Para onde vai a “Democracia Socialista”? – Parte 1

Análise dos tortuosos caminhos que seguiu a DS dentro do PT e seu abandono do marxismo. A leitura deste texto é útil à todos aqueles que querem compreender a trajetória de adaptação do PT à burguesia para superar a atual política de colaboração de classes

Imagem: Os capacetes azuis do “socialismo democrático” brasileiro no Haiti para garantir a implantação de zonas francas e produção de etanol sob controle de empresas multinacionais

Introdução

“Se tomarmos os temas centrais do leninismo: o centralismo democrático, a ditadura do proletariado como poder dos conselhos operários, o internacionalismo, não encontramos quem os defenda de maneira coerente fora da herança de Trotsky e da IV Internacional. E além dos temas básicos do leninismo, são imprescindíveis para uma atuação revolucionária formulações como a teoria da revolução permanente, a defesa do exercício da democracia proletária e da independência política de classe como eixo estratégico fundamental.

Uma conclusão se impõe: do mesmo modo que o marxismo passa necessariamente por Lênin, o leninismo passa necessariamente por Trotsky” (Ousadia na construção do partido revolucionário, teses da Democracia Socialista, março de 1980).

“8. O programa da revolução democrática não é idêntico a um programa socialista da revolução, na medida em que sua centralidade não está apoiada na superação imediata do sistema capitalista (…)
9. O conceito de revolução democrática procura encaminhar uma solução histórica ao velho enigma sobre o caráter da revolução que polarizou as diferentes tradições da esquerda brasileira. Isto é, não se trata de uma revolução com um programa socialista imediato nem de uma revolução democrático-burguesa, mas de uma revolução democrática dirigida pelos socialistas e apoiada fundamentalmente nas forças de emancipação dos trabalhadores e do povo brasileiro. Este enigma só pode ser resolvido a partir de uma cultura e prática do socialismo democrático que ainda não se formou em nosso país”.
(Teses do X Conferencia da Democracia Socialista, julho de 2011).

A Democracia Socialista (DS), tendência interna do PT, sempre vem reivindicando o legado do marxismo revolucionário. É o que consta em um balanço da tendência feita por um dos seus dirigentes, Juarez Guimarães, por ocasião da IX Conferencia Nacional. A DS é uma das mais antigas tendências do PT. Praticamente se formou junto com o partido nos idos de 1979/80. Ela participa de várias administrações estaduais e municipais do PT e está à frente do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que cuida da reforma agrária, desde o governo Lula. E a DS tem sido duramente criticada, dentro e fora do partido, pela sua omissão em relação ao avanço do “agronegócio” no campo em detrimento da reforma agrária e com todas as suas consequências: assassinatos de lideranças camponesas e expulsão de lavradores de suas terras. Na gestão da DS do Ministério da Reforma Agrária o agrocapitalismo vem destruindo sistematicamente a agricultura familiar no campo. Na página da Internet do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e da Via Campesina encontramos farta documentação sobre o assunto.

Anos passado a DS realizou em Brasília, nos dias 8, 9 e 10 de julho, a sua X Conferencia Nacional. Conforme noticiado pela própria DS, o encontro reuniu mais de 200 delegados eleitos em um processo de discussão que envolveu cerca de 5 mil militantes em quase todos os Estados brasileiros. Não é pouca coisa considerando o processo de esvaziamento da militância do PT em decorrência da adaptação do partido em relação às instituições do Estado capitalista, e especialmente, após a implementação do PED, um processo de eleições diretas que esvaziou de significado os tradicionais encontros partidários. Mas certamente a militância da DS deve ter tido assunto para discutir neste processo de debates.

Os problemas da reforma agrária por si só ocupariam todo o tempo de um congresso. O governo Dilma, por sua vez, neste primeiro ano que se encerrou, engendra uma crise política atrás da outra em função da coligação PT-PMDB e vem enfrentando uma resistência crescente da classe trabalhadora em todo país em função das consequências da política de colaboração de classes da aliança com a burguesia. A estratégia governamental de “quanto mais capitalismo melhor” não convence a classe trabalhadora que tem se mobilizado pelo atendimento de suas reivindicações.

No pano internacional o capitalismo enfrenta a sua maior crise econômica desde 1929/30. Mobilizações de massas gigantescas abalam a ordem capitalista na Grécia, Itália, Espanha. França, Inglaterra, Portugal e agora a avalanche começa a chegar nos Estados Unidos. Ocorreu neste ínterim a Primavera Árabe com a derrubada de quase todos os ditadores. Assunto não faltou para que este “amplo” processo de discussão do congresso da DS pudesse tomar uma posição diante dos acontecimentos e das tarefas. A DS é uma tendência que se “reivindica do legado de Marx, Trotsky, Lênin, Gramsci”.
Mas com a publicação das Resoluções da X Conferencia que veio a público muito tempo depois do encontro, o que lemos é um amontoado de teses conceitualistas sobre a “derrota do neo-liberalismo”, “revolução democrática”, “Estado de Bem-Estar Social”, “economia solidária” e “democracia participativa”. Estes conceitos passam ao largo dos acontecimentos da luta de classes. São abstrações teóricas que nada tem a ver com a realidade. Sobre a questão agrária, o agrocapitalismo e a reforma agrária não falam nada. Se compararmos o anteprojeto de teses e as resoluções finais da X Conferência não houve grandes mudanças. Não divulgaram qualquer texto alternativo às teses oficiais. Houve críticas? Emendas ao texto base? Nada foi publicado. Um verdadeiro congresso democrático torna públicos as teses oficiais do grupo dirigente e os documentos alternativos. Agora fica a pergunta: houve discussão ou tudo não passou de um ato pró-governamental? É para isso que serviu a Conferência?

Nenhum passo adiante, muitos passos para trás

Para se entender o significado das resoluções da X Conferencia da DS é preciso aplicar o método marxista:

“O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a consciência” (Karl Marx, Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política).

Dessa forma, não importa o que os homens pensam ou falam de si mesmos, mas o que realmente fazem. E a trajetória da DS, a sua prática política, é bastante reveladora de uma metamorfose que transformou aos poucos uma organização que se reivindicava do marxismo revolucionário em um dos vários aparatos burocráticos dentro do PT que vive à sombra do “lulismo”.

Não é o foco de nossa polemica aqui a história da DS. O nosso maior interesse é debater as teses aprovadas na X Conferencia. Mas é relevante assinalar alguns aspectos da trajetória degenerativa desta tendência.

A DS foi na realidade formada em 1979 no contexto do ascenso do movimento operário em todo o Brasil que acelerou o fim da ditadura militar. Foi nesta época que nasceu o PT a partir de um encontro de sindicalistas na cidade de Lins, em São Paulo.

O grupo Centelha, originário do movimento estudantil em Minas Gerais, liderava em São Paulo a publicação do jornal semanal Em Tempo, que agrupava um “bloco das esquerdas” (POC, AP, MR-8, autonomistas liderados por Marco Aurélio Garcia e Eder Sader, militantes independentes, entre outros). O Centelha vinha se aproximando do Secretariado Unificado da IV Internacional e o POC era até então uma espécie de “seção oficiosa”. O POC (Partido Operário Comunista) não funcionava como um partido, mas como um coletivo de militantes em São Paulo e no Rio Grande do Sul. O POC se dissolveu e se incorporou no Centelha, que recebeu um grande reforço de militantes do Rio Grande do Sul oriundos da Tendência Socialista do PMDB, que era impulsionada por antigos militantes do POC, especialmente Raul Pont, que é hoje um dos dirigentes da DS, ex-prefeito de Porto Alegre, deputado estadual e presidente do PT gaúcho.
O processo de formação do PT e o embate político que este processo engendrou, o bloco das esquerdas do Jornal Em Tempo foi explodindo e a nova organização foi aos poucos assumindo sozinha a liderança do jornal. No primeiro congresso adota o nome de Organização Revolucionaria Marxista Democracia Socialista, após incorporar também um grupo trotskista que rompeu com a Convergência Socialista e o grupo do sindicalista Paulo Skromov.

Após um longo e penoso debate interno, onde se retira da organização alguns antigos militantes do Centelha, a DS decide aderir ao Secretariado Unificado e passa a ser a seção brasileira. É preciso dizer que este novo quadro organizativo vai ser modelado pela política do Secretariado Unificado, na época dirigido por Ernest Mandel e pela Liga Comunista Revolucionária (LCR), a seção francesa. O SU era um entre outros dos diversos fragmentos em que se dividiu a IV Internacional após a Segunda Guerra Mundial e que continua, até hoje, a se reivindicar fraudulentamente da continuidade da internacional.

Da mesma forma que o SU, a DS nunca entendeu as questões da frente única e suas implicações em um processo original de formação de um partido operário independente de massa, como o PT. A permanente procura de atalhos para a realização de sua política e a busca mítica das “novas vanguardas” levou num primeiro momento a formação de uma política de blocos em torno da unidade dos “revolucionários” dentro do PT, na linha do ultimato ideológico. Neste período não houve nenhuma linha de dialogo com a grande base do partido que era de origem sindicalista, principalmente a questão de uma experiência comum em torno da luta de classes.

