Os marxistas gregos são entrevistados pelo principal jornal da Grécia

No dia 19 de janeiro, pelo segundo domingo consecutivo, o jornal grego “Proto Thema” – que tem ampla circulação na Grécia – dedicou 2 páginas para discutir as ideias dos marxistas gregos – a Tendência Comunista do SYRIZA. O “interesse” real de Proto Thema é expor as ideias dos marxistas como “extremistas”. No entanto, o resultado prático que conseguiram, como se verá, foi o de resumir o programa marxista e dar-lhe ampla circulação. O que se transmitiu com essa entrevista ao leitor médio, atormentado pelos “Memorandos” (medidas de corte) e pela investida do capitalismo, não foi o “terror” aos comunistas e ao SYRIZA, mas sim o argumento da necessidade de uma mudança revolucionária fundamental na sociedade. Publicamos abaixo a entrevista completa com dois membros da Tendência Comunista do SYRIZA, como foi publicada em “Proto Thema”. 

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Dois dos membros mais atuantes da Tendência Comunista do SYRIZA falam para “Proto Thema”. Imaginam um governo revolucionário do SYRIZA que seguirá os passos “dos autênticos marxistas revolucionários” do período de 1917-1924 (na Rússia). Servindo fielmente às ideias de Trotsky e Lenin, a Tendência Comunista do SYRIZA levanta a bandeira da ideologia marxista dentro do partido, embora o SYRIZA, ao menos em teoria, seja um partido unido e sem agrupamentos políticos internos. 

Na entrevista ao “Proto Thema” os membros da Tendência Comunista do SYRIZA e também membros do Comitê Central do SYRIZA, o Sr. Stamatis Karagiannopoulos e Orestes Doulos – que substituiu a Sra. Evi Tounta após sua demissão do Comitê Central do SYRIZA na semana passada – analisam [por um lado sua proposta de] programa revolucionário para a formação de governo dirigido pelo Sr. Alexis Tsipras e [por outro] a criação dos Estados Unidos Socialistas da Europa. Defendem uma coalizão governamental do SYRIZA e do Partido Comunista (KKE) para derrubar o capitalismo, a expropriação generalizada das empresas, a socialização dos meios de produção para conseguir o crescimento. Defendem uma milícia operária armada no lugar da polícia e das forças armadas para proteger as conquistas socialistas, inclusive com armas. Através de seu jornal Epanastisi, que a partir do próximo sábado promete ser um quinzenal disponível nas bancas, a Tendência Comunista do SYRIZA desafia a direção do partido a se preparar para os próximos acontecimentos revolucionários. As respostas, a seguir, são de ambos.

O que os levou à decisão de criar a Tendência Comunista do SYRIZA, quando os diversos grupos políticos componentes de SYRIZA estavam se dissolvendo? 

O direito à existência de tendências em um partido operário de massas como o SYRIZA deve ser reconhecido. Nossa tendência, isto é, o autêntico marxismo revolucionário, deve apresentar-se com um perfil político diferente e isto é exatamente o que nos levou à proclamação oficial de nossa tendência no mês de abril de 2013, a Tendência Comunista do SYRIZA. Em nossa opinião, isso era necessário no âmbito do partido, mas também frente ao movimento operário grego.

Lendo suas posições, surge imediatamente uma pergunta: por que razão vocês não estão integrados no Partido Comunista (KKE)?

As razões são históricas. Nossa corrente, com o fim de se distinguir do movimento comunista oficial que estava identificado com o estalinismo, adotou o nome de “trotskismo”. Foi um termo atribuído aos genuínos marxistas pelos estalinistas e nós, com muito gosto, o aceitamos a fim de nos distinguir como comunistas genuínos frente aos estalinistas. Por desgraça, ainda hoje, no histórico e heroico Partido Comunista da Grécia, estão proibidas as ideias do trotskismo. Portanto o SYRIZA, que é um lugar que reúne a muitas correntes diferentes, política e ideologicamente, era o lugar apropriado para defender essas ideias. 

Há espaço no SYRIZA para promover a ideologia marxista? 

Sim, é evidente que existe. SYRIZA é um lugar que pertence historicamente ao movimento comunista grego, e se não há espaço aqui, onde poderia ter? 

Creem vocês que o programa da Tendência Comunista é realista? 

As armas para desafiar a miséria que a classe dominante está propondo são as ideias revolucionárias do marxismo. Se os líderes da Esquerda (SYRIZA e KKE) propõem uma mudança fundamental na sociedade sobre a base de um programa revolucionário, isso daria lugar a ondas de entusiasmo entre os trabalhadores, que estão desesperados, e esse entusiasmo se converterá em um movimento político na Grécia e para além dela. 

SYRIZA e Alexis Tsipras estão preparados para estabelecer um governo revolucionário?

Esta pergunta deve ser dirigida ao camarada Alexis Tsipras e não a nós. Em nossa opinião, Alexis Tsipras e o SYRIZA deveriam estar preparados porque, simplesmente, um governo de esquerda que seguisse um programa de reformas, tal como o que a direção de SYRIZA está propondo, e não o nosso programa revolucionário completo, será enfrentado pela sabotagem econômica e política da classe dominante. Sem uma vontade e um programa revolucionários para eliminar o poder econômico de um punhado de pessoas que atualmente controlam os bancos, os meios de comunicações, a indústria, o transporte, o comércio e a propriedade da terra, este governo estaria condenado ao fracasso.

Pode o SYRIZA levar a cabo um programa político para derrubar o capitalismo? 

