O que é materialismo dialético?

As teorias de Marx fornecem ao pensador iniciante uma compreensão de forma global. É a tarefa de cada trabalhador e estudante conquistar para si as teorias de Marx e Engels, como um pré-requisito para a conquista da sociedade pelos trabalhadores.

Conteúdo

Introdução

Marxismo, ou Socialismo Científico, é o nome dado ao corpo de ideias primeiramente trabalhadas por Karl Marx (1818 – 1883) e Friedrich Engels (1820 – 1895). Na sua totalidade, estas ideias fornecem uma base teórica completa para a luta da classe trabalhadora para chegar à forma superior de sociedade humana – o socialismo.

O estudo do Marxismo recai sobre três principais bases correspondentes à Filosofia, à História Social e à Economia – Materialismo Dialético, Materialismo  Histórico e Economia Marxista, respectivamente. Estas são as famosas “três partes constitutivas do Marxismo” como apontadas por Lenin.

A série Educação para Socialistas foi lançada para promover o estudo do Marxismo. Ela tenciona auxiliar o estudante do Marxismo fornecendo uma introdução ao assunto com textos marxistas apropriados que desejamos que abram o apetite para mais leituras e estudos. No primeiro desses guias de estudo, fornecemos uma seleção de materiais sobre Materialismo Dialético. As outras “partes constitutivas”, bem como outras questões fundamentais, serão vistas em artigos futuros. Os guias são apropriados para um estudo individual ou como a base para um grupo marxista de discussões.

Para iniciar este estudo sobre o Materialismo Dialético, os editores estão publicando um artigo introdutório escrito por Rob Sewell. Embora seja um bom início para o projeto, não existe nenhum substituto daqui em diante para os trabalhos filosóficos de Marx, Engels, Lenin, Trotsky, Plekhanov e outros. Infelizmente, Marx e Engels nunca escreveram um trabalho que englobasse todo o materialismo Dialético, embora fosse sua intenção fazê-lo. Com sua morte, Engels deixou uma pilha de manuscritos, sobre os quais tencionava trabalhar sobre o materialismo ou ainda, sobre as leis de movimento da natureza, da sociedade humana e do pensamento humano. Estas leis foram mais tarde publicadas como a Dialética da Natureza. Mesmo de um modo ainda cru, não finalizado, estas notas dão uma introdução brilhante ao método marxista e sua relação com as ciências.

O leitor novato não deve se assustar com a dificuldade e as ideias abstratas expressas neste texto. Mesmo sentindo uma dificuldade inicial, a perseverança se pagará. O Marxismo é uma ciência com sua própria terminologia e exige uma alta demanda do iniciante. Entretanto, qualquer trabalhador e estudante sérios sabem que nada vale realmente a pena se não tiver sua parcela de sacrifício e luta.

As teorias de Marx fornecem ao pensador iniciante uma compreensão de forma global. É a tarefa de cada trabalhador e estudante conquistar para si as teorias de Marx e Engels, como um pré-requisito para a conquista da sociedade pelos trabalhadores.

Reconhecemos que há obstáculos reais no caminho da luta do trabalhador por teoria. Um homem ou mulher que é obrigado a labutar por longas horas no trabalho, que nunca teve o benefício de uma boa educação e, por consequência, falta o hábito da leitura, encontra muita dificuldade em absorver muitas das ideias mais complexas, especialmente no início. No entanto, foi para os trabalhadores que Marx e Engels escreveram, e não para os “inteligentes” acadêmicos. “Todo começo é difícil” não importando de qual ciência estamos falando. Para o trabalhador com consciência de classe que está preparado para perseverar, uma promessa pode ser feita: uma vez feito o esforço para se familiar com ideias novas e estranhas, as teorias do Marxismo serão consideradas basicamente fáceis e lineares.

Uma vez conquistados os conceitos básicos do Marxismo, uma nova concepção sobre a política, a luta de classes e todos os aspectos da vida estará aberta.

Como uma introdução mais aprofundada à dialética, estamos republicando também neste artigo o ‘ABC do Materialismo Dialético’ de Trotsky; também de Trotsky, ‘Um triunfo do Materialismo Dialético’; um excerto de Lenin, ‘As três fontes e as três partes constitutivas do Marxismo’; os ‘Elementos da dialética’ de Lenin e, um excerto de Engels, ‘Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã’.