A teoria, na época, de que o PT era “um partido revolucionário em construção” era ambígua. O desenvolvimento posterior do PT poderia levar a este desfecho, mas também a outro, a da integração com a sociedade capitalista, o reformismo e a colaboração de classes. Mas o método de buscar atalhos, herança transmitida pelo SU, substituindo o trabalho paciente de frente única e de construção de uma alternativa marxista independente dentro do partido, vai levar aos poucos a DS a capitular ao grupo dirigente.

Como a política do “bloco dos revolucionários” não deu certo, nem poderia dar, a formação da Articulação dos 113 embaralha as cartas na política da DS. Começa então o giro em direção a um novo atalho, o chamado campo majoritário que vem dirigindo o PT há 30 anos. O atalho no caso era o aparato da Articulação que estava se gerando.

A implantação da velha política stalinista no PT: as Frentes Populares

Em 1987 – quando o PT, pela sua inserção do movimento de massa da classe trabalhadora e no centro da crise política de esgotamento da “Nova Republica”, (crise que a Assembleia Constituinte não vai resolver) se credencia como alternativa de governo ¬- acontece o V Encontro Nacional que adota a estratégia “democrático popular”.

No seu balanço da DS, já citado antes, Juarez Guimarães diz o seguinte sobre o V Encontro:

“O PT também estabelecia, já na sua fundação, uma crítica da experiência do socialismo autocrático e prescrevia para si a formação de um programa histórico a partir da vivência mesma da emancipação dos trabalhadores brasileiros. Entre a evolução da identidade programática da DS e a evolução da identidade programática do PT, passou a haver uma progressiva compenetração, e já ao final de uma década de experiência – por volta do V Encontro Nacional em 1988 -, seria difícil pensar uma diferenciação nítida entre elas”.

E continua com uma inusitada comparação:

“Foi a lógica desse conceito (o programa da DS) que foi ao centro do programa do PT nas resoluções do 5º Encon¬tro Nacional, em 1987, vinculando um governo democrático-popular à realização das tarefas anti-monopolistas, antilatifundiárias e antiimperialistas, que levariam a uma dinâmica de revolução permanente”

Nada mais falso do que essa conclusão. O conceito de revolução permanente tal como Trotsky formulou e a estratégia “democrático popular” adotada no V ENPT não se complementam. Pelo contrário, se excluem mutuamente…

Esta virada vai ser decisiva e com total cumplicidade e o total apoio do SU, da LCR, de Ernest Mandel e Daniel Bensaid (este foi um dos gurus da DS). Do esquerdismo que não fazia dialogo algum com a base operária (espontaneamente reformista), que aderira ao partido e que votava na Articulação, passou-se para uma política de aproximação com a cúpula, com o aparelho. Em 1987, por ocasião do V Encontro Nacional do PT, quando se adota a linha da frente popular dentro do partido, trocando em miúdos, quando se adota a via que vai levar a colaboração de classes entre o PT e os partidos da burguesia, a DS capitula diante desta política.

Esta capitulação em torno da política “democrático popular”, nome de triste memória que lembra as frentes populares nos anos 30 do século passado, a política stalinista na Espanha e na França, as Repúblicas democrático-populares do Leste Europeu e a derrota da Unidade Popular no Chile, foi uma capitulação ao grupo de formação stalinista que crescia seu poder dentro do partido e da Articulação.

A Articulação dos 113, depois apenas Articulação, era formada pelos sindicalistas agrupados em torno da liderança do Lula, ex-militantes das organizações guerrilheiras que voltavam do exílio, militantes da Igreja Católica e intelectuais desgarrados. Renegados de todo o tipo, que abandonavam o marxismo, buscaram abrigo na Articulação: Luis Frave, Marco Aurélio Garcia, José Dirceu, entre outros. Não é preciso muito exercício de imaginação para compreender que a política da direção do PT, cuja maioria era da Articulação, marchava para o reformismo. E neste processo, o grupo em volta de José Dirceu, ex-ALN e de formação stalinista, começou a dar o tom da música para o PT dançar. O reformismo operário dos sindicalistas e dos militantes católicos, sem uma estratégia socialista clara, acabou aceitando a política e os métodos do grupo de ex-dirigente da guerrilha, todos formados pelo stalinismo.

Enquanto Lula era a voz pública do PT, o grupo do José Dirceu costurava a linha política do partido, os métodos de construção, revisando aos poucos o programa histórico elaborado por ocasião da fundação do partido.
Foram os tempos da teoria do “acumulo de forças” onde não se permitia qualquer avanço da luta dos trabalhadores, foram os tempos do namoro do PT com os regimes burocráticos do Leste europeu e da malfadada escola de quadros na Alemanha Oriental. Foram os limites da política democrática popular que levou à derrota de Lula perante Collor em 1989 assim como à docilidade da oposição do PT ao governo Fernando Henrique Cardoso.

A estratégia democrática e popular contemplava uma repetição da velha política stalinista das Frentes Populares, a constituição de governos de colaboração entre partidos operários e a burguesia, ou até mesmo com a sombra da burguesia. Em geral essa política se desenvolveu no passado no bojo de situações onde os de cima, os donos do poder, as classes dominantes, não tinham mais como governar e os de baixo, as massas proletárias já não queriam mais viver como antes. Assim foi nos anos 30 do século passado na Espanha e França, e repetido com a Unidade Popular do Chile nos anos 70. É assim agora. É preciso lembrar que quando esta política foi adotada, o PT estava na eminência de conquistar a maior prefeitura do Brasil, a da cidade de São Paulo, e esteve sempre presente nas campanhas eleitorais de Lula para presidência.

Aqui temos um paradoxo: ao mesmo tempo que o PT alimenta, pela sua própria existência, a luta de classes, por outro lado, a política do tipo frente popular procura canalizar o descontentamento das massas, sempre presente, para o enquadramento em torno de um governo de colaboração de classes com a burguesia. Este vem sendo o sentido dos dois mandados presidenciais de Lula e agora o do governo Dilma com a coligação basicamente PT-PMDB.

A reação perante a capitulação da DS à política stalinista se fez refletir dentro da tendência com a ruptura de sua ala esquerda em São Paulo e no Rio Grande do Sul em 1987. Esta ala esquerda, agrupada em torno de alguns antigos militantes do POC, deu origem a uma organização separada chamada de “Luta pelo Socialismo” (LPS) que vai passar a combater dentro o PT, junto com outras tendências da esquerda partidária, a estratégia “democrático-popular”. Mas isso já é outra história.

Um dos elementos essenciais da trajetória da DS é que ela passa de crítica a ator coadjuvante da política “democrático-popular” que se desenvolve dentro do partido.
Existe muita coisa para se falar sobre a trajetória do PT e da DS, que é o objeto de nosso texto, mas o que queremos ressaltar, antes de discutirmos as teses da X Conferencia da DS, é que o “pecado original” que colocou o partido no rumo da colaboração de classes foi o V ENPT.

Essa política, resultante da combinação do grupo lulista com os ex-membros das organizações guerrilheiras, na sua maioria de formação stalinista, engendrou uma pratica política de “assalto ao partido”: a manipulação burocrática dos encontros de base, o uso abusivo do aparato controlado pela Articulação, o esvaziamento deliberado dos núcleos de bases, em processo que vai levar o PT a um quadro de burocratização. Pavimentou-se a avenida para o PT substituir a intervenção na luta de classes pela adaptação ao parlamentarismo, num primeiro momento e depois, na completa adaptação ao Estado burguês. Este curso, que veio crescendo ao longo dos últimos 20 anos, foi acompanhado pela DS, que cada vez mais se aproximou da cúpula, do centro do aparato partidário.
Hoje, os arautos da direção do PT, e a DS entre eles, apresentam um balanço vitorioso em torno da política democrático popular. Foi ela que permitiu ao PT chegar à Presidência do Brasil.

É verdade que esse curso foi mantido ao longo de trajetória do PT. Quando ocorreu o fim da URSS e o desabamento dos regimes burocráticos do Leste Europeu, os discípulos do stalinismo dentro do PT mudaram de casaca da mesma forma que os partidos stalinistas. Jogaram fora o marxismo vulgar que praticavam e abraçaram a causa da velha social-democracia. A política de colaboração de classes intensificou-se. Dessa forma, abandonam a teoria de fazer reformas do capitalismo para se chegar ao socialismo (teoria da acumulação de forças) para adotarem a estúpida idéia de que é preciso desenvolver o capitalismo ao máximo, ficando o socialismo para um sonho distante. Começa o credo do “socialismo como utopia”, o “quanto mais capitalismo melhor” e junto com o novo credo a teoria da “revolução democrática” pregada pela DS.

Apresentam essa mixórdia como o “novo”, o “socialismo do século XXI”, quando na verdade tentam salvar o “velho”, ou seja, o regime social baseado na apropriação privada dos meios de produção.

Os arautos dizem: fomos vitoriosos porque o PT dirige o Brasil! A DS diz: a sinergia com a estratégia democrático popular é a realização do socialismo petista! Mas esquecem que neste tipo de vitória pode também existir uma derrota. É o que veremos adiante.

