo teríamos um efeito dominó”.

97.   Estas palavras não são vãs. A crise está se espalhando rapidamente. A dívida da Itália é de 120% do PIB, e coloca a Itália diretamente na linha de tiro dos mercados de bônus. O custo dos empréstimos à Itália alcançou um novo recorde por medo à dívida. Em setembro de 2011, a taxa de juros dos bônus do governo italiano de cinco anos aumentou de 4,93% a 5,6%, mas logo se elevou a impossíveis 7,5%. Se as taxas de juros se mantiverem acima desse nível, então os mercados desenvolverão seu próprio impulso impossível de ser detido.

98.   A Itália é um dos sete principais países industrializados (G-7) e, na zona do euro, sua economia se encontra em terceiro lugar. Uma crise na Itália teria efeitos devastadores no conjunto da Europa. O detonante da incerteza no mercado foi a instabilidade do governo em Roma. Um profundo ceticismo sobre as finanças do país foi o que levou à queda de Berlusconi.

99.   O capitalismo italiano arrastou consigo seus principais rivais. Esta debilidade estava parcialmente oculta pelo auge, mas foi cruelmente desmascarada pela crise econômica e financeira mundial. Desde o início da crise, a Itália somente foi capaz de um crescimento de um ponto percentual ao ano. No primeiro trimestre de 2011, foi somente de 0,1%, muito abaixo da média de crescimento da zona do euro de 0,8%, e sem perspectivas de recuperação. Os investidores, de repente, começaram a se perguntar como pensa o governo italiano pagar suas dívidas.

100.                       Nestas condições, Giorgio Napolitano, presidente da república, fez um apelo à oposição para uma “firmeza nacional”. E, rapidamente, conseguiu o que desejava. Os três partidos da oposição no parlamento se comprometeram a não se interporem no caminho da aprovação de um pacote de medidas de austeridade. Mas o programa de Berlusconi era demasiado pouco para os patrões e demasiado excessivo para os trabalhadores. O parlamento italiano aprovou o pacote de austeridade do governo de Berlusconi de 54,2 bilhões de euros, mas isto foi acompanhado de imediato por manifestações e por uma greve geral no início de setembro.

101.                       A classe dominante sabia, portanto, que não poderia depender de Berlusconi para defender seus interesses e este foi o motivo porque se voltou contra ele. O presidente da república, Giorgio Napolitano, deu o passo e apelou pela renúncia de Berlusconi. Então, nomeou Mario Monti senador vitalício e imediatamente lhe deu a tarefa de formar novo governo. O governo está composto por “tecnocratas” não eleitos: banqueiros, advogados e os chamados técnicos experts. A tarefa de tal governo é a de impor medidas de austeridade draconiana rapidamente. Inicialmente, está desfrutando do apoio de todos os principais grupos políticos no parlamento italiano, exceto o apoio da Liga Norte.

102.                       A forma como Monti foi imposto ao povo italiano como primeiro-ministro é um indicativo de como a crise é séria. A burguesia na Europa está governando países inteiros impondo banqueiros e burocratas da União Europeia sobre eles (Papademos na Grécia foi executivo do Banco Central Europeu), deixando de lado temporariamente as maravilhas da democracia parlamentar burguesa.

103.                       Tal governo, contudo, não pode durar muito, pois carece do que muitos comentaristas burgueses denominam de “legitimidade democrática”. Uma vez que suas medidas se tornem claras para os trabalhadores e jovens, haverá uma reação de massas violenta e o país terá que ir às eleições.

104.                       Sob tais circunstâncias, a burguesia, em dado momento, não terá alternativa senão passar o cálice envenenado para a “centro-esquerda”, cujos dirigentes ex-comunistas estão ansiosos para bebê-lo até as fezes. Os dirigentes da “esquerda” na Itália se comportam como seus equivalentes em todos os países. Tão logo a classe dominante levanta o dedo mindinho, matam-se entre eles para demonstrar aos capitalistas que são “homens de Estado responsáveis” em que se pode confiar para altos postos no governo. Este comportamento vergonhoso pode convencer à classe dominante de que pode confiar na “esquerda” para administrar o capitalismo, mas a classe trabalhadora pagará um preço enorme por esta “responsabilidade”.

105.                       Diversos economistas disseram repetidamente que a “Itália não é a Grécia nem Portugal” e que os “fundamentos econômicos da Itália não estão tão mal”. Pode ser verdade, mas não convencerá aos mercados, dado seu presente estado de nervosismo. Il Corriere della Sera pedia calma: “Não ajuda se excitar por culpa dos especuladores internacionais. Se nos comportarmos com seriedade, nada teremos a temer. Infelizmente, não temos sido sérios até agora. Por isto, os mercados estão pagando”.

106.                       A questão é a seguinte: como pretendem que os italianos devam demonstrar sua “seriedade” em relação aos mercados? A resposta é dada pela Grécia: somente mediante cortes massivos nos padrões de vida. A atual atitude de fria aquiescência se transformará em fúria. As imagens que presenciamos na Grécia replicarão na Itália, apesar de todos os esforços dos dirigentes para evitar isto.

A Alemanha e o euro

107.                       Vinte anos atrás, depois do colapso da URSS, a classe dominante alemã tinha grandes ambições. Sua ideia era que uma Alemanha unificada poderia dominar a Europa, conseguindo com seu músculo econômico o que Hitler não pôde obter por meios militares. Durante as últimas duas décadas, a França foi sendo empurrada para um segundo plano e a Alemanha agora domina a Europa.

108.                       Estas ambições da classe dominante alemã lhe deram o troco. O destino econômico da Alemanha está agora indissoluvelmente ligado à Europa, que mais parece um hospital de doentes terminais. A ideia de uma União Europeia mais unida atrai aqueles setores da classe dominante alemã que ainda albergam ilusões de grandeza. Mas, nos últimos 20 anos, também convenceram a Alemanha de que tais ambições podem ter um preço muito alto. Estas contradições foram desveladas no recente debate sobre a possível criação de “eurobônus”.

109.                       A Alemanha tem um nível mais baixo de dívida que os outros países europeus. Nas últimas décadas, os capitalistas alemães estiveram espremendo implacavelmente os trabalhadores. Durante 1997-2010, a produtividade por hora na indústria alemã subiu 10%, enquanto que os salários foram cortados aproximadamente no mesmo percentual. O efeito total foi o de baratear os custos laborais unitários em 25% em relação aos países da periferia europeia (PIIGS). Embora os trabalhadores alemães ganhem mais que a maioria dos trabalhadores europeus, o índice de exploração é maior. Este é o segredo da competitividade alemã. O problema é que, afinal, se necessita vender os produtos em alguma parte.

110.                       Durante o período de boom, a Grécia – e o restante da Europa – esteve comprando produtos alemães com crédito alemão. Foi um boom de consumo e também um boom de crédito. Os alemães emprestaram muito dinheiro e fizeram muito dinheiro com os juros. Mas tudo isto tem seus limites.

111.                       A força da Alemanha é mais aparente que real. O destino da economia alemã depende do que aconteça no restante da Europa. Se o euro caísse, isto teria um efeito devastador na Alemanha. Espera-se que a Alemanha suporte o peso de toda a Europa sobre suas costas, mas seus ombros são demasiado estreitos para suportar tal peso. Os alemães estão tratando de evitar uma quebra grega, não por altruísmo, mas para salvar os bancos alemães. Esperam evitar que o tumor se espalhe a outros países. Os bancos alemães possuem 17 bilhões de euros da dívida grega, mas têm 116 bilhões expostos na dívida italiana.

112.                       A Alemanha teve que sustentar a Grécia. Simplesmente não tinha alternativa. Contudo, a Alemanha não pode permitir uma quebra espanhola ou italiana. Mas, tampouco, pode resgatar estes países. Em Berlim se está tomando consciência gradualmente de que a rápida expansão da crise econômica ameaça arrastar a Alemanha. Falharam na hora de solucionar a crise grega mediante uma imensa injeção de dinheiro. E não há dinheiro suficiente no Bundesbank para assegurar as dívidas da Espanha e da Itália.

113.                       Devido a isto, a Alemanha se opõe à ideia de “eurobônus”, pois teria que pagar a conta. Também requereria uma nova ronda de negociações sobre o tratado da União Europeia. Isto seria uma experiência muito dolorosa, que, longe de conduzir a uma Europa unida, exporia todas as contradições subjacentes e fricções entre os diferentes estados nacionais. Em vez de criar uma Europa unida, poderia de fato acelerar a bancarrota da União Europeia.

Europa e América

114.                       Quando a Grécia quebrar, imediatamente a questão da extensão do contágio a outros países estará colocada. A Irlanda, Portugal, Espanha e Itália cairão como fichas de dominó. Os bancos entrarão em colapso, começando com os bancos gregos e cipriotas, e logo passando ao sistema financeiro britânico e estadunidense, ambos enfermos. Um colapso econômico na Europa enviaria um tsunami ao longo do Atlântico, fazendo pressão sobre o dólar e ameaçando derrubar a instável estrutura financeira dos EUA.

115.                       Este é o motivo por que os EUA estão acompanhando o desenvolvimento da crise do outro lado do Atlântico com crescente alarme. Estão apressando os europeus à por ordem na casa, mas convenientemente passam por alto o desastre em sua própria casa. Estão sofrendo do “transtorno de falta de atenção”, unido a uma crise de crescimento, elevado desemprego e profunda crise política.

116.                       Os americanos estão pressionando desesperadamente a Alemanha para “fazer mais” para tirar a Europa da crise. Os alemães devem cortar impostos; devem levantar a economia; devem enviar mais dinheiro para a Grécia; devem liderar um estímulo fiscal coordenado do norte da Europa. A Alemanha deve fazer isto e mais aquilo. Mas, quem são os americanos para dizer aos alemães o que têm de fazer?

117.                       O secretário do Tesouro estadunidense, Timothy Geithner, advertiu que a incapacidade da União Europeia de solucionar a crise grega representava uma séria ameaça para a economia mundial. De forma atípica, Geithner participou das conversações entre os ministros de finanças da União Europeia e dos bancos centrais, na Polônia, onde os doutrinou como um professor doutrinaria crianças pequenas. Depois disto, disse que os Estados europeus “agora reconhecem que vão ter que fazer mais” para resolver a crise.

118.                       Sim, dizem os europeus, mas quem vai pagar tudo isto? Somente pode haver uma resposta a esta pergunta: a França e a Alemanha, ou, mais corretamente, a Alemanha, que é, em última instância, o banqueiro da Europa. Àqueles que falaram muito sobre um plano Marshall para a Grécia, agora se exige que acompanhem suas palavras com fatos. Mas isto é mais fácil de dizer que de fazer. De imediato, surgem problemas políticos de difícil solução.

119.                       A analogia com o Plano Marshall de 1948 não é correta. Depois da Segunda Guerra Mundial, os EUA salvaram o capitalismo europeu com uma grande injeção de capital através do Plano Marshall. Contudo, agora as circunstâncias são muito diferentes. Em 1945, os EUA tinham dois terços do ouro mundial em Fort Knox e, portanto, o dólar era “tão bom quanto o ouro”. Então, os EUA eram os maiores credores do mundo; agora, são os maiores devedores do mundo. Longe de correr em ajuda da Europa, Obama está suplicando aos europeus que solucionem seus problemas ou, pelo contrário, a frágil recuperação econômica nos EUA estará gravemente ameaçada.

120.                       Acima de tudo, quando o Plano Marshall foi lançado, a economia capitalista mundial estava entrando em uma fase ascendente que durou quase três décadas. Nenhum destes fatores existe agora. A Alemanha é a potência dominante na Europa, mas não possui as reservas econômicas virtualmente inesgotáveis que desfrutavam os EUA em 1945. Apesar de ser uma economia poderosa, não o é suficientemente para suportar o peso dos déficits acumulados da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e do resto. Mais importante: a Europa e o mundo não estão no início de um longo período de crescimento, mas, pelo contrário, estão no início de uma nova recessão e de um prolongado período de dificuldades econômicas e austeridade.

Os Estados Unidos da América

121.                       Os próprios EUA estiveram à borda do colapso sob o peso de sua dívida pública de 14,3 trilhões de dólares em agosto de 2011, impondo à administração Obama fazer um acordo de último minuto para assim elevar o teto de tal dívida pública. A crise provocou uma ruptura aberta e amarga entre Democratas e Republicanos, os quais representam as diferentes camadas da classe capitalista dos EUA.

122.                       Até há pouco tempo ninguém mencionava as enormes dívidas dos EUA. Mas isto mudou e a agência de qualificação Standard & Poor’s anunciou, em agosto de 2011, que pretendia degradar a qualificação creditícia dos EUA de AAA a AA+. Moody’s também disse que estava considerando cortar a qualificação da dívida do atual AAA, “com base na crescente possibilidade de que o país poderia descumprir o pagamento da dívida pública”.

123.                       Na atualidade, o governo dos EUA tem um déficit orçamentário de 1,5 trilhões de dólares, o qual lhe obriga a emitir dívida na forma de letras do tesouro, bônus e outros valores. Desde a chegada de Obama na presidência dos EUA, em janeiro de 2009, a dívida sofreu um forte incremento de 10,6 trilhões a 14,3 trilhões de dólares. A maior parte desta é dívida da população e o restante se encontra nas contas do governo.

124.                       Esta não foi a primeira vez que o Congresso votou a favor de elevar o teto da dívida, permitindo assim o acesso do governo ao cofre se fosse necessário. Foram dez vezes, desde 2001, que se votou a favor da elevação do teto. Desde maio/2011, o governo federal realizou ajustes no gasto e na contabilidade, bem como uma arrecadação fiscal superior à prevista para poder continuar funcionando. O chefe da Reserva Federal dos EUA, Ben Bernanke, disse que um erro poderia causar uma “grande crise”. Isto é um eufemismo. Uma quebra dos EUA seria um cenário catastrófico para os mercados mundiais de capital.

125.                       Embora os dois partidos burgueses defendam os interesses da classe capitalista, ambos têm ideias diferentes sobre como realizar esta defesa. O Partido Republicano aposta nos cortes profundos. Obama estava disposto a aceitar os cortes, mas, da mesma forma, se propunha apaziguar a classe trabalhadora mediante o aumento de alguns impostos aos ricos. Mas, para os Republicanos no Congresso, isto é um anátema, já que se encontram sob a pressão do fanatismo do “Tea Party”, que não aceita de forma alguma o aumento de impostos. No final, foram obrigados a chegar a um acordo mediante o aumento do teto da dívida, como haviam feito anteriormente. Depois da votação, se chegou ao acordo de realizar ajustes a um custo de mais de um trilhão de dólares em cortes automáticos, que foram provocados pelo fracasso do chamado “Supercomitê” de chegar a um acordo sobre uma redução ainda maior.

126.                       Até agora, o dólar está se mantendo graças a ser considerado como um refúgio “seguro” para o dinheiro em um momento de instabilidade financeira e monetária mundial. Mas se o déficit dos EUA persistir, a confiança no valor do dólar cairá, provocando uma venda massiva de dólares e uma forte queda de seu valor. A Reserva Federal acredita que as probabilidades de uma recessão nos EUA em 2012 são de mais de 50%. Segundo um economista do FED, Travis Berge, “A prudência sugere que dada à fragilidade da economia dos EUA não lhe será fácil suportar as turbulências que chegam através do Atlântico. Uma inadimplência da dívida europeia pode provocar o naufrágio dos EUA e sua passagem à recessão”. É por esta razão que os estadunidenses estão tão preocupados com a Grécia e com o futuro do euro. Até o momento, a atenção dos mercados de capital se concentrou na Europa. Mas, um colapso do euro evidenciaria a debilidade real do dólar.

De Wisconsin a Wall Street

127.                       A crise econômica afeta com força especial os EUA, e terá seus efeitos mais dramáticos ali. Durante a chamada recuperação houve muito poucas contratações. De fato, criaram-se menos empregos que os necessitados simplesmente para atender ao crescimento populacional, e nem falar de se solucionar as necessidades dos mais de oito milhões de empregos que foram perdidos no auge da crise. Durante o terceiro trimestre de 2011, houve 1.226 demissões massivas, significando um total de 184.493 demissões. E isto é considerado como uma melhora em relação ao passado recente.

128.                       O crescimento econômico que se obteve foi produzido através do incremento da exploração da força de trabalho já existente. A extração de mais-valia tanto absoluta quanto relativa aumentou no recente período. Em outras palavras, menos trabalhadores estão trabalhando mais e mais duramente por menos salário. Isto conduz ao crescimento do PIB e a mais lucros. Mas não traz empregos. A cifra oficial de desemprego é de 9%, mas a cifra real é provavelmente o dobro. Milhões sequer são levados em consideração porque deixaram de procurar trabalho. Há cinco estadunidenses por cada posto de trabalho vazio. Isso, sem contar aqueles que deixaram de procurar emprego. 14% dependem agora de cestas básicas, e a pobreza nos EUA se encontra em níveis recordes.

129.                       Ao mesmo tempo, a lista das 500 mais ricas empresas mostra que, em 2010, os seus lucros cresceram em 81%. Estas 500 empresas e suas subsidiárias geraram cerca de 10,8 trilhões de dólares de rendimento, 10,5% mais que em 2009. Isto, sobre um PIB total de 14,7 trilhões de dólares. Isso significa que essas 500 empresas juntas geraram 73,5% do PIB total dos EUA. Assim está concentrada a riqueza na América do Norte. Somente as 10 maiores empresas dessa lista de 500 empregam mais de quatro milhões de trabalhadores.

130.                       Tudo isto explica o colapso do apoio a Obama e aos Democratas nas eleições para senadores e deputados. Existe um descontentamento crescente e está encontrando uma voz e uma expressão prática. Os protestos de massas em Wisconsin mostraram que algo estava mudando nos EUA. Foram atípicas porque normalmente as pessoas somente protestam um dia e voltam para casa. Contudo, inspirados pelos acontecimentos do Egito, os manifestantes se multiplicaram em proporções massivas, com dezenas de milhares nas ruas de Madison, apoiados por bombeiros e policiais, que protestaram em solidariedade, muitos dos quais levavam escritas em seus blusões as palavras: “Policiais pelo emprego”.

131.                       Entre as palavras de ordem gritadas estavam: “Luta como um egípcio!” e “Do Cairo a Madison, trabalhadores uni-vos!”. Em outubro de 2010, a AFL-CIO organizou uma marcha de trabalhadores a Washington D.C. Foi esta a primeira manifestação de trabalhadores nacional desde 1981. Os dirigentes sindicais queriam fazer dela uma marcha pró-Democratas, mas não encontraram eco entre os trabalhadores.