Para estudos mais aprofundados recomendamos os seguintes trabalhos de Engels, especialmente os capítulos 12 e 13 de Anti-Duhring, a introdução de ‘Dialética da Natureza’ e ‘Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã’.

Aqueles que tencionam uma imersão maior devem tentar ler ‘A concepção monista da História’ de Plekhanov, ‘Materialismo e crítica empírica’ de Lenin, bem como Notas filosóficas (Trabalhos selecionados, vol. 38). Embora estes livros não sejam de leitura fácil, eles são indubitavelmente recompensantes se estudados com afinco.

Os editores,
Outubro de 2002.

Precisamos de uma Filosofia?

O Socialismo científico ou Marxismo é composto de três partes constitutivas: Materialismo Dialético, Materialismo Histórico e Economia Marxista. Este folheto, o primeiro da série, é uma introdução aos conceitos do Materialismo Dialético – o método do Marxismo.

Para aqueles não iniciados à filosofia marxista, o Materialismo Dialético pode parecer conceito obscuro e difícil. Entretanto, para aqueles preparados para tirar um tempo para estudar esta nova forma de olhar para as coisas, descobrirão uma concepção revolucionária que permitirá um discernimento e um entendimento dos mistérios do mundo em que vivemos. Uma pitada do Materialismo Dialético é um pré-requisito essencial para entender a doutrina do Marxismo. O Materialismo Dialético é a filosofia do Marxismo que nos proporciona uma concepção científica e completa do mundo. É a pedra filosófica – o método – na qual toda a doutrina marxista está fundamentada.

De acordo com Engels, a dialética foi “nossa melhor ferramenta e nossa faca mais afiada”. Da mesma forma para nós é guia de ação e das atividades dentro do movimento da classe trabalhadora. É como uma bússola ou um mapa, que nos permite perceber as engrenagens do turbilhão de eventos e nos permite compreender os processos internos que dão forma ao nosso mundo.

Gostando ou não, conscientemente ou não, todos têm uma filosofia. Uma filosofia é simplesmente um modo de ver o mundo.  Sob o capitalismo, sem a nossa filosofia científica, nós inevitavelmente adotaríamos a filosofia da classe dominante e os preconceitos da sociedade onde vivemos. “As coisas não mudarão nunca” é um dito constante que reflete a inutilidade de tentar modificar as coisas e a necessidade de aceitá-las como são. Existem outros provérbios tais como “Não há nada de novo a ser inventado” e a “História sempre se repete” que refletem o mesmo modo de vista conservador. Tais ideias, explicou Marx, formam um peso esmagador nas consciências dos homens e das mulheres.

Da mesma forma como a burguesia na sua revolução contra a sociedade feudal desafiou as ideias conservadoras da velha aristocracia feudal, a classe trabalhadora, na sua luta por uma nova sociedade, deve enfrentar a concepção dominante do seu opressor, a classe capitalista. É claro que a classe dominante, por meio de seu monopólio do controle dos meios de comunicação de massa: a imprensa, a escola, a universidade e o púlpito, conscientemente justificam seu sistema de exploração como sendo “a forma natural de sociedade”. A máquina de repressão do Estado, com seus “homens armados”, não é suficiente para manter o sistema capitalista. As ideias dominantes e a moralidade da sociedade burguesa servem como uma defesa vital dos interesses materiais da classe dominante. Sem a ideologia poderosa o sistema capitalista não duraria for tanto tempo.

“De uma forma ou outra”, diz Lenin, “toda ciência oficial e liberal defende a escravidão por salários… Esperar que a ciência seja imparcial em uma sociedade de escravidão por salários é tão estupidamente ingênuo como esperar imparcialidade  dos industriais na questão: aumentar os salários diminuindo os lucros”.