O internacionalismo socialista da DS

Entrando na discussão sobre as teses da X Conferencia da DS, logo no inicio do texto nos deparamos com a seguinte afirmação:

“Três idéias centrais estão presentes nesse debate: A primeira é a de um novo período político no Brasil definido como a interseção entre as vitórias estratégicas do PT sobre o neoliberalismo, a partir das conquistas desde 2002, com a eleição de Lula e a crise internacional do neoliberalismo”.

Antes de falarmos sobre “as vitórias estratégicas do PT sobre o neoliberalismo” é preciso esclarecer o que a DS entende por “crise internacional do neoliberalismo”. Depois de reconhecer que:

“Há, por outro lado, uma evidente dimensão política da crise, isto é, a incapacidade crescente dos EUA de liderar uma coordenação sistêmica mundial, com reflexos na capacidade do dólar ser a moeda de referência, em um contexto que cresce o poder geopolítico dos chamados Brics, em particular a China, sem que se constitua no horizonte histórico uma alternativa de coordenação sistêmica internacional. Enfim, é visível uma crise de civilização: o capitalismo e seus valores liberais não são capazes de apontar soluções viáveis para os mais graves impasses gerados pela mundialização financeirizada: as crises econômicas seqüenciais e, a intervenção militar e a guerra como políticas permanentes do imperialismo, o aquecimento global e a desigualdade social que cresce também nos países centrais”.

Se esta afirmação é verdadeira, como pretendem os autores da resolução da DS, se o capitalismo não é capaz de apontar “soluções viáveis” para a crise de civilização, então é de se concluir que estamos diante de algo maior do que a crise das políticas neoliberais implementadas pelo mundo afora nas últimas décadas. O que a DS evita dizer é que estamos confrontados com uma crise global do capitalismo, que expõe com toda a clareza a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade e as relações de produção existentes que se transformaram em entraves; entre a produção cada vez mais social e a apropriação privada das relações de produção burguesas; é a raiz da contradição entre o capital e o trabalho.

O que nós estamos assistindo desde 2008 é a eclosão de uma crise do capitalismo muito mais profunda e duradoura que a crise ocorrida em 1929-30. Mas conforme a própria DS reconhece, “as crises econômicas sequenciais” e “as guerras” ameaçam desmoronar a humanidade na barbárie. Mas as crises do capitalismo não podem ser resolvidas por “soluções viáveis” como esperam os reformistas, da mesma forma que também “não existe fim econômico do capitalismo” (Lênin).

A exacerbação das contradições econômicas coloca o problema da escolha entre socialismo ou barbárie. A crise objetiva jamais conduzirá fatalmente e automaticamente a queda do capitalismo. E as reformas graduais com vistas a criar “Estados de Bem Estar Social”, preconizadas pelos partidos socialistas no governo, entre os quais se inclui o PT no Brasil, foram jogadas, já faz muito tempo, na vala comum pelas medidas de austeridade impostas pela crise econômica que faz recair nas costas das massas trabalhadora todo o ônus da crise. É o que está acontecendo na Grécia, Espanha, Itália, França, Inglaterra e agora nos Estados Unidos. E que vem atingindo também o Brasil.
Uma conclusão lógica se impõe: a revolução socialista não é uma utopia e nem um princípio abstrato, mas uma necessidade histórica como expressão política do desenvolvimento mundial das forças produtivas e do “élan” mundial da luta de classes.
Mas a resposta que a DS dá a esta situação internacional é repetir a mesma ladainha dos governos Lula-Dilma:

“Mantido o atual ciclo de crescimento da economia, o Brasil pode se situar em breve entre as maiores potências econômicas do mundo. Em meio à crise da hegemonia norte-americana e de formação de novos pólos geopolíticos, pode vir a crescer qualitativamente a sua capacidade de influência na elaboração de novas agendas internacionais. Enfim, uma revolução democrática que contribua ativamente para derrotar o imperialismo, que promova justiça social no Brasil (…)”

Esse é o novo conceito de “revolução democrática” pregada pela DS nas questões internacionais? Esse é o discurso dos governos Lula e agora Dilma, é o discurso do credo social-democrata dentro do PT, é o discurso de todos os reformistas, que têm todos em comum a recusa sistemática em atender as reivindicações das amplas massas populares. É o discurso da “face humana” do reformismo burguês que visa paralisar a luta de classes (como se isso fosse possível) e enganar o movimento das classes trabalhadoras. A derrota do imperialismo e promoção da justiça social, assim como a realização das reivindicações parciais e democráticas dos trabalhadores e dos povos, só é possível de forma duradoura por meio de governos de trabalhadores, governos de transição que, apoiado nas amplas massas populares e camponesas, faça incursões no regime social baseado na apropriação privada dos meios de produção. Ou seja, governos que façam a ruptura com o capitalismo e com o imperialismo.
Mas isso a DS não diz, embora se reivindique do legado do “marxismo revolucionário”, porque está atrelada até a medula dos ossos de compromissos com a gestão do Estado burguês e na contramão dos interesses da classe trabalhadora. Vide o lamentável papel da DS no Ministério do Desenvolvimento Agrário que encobre a ação do agrocapitalismo e o massacre de camponeses.

A tagarelice em torno de “novas agendas internacionais” e de “novos polos geopolíticos”, assim como “Brasil uma das maiores potências do mundo” se desmascara no momento em que o governo “socialista democrático” brasileiro mantém uma ocupação militar no Haiti mandatado pela ONU. Esse é o conceito de “novos pólos geopolíticos”? A agressão militar contra a soberania do Haiti? Será que, segundo a DS, as tropas do Brasil, “uma das maiores potencias do mundo”, vão ensinar ao povo do Haiti a “justiça social” e as virtudes do “socialismo democrático”? O “socialismo democrático” da DS é extremamente humanitário: a intervenção militar brasileira acoberta a implantação de zonas francas no Haiti para serem exploradas por multinacionais, como o grupo CODEVI ligado ao Chase Manhattan, aproveitando a mão de obra no limite da escravidão; salvar o acordo entre Lula e Bush sobre cooperação técnica para produção de etanol aproveitando terras férteis e mão de obra barata. Isto é uma ajuda ao povo do Haiti contra a fome e a miséria?

E essa gente se diz defensora do legado do marxismo revolucionário e participa ao mesmo tempo de um governo que aplica este tipo de política.

A DS foi uma das impulsionadoras do Fórum Social Mundial, evento “altermundialista” de organizações sociais que teve início em 2001, em Porto Alegre, sob o lema “Um outro mundo é possível”. O FSM é uma contrapartida do Fórum Mundial de Davos, Suíça, que se reúne anualmente. Todo ano o FSM se reúne e o que fez de concreto em favor de uma ação comum independente dos trabalhadores e dos povos? Manifestos de boas intenções, como a Carta de Consenso de Porto Alegre, onde se destaca a discutível taxação das transações financeiras internacionais, o cancelamento das dívidas externas dos países subdesenvolvidos (porque os governos solidários com o FSM não aboliram a dívida, mas pelo contrário pagaram cada centavo devido?), além de medidas humanitárias anti-racistas, feministas e ecológicas. Mas o FSM não pode ir além das boas intenções porque está atrelado a ONGs, a governos, verbas de empresas, enfim a uma constelação de movimentos sociais que em sua maioria tem uma representatividade duvidosa em relação às classes populares, dependem de verbas governamentais e não têm nenhuma independência política.

Mas esse internacionalismo de boas intenções do FSM que a DS tanto defende acaba em submissão às políticas dos governos, qualquer que seja a sua cor política. É um beco sem saída. Longe de ser um ponto de apoio para a emancipação dos trabalhadores pelos próprios trabalhadores é, na verdade, um obstáculo ao exercício de um verdadeiro internacionalismo proletário.

É só dar uma olhada hoje no panorama político mundial para ver que o mundo está na borda de uma gigantesca convulsão social desencadeada pela mais profunda crise que o capitalismo já conheceu. Um fio condutor liga a resistência das massas na Espanha, Grécia, Itália, França contra as políticas de austeridade dos governos com a Primavera Árabe que varreu com quase todos os ditadores e suas políticas próimperialistas. O mesmo fio condutor se conecta agora nos Estados Unidos através de movimentos do tipo “Nós somos 99%” e “Ocupar Wall Street”, que vem ganhando paulatinamente o apoio dos sindicatos. Por si só este quadro atualiza a necessidade de uma Associação Internacional dos Trabalhadores, que não existe no momento atual (a IV Internacional explodiu e hoje é um conglomerado de mini-internacionais). Cada vez mais se faz necessário um enlace internacional dos trabalhadores, independente dos governos e apoiado nas lutas de classe.

O que a DS, após a sua X Conferencia tem a dizer sobre isso? Promover “justiça social”, “novos pólos geopolíticos”, “novas agendas internacionais”, enfim um discurso alinhado com a política do Estado brasileiro.

No período de 2005/2006, em função desta integração da sua seção brasileira com a política do Estado, o Secretariado Unificado (hoje denominado Comitê Internacional), que se reclama de IV Internacional, rompeu com a DS, por ocasião da saída da senadora Heloisa Helena do PT. Junto sai o grupo liderado por João Machado e José Correa que vão para o PSOL. Recentemente, François Sabato, dirigente do SU, declarou na revista Imprecor: “Pagamos um preço caro demais por participar de um governo social-liberal”.

