Imagem aérea de Seropédica. Foto: Gisnei Moreira

Observações a caminho da universidade

Nota da edição: Publicamos o artigo do companheiro Dan Alves, do RJ, de denúncia sobre o transporte público e sobre a situação na universidade. Temos acordo de que a saída para mudar a realidade passa pela organização e acreditamos que seu texto ajuda jovens e trabalhadores nesse sentido.

Ônibus 739 lotado com destino à Seropédica, município da região metropolitana do RJ, que assim como a Baixada Fluminense, é alvo do descaso. Está localizada em uma região com uma paisagem magnífica, mas não tem um Pão de Açúcar ou Cristo Redentor para justificar políticas públicas na região, mas tem mão-de-obra para servir turistas que internalizaram uma imagem do estado todo que se resume à Cidade Maravilhosa, influência da arte de Manoel Carlos. Estar na zona sul é um fetiche.

Nessa região, há um monopólio privado que controla os transportes coletivos. E como é de se esperar, o transporte é precário e caro. O número de ônibus é insuficiente para a demanda e por isso estão sempre lotados.

Hoje aconteceu algo triste. Havia uma mulher com seu filho no colo e uma gestante, ambas em pé. Em algum momento, o cobrador teve a iniciativa de boicotar a viagem e garantiu que o ônibus só sairia do lugar quando elas sentassem. E por incrível que pareça ninguém cedeu o lugar, e é provável que quem se solidarizou estava impossibilitado de levantar ou mexer devido à lotação. As pessoas sentadas que estavam mais próximas das mulheres não se manifestaram, parece que não estar na poltrona preferencial absolve as pessoas de qualquer empatia.

Depois de algumas tentativas do cobrador, uma pessoa que estava em um assento preferencial cedeu o lugar para a mulher com seu filho, levantou reclamando com o argumento de cansaço por causa do trabalho. A mulher rebateu dizendo que ela não estava vindo da “Zona”, ela também era trabalhadora. A gestante continuou em pé, ela iria descer logo. É uma situação delicada, precisamos relativizar com ambas as partes e meu objetivo não é criticar o comportamento humano porque os valores morais e a ética não se manifestam de forma homogênea, universal. Meu objetivo é pontuar uma lógica agressiva de mercado que influencia as relações humanas.

É lógico que a empresa continua faturando muito e gastando menos, não precisa investir em expansão da frota porque as pessoas não têm opção e mesmo lotado elas pegarão o ônibus. Não precisa contratar mais funcionários, já que é possível explorar os existentes fazendo com que trabalhem mais com a ilusória vantagem das horas extras que não chegam nem perto do quanto a empresa fatura com base nessa exploração.

Quem está perdendo é a população, o povo trabalhador, que está se estressando e se estranhando. As relações estão desumanizadas, efeito evidente da modernidade em que as coisas estão esvaziadas do seu valor de uso e saturadas com o valor de troca.

É preciso pensar em uma saída. Em Seropédica tem a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) que teoricamente é um espaço progressista que capacita pessoas para repensar a sociedade e projetar um futuro melhor a todos. Mas na prática isso não se confirma, quem quer mudar o Brasil está cego para os problemas que cercam suas salas de aula.

Uma parcela significativa do corpo discente da Rural não é de Seropédica. Normalmente quem é originário da região está na universidade enquanto funcionário terceirizado. Quando alguém vem estudar na Rural é normal que essas pessoas aluguem residências para passar a semana e nos finais de semana retornam para suas casas em outros bairros do Rio de Janeiro. A universidade está mais diversa sim, muitas são as primeiras pessoas da família a ingressar no ensino superior. O problema é conseguir permanecer porque não é barato manter um aluguel ou arcar com o custo de passagem.

A galera universitária não participa da discussão política da região para a região. A única participação efetiva que estudantes da rural estão tendo em Seropédica é na especulação imobiliária e nas chopadas que hostilizam quem nasceu em Seropédica, conhecidos como minhocas. Um apelido que é dado a quem é da terra, mas que virou estigma. Eu, carioca, nunca fui chamado de minhoca por alguém que estuda na URFJ. Mas é exatamente isso que acontece na Rural, há uma barreira que impede as pessoas de ocuparem o próprio espaço que habitam e uma legitimação constante de estigmas por parte daqueles que se dizem progressistas.

É nesse ambiente que vamos vivendo, contradição sobrepondo contradição. Lutas sobrepondo lutas. A única saída é nossa organização, ou então, nada muda.

Algum lugar da BR-465, 26 de maio de 2017