A ideologia oficial burguesa conduz uma incansável luta contra o Marxismo, corretamente considerada como mortal para o capitalismo. Os escribas e professores da burguesia estimulam uma corrente contínua de propaganda para tentar desacreditar o Marxismo – particularmente a dialética. Tem sido este especialmente o caso desde a queda do Muro de Berlim e a feroz ofensiva ideológica contra o Marxismo, comunismo, revolução e outros. “O Marxismo está morto”, eles repetidamente proclamam como um cântico religioso. Mas o Marxismo se recusa a se ajoelhar diante desses magos! O Marxismo reflete o desejo inconsciente da classe trabalhadora de modificar a sociedade. O seu destino está entrelaçado com o do proletariado.

Os apologistas do capitalismo, em conjunto com suas sombras no movimento trabalhista, constantemente afirmam que o seu sistema é uma forma natural e permanente de sociedade. Por outro lado, a dialética afirma que nada é permanente e todas as coisas perecerão em algum momento. Uma filosofia assim revolucionária se constitui em uma profunda ameaça para o sistema capitalista e, portanto, deve ser desacreditada a todo custo. Isto explica a despreparada produção de propaganda antimarxista. Mas cada passo adiante na ciência e no conhecimento serve para confirmar a correção da dialética. Para milhões de pessoas a crise crescente do capitalismo demonstra a validade do Marxismo. A situação está forçando os trabalhadores a procurar uma forma de sair do impasse. “A vida ensina”, lembra Lenin. Atualmente, para usar as famosas palavras do Manifesto Comunista, “um espectro está rondando a Europa, o espectro do comunismo”.

Na luta pela emancipação da classe trabalhadora, o Marxismo trava uma luta sem tréguas contra o capitalismo e sua ideologia, que defende e justifica seu sistema de exploração, a “economia de mercado”. Porém, o Marxismo faz mais que isso. O Marxismo fornece à classe trabalhadora “uma concepção integral de mundo inconciliável com qualquer forma de superstição, reação ou defesa da opressão burguesa”. (Lenin) Ele procura revelar as relações reais que existem entre o capitalismo e arma a classe trabalhadora com a compreensão de como ela pode alcançar sua própria emancipação. O Materialismo Dialético, para usar as palavras do marxista russo Plekhanov, é mais que uma concepção, é uma “filosofia de ação”.

Os limites da lógica formal

 Homens e mulheres tentam pensar de uma forma racional. A lógica (do grego logos, que significa palavra ou razão) é a ciência das leis do pensamento. Quaisquer pensamentos que tenhamos, e em qualquer idioma que os expressarmos, eles devem satisfazer as exigências da razão. Essas exigências deram origem às leis do pensamento, aos princípios da lógica. Foi o filósofo grego Aristóteles (384 – 322 AC), há mais de dois mil anos, formulou o presente sistema de lógica formal – um sistema que é a base das instituições educacionais até hoje. Ele categorizou o método de como deveríamos racionalizar corretamente e como os enunciados são combinados para chegar aos julgamentos, e a partir deles, como se chegam às conclusões. Ele instituiu as três regras básicas da lógica: o princípio da Identidade (A = A), da Não-Contradição (A não pode ser A e não A) e do terceiro excluído (A é ao mesmo tempo A e não A, não existindo uma alternativa intermediária).

A lógica formal vem deixando sua influência por mais de dois milênios e foi a base do experimento e dos grandes avanços da ciência moderna. O desenvolvimento da matemática foi baseado nesta lógica. Um mais um é igual a dois, não três. É impossível ensinar uma criança a somar sem isso. A lógica formal pode parecer senso comum e é responsável pela execução de mil e uma coisas do cotidiano, mas – e este é um grande mas – tem os seus limites. Ao lidar com o delineamento de processos ou eventos complicados, a lógica formal se torna um modo de pensamento totalmente inadequado. Este é particularmente o caso ao lidar com movimento, mudança e contradição. A lógica formal considera as coisas como fixas e sem movimento. É claro, isto não nega a utilização diária da lógica formal, ao contrário, mas temos que reconhecer seus limites.