As pretensas vitórias sobre o neoliberalismo: e as privatizações?

As resoluções da X Conferencia da DS estão sintonizadas, como era de se esperar, com o tom triunfalista do 4º Congresso do PT. Dizem o seguinte:

“4. No Brasil podemos falar de quatro vitórias estratégicas da esquerda contra o neoliberalismo e de uma profunda e estrutural derrota dos partidos neoliberais: a primeira eleição de Lula interrompeu o ciclo neoliberal iniciado ao final do governo Sarney, passando por Collor e pelos dois mandatos de FHC; o segundo mandato foi adiante e inaugurou uma nova via de desenvolvimento econômico com distribuição de renda; a eleição de Dilma permite aprofundar o projeto de construção de uma alternativa nacional e internacional de desenvolvimento fora do controle do imperialismo. A estas três vitórias devemos acrescentar uma quarta igualmente estratégica, que foi o modo como se enfrentou a crise de 2008. Se até aquele momento a superação do neoliberalismo caminhava em passos moderados, o enfrentamento da crise deu um salto em um conjunto de fatores anti-neoliberais, sendo o mais importante deles, o crescimento quantitativo e qualitativo do sistema financeiro público com impacto imediato na redução da autonomia do BC e na importância dos bancos privados. Pode-se acrescentar ainda o aumento do salário-mínimo em plena crise (em geral, ocorre o contrário) a sustentação dos programas sociais, como o Bolsa Família”.

O que está escrito acima é pura propaganda governamental. É de se questionar se estas teses são realmente resultado de um debate democrático, ou se frutos de uma apologia aos governos de Lula e Dilma onde a DS vem sendo um componente importante.

Os “teóricos” da DS raciocinam em torno de uma metafísica segundo a qual existem dois modos capitalistas de produção. Um é o capitalismo sadio, bom, progressista, que gera empregos e renda, desenvolvendo o Brasil sob a gestão do PT e seus aliados; o outro é o capitalismo mau, selvagem, neoliberal, reacionário, que vem sendo superado por “uma nova via de desenvolvimento econômico com distribuição de renda”. Nesse sentido, não são nada originais, porque repetem o mesmo credo em vigor na direção do PT. É o que propaga por aí o eterno “conselheiro de sua majestade”, o guru da cúpula partidária e governamental, o renegado do marxismo, Marco Aurélio Garcia defendendo uma nova social-democracia nas Américas:

“O que é a Social-democracia do Sul? Somos nós! Sem aquele contexto, porque a socialdemocracia num certo momento foi um projeto que não deu certo, mas cujas premissas são expectativas de um governo capaz de compatibilizar democracia econômico-social com a democracia política. O que é que eu quero mais do que isso?” (Entrevista ao Le Monde Diplomatique, 01/10/2010).

A desgraça de todos esses ilusionistas é a realidade do próprio capitalismo: um cadáver gangrenado que se recusa a morrer. O modo capitalista de produção engendra constantemente as crises: crises de superprodução, crash financeiro, desemprego e miséria. Exacerba a luta de classes como expressão da necessidade do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade que estão contidas nos limites estreitos da apropriação privada dos meios de produção. E esse capitalismo “tardio”, que sobreviveu às crises revolucionárias do século XX é um capitalismo apodrecido, senil, parasitário e especulativo que, se não for derrubado pelo proletariado, vai levar a humanidade ao desmoronamento, à barbárie.

Dessa forma, soa falso o triunfalismo da DS, e da direção do PT, em torno das conquistas dos governos Lula-Dilma porque não é possível obter reformas duradouras, graduais, passo a passo, no sentido de um “esgotamento” do capitalismo. E o que é pior é que toda estratégia governamental da direção do PT não visa esgotar o capitalismo, e sim segue na direção contrária, isto é, na política de avançar o capitalismo no Brasil, é a teoria do “quanto mais capitalismo melhor”.

Mas vamos ver como os argumentos das teses da DS, que sob um discurso de “revolução democrática”, dá cobertura a tudo isso.

Os defensores da teoria da “derrota” do neoliberalismo no Brasil argumentam a seu favor o enorme prestígio e popularidade dos dois mandados do governo Lula, inédito na história da República, e que tem continuidade na administração de Dilma Roussef. Segundo eles, as sucessivas derrotas eleitorais dos privatizadores do PSDB nas disputas presidenciais associadas aos “bem sucedidos” programas governamentais de geração de políticas sociais, emprego e de crescimento de renda da população (a chamada “nova classe média”) atestam que tanto o PT como o governo de coligação estão no rumo certo.

É preciso esclarecer que popularidade de presidente e do governo nem sempre andam de mãos dadas com políticas corretas. Do contrário, não existiria a manipulação das massas e tampouco os demagogos. A consciência das massas é volátil que nem éter. Pode ser conservadora no seu cotidiano, mas excepcionalmente, por força da necessidade, pode sofrer mudanças radicais, sob impacto de crises e da própria exacerbação da luta de classes.

Depois, a chegada ao governo federal de um partido de origem operária e popular como o PT suscita uma grande expectativa nas massas pelo atendimento de suas reivindicações. A esperança de uma mudança do Brasil é grande e vem dando ao PT um mandato expresso em duas administrações de Lula e agora a de Dilma. A popularidade do governo PT decorre da ilusão das massas com a esperança de grandes transformações sociais. Mas este mandato obtido nas urnas está longe de ser correspondido.

A política do PT no governo não mudou o cerne das políticas neoliberais impostas pelos governos precedentes de Fernando Henrique e Collor. Não se fez um cancelamento das privatizações, como a da Vale do Rio Doce, CSN, a do setor energético, a da telefonia e de muitas industrias de base. Manteve-se a quebra do monopólio estatal do petróleo feita pelo governo FHC que tem agora um grande impacto negativo na exploração das jazidas do pré-sal. Como é possível falar em “superação do neoliberalismo” se todas, todas as medidas sem exceção, dos governos anteriores foram mantidas? Ora, quem mantém estas privatizações é porque concorda com elas. O governo Lula não só não mexeu com as privatizações realizadas como também continuou o processo de entrega do patrimônio público ao capital privado. Vide o lamentável decreto presidencial de Lula, no apagar das luzes de seu governo, que abre o sistema de saúde pública, o SUS, para a exploração pelo capital privado através de “Organizações Sociais”, que vai levar, se aplicado, a uma completa destruição deste serviço público. E continuando neste mesmo rumo, a Sra. Dilma Roussef privatiza os aeroportos do Brasil, entrando em choque com os trabalhadores do setor aeroportuário.

Os governos Lula-Dilma são tão responsáveis quanto os chamados governos neoliberais anteriores por desmantelar os serviços públicos e entregar aos interesses de lucro do capital privado às empresas estatais que pertencem ao povo brasileiro.
A DS nas suas teses omite descaradamente a questão das privatizações, se contentando em dizer apenas o seguinte:

“Assim como a perspectiva de democratização e republicanização do Estado deve basear-se a relação entre soberania popular e formas de autogoverno, na economia as diretrizes da revolução democrática devem trabalhar com as noções centrais de planejamento democrático e economia pública”.

Desde quando o governo brasileiro marcha na direção de uma “economia pública”? Privatizando estradas? Privatizando os aeroportos? Privatizando a saúde pública? Privatizando a exploração das jazidas de petróleo e gás do pré-sal? Ora, a quem a DS quer enganar? Se os dirigentes da DS, que estão hoje grudados no governo federal como mariscos na pedra quisessem efetivamente lutar por uma economia pública, certamente o primeiro passo seria sair do ministério desse governo. Mas isso eles não querem fazer. Então, tudo que for dito sobre planejamento democrático, soberania popular e economia publica não passa de charlatanice.

A questão das privatizações é um divisor de águas dentro do movimento operário e popular. Combater a entrega de patrimônio público, empresas e serviços, ao capital privado é um combate em defesa das nacionalizações dos grandes grupos capitalistas. É um dos componentes fundamentais da luta pelo socialismo, é um passo na via da socialização e da abolição da propriedade privada das relações de produção. Do contrário, mesmo sob o discurso de um pretenso socialismo democrático, é se colocar na defesa da propriedade privada do sistema capitalista, é a defesa da ordem burguesa em toda via.

O governo do PT segue com a mesma política econômica herdada dos governos anteriores. Sem mais nem menos. A política do Banco Central é a mesma, a dos juros altos, que favorece o capital financeiro e arrasa a economia popular. A política do superávit primário é a mesma, que corta recursos para saúde e educação e estimula as privatizações. Falar em redução do peso dos bancos privados e de um maior controle sobre o Banco Central só pode ser piada no país da piada pronta! Nunca, em toda a história da república o capital financeiro privado, os grandes conglomerados bancários, tiveram tanto poder como agora. Eles ditam as regras da economia, as normas do Banco Central, impõem a política de juros altos que alimenta a especulação financeira e a entrada de capitais especulativos no país. Tudo isso com a aprovação do governo PT e a benção da DS.