132.                       Posteriormente, os EUA foram sacudidos por manifestações “contra a avidez empresarial”. Esses protestos, organizados pelo movimento espontâneo Occupy Wall Street, está começando a causar preocupação nas fileiras da burguesia. O New York Times Sunday Review apresentava um editorial (oito de outubro de 2011) que vale a pena citar extensamente:

133.                       “Neste ponto, os protestos dão a mensagem: a desigualdade de renda está demolindo a classe média, incrementando as filas dos pobres e ameaçando criar uma subclasse permanente de pessoas sem trabalho, mas capazes e desejosas de trabalhar. De certa forma, os manifestantes, a maioria formada por jovens, estão dando voz a uma geração perdida, sem oportunidades (…).

134.                       Os protestos, se observados detidamente, são mais que um levantamento juvenil. Os problemas dos manifestantes não são mais que a ilustração das formas em que a economia não está funcionando para a maioria dos norte-americanos. Acertam no alvo quando dizem que o setor financeiro, com seus diretores coniventes com os altos encarregados, lucrou e se aproveitou da bolha creditícia que explodiu, custando o emprego, a renda, a poupança e a moradia decente de milhões de americanos. Ao não se dissiparem as más perspectivas, os norte-americanos também perderam sua fé na recuperação.

135.                       “A ira inicial foi canalizada contra os resgates e pela sede do dinheiro de Wall Street dos políticos oficiais, uma combinação envenenada que reafirmou o poder econômico e político de bancos e banqueiros, enquanto que os americanos comuns estão sofrendo”.

136.                       É um mito que o povo dos EUA seja reacionário por natureza. Recordemos o que diz a Bíblia: “Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros”. Isto é dialética pura! Precisamente porque os trabalhadores americanos têm sido politicamente mais atrasados que os europeus, eles podem passar a frente destes.

137.                       A CNBC uivava que os manifestantes “ondeiam suas estranhas bandeiras” e estão “alinhados com Lênin”. Infelizmente, este julgamento é um pouco prematuro. Os manifestantes – pelo menos a maioria deles – não estão ainda alinhados com Lênin. Mas estão aprendendo com a experiência. E alguns golpes da polícia ensinam mais sobre a verdadeira natureza do Estado capitalista que ler O Estado e a Revolução.

138.                       Se os trabalhadores americanos não têm um partido operário de massas, por outro lado não sofrem o peso de uma direção reformista que usa sua autoridade para aplacar os trabalhadores, como no caso da Europa e em outros lugares. Estão viçosos e não carregam os preconceitos reformistas ou estalinistas dos trabalhadores europeus. Os trabalhadores americanos, portanto, podem se desenvolver muito rapidamente quando começarem a se movimentar.

139.                       Isto já se pode ver no movimento Occupy. Um indício do que pode acontecer foi visto no apelo à greve geral em resposta à brutal repressão policial, um passo extremamente positivo e na direção correta, mostrando uma consciência instintiva por parte da juventude sobre a necessidade de se conectar com o movimento organizado dos trabalhadores. Foi a primeira vez, em setenta anos, que a ideia de uma greve geral em nível local foi discutida abertamente por setores do movimento sindical nos EUA.

140.                       O movimento Occupy é de fato a ponta do iceberg de uma corrente muito maior de oposição. A derrota da lei anti-sindical no referendo em Ohio, em novembro de 2011, foi outro indício disto. 61% dos votos contra esta lei representaram uma enorme vitória para o movimento organizado dos trabalhadores, que empenhou seus significativos recursos para ajudar a conseguir o resultado. Isto revela a verdadeira atitude que está se desenvolvendo entre os trabalhadores norte-americanos.

141.                       Marx e Engels levantaram a perspectiva de um partido operário para separar os trabalhadores dos partidos da burguesia. A criação de tal partido será um acontecimento histórico nos EUA. Inclusive com um programa reformista, seria um polo de atração que imediatamente atrairia trabalhadores sindicalizados ou não, jovens, negros, latinos, mulheres e desempregados. Sob as condições de crise social, um partido operário norte-americano pode se mover agudamente à esquerda, desenvolvendo-se rapidamente na direção do centrismo.

Ásia

142.                       Para todo lugar que olhem os capitalistas não encontram solução. A ilusão de que a Ásia poderia salvá-los evapora-se rapidamente. Estão despertando para o fato de que a Ásia, apesar de seu colossal potencial produtivo, não pode cobrir a perda de demanda e produção da Europa e dos EUA. Isto se torna evidente no caso do Japão, que deixou de ser um modelo de desenvolvimento e se tornou um país vitimado pelo estancamento de longa duração, desemprego crescente e contradições sociais crescentes.

143.                       Nos anos 1190, os governos japoneses introduziram uma série de programas de estímulo e foram forçados a realizar inúmeros resgates a bancos, como o de 1998, que custou 500 bilhões de dólares. Desta forma, depois de ter superávit orçamentário em 1991, o país acabou com um déficit de 4,3%, em 1996, e de 10%, em 1998. Em 1995, sua percentagem de dívida em relação ao PIB esteve em 90%. Hoje tem uma dívida de 225% em relação ao PIB, e sua economia foi golpeada severamente pelo terremoto, embora já estivesse caindo antes disso.

144.                       O Japão passou de um nível de crescimento anual médio de 10%, nos anos 1960, a 5%, nos anos 1970 e 1980, acabando finalmente com quase crescimento zero, depois da crise de 1997. No mesmo período, o nível geral de desemprego foi de 1,5% a 2,5%, até chegar ao nível atual de 5%. Contudo, para a juventude, a situação é muito pior. O desemprego para os que têm entre 15 e 24 anos de idade saltou a 10,55%, em 2010.

145.                       Também houve um alto grau de precarização no mercado de trabalho japonês. Mas de 40% da força de trabalho do país agora somente trabalha em tempo parcial. Muitos trabalhadores estão agora empregados com contratos de períodos curtos. Longe estão os dias do trabalho para toda a vida, que foi o elemento-chave que permitiu estabilidade social e política durante um longo tempo.

146.                       Como consequência, estão começando a tirar conclusões políticas, particularmente por parte da juventude. Isto está conduzindo ao crescimento dos protestos juvenis e a um maior interesse na literatura de esquerda. Um comic mangá, baseado em O Capital de Marx se tornou best-seller. E o Partido Comunista, com seus mais de 400 mil membros, atraiu milhares de jovens a suas fileiras.

China

147.                       No passado, a China proporcionou ajuda a uma economia mundial que enfrentava a estagnação e a recessão. A China já não pode mais fazer isto. A economia chinesa, embora ainda mantenha altos níveis de crescimento, está mostrando sinais de debilidade. Isto acarreta sérias implicações políticas e sociais. Os marxistas entendem que o rápido crescimento da economia chinesa nos últimos tempos fortaleceu enormemente à classe trabalhadora. A camarilha dirigente chinesa evitou uma explosão social porque o crescimento constante das forças produtivas deu esperanças às pessoas de melhoras no futuro. Mas, agora, todas as contradições estão subindo à superfície.

148.                       Depois de um longo período de crescimento muito rápido, a China mostra sinais de desaceleração. Por três trimestres seguidos (de janeiro a setembro de 2011), na comparação anual o crescimento se desacelerou, enquanto o governo, preocupado com os crescentes níveis de inflação, restringiu o crédito e elevou as taxas de juros. O problema surge do fato de que a demanda de mercadorias chinesas nos EUA e na Europa se debilitou.

149.                       O principal problema é que as economias de rápido crescimento na Ásia têm que vender seus produtos no mercado mundial. A China ainda tem uma taxa relativamente alta de crescimento. Suas indústrias continuam produzindo produtos baratos em massa. Contudo, a China deve exportar para continuar produzindo. Onde está o mercado para estes produtos se a economia dos EUA e da Europa se encontram deprimidas?

150.                       Como comentou John W. Schoen, o editor da nova página de msnbc.com, em setembro de 2011:

151.                       “Os responsáveis pela formulação de políticas na China, a terceira maior economia do mundo depois dos EUA e da União Europeia, enfrentam seu próprio conjunto de decisões difíceis. Uma rápida taxa de crescimento disparou a inflação, que está avançando para uma taxa de dois dígitos, segundo os analistas – muito superior às metas oficiais. Para conter a inflação, Pequim elevou as taxas de juro cinco vezes e elevou os requisitos de reserva dos bancos nove vezes desde outubro (2010). Se se aperta com demasiada força, contudo, uma profunda desaceleração econômica poderia reverter os esforços da China para tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza.

152.                       “A China também está enfrentando uma ressaca bancária própria, depois de anos de empréstimos governamentais massivos para a expansão de empresas de propriedade estatal e para o melhoramento da infraestrutura.

153.                       “Há um sistema de dois níveis dentro da China, e penso que o crédito, que está sendo oferecido, e a percentagem de morosidade se encontram agora em nível preocupante. David McAlvany, diretor-executivo do Grupo Financeiro McAlvany, disse à cadeia de televisão CNBC: ‘Afinal, (os bancos da China) terão que receber o que merecem’” [O segundo ato da recessão será pior que o primeiro – http://bottomline.msnbcmsn.com/news/2011/09/22/7900826-recessions-second-act-would-beworse-de-la-primera, por John W. Schoen, O Produtor mais antigo, 22 de setembro de 2011].

154.                       As autoridades chinesas revelaram que não haviam entendido a magnitude da crise que explodiu em 2008 nos países capitalistas avançados. Eles a viram como uma recessão que logo terminaria e, portanto, puseram em prática as políticas corriqueiras correspondentes. Em 2008, o pacote de estímulo de 586 bilhões de dólares foi introduzido com o objetivo de manter o dinamismo da economia chinesa, criando uma maior demanda interna enquanto os mercados de exportação se contraíam. Isto, contudo, se obteve a preço alto, com um aumento significativo da dívida pública do governo central. A dívida pública chinesa cresceu muito lentamente no passado, a partir de zero% do PIB, em 1978, a em torno de 7%, em 1997, e a quase 20% do PIB, em 2003. Contudo, como consequência do gasto público face à crise mundial do capitalismo, a dívida disparou a 37%, em 2010.

155.                       Como informou o Global Post em oito de julho de 2011:

156.                       “Os bancos da China estiveram se comprometendo em empréstimos arriscados ‘fora do balanço’, algo que lembra as trapaças de Enron. Na semana passada, Pequim lançou uma auditoria nacional que revela que os governos locais devem aproximadamente 1,65 trilhões de dólares em empréstimos pendentes. Nesta semana, Moody’s indicou que o problema é muito pior, em cerca de 540 bilhões de dólares. E isso é somente a dívida dos governos locais. Não inclui os enormes compromissos do governo central ou aqueles dos bancos que são garantidos essencialmente por Pequim. Mesmo para uma economia milagrosa como a da China, isso é dívida demais”.

157.                       No mesmo artigo, Victor Shih, expert em economia da China sediado nos EUA, em resposta à pergunta “Qual o tamanho da dívida chinesa? explicou o seguinte:

158.                       “Isso depende do que for incluído. Grandes setores da economia chinesa são de propriedade do governo. A dívida das empresas de propriedade estatal é o que se denomina de ‘passivo contingente’ e, em última instância, é de responsabilidade do governo. Se você conta todos esses passivos, então obterá um número extraordinariamente alto, algo assim como 150% do PIB chinês, ou mais.

159.                       “Uma definição mais restrita é a dívida contraída, seja pelo governo central ou pelos governos locais. Esta é em torno de 80% do PIB chinês”.

160.                       Seja como for, com o incremento do gasto público, a China aumentou seu nível de dívida pública de maneira significativa. No momento, isto proporcionou estímulo e permitiu à economia manter um alto nível de crescimento. Mas isto não pode continuar para sempre. A dívida da China continua sendo baixa em comparação com a de países como o Japão, os EUA e vários países europeus, mas está aumentando. Enquanto a economia chinesa se mantiver crescendo, pode financiar este nível de dívida, mas se há alguma desaceleração significativa, então todas as contradições da situação emergirão.

161.                       Além da futura crise financeira que será provocada por tudo isto na China, também está o fato de que o crescimento da economia gerou uma enorme e crescente desigualdade: a China “comunista” é um dos países mais desiguais da terra. Um pequeno número chegou a se tornar muito rico, mas as condições de milhões de trabalhadores se assemelham às da Grã-Bretanha nos tempos de Charles Dickens. Isto deu lugar a tensões insuportáveis, que se refletem no aumento dos suicídios de trabalhadores jovens, nas greves e nos distúrbios camponeses.

162.                       Altas taxas de crescimento não devem ser consideradas como garantia de estabilidade social. O Egito cresceu a uma média de 5,5% ao ano desde 2003, e em alguns anos a taxa de crescimento foi superior a 7%. Este rápido crescimento coincidiu com a maior onda de greves desde a Segunda Guerra Mundial e terminou na revolução. Eis aqui algumas lições para a China no futuro. As autoridades estão preocupadas. Durante a Revolução Egípcia, os censores chineses apagaram “Egito” dos monitores de busca. A China investiu na criação de uma enorme polícia da Internet que monitora o que as pessoas estão fazendo quando navegam.

163.                       Pensam que podem deter a possibilidade de as pessoas saberem sobre revoluções em outros países, que podem evitar que as pessoas tirem conclusões revolucionárias sobre a situação da China. Mas a questão é que o que dará lugar a levantamentos revolucionários na China são as condições de vida dos trabalhadores e dos camponeses chineses, e nenhuma quantidade de polícia da Internet pode ocultar isto do povo chinês.

164.                       A inflação está acima de 6%, suficientemente alta por si mesma, mas a inflação dos preços dos alimentos supera 13%. A compra de alimentos representa mais de um terço dos gastos mensais do consumidor chinês em média. A alta inflação persistiu, apesar das medidas do governo. Medidas como a restrição da quantidade de dinheiro que os bancos podem emprestar e a elevação das taxas de juro cinco vezes desde outubro de 2010 não produziram os efeitos desejados.

165.                       Um regime totalitário se assemelha a uma panela de pressão com uma válvula de segurança acoplada. Pode explodir repentinamente, sem aviso prévio. Embora seja difícil obter informação precisa, os informes publicados, que minimizam a verdadeira situação, indicam que o descontentamento na China se torna cada vez mais frequentes. A cada ano, a China experimenta dezenas de milhares de greves e protestos camponeses e outras alterações da ordem pública, a miúdo vinculadas à ira gerada pela corrupção oficial, aos abusos do governo e ao confisco ilegal de terras para o desenvolvimento.

166.                       Os preços dos alimentos são de particular interesse para o governo chinês, visto que afetam diretamente a vida de milhões de trabalhadores e camponeses no país. Os líderes do Partido “Comunista” temem que isto possa causar mal-estar social, já que os trabalhadores sofrem as consequências do aumento dos preços. Agudos enfrentamentos surgirão inevitavelmente entre os estratos econômicos e políticos dirigentes e as massas.

167.                       A crise da economia global levou à queda dos lucros e dos investimentos, situação que se agrava pelo enxugamento do crédito. Isto obriga a muitas fábricas a recorrer à solicitação de créditos não oficiais a taxas de juros usurárias. Enfrentam a opção de pagar estas taxas ou de reduzir os salários. O resultado é a redução dos salários ou mesmo a interrupção total do pagamento de salários.

168.                       Em novembro de 2011, o governador interino da província de Guangdong disse que as exportações da província no mês de outubro caíram 9% em relação ao mês anterior. Os líderes provinciais também estão lidando com protestos generalizados de agricultores pelas tomadas de terras. As fábricas estão reduzindo as horas extras das quais os trabalhadores dependem para complementar seus baixos salários básicos. Aconteceram greves e manifestações em fábricas de automóveis, de calçado e de computadores em Shenzhen e Dongguan, dois centros fundamentais de exportação na província sulista de Guangdong.

169.                       A Academia Chinesa de Ciências Sociais estimou que houve mais de 90 mil “incidentes de massas” em 2006, com incrementos posteriores nos anos subsequentes. A classe dominante está se preparando para o mal-estar social em escala muito alta. A China aumentou o orçamento da segurança nacional em 13,8%, em 2011, alcançando 624,4 bilhões de yuanes (59 bilhões de libras). Pela primeira vez em sua história, agora a China gasta mais na manutenção da ordem interna que em sua defesa.

170.                       Isto indica que eles estão bem conscientes do perigo de que estas queixas generalizadas eventualmente explodam numa explosão como a que varreu os regimes da Tunísia e do Egito. Acontecimentos explosivos na China podem ocorrer quando menos se esperar. Temos que estar preparados para isto.

Índia

171.                       A população total da Índia foi medida pela última vez em 1,2 bilhões de pessoas, em 2010, comparados aos 434 milhões em 1960, aumentando em 178% durante os últimos 50 anos. A Índia tem 17,54% do total da população mundial, o que significa que uma de cada seis pessoas no planeta é um habitante da Índia. Junto com a China, está destinada a desempenhar papel decisivo no futuro da Ásia e do mundo.

172.                       Da mesma forma que o Brasil e a China, a Índia logrou altas taxas de crescimento graças ao auge do comércio mundial. Contudo, isto não resolveu nenhum dos problemas da sociedade hindu. Isto deu lugar a um grande aumento na desigualdade, com uma elite privilegiada se enriquecendo, enquanto que as massas permanecem mergulhadas no mar espantoso da miséria.

173.                       Na última década, acrescentaram-se aproximadamente 159 milhões à população em idade de trabalhar, mas somente 65 milhões obtiveram algum emprego. A produção e o consumo per capita de alimentos foram diminuindo no médio prazo, e a desnutrição de grande parte da população se encontra em níveis comparáveis aos da África Subsaariana. Quase a metade de todas as crianças menores de cinco anos sofre de desnutrição de moderada a severa; um terço dos adultos sofre de deficiência crônica de energia. Uma nova medida de “pobreza multidimensional” (que leva em conta as privações na nutrição, a mortalidade infantil, a educação, a matrícula escolar, a eletricidade, as condições de higiene, o consumo de água potável, as condições do solo das moradias, o combustível para cozinhar e os ativos ou bens) chega à conclusão que há mais pessoas pobres em somente oito Estados da Índia do que em toda a África subsaariana.

174.                       Este é o cenário depois de duas décadas de “reformas econômicas”, que foram anunciadas com bandas de música como a modernização da Índia e sua transformação em um “tigre” econômico. Como resultado de 20 anos de apertura completa da economia à penetração imperialista, hoje, as 100 pessoas mais ricas da Índia são proprietárias de ativos por um valor de um quarto do PIB do país, enquanto que mais de 80% da população vive com menos de 50 centavos de dólar ao dia. Mais de 250 mil agricultores, levados ao desespero por um círculo vicioso de pobreza e dívida, cometeram suicídio. Esta obscena desigualdade é o que os defensores do livre mercado descrevem como “progresso”. E, agora, a crise mundial começou a afetar a Índia.