“A dialética não é ficção nem misticismo”, escreveu Leon Trotsky, “mas uma ciência de formas de nosso pensamento desde que não esteja limitada aos problemas diários da vida, mas tentativas de chegar a uma compreensão de processos mais complicados e delineados. A dialética e a lógica formal permitem uma relação similar entre a matemática avançada e rudimentar”. (O ABC do Materialismo Dialético)

Com o desenvolvimento da ciência moderna, o sistema de classificação (de Lineu) teve como base a lógica formal onde todas as coisas vivas são divididas em espécies e ordens. Isso foi um grande avanço para a biologia em comparação com o passado. Entretanto, foi um sistema rígido e fixo, com suas categorias rígidas que com o passar do tempo mostraram suas limitações. Darwin, em particular, demonstrou que durante a evolução era possível para uma espécie se transformar em outra espécie. Consequentemente, o sistema rígido de classificação teve que ser modificado para permitir esta nova compreensão da realidade.

Com efeito, o sistema de lógica formal foi destruído. Ele não poderia lidar com estas contradições. Por outro lado, a dialética – a lógica da mudança – explica que não existem categorias fixas ou absolutas na natureza ou na sociedade. Engels se divertiu muito ao apontar para o ornitorrinco com pés de pato, sua forma de transição, e perguntando onde ele se encaixaria no sistema de formas rígidas!

Somente o Materialismo Dialético pode explicar as leis da evolução e da mudança, que vê o mundo não como um complexo de coisas prontas e acabadas, mas como um complexo de processos que passam por transformações ininterruptas de viver e morrer. Para Hegel, a velha lógica era exatamente como uma brincadeira de criança que procurava montar figuras com peças de quebra-cabeças. “A falha estava no pensamento vulgar”, escreveu Trotsky, “que se fixa no fato de que deseja contentar-se com impressões sem movimento de uma realidade que consiste em movimentos eternos”.

Antes de darmos uma olhada nas leis principais do Materialismo Dialético, vamos dar uma olhada nas origens do conceito materialista.

Materialismo versus Idealismo

“A filosofia do Marxismo é o materialismo”, escreveu Lenin. A filosofia propriamente se estrutura em dois grandes campos ideológicos: o materialismo e o idealismo. Antes de prosseguir, estes dois termos precisam ser explicados. De início, materialismo e idealismo não têm nada em comum com o seu uso cotidiano, onde o materialismo é associado com ganância e fraude material (em resumo, a moralidade presente no capitalismo atual) e o idealismo com grandes ideias e virtude. Muito longe disso!

O materialismo filosófico é a concepção que explica que existe apenas um mundo material. Não há céu ou inferno. O universo, que sempre existiu e não é a criação de um ser sobrenatural, é o processo de um fluxo constante. Os seres humanos são uma parte da natureza, e evoluíram de formas inferiores de vida, cuja origem vem de um planeta sem vida há mais ou menos 3,6 bilhões de anos. Com a evolução da vida, em um determinado momento, desenvolveram-se animais com um sistema nervoso central e, eventualmente, seres humanos com um cérebro maior. Com estes humanos desenvolveu-se o pensamento e a consciência humana. O cérebro humano é capaz de produzir ideias gerais, como por exemplo, o pensamento. A matéria, no entanto, existe desde sempre, e independentemente da mente humana. E dos seres humanos. As coisas vêm existindo muito antes do surgimento de qualquer consciência por parte dos organismos vivos.

Para os materialistas não existe consciência separada do cérebro vivo, sendo este parte do corpo material. Uma mente sem um corpo é um absurdo. A matéria não é um produto da mente, mas a mente é o maior produto da matéria. As ideias são simplesmente um reflexo do mundo material independente que nos circunda. As coisas refletidas em um espelho não dependem deste reflexo para existirem. “Todas as ideias retiradas da experiência, são reflexões – verdadeiras ou distorcidas – da realidade”, afirma Engels. Ou para usar as palavras de Marx, “A vida não é determinada pela consciência, mas a consciência é determinada pela vida”.

Os marxistas não negam que a mente, a consciência, o pensamento, a vontade, o sentimento ou as sensações sejam reais. O que os materialistas negam é que a coisa chamada “mente” exista separadamente do corpo. A mente não é distinta do corpo. O pensamento é produto do cérebro, que é o órgão do pensamento.

Entretanto, isso não significa que nossa consciência seja um reflexo sem vida da natureza. Os seres humanos se relacionam com seus semelhantes, eles têm consciência de seus semelhantes e agem de acordo; por sua vez, o meio reage de volta. Os seres humanos racionalizam e pensam criativamente quando baseados em condições materiais. Eles, por sua vez, modificam as condições materiais.