O diferencial entre os governos chamados “neoliberais” (Collor, Itamar, FHC) e as administrações petistas está no fato de que, enquanto os primeiros ajustaram a economia brasileira nos marcos dos ditames do FMI e do Banco Mundial, os últimos aproveitaram a via pavimentada para impulsionar o capitalismo a todo vapor nos marcos da submissão da economia do Brasil a uma ordem mundial hierarquizada que impõe ao povo brasileiro o ônus do que chamamos de “recolonização”. Será que os teóricos da DS, tão preocupados com o socialismo democrático, esqueceram que o Estado capitalista é um “comitê” para melhor gerir os negócios da burguesia?

A política do “quanto mais capitalismo melhor”

As teses da X Conferência da DS parecem uma caixa vazia que se pode encher com qualquer coisa, especialmente a demagogia. Vejamos:

“Como socialistas democráticos, apoiando-nos nas tradições libertárias e emancipatórias que estiveram presentes desde o início da história da colonização, queremos uma alternativa de civilização ao capitalismo, a ser construída com o povo brasileiro, democraticamente, que esteja à altura da sua dignidade e esperança, que promova a liberdade como autonomia e autogoverno, que promova os direitos à igualdade na diferença, que saiba construir novos modos de organizar a vida social para além da mercantilização e da autocracia do capital”.

Que maravilha! Promover o “autogoverno” e uma vida social para além da “autocracia do capital” sem mexer nas relações sociais capitalistas é retomar as velhas concepções do socialismo utópico recheadas de boas intenções. Faz muito tempo que os fundadores do socialismo científico, Marx e Engels, demonstraram no Manifesto Comunista:

“Em resumo, os comunistas apóiam em todos os países todo movimento revolucionário contra a ordem social e política existente.
Em todos estes movimentos, põem em primeiro lugar, como questão fundamental, a questão da propriedade, qualquer que seja a forma, mais ou menos desenvolvida, de que esta se revista”

Esta questão é a que separa os marxistas dos utópicos. Esta é questão fundamental da luta pelo socialismo. As teses da DS fazem todo tipo de malabarismo teórico para escapar desta questão chave, a saber: a abolição da ordem social existente. Falam em “democracia participativa”, “economia solidária” e outras formulas de compensação social para evitar ter que tomar posição sobre a questão da propriedade privada dos meios de produção. É a teoria reformista de que é possível melhorar o lado bom do capitalismo com o qual o “socialismo democrático” pode conviver pelos tempos futuros. Dessa forma não fazem nas teses uma analise consistente do desenvolvimento do capitalismo no Brasil nos últimos anos. Porque, do contrário, teriam que admitir, perante as suas próprias bases, a necessidade de “abolir a ordem existente”.
Mas eles têm que falar alguma coisa. Vejamos a seguir, nas teses da DS, uma verdadeira pérola que consiste em iludir, confundir e ofuscar:

“31. Uma grande conquista dos governos Lula foi a de alterar qualitativamente a dependência do Estado brasileiro em relação ao capital financeiro, iniciada nos anos finais do regime militar com a dívida externa e aprofundada pelos governos FHC, construindo as bases, ainda iniciais, para um planejamento democrático da economia. Os governos Lula criaram as condições para uma saída do monitoramento do FMI em um quadro de aguda crise cambial, fortaleceram em um patamar histórico inédito as reservas cambiais (hoje em mais de 250 bilhões de dólares), diminuíram e estabeleceram uma diminuição virtuosa da dívida pública interna, fortaleceram em patamares inéditos os bancos públicos, em particular o papel de financiador dos investimentos do BNDES, reduziram qualitativamente o patamar ainda alto da Taxa Selic (de mais de 20 % reais em média nos anos neoliberais para cerca de 6 % reais ao fim de 2010), estabeleceram uma pressão de baixa para os ainda escandalosos juros internos, levando a uma forte evolução do crédito (como, por exemplo, o crédito imobiliário e para a agricultura familiar). A formação de uma inteligência desenvolvimentista no Ministério da Fazenda, articulada com novas diretrizes para estatais chaves, como a Petrobrás, restabeleceu, através do PAC, o início de um novo ciclo de planejamento do investimento e permitiu inaugurar um novo ciclo de crescimento sustentado com forte inclusão social. A constituição de uma política sistêmica para a agricultura familiar (crédito, seguro, assessoria técnica, políticas de incentivo às mulheres agricultoras e aos jovens) abriu um grande espaço histórico para recolocação dos temas do desenvolvimento agrário e da própria reforma agrária. Mesmo a grave crise financeira internacional de 2008, que provocou uma inflexão do crescimento em 2009, não minou, em função da forte intervenção anticíclica estatal, o ciclo de crescimento do salário e do emprego”.

De novo, é uma das características das teses da DS, estamos confrontados com a mais pura propaganda governamental. Que, aliás, tem pleno aval da direção do PT. É interessante notar que este discurso esconde o fato de que a via adotada pelos governos Lula-Dilma é a do “quanto mais capitalismo melhor”. Em um artigo publicado em 2008, Paulo Henrique Costa Mattos, presidente do PSOL de Tocantins toca na ferida da política econômica do PT, sem, no entanto, infelizmente, chegar às mesmas conclusões, que nós, marxistas, chegaríamos em relação a estas questões. Mas vejamos o que diz:

“Este modelo econômico se subordinou ao grande capital, impondo privatização de estatais, abertura comercial sem salvaguardas nem contrapartida, desmantelamento dos serviços públicos. Nos últimos vinte anos ele agravou a violência e a crise de valores, a corrupção e a inércia da maioria dos movimentos sociais, inclusive o sindical, que virou um espaço de gangsterismo, carreirismo político e oportunismos. Colocou-nos em uma verdadeira encruzilhada histórica em que a perspectiva em médio prazo é uma profunda crise econômica e social com possibilidades de graves tensões sociais (…)

A crise financeira internacional, que estourou nos EUA, em meio à especulação imobiliária, ameaça o globo com a queda nas bolsas de valores, forte desvalorização do dólar, fuga de capitais que chegam aos países “em vias de desenvolvimento” como o Brasil. É por isso que Lula vem divulgando que a economia brasileira tem bases econômicas sólidas e que não seremos atingidos pela crise global. Essa é uma verdade maior do que aquela de que ele nada sabia sobre o mensalão e a compra de parlamentares” (…)

E sobre as reservas que o Brasil estaria protegido perante a continuidade da crise econômica mundial aberta em 2008, alardeado agora pelo governo Dilma, continua o autor:

“Por trás deste acúmulo desenfreado de reservas cambiais na verdade há uma verdadeira farra dos especuladores nacionais e estrangeiros, que trazem seus dólares em massa ao Brasil para comprar títulos da dívida “interna”, em busca dos juros mais altos do mundo. O resultado disto é a explosão da dívida interna, que atingiu R$ 1,4 trilhão em dezembro de 2007, tendo crescido 40% em apenas 2 anos! Na verdade a dívida interna hoje é o principal problema do Brasil, ela está sangrando o país pela jugular. O Brasil gastou apenas em 2007 cerca de R$ 237 bilhões com juros e amortizações da dívida interna e externa, sem contar com a chamada “rolagem” da dívida. Mas enquanto bilhões vão parar nos bolsos de especuladores, capitalistas selvagens, banqueiros e toda sorte de parasitas financeiros o país chafurda nas doenças medievais (dengue, leishmaniose, hanseníase, tuberculose, hepatite, febre amarela, etc.), na destruição da Escola Pública, na concentração de terras, renda e falta de qualidade de vida. Os números são devastadores, enquanto gastou R$ 237 bilhões apenas com juros e amortizações da dívida interna e externa, sendo que foram gastos apenas R$ 40 bilhões com a saúde, R$ 20 bilhões com a educação e R$ 3,5 bilhões com a Reforma Agrária. Mas Lula ainda tem a falta de caráter de anunciar que a dívida não é mais um problema!” (…)
“A política econômica de Lula tem sido um desastre para o povo brasileiro, enquanto sobe o imposto de renda para os contribuintes faz isenção fiscal do mesmo imposto sobre os ganhos dos estrangeiros, estabelecendo e mantendo as maiores taxas de juros do mundo e dando total liberdade de movimentação de capitais ao agiotas internacionais. Essa política macroeconômica tem gerado as condições para um verdadeiro ataque especulativo contra o Brasil. Os investidores estrangeiros trazem seus dólares para investir na Bolsa e em títulos da dívida interna, e assim forçam a desvalorização do dólar frente à moeda brasileira (o Real). Os bancos e empresas nacionais também se aproveitam disso, tomando empréstimos no exterior (mais baratos devido às baixas taxas de juros lá fora) para emprestar ao governo brasileiro, por meio da compra de títulos da dívida interna, recebendo uma fortuna em troca disso, devido às altíssimas taxas de juros do Brasil”(A Globalização Neoliberal no Brasil:o avanço do agronegócio e o papel da administração pública, Paulo Henrique Costa Mattos, 25/05/2008, divulgado no site do PSOL)

Estamos de pleno acordo com essa análise. Ela desmente em linhas gerais o balanço feito pela DS em sua Conferência sobre a pretensa vitória sobre a política neoliberal no Brasil levada a cabo pelas políticas públicas do PT. É o resultado direto da aplicação da estratégia reformista das Frentes Populares (conclusão que o autor acima não incorpora em sua análise), políticas de colaboração com a burguesia, que levou os dirigentes petistas a se subordinarem aos interesses das classes dominantes.