175.                       A rúpia caiu a um mínimo histórico. Caíram 15% no segundo semestre de 2011 e a queda não mostra sinais de interrupção. O declínio da rúpia esta elevando os custos de importação de materiais, componentes e maquinaria para as empresas hindus. Uma queda futura conduzirá a um incremento na inflação, especialmente no combustível, que é importado em 80%. O Banco da Reserva da Índia (RBI) elevou as taxas de juros 12 vezes, desde março de 2010, de 4,75% a mais de 8%. A inflação em julho de 2011 foi de 9,22%, muito acima da meta do RBI que era de 4 a 4,75%. Os preços dos alimentos estão aumentando ainda mais rápido. Os 40% mais pobres da Índia gastam 65% de sua renda em alimentos. Com os preços dos alimentos aumentando como estão fazendo agora, muitas pessoas enfrentarão a desnutrição ou a inanição.

176.                       Uma combinação de queda da demanda mundial, aumento da inflação e mais elevadas taxas de juros demonstrará ser fatal para a tão festejada expansão econômica da Índia. Isto se refletirá no aumento do desemprego e na queda dos padrões de vida. Milhões de pessoas serão condenadas ao desemprego, subemprego, à venda de mercadorias nas ruas ou a simples inanição.

177.                       Houve uma onda de descontentamento operário em muitas partes da Índia, como a greve dos trabalhadores na planta de Tecnologias Automotrizes Comstar de Maraimalai Nagar, em Tamil Nadu; a greve de dois mil e quinhentos trabalhadores do conglomerado alemão de engenharia Bosch, em Bombaim; e a greve selvagem dos trabalhadores do porto de Madras (Chennay), para protestar pela morte de um colega em um acidente nos cais. Os trabalhadores da planta de Maruti Suzuki, em Manesar, chegaram a uma importante vitória depois de uma longa e amarga greve de duas semanas pelo reconhecimento sindical.

178.                       Os partidos existentes não oferecem nenhuma solução. Haverá eleições regionais em 2012, em Uttar Pradesh, Gujarat, Punjab, Manipur, Uttarakhand e Goa. O governo do Congresso enfrenta possível derrota, mas o BJP (Bharatiya Janata Party) também é impopular. Os partidos comunistas, aos olhos de muitos trabalhadores e da juventude, se desacreditaram por suas políticas reformistas e de colaboração de classes.

179.                       O desespero das massas se revela pela proliferação da insurgência maoísta, que agora está ativa em muitos Estados. Em 2010, houve vários atentados importantes dos maoístas, entre eles o descarrilamento de um trem que causou a morte de mais de 150 civis; outro ataque que causou a morte de 26 policiais e dezenas de outros que causaram a morte de montes de oficiais da segurança e civis. Os ataques maoístas continuaram em 2011, incluindo o desmembramento de 10 funcionários da polícia no Estado de Chhattisgarh. Apesar da repressão militar, das detenções, torturas e massacres, não houve avanços na prevenção de atentados dos maoístas.

180.                       A Índia não é a única economia da Ásia a experimentar uma desaceleração do crescimento. Oito das moedas mais negociadas da Ásia caíram em 2011, o que reflete a forte dependência do setor das exportações aos EUA e à Europa. A perspectiva é de crescimento mais lento, aumento do desemprego, queda dos padrões de vida e mais luta de classes em todos os países da Ásia.

Paquistão

181.                       Depois de mais de seis décadas de independência formal, a corrupta burguesia paquistanesa demonstrou sua incapacidade total para desempenhar um papel progressista. A situação do Paquistão é muito pior que a da Índia. Na verdade é um absoluto desastre.

182.                       Segundo fontes do Ministério da Fazenda, durante o primeiro trimestre (julho-setembro) do ano fiscal em curso (2011-2012), o investimento estrangeiro dos países desenvolvidos se reduziu em enormes 83% e o país somente recebeu um investimento externo de 50,1 milhões de dólares. Em termos numéricos, esta cifra indica uma diminuição de 241,8 milhões.

183.                       O déficit do comércio internacional do Paquistão aumentou em 31,38% nos primeiros quatro meses de 2011 sobre o ano anterior, devido ao maior aumento da história nas importações e a uma queda nos ganhos de exportação. Como resultado, o déficit comercial alcançou os 6,871 bilhões de dólares, entre julho e outubro de 2011, em relação aos 5,23 bilhões de dólares alcançados no período correspondente de 2010. O déficit por conta corrente se ampliou a 1,21 bilhões de dólares no período julho-setembro de 2011, em comparação com 597 milhões de dólares no mesmo período de 2010.

184.                       A dívida total do país é de 66,4% do PIB. Segundo as cifras dadas a conhecer pelo Banco Central, o passivo total da dívida do Paquistão no ano fiscal 2010-2011 (FY11), que inclui dívida interna, externa e a dívida das empresas do setor público (PSEs), se situou em assombrosos 12 trilhões de rúpias ou 139,5 bilhões de dólares.

185.                       Segundo as cifras oficiais, a população projetada para o ano de 2015 é de 191 milhões de habitantes, acima da cifra atual de aproximadamente 170 milhões, fazendo do Paquistão a sexta nação mais povoada da Terra. Cada homem, mulher e criação paquistanesa estão endividada nada menos que com 61 mil rúpias, enquanto que o governo do Paquistão (GOP) continua se endividando fortemente. Dentro em pouco, o Paquistão não será capaz de cumprir com os compromissos de seus 60 bilhões de dólares de dívida externa. A fim de evitar uma bancarrota imediata, Islamabad terá que recorrer à emissão de dinheiro, o que conduzirá a uma maior inflação.

186.                       De acordo com o Índice Legatum de Prosperidade 2011, a Etiópia, Zimbabwe e República Centro-africana são os únicos três países em pior situação que o Paquistão. Seu “Sub-índice de Seguridade e Proteção” assinala que o Sudão é o único país em piores condições que o Paquistão. Seu “Sub-índice de Educação” mostra que a República Centro-africana, Mali, Sudão, Etiópia e Nigéria são os únicos cinco países em pior situação que o Paquistão. Segundo o índice de Estado em Falência de 2011, inclusive países como Ruanda, Burundi, Etiópia e Birmânia se encontram agora em melhor situação que o Paquistão.

187.                       Quatro de cada dez paquistaneses caíram abaixo da linha de pobreza: estima-se que 47,1 milhões de paquistaneses estão vivendo na pobreza extrema. Nos últimos três anos, uma média de 25 mil paquistaneses caiu, a cada dia, na pobreza extrema.

188.                       As taxas de desnutrição são altas e em escalada alarmante, e costumam estar vinculadas a 50% das mortes de bebês e crianças. Há um médico – raramente acreditado – para cada 1.183 pessoas. A taxa de alfabetização do Paquistão se situa em 57%, a qual, apesar dos exageros oficiais, é uma das mais baixas do mundo. O Paquistão ocupa o posto 142 de 163 países no que se refere à percentagem de seu orçamento destinado à educação, segundo os indicadores.

189.                       Washington necessita do apoio de Islamabad para sua guerra no Afeganistão. Contudo, não confia nos líderes do Paquistão – nem nos políticos nem nos militares. Levou o exército do Paquistão a uma guerra sangrenta nas regiões fronteiriças, que nunca estiveram sob o controle do governo de Islamabad. Envia seus drones [aviões não tripulados] armados para bombardear as zonas tribais no interior do Paquistão e que matam muitos civis que nada têm a ver com os terroristas. Não informou ao governo do Paquistão ou ao exército paquistanês da operação que deu morte a Bin Laden. Definitivamente, trata o Paquistão e ao seu governo com a mesma arrogância imperialista que os britânicos demonstraram nos tempos do Raj.

190.                       A fatal participação do Paquistão no Afeganistão serviu para destruir qualquer aparência de estabilidade política que antes existia. O Estado está profundamente fraturado e minado pela corrupção, pelo tráfico de drogas e pelos conflitos e aniquilação interna entre diferentes setores do exército e do ISI. O assassinato de Bin Laden pelos estadunidenses em território paquistanês aflorou imediatamente todos estes conflitos à superfície.

191.                       Zardari é um títere obediente dos estadunidenses, mas está obrigado a caminhar sobre uma muito instável corda frouxa para permanecer no poder. O governo do PPP, corrupto e venal, é extremamente instável. Zardari está tratando de se equilibrar entre os diferentes elementos no aparato estatal e o imperialismo estadunidense. É odiado pelas massas, mas não vêem alternativas. Os militares, que no passado teriam interferido, estão divididos e com medo de tomar o poder nestas circunstâncias. Esta peculiar combinação de circunstâncias é a razão pela qual a situação atual se prolonga. Quanto tempo pode continuar, é outro assunto.

192.                       A extrema instabilidade social reflete o enorme crescimento do descontentamento que ferve sob a superfície. Isto apresenta grandes oportunidades para a Tendência Marxista, que, apesar de todas as espantosas dificuldades objetivas, está crescendo de forma constante em número e em influência. A situação é extremamente explosiva e pode mudar muito repentinamente. Uma nova edição de 1968 está implícita em toda a situação. Esta se apresentará a nossa organização com grandes desafios, mas também com enormes oportunidades.

Afeganistão

193.                       Dez anos de ocupação estadunidense no Afeganistão não conseguiram nada, exceto desestabilizar toda a região. O que conseguiram? A intenção real era a de fazer da Ásia Sul-Central uma esfera de influência estadunidense. Em troca, criaram uma situação caótica não somente no Afeganistão, mas também no Paquistão.

194.                       Esta situação absorveu todos os Estados vizinhos: Paquistão, Índia, China, Rússia e Irã. Todos estão intrigando, manobrando e competindo para tomar o controle quando os norte-americanos se forem. Em seu recente discurso sobre a guerra, o presidente Obama, numa frase que se ouve com frequência em Washington, esteve apresentando Afeganistão como uma vitória. Na prática, os EUA estão empantanados em um conflito que não podem ganhar.

195.                       Quando os EUA completarem sua retirada do Afeganistão, Washington espera que alguma aparência de equilíbrio militar e econômico possa ser restaurada, de forma que o progresso a uma solução política possa se realizar. Mas, este é um sonho utópico.

196.                       No primeiro dia de novembro, o presidente Hamid Karzai agradeceu ao general Stanley McChrystal, ex-comandante estadunidense das tropas da OTAN no Afeganistão, por uma missão que ele caracterizou de sincera e valente, e por todos os esforços e serviços durante seu mandato. Karzai sabe que uma vez que o exército dos EUA deixe o Afeganistão, seus dias estão contados. Mas, ao mesmo tempo em que trata de congratular-se com os norte-americanos, também está secretamente comprometido em negociações com os talibãs e os iranianos. Isto demonstra a natureza completamente inviável da situação.

197.                       Embora os EUA se vejam obrigados a abandonar o Afeganistão com o rabo entre as pernas, deverão reter uma força militar suficiente para fortalecer o regime de Cabul e evitar uma nova tomada do controle por parte dos talibãs. Também quer conservar sua capacidade de atacar as bases terroristas em qualquer lado da linha Durand. Esta é a receita para uma maior instabilidade no Afeganistão e no Paquistão. Os acontecimentos no Paquistão e na Índia, por seu lado, afetarão a situação no Afeganistão. Estes países estão agora totalmente interdependentes.

198.                       O conjunto da Ásia Central foi desestabilizado pela queda da União Soviética e pela intervenção dos EUA no Afeganistão. A colossal turbulência na região foi demonstrada pelo levantamento popular no Turquimenistão e, sobretudo, pela onda de greves no Cazaquistão, o que demonstra o potencial revolucionário do proletariado, inclusive nas mais difíceis condições. Acima de tudo, o destino da região inteira estará determinado na perspectiva de uma revolução no Irã e na China.

África

199.                       O movimento revolucionário das massas árabes naturalmente teve um grande impacto na África subsaariana, inspirando as massas que, durante décadas, foram obrigadas a viver nas condições mais desesperadoras. Imediatamente depois do início da primavera árabe, viram-se erupções de descontentamento das massas em muitos países da África Subsaariana, particularmente em Burkina Faso, Senegal, Malawi, Zâmbia e Suazilândia, contudo, erupções menores se produziram em todos os países africanos e, em geral, o nível de tensão entre as massas e seus governantes se incrementou significativamente.

200.                       Três países podem ser assinalados como de importância estratégica principal na África: Egito, Nigéria e África do Sul. Isto se deve ao fato de terem grandes populações e economias relativamente desenvolvidas, com um proletariado importante. O Egito é tratado em outra seção deste documento sobre a revolução árabe, mais abaixo, por isso nos referiremos à Nigéria e à África do Sul, para por de relevo os processos gerais que estão se desenvolvendo.

201.                       Na Nigéria, que com 170 milhões de habitantes é o país mais habitado da África, as contradições sociais são evidentes. Apesar de que a economia nigeriana venha crescendo oficialmente acima de 6% nos últimos cinco anos, a taxa de pobreza continua subindo e o desemprego juvenil aumentou até 47%, o que não tem precedente. Isto é uma receita pronta e acabada para a luta de classes. Os trabalhadores nigerianos se mobilizaram repetidas vezes em várias greves gerais e manifestações de massas. O maior problema tem sido a ausência de uma direção política que leve as lutas mais longe.

202.                       Em anos recentes a pressão pela criação de um partido político de massas empurrou certos elementos dentro da burocracia sindical a formar o Partido Trabalhista Nigeriano. Mas os dirigentes dos sindicatos, temendo não poder controlar o desenvolvimento de tal partido, não puseram todo o seu empenho nele. Por isto, o Partido Trabalhista, apesar de contar com um grande potencial, continua sendo uma organização muito pequena e não desempenha um papel significativo em nível nacional. A organização que a massa dos trabalhadores continua olhando é o Congresso Nacional do Trabalho (Nigerian Labour Congress), a maior federação sindical do país.

203.                       Isso ficou claro no movimento de massas que explodiu em janeiro, desencadeado pelo plano governamental de eliminar os subsídios dos combustíveis. Este mo0vimento que chegou a uma greve geral de cinco dias foi diferente de outros movimentos de protesto no passado.  As manifestações foram de centenas de milhares, acompanhadas po9r eleição de Comitês de Bairro em algumas regiões, o que indica que as massas estavam tentando tomar seu futuro nas próprias mãos. Tendo em conta o vazio político que existe na esquerda, na medida em que o Partido Trabalhista acabou reduzido a uma carta de pressão nas mãos de um punhado de elementos burgueses, a Frente de Ação Comum (FAC) e LASCO assumiram uma importância maior para os jovens e trabalhadores mais avançados. Isto indica o processo de radicalização que se está produzindo como em todos os países do mundo. O que presenciamos em janeiro se pode considerar como as primeiras salvas de tiro da revolução nigeriana. Claramente os trabalhadores nigerianos foram inspirados pelos movimentos nos países árabes e nas condições atuais a desconvocatória da greve geral não será o final do movimento. Novos estalidos da luta de classes são inevitáveis no período que se aproxima. Apesar dos avanços que ocorreram em toda a África, a chave para o continente continua sendo a África do Sul, a potência industrial mais marcadamente avançada. Dezesseis anos depois da queda do regime da Apartheid, as massas sul-africanas não viram ainda uma mudança real em suas vidas. Embora a África do Sul disponha com segurança de imensos recursos minerais, 31% da população em idade de trabalhar estão desempregados. Entre os jovens, a taxa de desemprego supera 70% e aproximadamente um quarto da população vive com menos de 1,25 dólares ao dia.

204.                       Sob estas circunstâncias, as massas sul-africanas estão se radicalizando progressivamente. Em 2010, 1,3 milhões de trabalhadores do setor público foram à greve e centenas de milhares mais aderiram. Esta tendência de greves massivas continuou durante o verão de 2011, com centenas de milhares de trabalhadores metalúrgicos e de outros setores industriais indo à greve durante várias semanas. Ao mesmo tempo, nos municípios da África do Sul está fermentando o descontentamento e as revoltas de massas se sucedem em um ritmo quase mensal de uma cidade para outra, protestando contra os cortes e a inconsistência na distribuição de serviços básicos, bem como a crescente corrupção que obstrui todas as partes da sociedade sul-africana.

205.                       A pressão vinda de baixo começa a se refletir na aliança tripartite entre o ANC, SACP e COSATU. Nos últimos anos começou a se desenvolver uma divisão entre os setores da aliança mais próximos ao aparato do Estado e os setores mais próximos aos trabalhadores e à juventude. Este processo se refletiu especialmente nos avanços da Liga Juvenil do ANC (ANC Youth League, ANCYL), cujo dirigente populista, Julius Malema, virou radicalmente à esquerda. Em anos recentes, Malema impulsionou a ideia da nacionalização da mineração na África do Sul, uma ideia que formava parte da Freedom Charter, vista por muitos como o programa da Liga Juvenil do ANC. A juventude respondeu entusiasticamente a este chamado. Também os dirigentes de COSATU se posicionaram a favor, mas, ao mesmo tempo, a proposta encontrou feroz oposição das direções do ANC e SACP.

206.                       Em junho de 2011, no congresso do ANCYL, foi adotada como parte do programa a nacionalização dos setores estratégicos e das grandes alavancas da economia. Isto é um indicador de quão madura se encontra a situação para as ideias socialistas revolucionárias.

207.                       Em geral, o sistema capitalista não tem nada a oferecer às massas africanas, exceto inflação crescente, desemprego e níveis de pobreza desesperantes. 50% dos africanos vivem com menos de 2,5 dólares ao dia. Estima-se que o perfil do pobre médio na África Subsaariana sobrevive com somente 70 centavos ao dia e era mais pobre em 2003 que em 1973. A crise atual do capitalismo está agravando a situação e sob estas condições as massas do continente estão começando a tirar conclusões e se movendo à esquerda. Desempenharão um importante papel no movimento geral à revolução mundial.

A Revolução Árabe

208.                       A Revolução Árabe é um marco fundamental na história. Demonstra o quão rápido podem se desenvolver os acontecimentos. As revoluções na Tunísia e no Egito pareceram acontecer de repente, sem aviso prévio. Pelo menos, foi o que pareceu à burguesia. O problema é que os chamados experts da burguesia não compreendem nada em absoluto. Os economistas, políticos e jornalistas não preveem nada e não podem explicar nada.

209.                       O empirismo burguês é incapaz de entender os processos que se gestam no subsolo. Somente o método do materialismo dialético pode prover uma explicação científica deles. O marxismo explica como as coisas podem e se converterão bruscamente em seu contrário. A teoria marxista nos provê da superioridade da previsão sobre o susto.