Por outro lado, o idealismo filosófico afirma que o mundo material não é real, mas simplesmente um reflexo do mundo das ideias. Existem diferentes formas de idealismo, mas todas essencialmente explicam que as ideias são primárias e a matéria, se existir de verdade, é secundária. Para os idealistas, as ideias são dissociadas da matéria, da natureza. Esta é a concepção de Hegel da ‘Ideia absoluta’ ou que recorre a Deus. O idealismo filosófico abre o caminho, de uma forma ou outra, para a defesa ou para o apoio da superstição e religião. Isto não é somente uma concepção falsa, mas também profundamente conservadora, que nos leva à conclusão pessimista de que nunca poderemos entender “as linhas tortas” do mundo. Enquanto que o materialismo entende que os seres humanos não apenas observam o mundo real, mas podem modificá-lo; ao fazer isso, eles se modificam.

A concepção idealista do mundo cresceu com a divisão entre o trabalho manual e intelectual. Esta divisão se constituiu em enorme avanço e liberou parte da sociedade do trabalho manual e permitiu que ela tivesse tempo para desenvolver a ciência e a tecnologia. Entretanto, quanto mais separadas do trabalho manual, mais abstratas ficam as ideias. E quando os pensadores separam suas ideias do mundo real, eles são incrivelmente consumidos pelo “pensamento puro” abstrato e terminam tendo todos os tipos de fantasias. Atualmente, a cosmologia é dominada pelas concepções complexas da matemática abstrata, que levaram a todo tipo de teorias e devaneios errôneos: o Big Bang, o início dos tempos, universos paralelos, etc. Cada disrupção com a prática leva a um idealismo unilateral.

A concepção de materialismo tem uma longa história que se estende desde a Grécia antiga de Anaxágoras (500 a 428 a. C) e Demócrito (460 a 370 a. C). Com o colapso da Grécia antiga, essa concepção racional foi varrida de toda época histórica e, somente depois do renascimento do pensamento com o fim da Idade Média cristã, houve um reavivamento da filosofia e das ciências naturais. No século XVII, o lar do materialismo moderno foi a Inglaterra. “O verdadeiro pai do materialismo inglês foi Bacon”, escreveu Marx. O materialismo de Francis Bacon (1561 – 1626) foi então sistematizado e desenvolvido por Thomas Hobbes (1588 – 1679), cujas ideias foram, por sua vez, desenvolvidas por John Locke (1632 – 1704). Este último pensou ser possível que a matéria poderia ter a faculdade do pensamento. Não é por acidente que estes avanços no pensamento humano coincidiram com o surgimento da burguesia e com grandes avanços na ciência, particularmente na mecânica, astronomia e medicina. Estes grandes pensadores, por sua vez, deram o passo inicial para a brilhante escola francesa de materialistas do século XVIII, mais notavelmente René Descartes (1596 – 1650).

Foi o seu materialismo e o seu racionalismo que se tornou o credo da grande Revolução Francesa de 1789. Estes pensadores revolucionários não reconheciam autoridades externas. Tudo desde a religião até a ciência natural, da sociedade às instituições políticas estavam sujeitas a críticas mais investigativas.

Esta filosofia materialista, consistentemente capitaneada por Holbach (1723 – 1789) e Helvetius, foi uma filosofia revolucionária. “O universo é uma vasta unidade de tudo que é, em todo lugar ele nos mostra somente a matéria em movimento”, afirma Holbach. “Isso é tudo que existe e ele exibe somente uma cadeia infinita e contínua de causas e ações; algumas destas causas nós conhecemos, desde que atinjam os nossos sentidos; outras não conhecemos, pois atuam sobre nós somente por meio das consequências, mais remotas que as causas primeiras”.

Esta filosofia racional foi um reflexo ideológico da luta revolucionária da burguesia contra a igreja, a aristocracia e a monarquia absolutista. Representou um ataque feroz ao Antigo Regime. No final, o reino da razão se tornou nada mais que o reino idealizado da burguesia. A propriedade burguesa se tornou um dos direitos essenciais do homem. Os materialistas revolucionários pavimentaram o caminho para uma nova sociedade burguesa e a dominação das formas privadas de propriedade. “Tempos diferentes, diferentes circunstâncias, uma diferente filosofia”, afirmou Denis Diderot (1713 – 1784).