Assim como no passado, esta política de herança stalinista visa a domesticação do movimento operário e popular face aos interesses de preservar o regime de propriedade privada dos meios de produção. Conforme Trotsky dizia, é “o braço esquerdo da burguesia” tentando conter a necessidade de uma revolução socialista. Essa política foi aplicada sucessivamente nas administrações municipais geridas pelo PT (prefeitura de São Paulo com Luiza Erundina tida como opção à esquerda do partido, em governos estaduais (Benedita da Silva no Rio de Janeiro, por exemplo) e com poucas exceções na atividade parlamentar.

Assim que chegaram ao Palácio do Planalto, em Brasília, com a vitória de Lula, os dirigentes petistas constataram que tinham o governo, mas não o poder. Para governar tiveram que fazer concessões e mais concessões aos proprietários do poder, com a representação majoritária no Congresso Nacional. Assim, em nome da “governabilidade” fizeram a clara escolha de proteger o Capital em detrimento do Trabalho. Prisioneiros de alianças com os partidos burgueses enveredaram pelo caminho da intensificação da exploração capitalista no contexto de uma ordem mundial hierarquizada pelas potencias imperialistas as quais se submeteram docilmente. Foi assim que chegaram a uma maravilhosa conclusão em termos de política econômica e social: “vamos entregar tudo, vamos vender tudo, quem sabe, possamos ganhar algumas migalhas para fazer pequenas reformas que garantam um apoio para ficarmos para sempre no Palácio do Planalto”. Exagero? Esse foi o tom do discurso de Lula por ocasião em que o governo federal anunciou a descoberta das jazidas de petróleo do pré-sal. Nasceu a teoria de expandir o capitalismo ao máximo! O fim da linha da estratégia “democrático-popular”, o beco sem saída do reformismo adotado oficialmente pelo PT a partir do 5º ENPT.

Commodities mais desindustrialização

A DS propaga que “através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o início de um novo ciclo de planejamento do investimento e permitiu inaugurar um novo ciclo de crescimento sustentado com forte inclusão social” acompanhando assim o mesmo tom do discurso governamental.

Toda a mídia, inclusive a internacional, exalta o crescimento econômico do Brasil, um país emergente, com taxas que ficaram em 7,5% em 2010, segundo dados oficiais. Fala-se de uma “nova classe média emergente”, Os brasileiros abarrotam as ruas, avenidas e estradas de carros. Entopem os shoping-centers para se comprar de tudo. Compram casas e esgotam as passagens aéreas em viagens pelo exterior. Crédito fácil em todo lugar, os brasileiros estão ficando ricos. É o que a propaganda oficial diz, como resultado de uma política econômica bem sucedida. É o País das Maravilhas dos endividados em que só falta a Alice.

Mas a realidade que encontramos pela frente é outra. Mas continuamos com o artigo citado acima que questiona o modelo econômico do governo Lula:

“Mas nós não podemos esquecer também que para garantir a continuidade do modelo econômico neoliberal Lula não hesitou em coagir o poder legislativo pressionando e cooptando parlamentares para votar nas reformas econômicas e políticas. Assim como o poder judiciário sofreu pressões continuadas e os movimentos sociais, sindicais e populares tiveram inúmeras de suas lideranças cooptadas e caladas pelos “benefícios” do poder. O resultado direto disso foi que o país consolidou uma situação de ilhas de desenvolvimento cercado por um enorme mar de atraso econômico e barbárie social.
O segundo governo de Luís Inácio da Silva ao continuar a implementação da liberalização da economia como condição de suposta modernização do Brasil e a praticar uma inserção nacional na globalização neoliberal de forma dependente e subordinada impõe ao país um modelo econômico com forte predomínio da produção agrária para exportação e sob o comando de agroindústrias nacionais e multinacionais, que tendem a forçar cada vez mais a desorganização da agricultura familiar e a trazer sérias implicações sociais para a realidade social brasileira.

O governo federal do ex-operário Lula da Silva continua iludindo milhões com a transformação do Brasil num cassino global e com a afirmação de que é capaz de resolver os principais problemas do país, sem alterações estruturais, inclusive da questão da reforma agrária e da concentração de terras, que tendem a ser cada vez maior no país. Assim: não há dúvida de que a globalização neoliberal da economia brasileira está condenando o país a uma situação de país periférico, com uma inserção cada vez mais subordinada ao capitalismo e num processo amplo de barbárie social, econômica e política, incapaz de desenvolver o país e inseri-lo soberanamente no mercado internacional” (A Globalização Neoliberal no Brasil: o avanço do agronegócio e o papel da administração pública, Paulo Henrique Costa Mattos, 25/05/2008, divulgado no site do PSOL).

O “boom” econômico brasileiro está assentado na exportação de matérias primas, produtos agrícolas, commodities, petróleo e minérios, que combinados com a crescente entrada de capitais especulativos, determinam uma inversão no modo como o capitalismo se desenvolve. É o que explica o frenesi das “ilhas de desenvolvimento” em um oceano de miséria, com índices do crescimento de emprego em função da venda de commodities. Não esquecer que em 2008 as empresas demitiram por conta da crise econômica milhares de trabalhadores e que estes índices podem conter na realidade reposição de mão de obra. O caso da produção de petróleo nas plataformas marítimas, no Estado do Rio de Janeiro é um exemplo típico. Temos também as chamadas “bolhas de crédito” onde a maioria do povo brasileiro está se endividando de forma crescente, em um processo de transferência de renda para o setor dos grandes bancos, os grandes agiotas da economia brasileira.
Ao mesmo tempo, assistimos a um brutal processo de desindustrialização. Um dos diretores da FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo), Roberto Giannetti da Fonseca aborda a questão em um artigo publicado no Estado de São Paulo:
“A palavra desindustrialização é a antítese de industrialização, o que nos leva a, primeiro, tentar entender o que é a industrialização de um país. Bem, parece mais fácil e óbvio explicar que industrialização é o processo evolutivo de uma economia que consegue, ao longo do tempo, produzir localmente as manufaturas que são demandadas por sua população, tais como roupas, calçados, automóveis, alimentos, etc. Essa produção, num primeiro momento, normalmente substitui produtos importados, ou ainda cresce simplesmente para satisfazer à demanda marginal que aumenta ano após ano naquela economia, para, em seguida, vir a exportar a produção excedente para outros mercados no exterior. No Brasil foi notória a fase de substituição de importações por produção local, que ocorreu principalmente de 1930 até 1990. Podia-se mesmo afirmar no final dos anos 80 que a economia brasileira, de tão fechada, era praticamente autossuficiente em quase tudo. Podemos, agora por antítese, afirmar que desindustrialização é o fenômeno de substituição de produção local por produtos importados, o que resulta no aumento do coeficiente de importação de uma determinada economia. O coeficiente de importação nada mais é do que a relação da importação de manufaturados sobre o consumo aparente doméstico de manufaturas (produção local – exportações + importações).
É isso que se observa hoje em dia na economia brasileira. Vamos aos fatos e dados: segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o coeficiente de importação da indústria brasileira subiu de 16,9% no 2.º trimestre de 2009 para 22,7% no 3.º trimestre de 2010, portanto um salto espetacular em pouco mais de 12 meses. Estima-se que no final de 2010 poderá estar próximo de 25%. Outro fato a ser observado é a substituição de matérias-primas e máquinas locais por importadas, na indústria de transformação. Vejam só, os carros aqui produzidos continuam sendo Made in Brazil, mas seu conteúdo importado, em muitos casos, subiu mais de 50% nos últimos dois anos. Até o aço utilizado na indústria brasileira é crescentemente importado. O coeficiente de importação setorial subiu de 8,6% para incríveis 17,3% no mesmo período acima observado. Quantos industriais brasileiros nós conhecemos que, sem outra alternativa, reduziram suas linhas de produção ou mesmo fecharam suas fábricas no País e terceirizaram sua fabricação na China, tornando-se agora prósperos importadores e distribuidores de seus próprios produtos e marcas, em vez de permanecerem como industriais deficitários?
Se com estes fatos e dados não identificarmos o cerne e as causas do preocupante processo de desindustrialização precoce no Brasil, então estaremos cometendo um autoengano fatal, um quase suicídio econômico de nossa emergente nação”
(Desindustrialização no Brasil – ser ou não ser?, WWW.estadão.com.br, 06/12/2010).
Essa é a opinião de um diretor de mais importante associação empresarial do país. Um outro analista, em seu blog na internet, no mesmo tom, diz o seguinte:
“Estamos vivendo um processo de recrudescimento da inflação. Porém, ao contrário do que dizem aqueles brasileiros que torcem para o país ir mal porque querem que os conservadores voltem ao poder na esteira da desgraça nacional, a inflação é temporária. O algoz da indústria verde-amarela tratará de fazê-la baixar. Quem é esse algoz? O câmbio.
Eis o problema do país. Como o Brasil precisa exportar e não consegue vender produtos industrializados ao exterior, ampara-se nos produtos básicos supramencionados. Dessa exportação de matérias-primas decorre a entrada massiva de dólares no país. E, dela, a valorização do real.