210.                       Os árabes foram apresentados como passivos, apáticos, atrasados e submissos. Mas também diziam exatamente a mesma coisa sobre os russos antes de 1917. Aqui, os preconceitos raciais se juntam a uma visão superficial e não científica da história. Podem se encontrar os mesmos tipos de preconceito em alguns proclamados marxistas que sempre se queixam da chamada baixa consciência das massas. Para esta gente, a dialética sempre será um livro fechado a sete chaves.

211.                       Os eventos no Oriente Médio e no norte da África não são fenômenos isolados e sim parte de um processo global. A Revolução Árabe foi a antecipação do que ocorrerá também na Europa e na América do Norte. Até este momento, a situação estava mais avançada na América Latina, mas os ventos tunisianos mudaram a perspectiva.

212.                       Em questão de semanas, a Revolução Árabe saltou de um país a outro. O impacto foi sentido por milhões de trabalhadores e jovens comuns em torno do mundo, que foram capazes de ver como se desenvolvia a revolução diante de seus próprios olhos. Neste contexto, ocorreram cenas dramáticas e inspiradoras de milhões de pessoas se mobilizando, se organizando e dispostas a enfrentar a morte com o objetivo de mudar a sociedade. Pela primeira vez em décadas, a ideia revolucionária deixou de ser uma mera abstração e tomou um aspecto muito concreto.

213.                       Isto confirma tudo o que dissemos no passado sobre o caráter internacional da revolução e o papel dirigente da classe trabalhadora. Também confirma a necessidade de uma direção revolucionária para que a revolução possa triunfar. Como já dissera Trotsky sobre os trabalhadores espanhóis nos anos 1930, os trabalhadores tunisianos e egípcios poderiam haver feito não somente uma, mas dez revoluções. O que faltava era a direção revolucionária. Isto significará que a Revolução Árabe tomará um caráter prolongado e convulso, passando por muitas etapas.

214.                       No Egito e na Tunísia a derrubada de Mubarak e Ben Ali foi um grande passo a frente. Mas somente foi o primeiro passo. O que se necessita é a derrubada do próprio regime, não unicamente do indivíduo que está à cabeça. A demanda de confisco da riqueza destes parasitas, bem como dos imperialistas que os apoiavam, enlaça demandas democráticas com demandas socialistas.

215.                       Com sua surpreendente valentia e espírito de sacrifício, o maravilhoso proletariado revolucionário egípcio lembra Barcelona em 1936, quando os trabalhadores se levantaram espontaneamente sem partido, sem direção, sem programa, sem um plano e esmagaram os fascistas quase que com as mãos vazias. As massas nunca têm um plano pré-concebido quando explode a revolução.

216.                       A revolução já conseguiu muito. Um elemento importante na equação foi o papel das mulheres, que é sempre um claro sinal de que a revolução despertou as massas. A divisão religiosa e de gênero, linguística e nacional foi rompida. A união envolve um maior espectro das massas na luta.

217.                       O papel dos fundamentalistas islâmicos e da Fraternidade Muçulmana nesses eventos foi deliberadamente exagerado pela mídia ocidental. De fato, são pilares do regime, usados pelos imperialistas, convenientemente, como espantalhos. Sob a pressão das massas, as organizações islâmicas já começaram a se dividir em linhas de classe e em diferentes frações.

218.                       Até certo ponto, a revolução expôs, e continuará expondo, o islamismo como uma simples névoa por trás da qual se escondem políticas burguesas de direita de toda índole. Contudo, este não é um processo linear. Na ausência de uma direção autenticamente revolucionária, o movimento deve necessariamente sofrer desvios e aprender através da dolorosa experiência, através da experiência e do erro.

219.                       Muitos elementos da burguesia dentro da sociedade colocaram-se por trás dos liberais e conservadores islâmicos, tais como o Ennahda, na Tunísia, e a Fraternidade Muçulmana, no Egito. Contudo, devido à falta de alternativa de classe clara, ao mesmo tempo, estes partidos e tendências são capazes de atrair o apoio de certas camadas da sociedade. Este é particularmente o caso quando o movimento se encontra em refluxo temporário. Nestas condições, as massas começam a ver tais partidos como forças de oposição não contaminadas pelos velhos regimes.

220.                       Não obstante, diferentemente dos “experts” empiristas burgueses, os quais não duvidam em declarar a vitória do fundamentalismo islâmico no Oriente Médio, seria incorreto ver automaticamente os avanços eleitorais ou o crescimento temporário dos partidos islâmicos como uma derrota para a revolução. Trata-se meramente de uma etapa de um longo processo. Seja que for que chegue ao poder no contexto da Revolução Árabe, confrontará imediatamente as demandas das massas que desejam uma solução para seus principais problemas: a pobreza, o desemprego e a falta de democracia, neste mundo e não no além-túmulo.

221.                       Portanto, o próximo período verá o auge e a queda de muitas tendências e partidos. Nenhum desses partidos desafia o capitalismo como sistema. De fato, defendem a ordem capitalista e é por isso que não poderão abordar as principais demandas do povo, entrando em conflito com as massas em certo momento. Os trabalhadores e a juventude continuam imbuídos da confiança das vitórias na primavera de 2011. Porão à prova cada partido que chegue ao poder. Inicialmente pode haver um período em que esperem para ver o que lhes oferecem, mas inevitavelmente esses partidos não darão conta do recado. Portanto, o crescimento das organizações islâmicas não significa a derrota final da revolução; pelo contrário, é a preparação para futuras revoltas.

Etapas na revolução

222.                       Uma revolução não é um evento único, é um processo. Toda revolução passa por etapas. A primeira é como um grande carnaval, com as massas saindo às ruas com um sentimento de grande euforia. As massas têm o sentimento de que já ganharam a vitória.

223.                       Em tal situação, as palavras de ordem e as táticas devem ser concretas. Devem expressar a situação real. Demandamos democracia completa, abolição imediata de toda lei reacionária e uma Assembleia Constituinte. Mas a questão é: Quem convocará a Assembleia Constituinte? O Exército egípcio? Mas este formava parte do antigo regime. Devem ser os trabalhadores e a juventude que continuarão a luta, nas ruas, nas fábricas, até que suas demandas sejam satisfeitas.

224.                       As demandas imediatas são democráticas. Mas este também foi o caso na Rússia em 1917. As tarefas objetivas da Revolução Russa eram democráticas: derrubada do czar, democracia formal, libertação do imperialismo, liberdade de imprensa etc. Mas a Revolução Russa demonstrou que as demandas democráticas somente poderiam ser obtidas com a tomada do poder pela classe trabalhadora. Esta é a razão porque devem estar enlaçadas às demandas socialistas.

225.                       Os bolcheviques conquistaram o poder sobre a base de demandas democráticas: pão, paz e terra; e não na base de palavras de ordem socialistas. Em teoria Em teoria, se poderiam obter estas reivindicações sob o capitalismo. Mas, este tempo já passou. Vivemos a época do imperialismo em que a Teoria da Revolução Permanente é totalmente válida explicando a incapacidade da burguesia para completar as tarefas democráticas não resolvidas. Além disso, Lênin enlaçou essas demandas transicionais à outra demanda: todo o poder aos sovietes. Dessa forma, usando as palavras de ordem democráticas mais avançadas, enlaçou o nível de consciência das massas do momento para colocar a questão principal do poder operário. De forma similar, no Egito dizemos: “Quereis democracia? Nós também! Mas não creiamos no exército nem na Fraternidade Muçulmana. Lutemos pela democracia real!”.

226.                       As revoluções não se desenvolvem em linha reta. Vemos um processo similar em cada revolução. Na Rússia, seguindo a derrubada do czar em fevereiro, houve um período de reação em julho e em agosto, seguido por um novo auge da revolução em setembro e outubro. Na Espanha, a derrubada da monarquia em abril de 1931 foi seguida pela derrota da Comuna Asturiana em outubro de 1934 e a vitória da reação durante o Biênio Negro, que foi tão somente o prelúdio para um novo ressurgimento em 1936, com a eleição da Frente Popular.

227.                       Com a ausência de uma direção bolchevique, era inevitável que a revolução egípcia desse para trás. Não obstante, aqueles que fizeram a revolução se dão conta de que lhes pregaram uma peça. Perguntam-se: O que mudou? Fundamentalmente, nada – como nos dias de julho de 1917 na Rússia. Por conseguinte, a revolução entra em nova etapa, começando com a juventude, que exclamou: “Nada mudou!”. Esta é uma fase inevitável: faz parte da escola da experiência.

228.                       Não podemos dizer precisamente o que virá no próximo e iminente período. Provavelmente haverá uma série de regimes burgueses instáveis. Não será simples. As massas terão que aprender através da dolorosa experiência que a classe trabalhadora tem que tomar o poder ou tudo pode terminar muito mal. Haverá um extenso processo interno de diferenciação. Haverá derrotas, mesmo graves. Mas, nas condições existentes, cada derrota somente será o prelúdio para novos levantamentos revolucionários.

229.                       Se tudo isto tivesse ocorrido há dez anos, poderiam ter se consolidado regimes democráticos burgueses muito mais facilmente. Mas, agora que há uma crise profunda, não têm nada a oferecer às massas. Não podem sequer fazê-lo nos EUA; como o poderiam fazer no Egito? Não haverá pão, trabalho etc.

230.                       Em 1915, Lênin escreveu:

231.                       “Quem quer que espere uma revolução social ‘pura’ nunca viverá para vê-la. Essa pessoa presta um fraco serviço à revolução ao não compreender o que é uma revolução”.

232.                       “A Revolução Russa de 1905 foi uma revolução democrático-burguesa. Consistiu em uma série de batalhas nas quais participaram todas as classes, grupos e elementos descontentes da população. Entre estes se encontravam massas influenciadas pelos preconceitos mais ordinários, com os conceitos mais vagos de luta; havia pequenos grupos que aceitaram dinheiro japonês, havia especuladores, aventureiros etc. Mas, objetivamente, o movimento de massas estava fendendo o apoio ao czarismo e preparando o caminho para a democracia; por esta razão os trabalhadores com consciência de classe a dirigiram.

233.                       “A revolução socialista na Europa não pode ser outra coisa que uma explosão da luta de massas por parte de todos os diferentes elementos oprimidos e descontentes. Inevitavelmente, setores da pequena burguesia e de trabalhadores atrasados participarão nela, sem tal participação a luta de massas é impossível, sem ela não há revolução possível, e inevitavelmente trarão seus preconceitos ao movimento, suas fantasias reacionárias, sua debilidade e seus erros. Mas, objetivamente, atacarão o Capital e a vanguarda consciente da revolução, o proletariado avançado, expressando esta verdade objetiva de uma luta de massas variada e discordante, heterogênea e aparentemente fragmentada, será capaz de se unir e dirigi-la, capturar o poder, apoderar-se dos bancos, expropriar os trustes a quem todos odeiam (embora, por complexas razões!), e introduzir outras medidas ditatoriais que, em sua totalidade, levarão à derrubada da burguesia e à vitória do socialismo, o qual, não obstante, não se purgará imediatamente a si mesmo da escória pequeno-burguesa”.

234.                       Estas linhas são perfeitamente aplicáveis à Revolução Árabe atualmente.

Líbia

235.                       A esquerda demonstrou enorme confusão sobre a Líbia. Por um lado, alguns capitularam ante o imperialismo até o limite de dar apoio à intervenção militar da OTAN. Isto foi ao mesmo tempo simplista e reacionário. Permitir que a própria consciência se visse embaraçada pelo coro hipócrita dos meios de comunicação contratados e engolir as mentiras sobre a chamada intervenção “humanitária” para “proteger civis” chegou aos limites da estupidez.

236.                       Contudo, a outra tendência na esquerda não foi melhor. Foram ao outro extremo e apoiaram Kadhafi, a quem pintavam de cor de rosa como “progressista”, “anti-imperialista” e mesmo de “socialista”. Tudo errado. É verdade que o regime líbio (e também o regime sírio) tinha caráter diferente dos da Tunísia e Egito. Mas isso não mudava fundamentalmente sua natureza opressiva, nem podia qualificá-lo de verdadeiramente anti-imperialista.

237.                       O regime de Kadhafi tinha um caráter muito peculiar. Inicialmente, Kadhafi tinha uma base de massas como resultado de sua retórica anti-imperialista. O regime, que se fez passar por “socialista”, nacionalizou a maior parte da economia e, com vastas reservas de petróleo e pequena população, foi capaz de proporcionar um nível de vida relativamente alto, saúde e educação para a maioria das pessoas. Isto deu ao regime estabilidade considerável por um longo tempo. Isto também explica por que, depois da primeira revolta, Kadhafi, apesar de tudo, ainda ser capaz de reunir o apoio suficiente para resistir por vários meses e não ter sido derrotado imediatamente.

238.                       Não obstante, era um sistema que concentrava todo o poder em mãos de um só indivíduo, evitando, de forma efetiva, o desenvolvimento de qualquer coisa que lembrasse política e mesmo instituições estatais. Não havia nenhum partido governante (os partidos políticos estavam proibidos); a burocracia era muito pequena e o exército, débil e dividido. Kadhafi se manteve no poder através de um complicado sistema de repressão, influências, alianças com líderes tribais e uma rede de contatos informais.

239.                       Nos últimos 20 anos, e em particular na última década, o regime de Kadhafi havia começado a afrouxar o controle estatal da economia e aspirava chegar a um acordo com o imperialismo, abrindo seus mercados e adotando o “livre mercado” e políticas “neoliberais”. Introduziu certas reformas orientadas aos mercados, incluindo uma petição de adesão à Organização Mundial do Comércio, reduzindo subsídios e anunciando planos de privatização.

240.                       Esta orientação para a economia de mercado conduziu a uma queda nos padrões de vida de muitos líbios e ao enriquecimento de uma minoria, especialmente a família de Kadhafi. Esta foi uma das principais razões do descontentamento popular que levou à sublevação. A insurreição em Benghazi foi uma genuína revolução popular, mas, na ausência de um partido revolucionário, foi sequestrada pelos políticos burgueses do chamado Conselho de Transição Nacional. Tais elementos autoproclamados, não eleitos e responsáveis perante ninguém, abriram passagem ao primeiro plano, empurrando para os lados as massas revolucionárias, especialmente a juventude, que iniciou a luta.

241.                       O resultado foi uma situação confusa e desordenada, que facilmente degenerou em caos. Em todos os eventos revolucionários no Oriente Médio e norte da África, os imperialistas foram incapazes de intervir. Mas, nesse caso, entenderam que tinham uma oportunidade de desempenhar um papel na situação. Os norte-americanos, franceses e britânicos entraram em contato com o Conselho de Transição Nacional, que é uma aliança de elementos burgueses e alguns antigos ministros do regime de Kadhafi.

242.                       Os novos governantes da Líbia estão ainda mais ansiosos de se lançar nos braços dos imperialistas. Mas, apesar das demonstrações de “amizade” em Benghazi, as massas líbias odeiam e desconfiam dos imperialistas. Sabem que a revolução líbia reuniu tanto apoio do Ocidente devido a que a terra é muito rica em petróleo e que os britânicos, franceses e norte-americanos somente desejam saquear os recursos naturais do país.

243.                       Ao analisar qualquer fenômeno devemos distinguir cuidadosamente entre as diferentes tendências, separando o que é progressista do que é reacionário. No caso da Líbia, isto não é sempre fácil. O movimento na Líbia contém claramente muitos elementos diferentes, reacionários e potencialmente revolucionários ao mesmo tempo. Há um grande número de forças disputando a direção da revolução. Esta luta não está ainda decidida e pode ir numa série de direções diferentes. O destino da Líbia não está decidido ainda e será decisivamente influenciado pelos eventos em nível internacional e particularmente no Egito.

Síria

244.                       Como na Líbia, os efeitos das revoluções na Tunísia e Egito foram sentidos na Síria, com resultados similares. As massas acreditavam que tudo o que se necessitava para derrubar o regime era organizar manifestação pós-manifestação. Mas a situação demonstrou ser mais complicada que isso. O regime tinha claramente alguns restos de apoio entre, pelo menos, um setor da população. Isto, em conjunto com a falta evidente de uma direção revolucionária, e crucialmente, sem a irrupção decisiva por parte da classe trabalhadora, é o que derivou para um estancamento de meses.

245.                       O regime sírio do Ba’ath esteve baseado no passado em uma economia planificada inspirada na da antiga União Soviética, a qual permitiu um desenvolvimento econômico significativo nos anos 1960 e 1970. Nos anos 1980, contudo, a economia começou a se desacelerar. Depois do colapso da URSS, o regime começou a girar para o capitalismo. Como consequência desta transição, surgiram cada vez maiores polarizações sociais com uma elite minoritária se enriquecendo, por um lado, e uma pobreza crescente, pelo outro. O desemprego disparou e algumas estimativas indicam que se situa acima de 20%; para os jovens esta cifra seria muito maior.

246.                       É esta crescente polarização social que se encontra na raiz da revolução na Síria. O regime sírio é hoje mais odiado que nunca pelas massas, mas, como na Líbia, os imperialistas viram uma oportunidade de intervir e tratam de impor seus próprios títeres na revolução para desviá-la para águas seguras.

247.                       Ocorreram rupturas nas forças armadas, com muitos oficiais autoproclamando-se como o “Exército Livre Sírio”. Isto indica que muitos soldados das fileiras simpatizam com a revolução e que um setor da elite militar, consciente disto, numa tentativa de ganhar credibilidade entre as massas, abandonou o barco antes que naufrague por completo. Estes oficiais fizeram um apelo aos imperialistas a impor uma zona de exclusão aérea, o que indica que desempenharão um papel contrarrevolucionário na revolução.

248.                       O que falta na Síria é uma direção marxista clara que possa explicar às massas que o regime deve, e de fato pode, ser derrubado, mas que, em seu lugar, o que se necessita é de uma economia planificada sob o controle dos trabalhadores. Sem essa direção, a revolução está sendo empurrada no sentido da “contrarrevolução democrático-burguesa”. Isto não solucionará nenhum dos problemas candentes das massas. De fato, algumas desigualdades sociais serão incrementadas ainda mais e a um passo mais rápido que antes. Com o tempo, as massas aprenderão que não é suficiente unicamente derrubar um ditador como Assad. Aprenderão que, sobre bases capitalistas, nenhum de seus problemas será solucionado.

249.                       Os imperialistas estão seriamente preocupados com os acontecimentos no mundo árabe, que ocupa um lugar central em seus cálculos geopolíticos. A queda de Mubarak foi um sério golpe em sua estratégia no Oriente Médio. Isto os obrigará a estreitar relações ainda mais com Israel, agora o único aliado confiável que lhes resta na região. Também farão tudo o que se encontrar ao seu alcance para fortalecer o regime saudita e os xeques reacionários dos Estados do Golfo.

