PEC 150: mais cultura, menos mercado!

Na quarta-feira da semana passada foi aprovada uma reivindicação histórica dos artistas: a Proposta de Emenda Constitucional 150 (PEC 150).

A PEC 150 compromete anualmente no mínimo 2% dos recursos da União, 1,5% dos Estados e 1% dos municípios para a preservação do patrimônio cultural brasileiro e para produção e difusão da cultura nacional. Atualmente o orçamento federal destinado à cultura é de apenas 0,5%.

Na justificativa da emenda constitucional aprovada pela comissão especial da Câmara dos Deputados lê-se: “valorização da cultura nacional depende de um decisivo e continuado apoio governamental”.

A vitória da PEC na comissão da Câmara avança no entendimento da importância da cultura como responsabilidade pública. Atualmente, o maior orçamento público para cultura segue uma lógica mercadológica através de incentivos fiscais para empresas privadas que queiram “ajudar” a cultura: a Lei Rouanet. Com essa Lei, as empresas podem escolher projetos culturais para investirem o dinheiro que pagariam como imposto. Como empresas privadas, seus interesses culturais coincidem com seus interesses comerciais. O exemplo dos 9 milhões de reais concedidos aos produtores do Cirque de Soleil (multinacional do entretenimento que cobrava ingressos acima de 100 reais) é um dos escândalos do dinheiro público privatizado.

Diante do cenário de políticas culturais públicas baseado nas leis de incentivo fiscal, a vitória da PEC 150 no Congresso poderá representar uma conquista para o povo brasileiro que sente todos os dias seu direito à cultura tornando-se privilégio para alguns.

Mas, se a PEC 150 garante e aumenta o dinheiro público para cultura, ela também nos coloca a questão: qual cultura queremos?

Mais cultura

A cultura pode ser considerada uma das funções vitais da sociedade em relação permanente com todos os outros campos da vida social e no seu condicionamento histórico concreto. É do âmbito da cultura o estímulo à imaginação, à troca, ao exercício da criação e tantas outras manifestações que fazem o ser humano especificamente humano.

Se nossa “humanidade” manifesta-se por meio da cultura, o que significa tornar a cultura um privilégio para poucos? Seria como dizer que somente alguns podem ser “humanos”.

Por isso que a cultura que queremos que o governo financie, através da PEC 150 e de todas as outras políticas públicas nessa área, é a cultura produzida pelo próprio povo brasileiro, em todas as suas formas, todas as suas diferenças, todos os seus questionamentos.

Porém, o que vemos no mundo que vivemos é que essa função assume constantemente características próprias do comércio. Muito da produção cultural hoje é valorizada não por sua importância em relação à vida social, mas pela sua capacidade de “aparecer mais”, “ser mais conhecida”, “vender mais”. Esse tipo de valorização atribuída a qualquer mercadoria é também transferida para a cultura. Ouvimos falar de “produto cultural”, “mercado cultural”, “capital cultural”. Embora pareça “natural” essa transferência de atribuições mercantis a todos os aspectos da vida atual, essa transformação, tem origem histórica na idéia de que tudo pode ser comercializado, ou seja, de que tudo deve produzir lucro, acúmulo de capital.

Menos mercado

Os governos Collor e FHC assumiram essa mercantilização da vida. Durante os anos 80 e 90, o que vimos no Brasil foi uma privatização direta e indireta de todos os direitos. Hoje se tornou “normal” pensar em pagar a escola, a faculdade, o plano de saúde, o aluguel, as prestações da casa própria. Parece “natural” que o direito à educação, saúde, moradia e transporte sejam hoje privilégios dos que podem pagar por eles.

O governo Lula, ao fazer alianças com os partidos da direita, também seguiu a cartilha da privatização. A reforma da previdência transformou a aposentadoria em privilégio. O Prouni privatiza o dinheiro público para a educação superior. As leis de incentivo fiscal para a cultura, como vimos acima, continua privatizando esse direito.

Com o nome de mercado, de privado, o que vemos é que se não estamos no “clube dos eleitos”, não temos direito a nada. Aqueles que estão fora do mercado, não existem. Aqueles que não podem pagar o privilégio privado, não estudam, não têm saúde, não têm cultura.

Mas como se pode privatizar a imaginação? A criação? A capacidade de sonhar de um povo? Acabando com todos os outros direitos. Quando o transporte pra chegar em casa demora horas, o trabalho é concorrido, o tempo de dormir quase não existe, o descanso é insuficiente, fica difícil a gente sonhar tranqüilo.

Cultura não é mercadoria!

É por isso que, há anos, trabalhadores da cultura e de outras áreas lutam juntos para conquistar o direito de sonhar. A PEC 150 pode ser o primeiro passo para mostrar ao governo Lula que o que o povo quer não é mais cultura para os mesmos, é mais cultura para todos. Não queremos poder “comprar” cultura, queremos fazer, compartilhar, criar a nossa cultura.

As lutas do povo trabalhador são muitas e se completam: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

Se ter casa, comida, transporte, descanso e cultura para todos é ir contra aqueles que gostam dos seus privilégios “naturais”, então precisamos nos organizar e lutar: a vida não é mercadoria!

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