Com o mercado interno encharcado de dólares, cai o preço da moeda americana. Caindo, o produto manufaturado brasileiro se torna mais caro. E, cedo ou tarde, o similar estrangeiro terá que entrar ainda mais do que já vem entrando. Então, o problema não é só o comércio exterior.

Neste momento, devido às barreiras alfandegárias ainda é possível a indústria brasileira se manter diante da estrangeira. A economia superaquecida gera uma demanda por produtos de tal ordem que cede espaço para que produtos caros subsistam. Com o tempo, porém, essa vantagem deve desaparecer. O mundo caminha para derrubar as barreiras tarifárias.

Proximamente, com o pré-sal fazendo jorrar dólares – esse petróleo destinar-se-á exclusivamente à exportação, pois o Brasil já produz tudo de que precisa –, o percentual de manufaturados na pauta de exportações deve diminuir ainda mais e o real cada vez mais valorizado continuará encarecendo os industrializados brasileiros.
No começo, serão as pequenas indústrias. Depois, as médias. Por fim, as grandes perderão o interesse em produzir no Brasil. Muitas, sobretudo as pequenas, quebrarão por falta de mercado”
(A Desindustrialização no Brasil, Eduardo Guimarães, 28/04/2011).

As citações acima foram coletadas de artigos publicados na internet, onde sem grande esforço de pesquisa, encontramos farto material de análise que atestam uma situação alarmante. E a maioria dos artigos, da mesma forma que os citados acima, defendem os interesses da burguesia e estão a milhões de anos luz da defesa dos interesses da classe operária, que para nós é o centro da questão.
Mas continuando, a situação da indústria siderúrgica e a da metalurgia são indicadores do grau de industrialização do país. Vejamos o que os empresários do setor têm a dizer:

“Em meio a discussões com o governo sobre medidas de defesa comercial, a indústria siderúrgica divulgou hoje números que mostram queda da participação do setor manufatureiro na economia, forte penetração das importações – sobretudo de produtos chineses – no mercado doméstico e peso crescente das matérias-primas na pauta de exportações brasileira.

Na avaliação do Instituto Aço Brasil (IABr), entidade que abriga as siderúrgicas brasileiras, o cenário indica um processo de desindustrialização no país.

Conforme estudo envolvendo quatro países – Brasil, Argentina, Colômbia e México – coordenado pela Funcex a pedido do Instituto Latino Americano de Ferro e Aço (Ilafa), a participação da indústria manufatureira na economia brasileira, que chegou a ser de 19,2% em 2004, caiu para 15,8% no ano passado.

Concomitantemente, a participação dos manufaturados nas exportações cedeu de 55% para 39% de 2005 para 2010, dando lugar a uma crescente presença de produtos básicos – um movimento chamado de “primarização das exportações brasileiras”.

O balanço mostra ainda que os produtos metalmecânicos – que têm forte conteúdo siderúrgico – respondem por 62,7% das exportações da China ao Brasil. Também revela que as importações totais estão avançando nos mercados de grandes clientes da indústria siderúrgica. No consumo de máquinas e equipamentos, por exemplo, chegaram a 26,4% no ano passado, e nas compras de veículos automotores, a 18,3%”. (Siderúrgicas apontam desindustrialização no Brasil, Valor On-line,12/09/2011).

A questão central a qual estamos confrontados aqui é a defesa da classe operária, das suas reivindicações, das suas conquistas sociais. Aceitar a anarquia destruidora do capitalismo, das leis do mercado, que fecha fábricas e destrói empregos, é aceitar a destruição física do proletariado como classe. Esta é a principal conseqüência da dependência da economia brasileira aos interesses estratégicos do grande capital internacional. Que modelo que desenvolvimento econômico é esse, defendido pela DS, que ao invés de iniciar um processo de ruptura com a ordem internacional, aprofunda a dependência? Mas as teses da DS, aprovadas em um encontro “democrático”, representando 5000 militantes e outros proselitismos, passam ao largo dos problemas fundamentais da situação nacional. Eis o que dizem:

(…) “o desenho de um modelo de crescimento sustentado que seja assentado em uma economia ecológica; a expansão para um campo macro-econômico das formas de economia solidária, capazes de construir alternativas à propriedade privada dos meios de produção; a definição de um programa estratégico para a produção agrária brasileira” (…).

Qual o “programa estratégico” para a produção agrária? O agronegócio e a expulsão dos pequenos proprietários rurais de suas terras! Quanto à desindustrialização em marcha? A “economia solidária” ecológica para que a propriedade privada dos meios de produção fique intacta! Repetimos mais uma vez: essa gente se acha defensora do legado do marxismo revolucionário.

A questão da “economia solidária” nós vamos abordar detalhadamente na segunda parte deste texto, junto com a chamada “democracia participativa”, mas por ora o que temos a dizer é que denunciamos essas posições (ou omissões) como decorrentes de uma política reacionária em toda a linha aplicada pela DS em conjunto com o governo PT. É uma política de economia solidária com o Capital e que visa atacar a classe trabalhadora como um todo, na cidade e no campo, confiscar seus direitos, derrubar “democraticamente” suas conquistas e finalmente rechaçar as suas reivindicações.

Este é o papel sujo reservado a tendências como a DS que, sob a capa do marxismo revolucionário, dão uma face “socialista” a uma política de governo que aplica os planos do imperialismo.

O agronegócio espalha a barbárie pelo campo

Imagem: manifestação do MST denunciando o assassinado de trabalhadores rurais e camponeses executado por capangas do agronegócio. Crimes acobertados pela política agrária do governo PT com total cumplicidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

De todos os aspectos da política pró-capitalista da tendência Democracia Socialista, o mais grave é sem dúvida a aplicada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, com a gestão de Miguel Rossetto e continuada por Afonso Florence (PT-BA). O maior absurdo é que as resoluções da X Conferência da DS não contém uma linha sequer sobre a questão agrária no Brasil. Um silêncio total, constrangedor para a própria base militante da DS, aponta plena cumplicidade com o avanço do agronegócio pelo campo, destruindo florestas, o ecossistema do cerrado do centro oeste brasileiro, com a expulsão da agricultura familiar e assassinato de líderes camponeses. É essa a economia ecológica autossustentável que a DS defende?

O governo PT atua com dois ministérios para a questão agrária. O da Agricultura cuida do agronegócio. O do Desenvolvimento Agrário cuida, por sua vez, da agricultura familiar. Mas o que acontece é que a parte do governo que deveria em tese promover a reforma agrária dá cobertura à política de favorecimento ao monopólio da terra, nas mãos dos latifundiários associados com a grande agroindústria. Aqui se abre uma questão polêmica:

“Dado que atualmente o poder maior no campo está em mãos das agroindústrias, que são totalmente apoiadas pelo governo federal, a ponto do presidente da República chamar os usineiros e outros agentes do agronegócio de “Heróis”, percebe-se que a reforma agrária, enquanto política que consiste essencialmente na distribuição entre a população rural de terras concentradas em mãos de um reduzido número de grandes empresas agrícolas, não está avançando de forma intencional e proposital.
A concentração da propriedade da terra está na base do sistema de dominação cuja cúpula são a grande agroindústria, os usineiros, os produtores de grãos e de carne para exportação. A extraordinária concentração da propriedade da terra gera uma população destituída de qualquer possibilidade de sobrevivência sem depender dos favores dos mesmos que controlam a vida econômica e política. Dos mesmos segmentos que hoje impõe ao governo Lula sua vontade e projeto de sociedade.
A força do agrobusines é hoje o motor da vida rural no Brasil, alterando substancialmente o atual perfil de distribuição da propriedade da terra. Essa relação econômica de caráter conservador e predatório gera uma inércia que bloqueia todo e qualquer esforço de melhorar o padrão de vida da população e de aproveitar todas as possibilidades de criação de riqueza que o desenvolvimento das forças produtivas no campo já permite”
(A Globalização Neoliberal no Brasil: o avanço do agronegócio e o papel da administração pública, Paulo Henrique Costa Mattos, 25/05/2008, divulgado no site do PSOL).

Inácio José Werner, cientista social ligado à Comissão Pastoral da Terra (CPT), em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, divulgada no site do MST, comenta a estrutura política do Estado do Mato Grosso e fala das articulações entre o Partido dos Trabalhadores e o ex-governador Blairo Maggi (PR) que está na linha de frente do agronegócio:

“O latifúndio se renovou e hoje gerencia um moderno sistema chamado agronegócio, que controla as terras e a produção. Dados do último censo agropecuário de 2006 indicam que 3,35% dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam com 5,53% das terras (…)

(…) A concentração das terras traz um reflexo direto para a agricultura familiar. Enquanto a média nacional de apropriação é de 33,92% dos recursos, em Mato Grosso esta fatia cai para 6,86%. Em outras palavras, 93,14% do bolo ficam com a agricultura empresarial.