250.                       Recentemente, os EUA chegaram a um acordo de 60 bilhões de dólares em armas com o reino da Arábia, também esperam vender milhares de bombas anti-bunker aos Emirados Árabes Unidos. Manobram para salvar a monarquia em Bahrein, onde as massas estão começando a se mover mais uma vez, apesar da repressão feroz e da presença de mercenários sauditas.

251.                       Mas todas estas manobras em última instância de pouco servirão. O regime saudita interveio em Bahrein temendo por sua própria segurança. A família real está podre, é corrupta e hipócrita, e enfrenta agora uma crise de sucessão dinástica. Ao mesmo tempo, o nível de vida dos sauditas vem caindo e a situação enfrentada por milhões de trabalhadores imigrantes é terrível. O chefe do clero Wahhabi aconselhou ao regime fazer concessões de imediato para elevar o nível de vida, pois de outra forma o que aconteceu na Tunísia e no Egito poderia também acontecer na Arábia Saudita.

252.                       O gênio saiu da garrafa e não é fácil fazê-lo voltar para ela. Os levantamentos revolucionários já se espalharam à Líbia, Síria, Djibuti, Iêmen, Bahrein, Jordânia, Omã, Argélia, Marrocos… As massas, uma vez despertas, não são facilmente pacificadas com promessas, como os acontecimentos no Egito demonstraram. A revolução passará por todo tipo de vicissitudes e altos e baixos. Períodos de avanços serão seguidos por períodos de calma, de cansaço, de decepção, derrotas, inclusive de reação. Mas somente será o prelúdio de uma nova onda revolucionária, e mesmo de mais impressionantes levantamentos revolucionários.

Irã

253.                       A Revolução Árabe também teve um grande impacto no Irã. Quando a revolução iraniana começou em junho de 2009, milhares de jovens iranianos tinham incríveis esperanças. Mas o movimento chegou a um beco sem saída depois do massivo levantamento da Ashura, em dezembro de 2009. A Revolução Árabe serviu como um novo impulso para a reativação do movimento mais uma vez, em fevereiro e março de 2011. Centenas de milhares tomaram as ruas. Mas o movimento, cansado e desorientado devido à traição de Mousavi, Karroubi e outros parlamentares liberais do movimento reformista, não se desenvolveu para algo que fosse além das manifestações, sendo derrotado depois de seus últimos espasmos em abril de 2011.

254.                       Depois de quase dois anos de lutas revolucionárias, o movimento se encontra em nível muito baixo. Mas nada foi resolvido. A crescente crise econômica, com o aumento abrupto da inflação e das taxas de desemprego, e com a eliminação dos subsídios aos bens básicos, irá provocar um estado de ânimo de insatisfação das massas, incluídas aquelas camadas que não participaram nos movimentos de massas de 2009.

255.                       Embora o movimento tenha sido derrotado, isto não significa que a situação esteja paralisada no Irã. No verão de 2011, um grande movimento formado por dezenas de milhares de pessoas surgiu nas zonas azeries (povo habitante do Azerbaijão, que vive também na Turquia e Irã, ndt.) bem como nas áreas curdas do Irã. Ademais, como havíamos previsto, embora tenha ocorrido uma diminuição do movimento “democrático”, se produziu um aumento da atividade da classe trabalhadora. Desde a primavera de 2011, o número de greves está aumentando de forma continuada.

256.                       A característica mais interessante deste movimento de trabalhadores é que está dirigido por camadas novas, fundamentalmente por trabalhadores temporários que não participaram nas greves do período precedente. Especialmente na indústria petroquímica, que está ganhando importância estratégica para o regime, houve uma série de greves de várias semanas de duração, com a participação de milhares de trabalhadores, o que rompeu a calma aparente na superfície da sociedade iraniana. Estes ataques são a antecipação de uma nova onda do movimento revolucionário em plano mais elevado.

257.                       As tensões na sociedade encontram seu reflexo nas divisões na cúpula do poder, inclusive um conflito aberto entre Khamenei e Ahmadinejad. Esta crise na cúpula é um sintoma da crescente crise na sociedade onde há um equilíbrio muito frágil e tenso e que, cedo ou tarde, deve conduzir a novos e mais explosivos levantamentos.

Israel e Palestina

258.                       Por último, mas não menos importante, Israel experimentou os maiores protestos massivos de sua história. Netanyahu estava aterrorizado com a Revolução Egípcia, visto que seu aliado regional mais fiel foi derrubado. Logo, no verão de 2011, a população saiu às ruas para protestar contra o aumento dos preços e por melhores condições de vida e uma moradia digna. Netanyahu, tratando de não dar importância ao alcance do movimento, disse que os manifestantes eram pagos por potências estrangeiras. Mas é difícil convencer as pessoas disto, quando até 500 mil pessoas de uma população de menos de sete milhões estavam nas ruas. Este movimento maravilhoso desmente as seitas, que consideram Israel como um bloco reacionário.

259.                       Os palestinos também foram afetados pela revolução nos países árabes. Eles veem que Abbas traiu completamente a causa palestina. Sua tentativa de obter o reconhecimento das Nações Unidas para o Estado Palestino foi um esforço desesperado para recuperar alguma credibilidade, mas, como se podia prever, isto não levou a lugar nenhum. A ideia que vai ganhar terreno entre os jovens palestinos é a da necessidade de outra Intifada. No clima atual, isto mudaria tudo.

260.                       Nesta situação, a classe dirigente sionista de Israel está buscando algo que desvie a atenção do povo dos assuntos nacionais. E, como no passado, o Irã é utilizado como uma ameaça a todos os judeus em Israel. Isto explica por que Israel está ameaçando mais uma vez atacar o Irã. A burguesia israelense também se sente ameaçada pela crescente influência do Irã na região.

261.                       Todo este ruído de sabres é apresentado pelos meios de comunicação como uma tentativa de frear um “perigoso” e crescente poder nuclear, mas isto tem raízes mais profundas. Os israelenses e os iranianos estão tocando os tambores de guerra para desviar a atenção dos conflitos sociais em aumento em seus respectivos países. Ambos estão muito interessados em um conflito armado, uma vez que isto poderia ser utilizado para acalmar os movimentos que estão se desenvolvendo a partir de baixo, ao mesmo tempo em que se unificam as crescentes divisões das relações nos respectivos círculos de poder existentes atualmente. Contudo, uma guerra sem quartel está descartada. Seria um ataque aéreo limitado contra centros militares estratégicos e centrais nucleares, como fizeram os israelenses na Síria e no Iraque no passado. A crescente possibilidade de tal ataque também se incrementa pelo fato de que os EUA aumentaram sua presença militar no Golfo, uma vez que retirou suas últimas tropas do Iraque.

262.                       Se Israel embarcar em um ataque, contudo, isto detonaria uma explosão em todo o Oriente Médio. As massas tomariam as ruas contra Israel e o imperialismo dos EUA, colocando em perigo todos os regimes da região. Mesmo no Irã, o regime não obteria mais que um alívio temporário através de um conflito – como todos os conflitos militares evidenciam – ao colocar a descoberto todas as contradições dentro da sociedade, expondo a verdadeira natureza do regime até o último de seus mais fiéis partidários. Tanto o governo israelense quanto o regime iraniano sentem o calor das massas e, portanto, não podem se permitir dar marcha ré, vendo-se obrigados a subir constantemente o tom de suas mútuas provocações.

263.                       O proletariado do Oriente Médio é o fator decisivo na equação geral. A construção de uma forte tendência marxista no mundo árabe é uma tarefa urgente. Ela terá que ser construída no fogo dos acontecimentos. A Revolução Árabe se prolongará durante anos com altos e baixos, como a Revolução Espanhola na década de 1930. Haverá um processo de diferenciação interna. Uma ala esquerda se cristalizará e, também, uma ala de extrema-esquerda. Temos que encontrar uma forma de nos conectarmos com este processo.

América Latina

264.                       No último ano e meio, a revolução árabe e os acontecimentos tempestuosos na Europa puseram estas regiões na vanguarda da revolução. A revolução latino-americana, pelo contrário, parece estar se desenvolvendo em ritmo mais lento que antes. Tais acontecimentos são inevitáveis, refletem o caráter desigual e combinado dos processos da revolução mundial. Mas também há avanços importantes na América Latina, com alguns acontecimentos decisivos que estão se preparando para os próximos meses.

265.                       A América Latina e o Caribe viram-se gravemente afetados pela recessão mundial de 2008-09, com uma queda geral do PIB de 2,1%, em 2009. O impacto mais severo foi naqueles países cujas economias estão mais estreitamente ligadas à dos EUA, por exemplo, a do México, que sofreu uma queda de 6,1%. Contudo, a região foi em geral capaz de se recuperar rapidamente e com força em 2010, com um crescimento do PIB de 5,9% (6,4% para os 10 países da América do Sul). Este crescimento econômico está estreitamente ligado, na maioria dos casos, à exportação de matérias-primas à China – a região hoje representa 25% do total das importações chinesas de matérias-primas – e à afluência de investimentos chineses.

266.                       Somente em 2010, a China investiu na América Latina uma quantidade que é o dobro do que havia investido nos últimos 20 anos. A China emergiu como o mais importante destino das exportações do Brasil, Chile e Peru, e o segundo maior destino das exportações da Argentina, Costa Rica e Cuba. A recuperação econômica, portanto, depende muito do que ocorra com a economia chinesa e esta já está mostrando sinais de desaceleração (de uma estimativa de 4,4%, em 2011, a uma previsão de 4,1%, em 2012). Uma repentina desaceleração na China, combinada ao retorno abrupto da recessão nos EUA e na União Europeia, poria fim à recuperação da região.

267.                       Este crescimento econômico foi em grande medida responsável pela eleição de Dilma Roussef, do PT, no Brasil; da reeleição de Cristina Kirchner, na Argentina; e da reeleição, com um aumento em massa de sua maioria, de Daniel Ortega, da FSLN na Nicarágua. Também desempenhou um papel na estabilização temporária das relações entre a Colômbia e a Venezuela e no acordo para o retorno de Zelaya a Honduras, auspiciado por estes dois países. Ao mesmo tempo, vimos o heroico movimento dos estudantes no Chile que durou muitos meses e no qual participaram centenas de milhares de pessoas, estudantes e trabalhadores, que rompeu completamente o consenso pós-Pinochet no país.

268.                       Um movimento similar de estudantes foi realizado na Colômbia e vemos o início de uma mobilização dos estudantes no Brasil. Também vimos abrir-se uma nova etapa política no Peru com a vitória eleitoral de Ollanta Humala que derrotou a candidata da oligarquia e do imperialismo, Keiko Fujimori (apesar de que una vez no poder girou bruscamente à direita). Em 2012, serão vistas grandes batalhas que se darão nas eleições mexicanas, onde Andrés Manuel López Obrador foi eleito como candidato do PRD, e nas eleições cruciais na Venezuela.

269.                       A formação da CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) criou certas expectativas no movimento operário e na juventude da América Latina, que a veem como uma alternativa à Organização dos Estados Americanos (OEA) controlada pelo imperialismo norte-americano. A CELAC se fixou como objetivo aprofundar a integração dos países latino-americanos e caribenhos em um marco de “solidariedade, cooperação, complementariedade e concertação política”, mas é impossível avançar decisivamente por este caminho dado o caráter capitalista da economia e de seus estados nacionais, a heterogeneidade dos países e governos que a conformam, o carácter reacionário das burguesias nacionais, e sua servil dependência do imperialismo.

270.                       A arma histórica da liberação nacional, a expulsão do imperialismo, é a luta de classes. Sob quaisquer circunstâncias devemos explicar que sem a expropriação dos latifundiários, banqueiros e monopólios, imperialistas e latino-americanos, sem a planificação socialista harmônica e democrática dos recursos do subcontinente pelo povo trabalhador, não há possibilidade alguma de uma autentica liberação anti-imperialista dos países latino americanos. Nossa palavra de ordem continua sendo a luta pela Federação de Estados Socialistas da América Latina, como um primeiro passo em direção a uma Federação Socialista das Américas, única orientação que pode abrir uma verdadeira perspectiva aos povos oprimidos e explorados.

Venezuela

271.                       A Revolução Bolivariana chegou a um beco sem saída. O fato de não realizar as principais tarefas da Revolução Socialista, como previmos há muito tempo, deu lugar a uma situação caótica de estancamento econômico, inflação, fechamento de fábricas e queda dos níveis de vida. Isto, junto ao veneno da burocracia e da corrupção, criou uma situação perigosa em que o destino da revolução está ameaçado.

272.                       A revolução bolivariana poderia ter ido até a conclusão em muitas ocasiões, facilmente e sem guerra civil. Sobretudo, depois da derrota do golpe de 2002, teria sido possível realizar a revolução socialista pacificamente. Os contrarrevolucionários estavam desmoralizados e não podiam oferecer resistência. As massas se levantaram e tinham confiança e apoio dos setores decisivos das forças armadas. Uma palavra do presidente teria sido suficiente para terminar o trabalho. Contudo, a palavra nunca chegou.

273.                       Uma revolução é uma luta de forças vivas. Apesar de todos os erros e contratempos, a revolução bolivariana ainda tem enormes reservas de apoio nas massas. Contudo, estas reservas estão paralisadas pela mão morta da burocracia chavista. O problema está na direção da Revolução.

274.                       As vacilações constantes, oscilando à direita e à esquerda, a falta de vontade de tomar medidas decisivas contra a oligarquia contrarrevolucionária significam que muitas oportunidades foram desperdiçadas. O equilíbrio de forças entre as classes é agora menos favorável do que era há alguns anos.

275.                       A iminente eleição presidencial significa um importante ponto de inflexão. Fatos decisivos se avizinham nos próximos 12-18 meses que terão consequências importantes para o destino da Revolução Venezuelana. A decepção das massas pode se expressar através de uma abstenção generalizada, que poderia entregar a vitória aos contrarrevolucionários da oposição. Mas este resultado não é o único possível.

276.                       Durante mais de uma década, a principal força motriz da Revolução foi o enorme ímpeto revolucionário das massas. Em cada momento chave, os trabalhadores e os camponeses se uniram em torno da revolução. É possível que, quando a data da eleição se aproxime e a ameaça da contrarrevolução ocupar um lugar preponderante na consciência das massas, unam-se mais uma vez para dar a vitória a Chávez.

277.                       A burocracia é o principal aliado da contrarrevolução e está minando sistematicamente a revolução a partir de dentro. Muitos destes burocratas provêm de um passado estalinista. Essa é a fonte de seu cinismo e pessimismo na avaliação do potencial revolucionário das massas. O burocrata típico tem uma atitude arrogante para as massas e um servilismo covarde com a burguesia, que ele considera como a titular natural do poder.

278.                       Ademais, está claro que os setores da burocracia cubana, que estão se movimentando na direção da restauração capitalista em Cuba, estão pressionando para deter a revolução na Venezuela e para chegar a um acordo com a burguesia.

279.                       Estes elementos romperam completamente com o socialismo e o comunismo e não têm interesse em apoiar a revolução socialista na Venezuela ou em qualquer outro lugar. A única coisa que querem é um amável governo burguês em Caracas que lhes abasteça de petróleo. Mas suas ações provocaram o resultado oposto. Estão preparando o caminho para a queda de Chávez e para a vitória da burguesia contrarrevolucionária, cujo primeiro ato será cortar todas as relações com Cuba.

280.                       Parece que tudo está conspirando para derrotar a Revolução Venezuelana, apesar do inegável heroísmo das massas. Todas as correntes da “esquerda” estão se comportando de maneira criminosa na Venezuela. Ex-estalinistas no PSUV estão fazendo seu habitual jogo contrarrevolucionário com seu apoio aos reformistas na direção do partido. Contudo, estes ex-estalinistas não são o único obstáculo no caminho da classe trabalhadora.

281.                       A federação de sindicatos UNT, que teve enorme potencial revolucionário, foi destruída pelo aventureirismo irresponsável de Orlando Chirinos e outros autoproclamados “trotskistas”. Estes elementos estavam na direção da UNT e se negaram a fazer qualquer coisa de substancial para avançar na luta pelo socialismo. Abortaram o movimento de ocupações de fábricas e de controle operário. Agora, Chirinos está organizando manifestações contra a nacionalização.

282.                       Durante mais de uma década, Chávez serviu como ponto de confluência para as forças revolucionárias. Chávez pode até desejar realizar a revolução socialista, mas não tem a menor ideia de como fazê-lo. Ademais, está cercado por um bando de burocratas e reformistas, e coisas piores. As constantes vacilações e mudanças à esquerda e à direita serviram para confundir e desorientar as massas. A situação se prolongou durante demasiado tempo e o povo está se cansando.

283.                       Chávez está tratando de se apoiar entre as diferentes classes, oscilando primeiro para um lado e depois para o outro. Após o revés eleitoral, em setembro de 2009, parecia se aproximar muito da nacionalização da totalidade da economia, mas continua vacilando. A Lei Habilitante lhe permite ter realmente o poder e expropriar os latifundiários e capitalistas, para apelar aos trabalhadores a tomar o controle das fábricas e aos camponeses para tomar a terra. Mas isto não se fez.

284.                       É a negativa a expropriar os latifundiários, os banqueiros e os capitalistas o que levou ao desastre atual. Nós apoiamos todas as nacionalizações, na medida em que se façam. Mas as nacionalizações parciais não funcionam, menos ainda se as empresas não são administradas pelos trabalhadores sob o controle operário, como parte de um plano racional da produção para todo o país. Somente com o controle operário dos setores decisivos da economia, inclusive os bancos, se pode planificar a economia.

285.                       Os reformistas se consideram gente prática, mas, na realidade, tornam impossível que a economia funcione. Temos o pior de todos os mundos: as desvantagens de uma economia de mercado, com todo o seu caos e anarquia, em combinação com toda a corrupção e inabilidade de um sistema burocrático. O resultado é o caos.

286.                       Os interesses da burguesia e dos burocratas coincidem cada vez mais. Há uma quinta coluna dentro do movimento bolivariano que está conspirando para derrotá-lo a partir de dentro. Isto constitui uma ameaça mortal para a revolução. Contudo, uma ameaça muito maior é a desilusão e a passividade das massas.

287.                       As massas estão cansadas de discursos sem fim sobre socialismo e revolução, enquanto a situação se deteriora. A situação se complica ainda mais com a enfermidade de Chávez. Não se pode brincar de esconde-esconde na revolução. É tempo de decisão. Se não se decide de uma maneira, se decide de outra. As eleições de 2012 serão o ponto crítico. A situação de desilusão entre camadas crescentes das massas pode levar à passividade e à abstenção, enquanto que a direita está motivada pelos contratempos na revolução.

288.                       É impossível prever o desenlace, mas o resultado final não será decidido somente pelas urnas. Pode ser que Chávez ganhe por uma estreita margem. Nesse caso, é provável que a oposição comece a vociferar e a falar de fraude para levar seus partidários às ruas. Isto poderia levar a Venezuela ao ponto da guerra civil, que a contrarrevolução não está confiante em ganhar.