Imaginemos que o SYRIZA estivesse fazendo um apelo aos trabalhadores para aplicar um programa deste tipo, lhes explicando que esta é a única opção frente à realidade do pesadelo do capitalismo. Que trabalhador não lutaria ferozmente por tal perspectiva socialista? Logo, este exemplo de um SYRIZA revolucionário se estenderia por toda a Europa. Então, os capitalistas alemães realmente teriam um problema; diferentemente de agora, onde Angela Merkel vê um SYRIZA que diz querer fazer mudanças profundas, mas não sabe como. Um SYRIZA que quer negociar, sem apresentar uma solução revolucionária para os trabalhadores.

Referem-se a uma transformação europeia mais ampla? 

Os Estados Unidos Socialistas da Europa é a única proposta alternativa consistente de um partido de esquerda, que promete a possibilidade do socialismo contra a Europa capitalista atual. 

Quais são as características chaves de um governo revolucionário? 

Hoje em dia a única proposta viável de poder baseado na atual correlação de forças políticas é uma coalizão do SYRIZA e do KKE, em virtude de um programa socialista de mudanças profundas na sociedade. Isto se converteria em uma referência para a Europa. Por desgraça, e isto é também em parte é por responsabilidade da direção do Partido Comunista, a direção do SYRIZA não luta tão firmemente como seria necessário por esta perspectiva. A unidade da esquerda para mudar a sociedade não está em sua agenda. Uma aliança da esquerda com um partido burguês seria desastrosa.

Quais deveriam ser os aspectos centrais da política econômica desse governo? 

Um governo revolucionário do SYRIZA deveria exigir através de uma lei que as empresas reduzam as horas de trabalho de seus empregados, de maneira que todos os desempregados possam conseguir trabalho, sem que haja redução dos salários. Isto trará um enorme aumento da produtividade e com isso se criará condições para o crescimento. O governo da esquerda também terá que tomar o controle de todos os setores estratégicos da economia, e organiza-la sob a base de um plano no qual os trabalhadores terão voz e voto.

O que aconteceria com os impostos? 

Nossa posição tem sido tergiversada pelo partido Nova Democracia [direita]. Queremos que os milionários gregos se submetam à imposição de colocarem 75% de seus rendimentos, em benefício da gente mais pobre. Isto requer a aplicação do controle operário genuíno nas empresas. O governo da esquerda permitirá aos trabalhadores revisar os livros contábeis das empresas com o fim de descobrir as fraudes, os escândalos e as evasões fiscais. Se os senhores que são donos destas empresas não cumprem o decidido, estas empresas devem ser socializadas.

Se ocorressem expropriações de empresas, quem teria disposição de investir um só euro na Grécia? 

Quem disse que para ter um crescimento econômico e social são necessários grandes investidores estrangeiros? Os grandes investidores virão apenas se obtêm garantias de que os salários dos trabalhadores serão baixos. Exigirão a volta ao empobrecimento generalizado de setores dos trabalhadores. Nós não colocamos nossas esperanças nos investidores, senão na vitória internacional do socialismo.

É possível aplicar o controle operário, quando este modelo tem sido superado historicamente?

Este modelo aplicou-se só nos primeiros – poucos – anos da União Soviética, e em condições de guerra. Estamos falando do período que chegou até 1923-1924, onde tivemos a tentativa do Estado soviético de sustentar-se sobre seus próprios pés enquanto estava sob o ataque dos exércitos imperialistas e das forças czaristas. Nesse momento, na presença de Lenin e Trotsky como dirigentes inquestionáveis da revolução, se aplicou o controle operário, que é a norma e a tradição que defendemos hoje. 

Colocar em prática um programa revolucionário conduzirá automaticamente a uma ruptura com a UE e à emissão de uma moeda nacional, como escrevem vocês em seu programa.

Uma volta a uma moeda nacional é um curso forçado para organizar a distribuição da economia de uma maneira racional. Será uma moeda nacional de transição que será válida na Europa até que a esquerda chegue ao poder em todo ou parte do continente e a Europa se consolide ao redor de outra moeda única.

Como vão materializar a proposta de um exército operário com divisões militares dos sindicatos? 

Você pode ler esta proposta na ata do II Congresso da Internacional Comunista. Os soldados devem ter voz e voto, já que eles estão portando uma arma para defender sua pátria. Voz e voto sobre como usar as armas, contra quem serão utilizadas, se realmente há uma ameaça para o país ou não. Não falamos sobre a ameaça abstrata contra a integridade territorial do país, senão também, do caso de uma ameaça contra as conquistas sociais e políticas do povo. Se tal ameaça se materializar, os trabalhadores deverão poder defendê-las, inclusive com as armas na mão. Esta é a única maneira de ter uma revolução pacífica.

Vocês sugerem uma milícia popular como força de segurança que envolveria os membros das organizações operárias.

A democratização das forças de segurança é necessária. Hoje, os membros das forças de segurança são adestrados para combater o “inimigo interno” [isto é, as massas trabalhadoras gregas]. Como mudaríamos isto? Permitindo que as organizações operárias de massas controlem as forças de segurança. Os organismos que administrem as forças de segurança serão eleitos e estarão sujeitos à revogabilidade de mandato. Os membros das organizações operárias de massas que desejem proteger suas conquistas revolucionárias -, que serão ganhas através de um governo de esquerda – farão isto com sua presença física e com a luta. Em lugar de polícia terá outro organismo que manterá realmente a ordem, garantindo as conquistas democráticas de um governo socialista. 

Traduzido por Wanderci Bueno