Dom Pedro Casaldaglia, em Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social, documento que completa 40 anos no dia 9 de outubro, já denunciava o conflito estabelecido pela ganância do latifúndio, que assalta e expropria comunidades e povos que viviam por gerações em sua terras, destacando as populações tradicionais como quilombolas, retireiros e povos indígenas (…)

(…) A principal causa de ameaça é a resistência na terra ou a luta pela conquista de um pedaço de chão. Também temos ameaças pela denúncia de venda de lotes destinados à reforma agrária, a denúncia de trabalho escravo, desmatamento ou venda de madeira, além do uso abusivo de agrotóxicos

Segundo o caderno Conflitos da Comissão Pastoral da Terra, em Mato Grosso, entre 2000 e 2010, 114 pessoas foram ameaçadas, algumas mais de uma vez. Uma mesma pessoa chegou a ser ameaçada seis vezes. Deve-se ressaltar que, destas 114 pessoas, seis foram assassinadas. Nos últimos três meses recebemos mais cinco denúncias de ameaças de morte por lideranças ligadas à luta do campo” (A renovação do latifúndio e seu novo sistema: o agronegócio, 02/08/2011, site do MST).

Continuando o depoimento, o autor destaca o apoio de Blairo Maggi ao governo petista:

“Blairo é da linha de frente do modelo do agronegócio, alguém que passou a ser porta voz de uma classe, captando muito bem o anseio dos latifundiários que, em vez de escolherem representantes, apostaram em quem era “um” dos seus (…)

A aliança entre PT e PPS e, depois, PR foi costurada em nível nacional e repetida no estado com pouca resistência; houve reações de setores minoritários”.

Segundo dados da Pastoral da Terra, nos últimos 25 anos 115 pessoas foram assassinadas em conflitos do campo só no Estado do Mato Grosso. Apenas 3 casos foram julgados. Segundo o jornal Folha de São Paulo:

“Um levantamento inédito do governo federal mostra que quase 98% dos casos de assassinatos no campo do Pará ocorridos nos últimos dez anos ficaram impunes. Foram analisadas 180 situações que resultaram em 219 mortes no Estado, entre 2001 e 2010.

O trabalho, desenvolvido pela Ouvidoria Agrária Nacional e Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, mostra também que a maioria dos assassinatos no campo paraense (61%) não chega à Justiça. Dois em cada dez casos nem foram investigados.

O levantamento indica que a maioria das mortes (162) tem relação com disputas por terras e recursos naturais, como madeira.

Além do Pará, as ouvidorias analisaram também as mortes ocorridas no campo de Mato Grosso e Rondônia.

Na zona rural de Rondônia foram 47 situações, em que 71 pessoas foram mortas. Quase a metade (45%) gerou processos e em apenas 13% delas houve condenação. No Mato Grosso, foram 50 mortes em 31 casos –58% chegaram à Justiça, mas 90% continuam impunes.” (Folha de São Paulo, 07/06/2011).

A justiça do “socialismo democrático” não condena quem tem influencia política e dinheiro. O objetivo desse terrorismo rural, que avança junto com o agronegócio capitalista, e com total impunidade em formar bandos armados, é ameaçar e destruir todas as organizações, sindicatos e instituições que estão na linha de frente do combate contra o monopólio da terra, pela reforma agrária, pelo direito a terra para quem trabalha, por outra alternativa para a questão agrária no Brasil.

O INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária), órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário apresenta em seu jornal, datado de dezembro de 2010, dados informativos totalmente otimistas:

“A política agrária brasileira deu um salto significativo nos últimos anos. Para se ter uma ideia, a área incorporada ao programa de reforma agrária saltou de 21,1 milhões de hectares de terras obtidos entre 1995 e 2002 para 48,3 milhões entre 2003 e 2010, um aumento de 129%. A aquisição de áreas pelo Incra é feita por meio de desapropriação, compra direta para implantação de assentamentos de trabalhadores rurais ou por meios não onerosos, como a destinação de terras públicas e o reconhecimento de territórios.

O número de famílias beneficiadas também aumentou ao longo de oito anos, chegando às atuais 614.093. No mesmo período, foram criados 3.551 assentamentos. Atualmente, o Brasil conta com 85,8 milhões de hectares incorporados à reforma agrária, 8.763 assentamentos atendidos pelo Incra, onde vivem 924.263 famílias”.

Estes dados analisados isoladamente podem parecer espetaculares. Mas confrontados com o avanço do agrocapitalismo associado ao latifúndio, os assentamentos rurais patrocinados pelo Incra não conseguem inverter a tendência à concentração da terra e todas as suas conseqüências sociais abordadas acima. É preciso que se diga que assentamentos em pequenas propriedades rurais, por mais importantes que sejam, não são reforma agrária, pois o INCRA já fazia assentamentos antes do PT chegar ao Palácio do Planalto. É política de compensação social perante a opção feita pelos governos Lula-Dilma de darem as costas à reforma agrária, em favor de um agronegócio voraz e destruidor, um mecanismo de exploração que concentra riqueza e distribui miséria e barbárie. Este modelo econômico para a agricultura no país segue a linha do “quanto mais capitalismo melhor” na completa contramão da necessária abolição de todas as formas de exploração do homem pelo homem, da preservação dos recursos naturais não-renováveis e na implantação de uma agricultura voltada para a satisfação das necessidades humanas e não em função dos interesses do lucro capitalista.

O que estamos assistindo é uma verdadeira traição ao programa histórico do Partido dos Trabalhadores, desde a sua fundação, que colocou a luta contra o latifúndio, a exploração capitalista no campo e a defesa da reforma agrária como uma de suas principais bandeiras. A DS, ao acompanhar este vôo oportunista e irracional do governo petista, torna-se cúmplice dessa traição, contra as bandeiras históricas do PT, mas também contra a grande massa de trabalhadores rurais e camponeses que lutam pela transformação social no campo.

Eis o que diz o Programa do PT, aprovado por ocasião da sua fundação, em 1980:

“O PT defenderá uma política agrária que objetive o fim da atual estrutura fundiária. Esta estrutura é pautada na grande empresa capitalista e nos latifúndios, que mantém as terras improdutivas que servem à especulação imobiliária. Combaterá também o fim da expropriação das terras pelas grandes empresas nacionais e estrangeiras e incrementará pela nacionalização da terra, permitindo assim, o aproveitamento dos recursos humanos e das potencialidades econômicas existentes no solo e no subsolo, segundo os interesses dos trabalhadores rurais e do conjunto da sociedade brasileira.
O PT defenderá ainda a exploração imediata de toda terra disponível, inclusive a que é de responsabilidade do Estado – as terras devolutas, as terras do INCRA e das terras da faixa de fronteira – que deverão ser usadas pelos trabalhadores sem terra, ocupando-as permanentemente, de maneira a que sejam atendidos os seus interesses e as suas necessidades. Mas para o PT não basta a simples distribuição da terra. Como exigência fundamental para o êxito dessa nova política agrária postula a criação de instrumentos econômicos e financeiros como forma de apoio indispensável à exploração da terra, segundo as peculiaridades geográficas e humanas regionais”
.

O texto acima, com exceção de pequenos pontos aqui e ali que estão imprecisos e genéricos (como a questão da nacionalização), no geral está correto. Implementar essa diretriz, a nível de governo, permitiria o PT abrir um processo de ruptura com a ordem burguesa no país. Mas escolheu o outro caminho, justamente o contrário do que diz o Programa, o caminho de defesa do capitalismo em toda a linha. A DS também seguiu este curso, que girou em 180° a sua antiga orientação, que dizia o seguinte em 1980:

“Luta pela reforma agrária radical, com a nacionalização de toda a terra e a sua utilização segundo os interesses dos trabalhadores rurais e pequenos produtores” (A conjuntura e as nossas tarefas atuais, março de 1980).

O que a DS tem a dizer sobre estas questões? Nada! E esta gente está à frente de um Ministério do governo federal que deveria cuidar da reforma agrária! Iludir, confundir, ocultar a verdade. É o que sabem fazer.

A questão agrária no Brasil de hoje, 30 anos depois, principalmente após os dois mandatos do governo Lula, implica em novas reflexões programáticas. O latifúndio mudou. Está associado ao agronegócio. A concentração de terras aumentou drasticamente. O que se coloca hoje é a necessidade de, não apenas “nacionalizar” ou “estatizar” o latifúndio, mas também o agronegócio. E mais do que isso, implica em ir adiante, socializar a empresa capitalista agrária junto com o latifúndio, colocando-os sob gestão dos trabalhadores combinando com uma política de distribuição de terras para quem trabalha (a agricultura familiar) que devem dar uma nova dimensão de “produtores associados” no campo, criando assim um novo tipo de agricultura, planejada, orgânica, livre dos agrotóxicos, voltada para a satisfação das necessidades da população, gerando trabalho e empregos, interagindo com os ecossistemas e fazendo a necessária troca com a produção industrial dos centros urbanos. Essas são as medidas necessárias para uma verdadeira reforma agrária, um importante passo, junto com outros, na direção de uma efetiva transição ao socialismo no Brasil.

Na segunda parte deste texto vamos abordar as questões do Estado e a revolução, a “teoria” da revolução democrática da DS, o conceito de hegemonia e a chamada “democracia participativa”, da qual faz parte a concepção da “Economia Solidária”.

Macaé, 13 de janeiro de 2012

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