289.                       A criação de uma milícia popular será um importante fator na equação. Os chavistas têm armas e, apesar de uma formação e disciplina inadequadas, poderiam ganhar em um enfrentamento armado com os contrarrevolucionários nas ruas. Isto daria um novo impulso à revolução.

290.                       Por outro lado, se a oposição ganhasse por uma pequena margem, o que ocorreria? Chávez advertiu à oposição que ele não tem a intenção de sacrificar a República Bolivariana sem luta. Não se pode descartar que se negasse a aceitar o resultado. Isto teria o mesmo efeito que o cenário descrito: a situação teria que ser resolvida nas ruas.

Cuba

291.                       O futuro da Revolução Cubana tem profundas implicações para o conjunto da América Latina e mais além. Depois do colapso da URSS, Cuba se sustentou a somente 90 milhas do país imperialista mais poderoso da Terra. O efeito positivo da economia nacionalizada e planificada nos campos da saúde, educação, moradia, emprego contrasta marcadamente com as condições nos países vizinhos da América Latina. Ademais, havia uma geração viva que vivera a revolução. A outra diferença é que, na Europa do Leste, as pessoas se comparavam com outras da Europa Ocidental. Os cubanos se comparam em grande parte com a América Latina.

292.                       Mas, agora, há um sinal de interrogação sobre seu futuro. Qual é o caráter do regime cubano e para onde vai?

293.                       Cuba continua sendo um estado operário deformado. Contudo, o colapso da URSS significa que a burocracia já não tem um poderoso modelo estalinista com influência e autoridade ideológica. Muita gente está pensando criticamente e há debates apaixonados sobre o que aconteceu na URSS, tirando conclusões para Cuba. Por outro lado, está claro que os elementos da burocracia estão indo de todo coração à contrarrevolução e se posicionam para aproveitar os benefícios da restauração do capitalismo.

294.                       O fator mais importante, contudo, é a grave crise econômica na ilha. O marxismo explica que, em última instância, a viabilidade de um sistema socioeconômico está determinada por sua capacidade de desenvolver as forças produtivas. Sempre que o sistema possa proporcionar às pessoas uma boa saúde, educação e garantia de postos de trabalho e moradia, poderá se manter, e o partido governante terá legitimidade. Mas quando isto já não é o caso, distúrbios sociais podem surgir, junto a um questionamento do caminho pelo qual transita a sociedade, e o cinismo e ceticismo podem se espalhar, particularmente entre os jovens.

295.                       Dois fatores relacionados entre si levaram à crise econômica: o colapso da URSS e a crise mundial do capitalismo. A queda do bloco do leste significou o desaparecimento dos subsídios e das condições favoráveis de comércio, o que deixou Cuba completamente à mercê do mercado mundial.

296.                       “O socialismo em um só país” é uma utopia reacionária. Se a União Soviética e a China, ambos os países grandes e com vastos recursos humanos e materiais, não puderam se defender contra a força do mercado mundial capitalista, como pode uma pequena ilha, com poucos recursos e com uma população pequena, ter esperança de sobreviver? A única solução real é a revolução mundial, a partir da extensão da revolução à América Latina.

297.                       Cuba agora é muito dependente do mercado mundial e se viu gravemente afetada pela crise capitalista mundial. Os serviços representam 75% do PIB. A exportação de serviços médicos (médicos cubanos na Venezuela) é o dobro da renda do turismo. Portanto, a economia cubana passou da dependência em relação à URSS à dependência em relação à Venezuela.

298.                       A crise mundial do capitalismo significou o colapso dos preços da principal exportação de Cuba (o níquel), a redução nas remessas dos cubanos que trabalham nos EUA, a queda brusca na indústria do turismo e um menor investimento externo direto. Para piorar as coisas, três ondas de furacões açoitaram a ilha em 2008 e 2009, causando 10 bilhões de dólares em danos às moradias, que já se encontravam em mal estado.

299.                       Em 2009, Cuba tinha um déficit por conta corrente de 1,5 bilhões de dólares. Cuba teve que deixar de pagar seus credores em outubro de 2009. Isto reduziu sua nota creditícia para futuros empréstimos, tornando mais difícil obter empréstimos em dinheiro e impondo cargas sobre a população. Viu-se obrigada a cortar de nova de forma massiva as importações de alimentos, junto à adoção de outras medidas de ajustes.

300.                       Grande parte do “salário” dos trabalhadores cubanos é em benefícios sociais, e não em salários em efetivo. Há, mais ou menos, moradias grátis; a atenção médica de alta qualidade é gratuita, junto à educação, e as pessoas quase nada pagam por chamadas telefônicas e pela eletricidade. O transporte público é quase gratuito, mas muito deficiente. Contudo, nos últimos 20 anos, o serviço de saúde tem sofrido erosões. Os cubanos tem a maior proporção de médicos em relação à população, mas muitos deles não estão em Cuba. O sistema educativo também está sofrendo. Os professores podem ganhar mais como motoristas de táxi, e por isso preferem conduzir um táxi em vez de ensinar.

301.                       Acima de tudo, a produtividade do trabalho é muito baixa. Visto que o Estado não pode garantir salários decentes ou subsídios, praticamente todo o mundo está obrigado a participar em algum tipo de atividade ilícita ou semilegal para cobrir todas as necessidades. Devem recorrer ao mercado negro para obter pesos conversíveis. Desta forma, se desenvolve uma economia paralela, com enormes margens de lucros nos produtos básicos.

301. Pouco a pouco, assenta-se a ideia segundo a qual a “empresa privada” é melhor que as soluções coletivas. A economia planificada está sendo solapada desde dentro. A ideia de que o individualismo, os negócios sujos sejam o caminho a seguir é cada vez mais dominante.

Diante da falta de controle dos trabalhadores, a corrupção e a burocracia crescem, solapando ainda mais a economia planificada.

302. Todo mundo sabe que a situação atual não pode se manter, que algo tem que mudar. Mas o que? Raul Castro diz que temos que ser eficientes. Mas como é possível conseguir essa eficiência? Só há duas opções: ou voltar à economia de mercado capitalista ou estabelecer as normas leninistas da democracia operária.

303. Um setor da burocracia pretende voltar ao capitalismo, ainda que não possa expressar abertamente seus objetivos reais. Referem-se aos modelos chineses e vietnamitas de “socialismo”. Eles dizem que não querem abandonar o socialismo, só “o melhorar”. No entanto, ao final deste caminho encontra-se a restauração capitalista. As medidas econômicas, que já foram tomadas, vão todas na direção da introdução de mecanismos de mercado no funcionamento da economia e empurrar as pessoas para o setor da pequena empresa. Todas estas são portas abertas através das quais a pressão do poderoso mercado capitalista mundial penetra e dissolve a economia planificada cubana. 

304. Em última instância, o destino de Cuba será determinado no plano internacional. As perspectivas gerais para a revolução mundial são favoráveis para a sobrevivência de Cuba como una economia planificada a condição de que se estabeleça uma democracia operária leninista e que se vincule ao movimento operário internacional. Mas quanto mais tempo aquela se atrase, mais as forças pró-capitalistas avançarão em Cuba, e poderiam chegar a um ponto de inflexão.

305. Para nós, a questão chave é a propriedade dos meios de produção. Estão aparecendo divisões dentro da burocracia. Devemos tratar de encontrar um caminho até os melhores elementos que estão lutando contra a restauração capitalista e pela defesa da economia nacionalizada e planificada, enquanto ao mesmo tempo continuamos a defender o controle operário e a extensão da revolução socialista para toda a América Latina como a única saída. 

306. A vitória da revolução socialista na Venezuela seria um grande passo na direção de romper o isolamento de Cuba no mercado capitalista mundial. Mas a burocracia cubana, com sua estreita mentalidade nacionalista, não vê que um fracasso em levar a cabo a revolução na Venezuela constitua uma ameaça grave para o futuro da Revolução Cubana. Ao tratar de frear constantemente a Revolução Venezuelana, comporta-se como um homem que uma árvore estivesse cortando o galho no qual está sentado. 

Em que fase está a Revolução Mundial

307. Lenin disse que a política é economia concentrada. Para os marxistas a importância da economia acha-se no efeito que tem sobre a luta de classes. No segundo Congresso Mundial da Internacional Comunista, Trotsky assinalou que todas as medidas que toma a burguesia para fazer frente à crise, intensificarão a luta de classes. Vemos a evidência disso em todos os lugares. Em 1921 Trotsky escreveu:

308. “Enquanto o capitalismo não seja derrocado pela revolução proletária, seguirá vivendo em ciclos, com movimentos de oscilação para acima e para abaixo. As crises e os booms são inerentes ao capitalismo desde seu nascimento, e o acompanharão até a tumba. No entanto, para determinar o período do capitalismo e seu estado geral – para estabelecer se segue desenvolvendo-se, ou se tem madurado, ou se está em declive – é necessário diagnosticar o caráter dos ciclos. De maneira muito similar, o estado do organismo humano pode ser diagnosticado em base a se a respiração é regular ou espasmódica, profunda ou superficial, e assim sucessivamente”. (Os primeiros cinco anos da Internacional Comunista, Vol.1, Relatório sobre a Crise econômica mundial e as novas tarefas da Internacional Comunista).

309. Há tempos Marx explicou que nenhum sistema econômico desaparece antes que tenha esgotado todo seu potencial. Hoje em dia o sistema capitalista mostra claros sinais de esgotamento. Mas faz tempo que o capitalismo que deixou de jogar um papel progressista a escala mundial. Já cumpriu com seu papel histórico progressista e tem ido bem mais adiante de seus limites. É incapaz de desenvolver o colossal potencial das forças produtivas. A crise atual é prova disso. 

310. Os dois obstáculos fundamentais para o progresso humano são, por uma parte, a propriedade privada dos meios de produção e por outra o Estado Nacional. Foram muitos os fatores que causaram a fase de expansão do pós-guerra. Mas o principal foi a colossal expansão do comércio mundial. Isso permitiu ao capitalismo superar em parte – e por um tempo- as limitações da propriedade privada e o Estado nacional. Esta tendência ampliou-se enormemente nas últimas três décadas, mas agora parece que tem atingido seus limites.

311. A crise atual constitui uma situação totalmente diferente à que enfrentamos no passado. É mais similar à situação a respeito da qual Trotsky escrevia em 1938. O que estamos experimentando não é uma crise cíclica normal do capitalismo, é algo bem mais profundo e mais grave: uma crise orgânica do sistema capitalista, diante da qual não há saída, salvo novas crises e reduções nos níveis de vida.

312. Isto é algo completamente novo, e isto explica a perplexidade de todos os economistas burgueses. Estão totalmente desorientados. Se parecem com a velha definição de metafisica: um homem cego em um quarto escuro procurando um gato negro que não está aí. A burguesia está seriamente preocupada. Segundo Roger Altman, um alto servidor público do Tesouro na administração Clinton, uma nova recessão seria ‘desastrosa’. “Poderíamos estar diante de uma repetição da experiência de 1937, quando os EUA caíram de novo em recessão após três anos de recuperação da Grande Depressão”, escreveu no Financial Times.

313. Os estrategistas da burguesia compreendem que uma nova recessão mundial teria as mais graves consequências sociais e políticas. São cada vez mais sombrios em seus prognósticos. O mesmo relatório de UBS citado anteriormente advertiu do perigo de distúrbios civis como consequência da crise econômica na Europa:

314. “Quando as consequências do desemprego são levadas em conta, é praticamente impossível pensar em um cenário de ruptura sem sérias consequências sociais”. Com este grau de deslocamento social, as comparações históricas são pouco atrativas. Casos passados de ruptura de uma união monetária têm tendido a produzir um de dois resultados: ou se produz uma resposta mais autoritária do governo para conter ou reprimir a desordem social (um palco que tende a requerer a mudança de um governo democrático por um autoritário ou militar), ou os transtornos sociais, unidos às falhas existentes na sociedade, atuam para dividir o país, estendendo até a guerra civil. Estas não são conclusões inevitáveis, mas indicam que uma ruptura da União Monetária não é algo que se possa tratar como uma questão superficial da política cambial.

315. “Vale a pena assinalar que vários países da zona euro têm uma história de divisões internas, Bélgica, Itália e Espanha estão entre os mais óbvios. Também é verdadeiro que as rupturas de uma união monetária na história, quase sempre veem acompanhadas por desordens civis extremas, ou pela guerra civil.” (UBS Global Economic Perspectives de 06 de setembro 2011).

316. A conclusão não pode ser mais pessimista:

317. “A questão não é como se desenvolve uma democracia liberal, senão se uma democracia liberal pode suportar a agitação social que acompanha a uma fratura da União Monetária. Necessitamos de provas para apoiar a ideia de que poderia fazê-lo”.

318. Estas linhas mostram como estão preocupados os estrategistas do Capital. Compreendem a impossibilidade de chegar a um equilíbrio social e político duradouro. Também entendem que os instrumentos normais da democracia burguesa se verão postos a prova até o limite pelas “extremadas desordens civis”.

319. Isso é correto, pelo que se vê. No entanto, é pouco provável que a burguesia corresse o risco de se dirigir diretamente para uma guerra civil, seja de imediato na Grécia ou em qualquer outro país capitalista desenvolvido. Só após ter esgotado todas as demais possibilidades, chegaria a burguesia a considerar a opção do golpe militar, que está cheia de perigos para ela.

A Luta de Classes

320. Ocorreram grandes movimentos da luta de classes nos últimos tempos, sobretudo no sul da Europa. É natural que estes desenvolvimentos não comecem nos países mais fortes do norte da Europa, mas a vez deles chegará como já pudemos observar na Grã-Bretanha e França. Já no outono de 2009, teve um aumento enorme da oposição aos cortes na França, com 3,5 milhões de trabalhadores nas ruas. Estes protestos não se limitaram às grandes cidades, senão que foram realizados em centenas de pequenos povoados: até 25% da população esteve nas ruas nestes povoados menores. As refinarias de petróleo foram bloqueadas, e ocorreram grandes movimentos nos colégios e nas universidades. Por outro lado, de 65 a 70 % da população estiveram a favor do movimento.

321. Isto foi uma antecipação do que está por vir. Após isto vimos a maior greve geral em Portugal desde a revolução de 1975. Na Itália vimos manifestações em massa em Roma e uma greve geral. Na Grécia registraram-se até 13 greves gerais em um ano. Na Grã-Bretanha ocorreu a maior manifestação convocada pelos sindicatos na história, que foi seguida da maior greve desde 1926.

322. O presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, disse que Grã-Bretanha se enfrenta à maior queda nos níveis de vida desde 1920. As aposentadorias vão se cortadas em uns 40 % enquanto os lucros dispararam. Barclays Bank tem obtido lucros recordes, e pagou só 2 % de impostos. Os rendimentos dos diretores de empresa das 100 maiores assinantes da Carteira de Londres (FTSE) aumentaram em 49 % em 2011. Está sendo acesa a chama da ira, o que se refletiu em uma onda de distúrbios dos jovens despossuídos em Londres e em outras muitas cidades.

323. Ocorreram grandes movimentos da juventude na Espanha, diretamente inspirados pela Praça Tahrir do Egito. Como no Egito, o alto nível de desemprego entre a juventude é o que levou ao explosivo movimento dos indignados. Por sua vez, as ações dos espanhóis inspiraram ocupações similares das praças na Grécia. Atenas foi afogada com gás lacrimogêneo enquanto a polícia do governo socialdemocrata dispersava a juventude revolucionária. Inclusive nos Países Baixos 15.000 estudantes protestavam em Haia.

324. Acontecimentos, acontecimentos e mais acontecimentos são o centro da situação. E ocorrerão grandes acontecimentos que estão sendo preparados, os mesmos sacudirão a sociedade profundamente e produzirão dramáticas mudanças na consciência. Já vimos isso na Tunísia, Egito, Espanha e Grécia. Inclusive no leste da Europa foram vistos grandes movimentos na Albânia e Romênia. Na Bulgária, até a polícia entrou em greve. Na Rússia temos visto o aumento em massa de votos para o Partido Comunista, que tem começado a atrair uma camada da juventude, o que indica que ali também a situação está começando a mudar. Estes são acontecimentos extremamente importantes que representam um giro na situação da Europa. Outros seguirão em maior ou menor tempo, de acordo com as condições imperantes.

325. O que vale para a Europa também vale em escala mundial, como demonstra a revolução árabe e o movimento de protestos nos EUA.

Consciência

326. Durante anos, os chamados esquerdistas queixaram-se do “baixo nível de consciência” das massas. Estas pessoas são incapazes de ver as coisas dialeticamente, estão hipnotizados pela situação presente, e não podem ver as coisas em seu desenvolvimento e mudança. Incapazes de compreender o verdadeiro movimento da classe trabalhadora, os acontecimentos sempre lhes surpreendem. Estão condenados a estudar a história observando-a pelas costas.

327. Este enfoque não tem nada em comum com o marxismo. É uma mistura de empirismo cru e idealismo. Partem de uma norma ideal do que supõem ser a consciência e condenam a realidade porque não se ajusta a essa norma ideal. Portanto, para eles, a classe operária nunca está suficientemente consciente. No entanto, ao longo da história, as revoluções foram feitas, não por pedantes educados, mas sim precisamente pelas “massas politicamente ignorantes”.

328. Contrariamente aos preconceitos dos idealistas, a consciência humana não é revolucionária ou progressista, senão profundamente conservadora. As pessoas não gostam de mudanças, pelo contrário, gostam de estabilidade, porque é mais cômodo. Teimosamente, se aferram à ordem existente, a sua moral e preconceitos, aos partidos conhecidos e a seus dirigentes, até que os acontecimentos as obrigam a mudar.

329. As mudanças profundas na consciência surgem da experiência das massas. Isso não é uma evolução gradual, senão que tem um caráter violento e convulsivo. A consciência revolucionária não se desenvolve suavemente em um processo contínuo, da direita para a esquerda ao longo do tempo. Uma revolução é precisamente o ponto crítico no qual a quantidade se transforma em qualidade e se produz um salto repentino. 
330. Como se desenvolveu a consciência revolucionária das massas na Rússia? Quando a greve explodiu na fábrica Putilov em 1904, os bolcheviques e os mencheviques não tinham o papel dirigente. Nas primeiras etapas da Revolução de 1905, era um sacerdote, o padre Gapon – que era também um agente da polícia – com todo seu atraso e preconceitos, quem liderou o movimento, precisamente porque personificava e refletia a etapa à qual as massas tinham chegado.

331. Na primeira etapa da revolução de 1905, os revolucionários encontravam-se isolados das massas. Quando os bolcheviques se apresentaram com seus panfletos chamando à queda da monarquia e ao estabelecimento de uma Assembleia Constituinte, os trabalhadores rasgavam os panfletos e muitas vezes agrediam os bolcheviques. Mas, na noite de 9 de janeiro, imediatamente após o massacre do Domingo Sangrento, os trabalhadores voltaram-se para os bolcheviques com uma petição: “Deem-nos armas!”.

332. Todas as demais tendências subestimam a gravidade da situação atual, que não tem precedentes na história recente. É certo que a consciência dos trabalhadores está ficando aquém da realidade objetiva. Ainda não se deram conta de que isso representa uma completa ruptura com sua experiência passada. A maioria das pessoas acha que algum tipo de correção devolverá a situação à normalidade. No entanto, como um autor em The Economist assinalou corretamente: “Sim, cedo ou tarde voltaremos à normalidade. Mas será uma nova normalidade”.

333. Não pode ter uma volta aos “bons velhos tempos” quando a classe dominante nos países capitalistas avançados podia fazer concessões e reformas para comprar a paz entre as classes. Agora, todas as conquistas da classe operária da Europa e América do Norte estão em perigo. Desde o ponto de vista da burguesia, são precisamente estas conquistas o que se interpõem no caminho da classe capitalista na hora de resolver sua crise.

334. Já ocorreu uma mudança dramática na consciência da classe dominante. Há vinte anos estavam inchados de soberba depois da queda da URSS. Agora todo isso tem desaparecido, a velha confiança se foi e estão olhando para o futuro com temor. Durante o auge, os capitalistas desenvolveram delírios de grandeza, sobretudo após a queda do “Comunismo”. Realmente acharam que seu sistema ia durar para sempre. A suposta superioridade da economia de mercado resolveria todos os problemas, bastava que o Estado tão somente deixasse o mercado em paz para que ele realizasse seus milagres.

335. Agora tudo está colocado sobre sua cabeça. Neste momento, os capitalistas dependem completamente do Estado para sua sobrevivência. Os bancos esperam que suas perdas sejam pagas pelo Estado – isto é, pelos impostos da classe operária e da classe média, sobre cujos ombros vai ser colocado todo o peso da crise. Mas isso vai ter efeitos profundos nas relações sociais, na política e na luta de classes. Este processo já foi iniciado.

336. No passado, a burguesia comprou a paz social fazendo concessões, devolvendo aos trabalhadores uma porção da mais-valia produzida por estes. A burguesia tinha suficiente margem de manobra para fazer isso com base nos enormes ganhos que extraiu durante o boom. Mas estas condições estão desaparecendo agora. Os únicos que realmente creem na economia de mercado são os dirigentes do movimento operário, que em um período de crise, constituem o principal baluarte do sistema capitalista. Isto significa que as organizações operárias serão sacudidas por uma crise após outra. Cedo ou tarde, os velhos dirigentes da ala direita serão arrancados e substituídos por outros líderes que sejam mais sensíveis à pressão de abaixo.

338. Os que depreciam o movimento como sendo “meramente espontâneo” mostram sua ignorância sobre a essência de uma revolução, que é precisamente a intervenção direta das massas na política. Esta espontaneidade é uma força enorme, mas, ao mesmo tempo, pode converter-se em uma debilidade fatal do movimento.

339. Logicamente que o movimento de massas necessariamente vai sofrer da confusão em suas etapas iniciais. As massas só podem superar estas deficiências através de sua experiência direta na luta. Mas é absolutamente necessário para as massas ir para além da confusão e da ingenuidade iniciais, para crescer e amadurecer, e retirar as conclusões corretas.

340. Os dirigentes “anarquistas” – sim, os anarquistas também têm dirigentes ou pessoas que aspiram a dirigir – que acham que a confusão, o caráter amorfo no plano organizativo e a falta de definição ideológica, são traços positivos e necessários, jogam um papel pernicioso. É como tratar de manter um menino em um estado de infantilismo, por meio do qual ficaria para sempre incapaz de falar, caminhar e pensar por si mesmo.

341. Muitas vezes, na história da guerra, um grande exército composto por soldados valentes, mas sem treinamento, foi derrotado por uma força profissional menor, mas mais disciplinada e bem treinada, dirigida por oficiais especialista e experimentados. Ocupar as praças é um meio de mobilizar as massas para a ação. Mas, em si mesmo, não é suficiente. A classe dominante pode ser que não seja capaz de retirar inicialmente os manifestantes pela força, mas pode se permitir o luxo de esperar até que o movimento comece a se apagar, e depois atuar com decisão para pôr fim aos “distúrbios”.

342. Desnecessário dizer que nós os marxistas sempre estaremos na primeira linha de qualquer batalha para melhorar as condições da classe operária. Lutaremos por qualquer conquista, por pequena que seja, porque a luta pelo socialismo seria impensável sem a luta do dia a dia para avançar para por abaixo o capitalismo. Só através de uma série de lutas parciais, de caráter defensivo e ofensivo, as massas podem descobrir sua própria força e adquirir a confiança necessária para lutar até o final.

343. Há certas circunstâncias nas quais as greves e as manifestações de massas podem obrigar a classe dominante a fazer concessões. Mas esta não é uma delas. Para que tenha sucesso, é necessário elevar o movimento a um nível superior. Isto só se pode ser realizado vinculando-o firmemente com o movimento dos trabalhadores nas fábricas e nos sindicatos. O lema da greve geral passa a primeiro plano. Mas inclusive uma greve geral, em si mesma, não pode resolver os problemas da sociedade. Com o tempo, deve estar vinculada à necessidade de uma greve geral indefinida, que diretamente proponha a questão do poder estatal.

344. Alguns dirigentes confusos e vacilantes são capazes de produzir somente derrotas e desmoralização. A luta dos trabalhadores e da juventude seria infinitamente mais fácil se fosse dirigida por pessoas valentes e com perspectiva. Mas estes dirigentes não caem do céu. No curso da luta, as massas porão a prova todas as tendências e dirigentes. Prontamente descobrirão as deficiências dessas figuras acidentais que aparecem nas primeiras etapas do movimento revolucionário, como a espuma que aparece na crista da onda, e que desaparecerão no momento em que desaparecer a espuma.

345. Através de sua experiência, um número crescente de ativistas chegará a ver a necessidade de um programa revolucionário consistente. Isto só o pode proporcionar o marxismo. Ideias que durante décadas foram escutadas por pequenos grupos serão buscadas ansiosamente, em primeiro lugar por centenas, e depois por milhões de pessoas. O que se requer é, por um lado, um paciente trabalho de preparação dos quadros marxistas e, por outro lado, a experiência concreta das próprias massas.

Tática e estratégia

346. Tática e estratégia são coisas diferentes, e podem inclusive, aparentemente, contradizer-se entre si sob certas circunstâncias. Nossa estratégia em longo prazo é muito clara e tem que ser mantida. Quando as massas começam a se mover, se dirigem em primeiro lugar às organizações operárias de massas existentes. No entanto, para construir a tendência marxista, não basta repetir proposições gerais corretas. Temos que partir das condições concretas do movimento em qualquer momento dado. Mas estas condições não permanecem iguais, elas mudam constantemente.

347. A táctica, por sua própria natureza, tem que ser flexível, e devemos ser capazes de mudá-la no prazo de 24 horas, se for necessário. Na guerra, a estratégia poderia implicar em atacar uma posição determinada. Mas se essa posição está demasiadamente bem defendida e nossas forças não são suficientemente poderosas para conquistá-la, teremos que reconsiderar nossa táctica. Em lugar de um ataque frontal contra a posição, podemos optar por concentrar nossas forças em um objetivo secundário, porém mais acessível. Após ter assegurado este objetivo, estaremos em uma posição mais forte para voltar para o ponto principal de ataque.

348. A nova situação não encontrou ainda um reflexo nas organizações de massas, com a exceção dos sindicatos, que se encontram mais perto da classe que os partidos. Há certas coisas que decorrem disso. Se o estado de ânimo e de ira na sociedade não encontra uma saída nas organizações de massas, encontrará outras formas.

349. Movimentos como os indignados na Espanha surgem porque a maioria dos trabalhadores e dos jovens sente que não estão representados por ninguém. Esta gente não é anarquista. Mostram confusão e necessitam de um programa claro. Mas então, de onde deveriam tirar as ideias claras? Estes movimentos espontâneos são a consequência de décadas de degeneração burocrática e reformista dos partidos tradicionais e dos sindicatos. Em parte, isto representa uma reação saudável, como Lenin escreveu no ‘Estado e a Revolução’, quando se referiu aos anarquistas.

350. Com seu habitual impressionismo, as seitas ficam completamente intoxicadas por estes novos movimentos. Mas não devemos permitir que nosso raciocínio fique nublado por fenômenos efêmeros. Também devemos entender que estes movimentos têm limitações que rapidamente ficarão a descoberto através da própria experiência. Estes novos movimentos estão afastados das organizações de massas porque têm a sensação de que elas não lhes representam. Por outro lado, estes mesmos novos movimentos não entenderam a gravidade da situação. Estão tratando de pressionar os governos burgueses para que mudem de política, sem compreender que a situação não lhes permite. Em última instância, isto lhes levará a um beco sem saída.

351. Em uma determinada etapa, estes novos movimentos de massas se dissiparão, deixando as organizações de massas como sendo a única expressão política de massas para os trabalhadores. A pressão das massas nestas organizações crescerá, sacudindo-as de cima abaixo. Ocorrerá uma série de crise e cisões, que conduzirão ao crescimento, em certa etapa da luta, de uma ala de esquerda de massas. Devemos ter firmemente sempre isso em mente senão queremos degenerar em uma seita isolada.

352. O destino das seitas deveria servir-nos como uma advertência. Estas estão em crise porque todas suas tentativas de construir partidos “revolucionários” fora das organizações tradicionais de massas do proletariado têm terminado em um fracasso vergonhoso, ainda que as condições objetivas para isto tenham sido muito mais favoráveis, como nunca foram antes. Seus fracassos em compreender a modo com se move a classe operária, as limita na impotência. Ficam isoladas conforme a classe começa a mover-se com mais segurança.

353. O movimento das massas só pode realizar-se através de organizações tradicionais dos trabalhadores. Evidentemente que este processo não ocorrerá de um dia para o outro, pela via direta. Ocorrerão muitos reveses e correntes contraditórias, e por isso nossa tática deve ser flexível. Mas em última instância, o desenvolvimento fundamental fluirá através das organizações de massas.

Uma nova guerra mundial?

354. A burguesia se encontra agora na crise mais profunda de sua história. Mas devemos ter cuidado em como explicamos isso. Lenin indicou-nos que não há nenhuma crise final do capitalismo. A história mostra que os capitalistas sempre podem encontrar uma saída até mesmo na crise mais profunda, a não ser que a classe operária os derrube conscientemente. Mas a simples afirmação de que os capitalistas podem encontrar uma saída para a presente crise não nos acrescenta nada. O que nos devemos perguntar é: quanto tempo lhes resta, e a que custo?

355. Em 1939, eles resolveram a crise com a guerra Podem fazer isso outra vez? O Ministro da Fazenda polonês Jacek Rostowski, cujo país atualmente preside as reuniões da União Europeia, disse ao Parlamento Europeu em Estrasburgo: “Se a eurozona rompe-se, a União Europeia não será capaz de sobreviver”. Até advertiu que a guerra poderia voltar à Europa se a crise minasse a União Europeia. Certamente, todas as contradições estão vindo à tona. No entanto, a perspectiva não é a de uma nova guerra mundial, tal como ocorreu em 1914 ou 1939, mas sim uma intensificação dos conflitos de classes.

356. A analogia com 1939 é superficial e errônea. A situação não é em nada comparável. Em primeiro lugar, a guerra na Europa só foi possível após uma série de fracassos decisivos da classe operária na Itália, Alemanha, Áustria e Espanha, tal como Trotsky explicou. A correlação de forças das classes é agora completamente diferente. As organizações dos trabalhadores estão em grande parte intactas, e a burguesia não pode girar de imediato para a reação na forma de Estados policiais-militares.

357. Além do fato de que a correlação de forças de classe, que é a razão fundamental para que uma guerra mundial esteja descartada, há outra questão pela que a classe dirigente europeia não vai se conduzir apressadamente ao fascismo ou ao bonapartismo. Seus dedos foram queimados gravemente quando no passado entregaram o poder para uma camarilha de aventureiros fascistas e ditadores desequilibrados. No caso da Alemanha, isto conduziu a uma derrota desastrosa na guerra e à perda de grande parte de seu território. Um caso mais recente foi a Junta Militar grega que assumiu o poder em 1967. Aquilo desencadeou o levantamento revolucionário de 1973. Pensarão duas vezes antes de repetir a experiência. Surgiria a perspectiva da ditadura unicamente se os trabalhadores fossem decisivamente derrotados. 

358. Além da correlação interna de forças entre as classes, também se deve ter em conta o equilíbrio de forças entre as principais nações. Para saber como abordar a questão da guerra, é necessário propor de uma forma concreta: quem vai lutar contra quem? Esta é uma pergunta muito concreta! Há tensões entre Europa e os EUA que podem conduzir a um desenlace bélico no futuro. Mas a esmagadora superioridade dos EUA implica que não há poder sobre a Terra que possa desafiá-lo para uma guerra. Nem todos os países europeus juntos podem empreender uma guerra contra os EUA.

359. A Alemanha, apesar de seu músculo industrial, não está na posição de chegar a invadir a Rússia como o fez em 1941. Pelo contrário, está cada vez mais subordinada aos interesses da Rússia na Europa. Vemos uma mudança similar na Ásia, onde China, anteriormente atrasada, converteu-se em uma nação industrial e militar formidável. Pode o Japão invadir a China como fez nos anos 30? Que tente! Esta não é a mesma China de 1930. Por essa mesma razão, os EUA não podem esperar reduzir a China a uma posição de escravatura colonial, tal como planejou fazer no passado.

360. Há tensões crescentes nas relações entre diferentes países. A China está comprometida em um massivo aumento de despesas militares. Pequim compra aviões Carrier e desenvolve mísseis de longo alcance. Pelo contrário, os EUA realizam manobras militares conjuntas com o Vietnã e desloca mais tropas para a região. Vietnã também reforça seu poder militar adquirindo submarinos e aviões da Rússia. Há tensões sérias na península coreana, em consequência da grave crise do regime norte-coreano, que poderia implodir de uma hora para outra. Os chineses estão preocupados diante do temor de que o regime possa sofrer um colapso em sua fronteira. Sob certas condições estas tensões poderiam desembocar em conflitos militares. Mas está descartada uma guerra mundial entre as grandes potências.

361. Por outro lado, a crise mundial significa que se desenvolverão pequenas guerras o tempo todo – como as guerras em Iraque e Afeganistão. Estas se somarão ao descontentamento social e exacerbação na luta de classes na Europa e nos EUA. O poder do imperialismo estadunidense é colossal, mas não é ilimitado. Podemos ver as limitações do poder militar estadunidense no Iraque e Afeganistão. Eles só puderam atacar o Iraque porque seu exército estava efetivamente fraturado pelos anos de bloqueio. Inclusive aí, a tentativa de manter Iraque subjugado foi derrotada pela guerra de guerrilhas. O poder mais poderoso da Terra, após dispor-se a deixar o Iraque, será também obrigado a se retirar do Afeganistão, deixando atrás de si uma situação caótica.

A ameaça da reação?

362. Temos indicado repetidamente que todas as tentativas da burguesia para restaurar o equilíbrio econômico destruirão o equilíbrio social e político. Grécia é a prova desta afirmação. Lá já foi destruída a estabilidade social e política. E ao levar adiante todos esses sacrifícios, que têm sido em vão, fará com que a austeridade seja completamente intolerável. O resultado será um período turbulento de revolução – e contrarrevolução- que pode permanecer por anos.

363. A classe operária sofrerá muitos golpes duros que sacudirão a consciência dos trabalhadores e a juventude, a reforçando-a. Os horríveis acontecimentos na Noruega são uma advertência diante do que está por vir. Outrora pacífica, próspera e democrática, a nórdica Noruega, que parecia invulnerável a crise, foi convulsionada pelo assassinato dos jovens socialistas, realizado por um pistoleiro fascista. A verdade é que as relações entre classes nos países escandinavos foram de alguma forma suavizadas após a II Guerra Mundial.

364. A ausência de grandes batalhas de classe atenuou os extremos da luta de classes. Este abrandamento causou um efeito corrosivo dentro do movimento operário com a difusão de ideias estranhas à classe: feminismo, pacifismo, e outras ideias pequeno-burguesas têm penetrado no movimento e o debilitaram. E este não é só o caso da Escandinávia.

365. Durante décadas pareceu que os países escandinavos eram modelos de reformas pacíficas. Isto é o que se pensava da Noruega até que este cômodo esquema foi transtornado pelo terrível massacre das Juventudes Trabalhista. Apesar do veredito de um tribunal norueguês, o assassinato não foi um ato de um louco solitário. Isto mostra o aumento das contradições dentro do capitalismo, ameaçando de destruir a coesão interna e a estabilidade até mesmo do mais desenvolvido dos estados capitalistas, sem excluir os EUA.

366. Nos anos 70, a Conspiração Gladio (a rede de espionagem continental desenhada na Europa Ocidental pela CIA e pelos serviços secretos da cada país para preparar golpes de estado e o assassinato de dirigentes operários e da esquerda) mostrou justamente quão frágil e acessória é uma democracia burguesa. A burguesia pode passar da democracia à ditadura tão facilmente como um homem passa de um vagão de trem para outro. Não obstante, para fazer isso, devem cumprir-se certas condições. Do mesmo modo que há leis que governam a revolução, também há leis que regem a contrarrevolução. Os capitalistas não podem ir à ditadura, simplesmente porque assim desejam fazer isso, igualmente também não podemos realizar a revolução socialista simplesmente porque a desejemos.

367. A Agência Central de Informação estadunidense (CIA) advertiu em um relatório que as duras medidas de austeridade levadas a uma situação limite, poderiam, se intensificadas, levar a Grécia a um golpe militar, isso segundo informações divulgadas no popular diário Bild da Alemanha. Segundo este relatório da CIA, com a intensificação dos protestos de rua golpeados pela crise, a situação na Grécia poderia transformar-se em uma escalada de violência e rebelião, e o governo grego poderia perder o controle. O jornal disse que no relatório da CIA há conversas sobre um possível golpe militar se a situação chegar a ser mais séria e incontrolável.

368. É possível que um setor da classe dirigente grega contemple a ideia de encontrar uma solução para seus problemas indo para a reação, tal como fizeram em 1967. No entanto, os trabalhadores gregos se lembram de 1967 e dos crimes da Junta Militar. Qualquer movimento nessa direção provocaria agora uma guerra civil. Assim reconheceu um analista político norte-americano, Barry Eichengreen (Professor de Economia e Ciência Política da Universidade de Berkeley, na Califórnia) em um artigo recente, com o título muito preciso de “Europa à beira de uma ruptura política”: “Na mesma Grécia, é já tênue a estabilidade política e social. Uma bala de borracha mal dirigida poderia ser o necessário para converter o próximo protesto de rua em uma guerra civil desatada”.

369. Barry Eichengreen não está sozinho. Paul Mason, o redator de Economia do BBC2’s Newsnight, escreve: “Nas chancelarias da Europa, sobretudo em Berlim, tratam de questões que são impossíveis de mencionar. Há uma defasagem total entre as expectativas políticas e o que é iminente. Isto me faz recordar como muito do que acontece em 2011 é parecido com o que ocorreu em 1848 quando: Metternich foi jogado pela janela por uma multidão poucas horas antes de sua vergonhosa derrubada; Guizot, incapaz de respirar pela impressão que lhe causou a renúncia de seu ministério; Thiers, premiê durante um dia, sofrendo um ataque em sua carruagem Tourette no século XIX, acossado pelas massas…”.

370. Os estrategistas burgueses mais inteligentes estão tontos diante da marcha dos acontecimentos na Grécia. O problema não é tanto que isto pudesse conduzir a uma guerra civil. O dilema está em que a burguesia grega não estaria segura de ganhar tal guerra. A classe operária está invicta. Sente-se respaldada pelo apoio das massas, da população grega — não somente pelos trabalhadores e camponeses, nem tão pouco pelos estudantes e intelectuais, senão que pelos pequenos comerciantes e taxistas, e até por muitos oficiais militares aposentados, que pelo colapso repentino de seu nível de vida chegam a conclusões revolucionárias.

O papel do reformismo

371. Neste momento, não há base em nenhum país da Europa para uma solução bonapartista ou fascista. As organizações fascistas de hoje são ante de tudo pequenas seitas sem influência entre as massas. Inclusive o ataque da Noruega não foi uma expressão de força, mas sim de debilidade. O terrorismo é sempre, em última instância, uma expressão de debilidade e da incapacidade para chegar às massas.

372. A burguesia não precisa dos fascistas neste exato momento. Qualquer tentativa de inclinar-se para o fascismo ou ao bonapartismo, nesta situação, provocaria simplesmente a ação do movimento operário. Os políticos de Bruxelas temem que a Grécia chegue a ser ingovernável. Se não chegou ainda nesta situação foi graças aos líderes reformistas. Por isso, no futuro imediato, a burguesia deve governar mediante partidos reformistas e os sindicatos. 

373. Na Grécia, a direção do PASOK assumiu sobre seus ombros a tarefa da austeridade capitalista. Papandreu esteve preocupado em demonstrar suas “particulares qualidades de estadista”, isto é, sua lealdade aos interesses dos banqueiros e capitalistas. Estava desejoso de aceitar todo o ódio do programa de austeridade e, finalmente, a sacrificar-se diante do altar do capital grego e europeu.

374. São precisamente os reformistas quem praticam cortes, ou diretamente ou apoiando nos ataques dos governos da direita contra os níveis de vida como um “dever patriótico”. Na Grécia entraram no chamado governo de unidade nacional com a Nova Democracia (direita) e também com o partido de extrema direita, LAOS. Na Itália, colaboraram totalmente votando a favor do governo “tecnocrata” de Monti. Tanto na Grécia como na Itália, estes chamados governos de unidade nacional representam a unidade dos patrões contra os trabalhadores que sofrerão mais adiante ataques ainda mais duros contra as condições de vida.

375. Como consequência da degeneração burocrática e reformista ao longo de décadas, desde meados do século passado, os dirigentes das organizações de massas da classe operária se transformaram em um impenetrável obstáculo para o movimento revolucionário. É um fato monstruoso, mas não é um fato qualquer. É uma contradição dialética, já que precisamente quando o capitalismo está na crise mais profunda da história, todos os líderes do movimento operário aceitam “o mercado”.

376. Uma vez que se aceita a existência do capitalismo, devem ser realizadas as exigências do Capital. Isto explica a conduta dos reformistas, quem em todos os lugares atuam como os administradores da crise capitalista, ao executar um programa de cortes e ataques no nível de vida para defender os interesses dos banqueiros e capitalistas. Neste sentido, os “esquerdistas” não são melhores que os da ala direita. Eles compartilham a visão da ala direita de que não há realmente nenhuma alternativa frente ao capitalismo, e suas ações são em consequência disso.

377. Abandonaram qualquer perspectiva de transformação socialista da sociedade. A diferença reside em que enquanto os de direita realizam seus serviços ao Capital com entusiasmo e determinadamente, os reformistas de esquerda acham que é possível ter um capitalismo de rosto humano. Eles querem acrescentar uma colherinha de açúcar no remédio amargo. Mas a vida tem preparado uma áspera lição de realismo para o reformismo de esquerda. Independentemente de suas intenções subjetivas, a Esquerda simplesmente atua como cobertura para os reformistas de direita.

378. Esta regra se aplica também para os antigos líderes “Comunistas” quem chegaram a se transformar em vulgares socialdemocratas. Estes dirigentes estão completamente fora de contato com o verdadeiro ambiente da classe operária. Vivem em outro planeta os que pensam que os trabalhadores italianos, espanhóis ou belgas, ou os trabalhadores de qualquer outro país, aceitarão estes cortes sem luta.

379. Sem os líderes reformistas, o capitalismo não poderia durar mais de uma semana. Por essa mesma razão, falar do perigo do fascismo e do bonapartismo não faz sentido neste momento. A classe dominante de toda Europa, nesta etapa, deve se apoiar nos dirigentes operários das organizações de massas. Qualquer tentativa de mover-se em direção ao fascismo ou ao bonapartismo nesta situação, simplesmente provocaria a ação do movimento operário.

380. Logicamente que esta situação pode se alterar. A atual crise pode persistir durante anos. Em um momento dado, a classe dominante dirá: há demasiadas greves, demasiadas manifestações, demasiada desordem Temos que restaurar a Ordem! Então, poderia ocorrer um movimento até a reação. Mas ainda em tal caso, a classe dirigente teria que proceder com cuidado sobre o terreno, se deslocando para um bonapartismo parlamentar.

381. A classe dominante não está em condições de lançar um ataque total contra o movimento operário. Pelo contrário, o pêndulo inclina-se para a esquerda. A classe operária terá muitas oportunidades de tomar o poder em suas mãos antes que a classe dominante possa passar para a reação. Que fique claro, o movimento da classe operária não é nunca retilíneo. Temos tempo, mas não ilimitado. A burguesia não pode lançar sua força nesta etapa. Mas isso pode mudar. Isso vai acontecer. Os fracassos são inevitáveis. Em certa etapa, a burguesa pode ganhar apoio para sua demanda da restauração da ordem. No entanto, esta não é uma perspectiva imediata em nenhum país capitalista desenvolvido.

O papel da juventude 

382. Um dos fatores mais sensíveis nos movimentos que têm varrido o mundo foi a mobilização da juventude, que em todos os casos esteve na vanguarda da luta. Os jovens estudantes e trabalhadores, devido a sua posição, são um barômetro muito sensível das contradições subjacentes na sociedade. No mundo árabe, quase 75% da população é menor de 35 anos de idade. Destes, quase 70% estão desempregados e muitos têm que lutar para ganhar a vida na economia informal. Ademais, a asfixiante supressão de todos os direitos democráticos exerce uma extraordinária pressão na juventude, que por sua mesma natureza se rebela contra tais coações.

383. A situação atual da juventude nos países capitalistas avançados não é essencialmente muito diferente à que sofre a juventude dos países atrasados. Na Espanha, o desemprego juvenil nos menores de 25 anos de idade, é mais de 40%, e a situação no resto da Europa avança rapidamente na mesma direção. Ao mesmo tempo, a democracia burguesa está perdendo rapidamente sua legitimidade diante dos olhos da juventude que corretamente a vê, e a todos os partidos estabelecidos relacionados com ela, como um disfarce para a ditadura dos banqueiros.

384. Recentemente, uma pesquisa estatística descobriu unidades familiares nos EUA encabeçadas por membros menores de 35 anos de idade, com um valor médio de renda de 3.662 dólares em 2009, isto é, 47 vezes menos que o valor total médio das unidades familiares sustentadas por membros maiores de 65 anos. Com níveis recordes de desemprego e dívida, não há nenhuma luz ao final do túnel para esta “geração perdida”.

385. As novas gerações surgidas hoje nos países capitalistas avançados são as primeiras que, desde a Segunda Guerra Mundial, podem esperar ver as condições de vida piores que as de seus pais. Estas não se lembram “os dias dourados” do reformismo, quando o capitalismo podia se permitir dar mínimas concessões, propiciando aos líderes reformistas incrementar suas autoridades que podiam traduzir-se em paz social. Também têm memória das lutas do período de pós-guerra quando os trabalhadores se expressavam através de suas organizações tradicionais de massas. As únicas experiências que os jovens têm são as contrarreformas dos anos 90 e as traições constantes dos socialdemocratas e, em certo grau, dos estalinistas.

386. Portanto, a visão global da juventude em relação às forças políticas estabelecidas é de desconfiança. A autoridade dos dirigentes das organizações tradicionais de massas está, entre os jovens, em um declínio histórico. Desde o princípio da crise, a juventude tem sido duramente golpeada, no entanto não encontrou nos dirigentes reformistas e estalinistas pessoas que represente seus interesses. As organizações tradicionais estão ainda sob o pesado fardo da sufocante burocracia arrivista e, portanto, nesta etapa, não refletem as aspirações dos movimentos que se sucedem. Pelo contrário, dirigentes do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha, do PASOK na Grécia, e do Partido Democrático na Itália sucumbem às pressões da classe capitalista e fazem o máximo para aparecer como “estadistas”.

387. Esta situação mudará mais adiante, começando em primeiro lugar pelos sindicatos. Já podemos ver a pressão nos líderes sindicais para que façam algo. Em vários países, por exemplo, viram-se obrigados a convocar greves gerais. No entanto, estamos ainda em etapas muito iniciais de um processo de diferenciação interna nas organizações de massas.

388. Assim, resulta que, enquanto a juventude, sobretudo suas camadas ativas, buscam conclusões revolucionárias, os líderes das organizações oficiais de massas se aferram desesperadamente ao mandato capitalista. Por isso estes não podem satisfazer a juventude radicalizada que busca ideias que rompam completamente com o sistema. A juventude atua vigorosa e energicamente, e isso cria grandes possibilidades para os marxistas que podem se aproximar da juventude diretamente sob sua própria bandeira. Se os marxistas adotam uma aproximação flexível para esta juventude revolucionária, podem conseguir grandes êxitos.

Fluxos e refluxos inevitáveis

389. Um documento de perspectivas não é meramente uma lista de acontecimentos e cifras. Deve tratar os processos fundamentais da Revolução Mundial. Deveríamos tentar agrupar os argumentos e obter conclusões. Entramos em um período dos mais turbulentos da história da humanidade, com uma marcada tendência à luta classes em todos os lugares. Entramos em um período no qual podemos ver a queda de regimes burgueses depois de terem sido derrubados há 20 anos os regimes estalinistas. A burguesia está em alerta e sem sossego e por isso está cada vez mais alarmada.

390. Em todos os lugares vemos os sintomas de decadência. Tais sintomas são conhecidos pelos estudantes de história que estão familiarizados com a decadência e a queda do Império Romano. Os escândalos que batem com violência na cara da burguesia na França, Itália e Grã-Bretanha. O escândalo na Grã-Bretanha é o mais profundo, e afeta a todas as instituições: a imprensa, os políticos, os banqueiros e a monarquia.

391. Os acontecimentos de Wisconsin mostram também os inícios da fermentação nos EUA. Certamente, isto não significa que a bandeira vermelha tremulará amanhã mesmo sobre a Casa Branca, mas confirmam que o mesmo processo ocorre em todos os lugares, em diferentes velocidades e em diferentes condições, até no país mais rico e poderoso do mundo.

392. No entanto, não devemos adotar uma atitude superficial e impressionista frente aos acontecimentos. As massas não podem permanecer nas ruas indefinidamente. A situação implica em repentinas e pesadas mudanças. Em um país depois do outro, a classe operária e a juventude já seguem o caminho da luta. O fermento revolucionário será liberado ao longo dos anos, talvez décadas. Nós devemos esperar fluxos e refluxos. Ocorrerão momentos de grande avanço, mas também outros momentos de cansaço e desilusão e inclusive períodos de reação.

393. Inevitavelmente ocorrerão reveses e fracassos. Mas, em tal período, os fracassos serão o prelúdio de um novo levante revolucionário. Recordemos que até1917 ocorreram altos e baixos na revolução. Após a derrota dos Dias de Julho, Lenin teve que fugir para a Finlândia e permanecer escondido quase até a Revolução de Outubro. Mas as condições revolucionárias deram lugar a um novo avanço. Vimos exatamente o mesmo modelo na Revolução Espanhola nos anos 30.

394. O caminho que escolhemos não vai ser fácil, pelo contrário será muito difícil. Devemos converter em aço nossos quadros de tal modo que não se vejam afetados em excesso pelos acontecimentos efêmeros na luta de classes. Estamos em uma época de revoluções, mas também de guerras e contrarrevoluções. Isso significa que serão abertas oportunidades tremendas à tendência marxista em todos os lugares. No entanto, a condição prévia para o sucesso é que eduquemos nossos quadros no método marxista.

Perspectivas Revolucionárias

 395. Há vinte anos, os estados policiais estalinistas, com seus poderosos aparelhos repressivos, caíram um após o outro sob a pressão da rebelião das massas. Ted Grant indicou que o colapso do estalinismo foi um acontecimento dramático, mas que era só o prelúdio de algo muitíssimo maior: a crise do capitalismo. E isso é o que hoje estamos testemunhando.

396. O espantoso sobre a queda do estalinismo foi a facilidade com a que os trabalhadores derrubaram o que pareciam ser Estados todo-poderosos com um enorme aparelho repressivo. O mesmo pode ocorrer sob o capitalismo, tal como vimos na Tunísia e Egito. Na hora da verdade, o velho regime colapsou como um castelo de cartas. Circunstancias como o Maio de 1968 podem ser repetidas e generalizadas.

397. A única coisa que esteve ausente dos processos revolucionários que se alçaram na Tunísia, Egito e Grécia foi a direção revolucionária. Isto é algo que não pode ser improvisado. Deve ser preparado de antemão Como se faz isto? Qual deve ser o dever dos marxistas nesta situação? Ainda não nos propomos atingir as massas com nossa propaganda. Está para além de nossas capacidades. Apontamos aos elementos mais avançados dos trabalhadores e da juventude. Não lançamos consignas “fáceis” de agitação que simplesmente dizem aos trabalhadores o que eles já sabem. Os trabalhadores precisam que lhes seja dita a verdade. E a verdade é que sob o capitalismo o único futuro que lhes espera é o da austeridade permanente, nível de vida decrescente, desemprego e pobreza.

 398. As camadas mais veteranas de indivíduos cansados e desmoralizados tenderão a desprender-se e serão substituídas por elementos mais jovens e vigorosos que estejam dispostos a lutar. Tal como temos explicado, as massas porão a prova todos os partidos e direções existentes. Terá toda uma série de crises e de cisões à direita e à esquerda. Em um determinado momento, emergirá uma esquerda de massas. A ala direita será vaporizada pelos acontecimentos.

399. Alguém poderia objetar: “Mas as massas na Grécia e Espanha e Itália não sabem o que querem!”. Sem dúvida! Mas sabem o que não querem! Há um questionamento do capitalismo que não estava presente antes. Mesmo assim, devemos ser realistas. As massas não podem ficar nas ruas indefinidamente. Ocorrerão inevitavelmente períodos de calma, nos quais os trabalhadores refletirão profundamente sobre o que ocorreu, criticando, diferenciando e tirando suas conclusões. É exatamente durante tais períodos, quando as ideias do marxismo podem ganhar um eco poderoso; à condição de que sejamos pacientes, de que escutemos o que as massas estejam dizendo e propondo palavras de ordens corretas.

400. Nosso dever, para usar a expressão de Lenin, é explicar pacientemente. Devemos explicar que só a expropriação dos banqueiros e capitalistas, e a substituição da anarquia capitalista por uma economia democraticamente planificada, é que poderão proporcionar uma saída à crise. Em particular, devemos manifestar nossa posição contra o veneno nacionalista dos estalinistas, (que no caso da Grécia, defendem que volte o dracma) mediante a palavra de ordem de Estados Socialistas Unidos da Europa, a única alternativa verdadeira à bancarrota da União Europeia dos patrões.

401. Nos acontecimentos revolucionários que estão por vir, a classe operária avançada e a juventude aprenderão. Claro que movimentos como o dos indignados na Espanha mostraram uma verdadeira dose de ingenuidade e de confusão, mas é inevitável. Sempre há confusão nas etapas primeiras de uma revolução. É porque as massas não aprendem dos livros, senão da experiência. Se nós trabalhamos corretamente, podemos ajudar a que saltem até as conclusões revolucionárias, fazendo-lhes entender a necessidade do marxismo e de uma organização revolucionária.

402. As ideias do marxismo são as únicas ideias que podem conduzir à classe operária à vitória na Europa, no Médio Oriente e em todo mundo. Estas são nossas armas. Nas academias militares da burguesia, os futuros oficiais estudam as guerras passadas para se prepararem para as guerras futuras. Do mesmo modo, devemos preparar nossos quadros como os futuros oficiais do proletariado revolucionário. Cada camarada deve estudar as revoluções passadas com a finalidade de aplicar as lições para as futuras revoluções.

403. No passado, nossas perspectivas eram corretas, mas pareciam algo abstratas. Agora são muito concretas. Isto reflete, por um lado, a maturação das condições em todas as partes. Pelo outro, reflete o fato que a CMI está participando ativamente nos acontecimentos revolucionários. Não somos mais simplesmente observadores e comentaristas, mas sim participantes ativos.

404. Teremos diante de nós oportunidades tremendas para construir a organização. No entanto, a organização não se constrói sozinha. Isto requererá trabalho duro e o sacrifício de todos e de cada um dos camaradas. Devemos ser reafirmados com um sentido de urgência para construir as forças da Internacional revolucionária. Se não o fazemos nós, ninguém mais o fará.

405. O que está sucedendo deveria nos encher de entusiasmo, determinação e confiança no futuro do socialismo. Baseando-nos em uma análise científica, e aplicando táticas inteligentes e flexíveis, podemos nos ligar com os melhores elementos da juventude e da classe operária, e elevar a toda a Internacional ao nível das tarefas propostas pela história.

 

8 de fevereiro de 2011

Comitê Executivo Internacional da CMI