O novo materialismo tendeu, embora um avanço revolucionário, a uma rigidez e ser mecânico. Estes novos filósofos atacaram a igreja, negaram a autossuficiência da alma e suportaram que o homem era apenas um corpo material como os animais e os corpos inorgânicos. O homem foi pensado como um mecanismo mais complexo e delicado que os outros corpos. De acordo com La Mettrie (1709 – 1751) e seu principal trabalho ‘O homem, a máquina’, “Nós somos instrumentos providos de sentimento e memória”.

Para os materialistas franceses, a origem do conhecimento – descoberta da verdade objetiva – fixa-se sobre a ação da natureza dos nossos sentidos. Os planetas e o local do homem dentro do sistema solar e na natureza eram fixos. Para eles, o mundo tinha a precisão de um relógio, onde tudo tinha seu local estático lógico e o impulso para o movimento vinha de fora. A abordagem total, enquanto materialista, era mecânica e falhou ao retirar a realidade viva do mundo. Ele não poderia considerar o mundo como um processo, como a matéria passando por contínuas mudanças. Esta fraqueza levou a uma falsa dicotomia entre o mundo material e o mundo das ideias. E este dualismo abriu as portas para o idealismo.

Outros se apegaram a uma concepção monista de que o universo era um sistema que não era puro espírito nem pura matéria. Spinoza foi o primeiro a trabalhar tal sistema. Como ele tinha uma necessidade por um Deus, o universo era um sistema que era totalmente material do fim para o fim.

Dialética e Metafísica

A concepção marxista do mundo não é somente materialista, mas também dialética. Na sua crítica, a dialética é mostrada como sendo algo totalmente místico e, por esta razão, irrelevante. Mas este não certamente o caso. O método Dialético é simplesmente uma tentativa de entender com mais clareza o mundo real interdependente. A dialética, afirma Engels em Anti-Duhring, “não é nada mais que a ciência das leis gerais do movimento da natureza, da sociedade humana e do pensamento”. Colocada em termos simples, é a lógica do movimento.

É óbvio para muitos que não vivemos em um mundo estático. De fato, tudo na natureza está em um estado de constante mudança. “O movimento é o modo de existência da matéria”, afirma Engels. “Nunca, em nenhum lugar, existiu matéria sem movimento ou pode existir”. A Terra gira continuamente em torno de seu eixo e, por sua vez, gira em torno do Sol. Isto resulta em dia e noite e nas diferentes estações que experimentamos ao longo do ano. Nós nascemos, crescemos, ficamos velhos e, por fim, morremos. Tudo está em movimento, mudando, crescendo e desenvolvendo ou decaindo e desaparecendo. Todo equilíbrio é somente relativo e somente tem sentido em relação com outras formas de movimento.

“Quando nós consideramos e refletimos sobre a natureza como um todo, na história da humanidade ou na nossa própria atividade intelectual, primeiramente vemos uma figura de um entrelaçamento sem fim de relações e reações, trocas e combinações, nas quais nada permanece o que, onde ou como era, mas tudo se move, muda, torna-se um ser e morre”, lembra Engels. “Entretanto, nós vemos primeiramente a figura como um todo, com as suas partes individuais estacionadas, mais ou menos no fundo; observamos os movimentos, as transições, as conexões antes de ver as coisas que se movem, se combinam e são conectadas. Esta primitiva, ingênua, porém intrinsecamente correta concepção de mundo é a da filosofia da Grécia antiga e foi primeiramente formulada por Heráclito: tudo é e não é; tudo é fluido, tudo está em constante mudança, constante transformação em ser e morrendo”.

Os gregos fizeram uma série de descobertas revolucionárias e avanços nas ciências naturais. Anaximandro fez um mapa do mundo e escreveu um livro sobre cosmologia, do qual apenas fragmentos sobreviveram. O mecanismo de Anticítera, como é chamado, parece ser os restos de um relógio planetário datando até o primeiro século antes de Cristo. Dado aos limitados conhecimentos da época, muitos foram antecipações e adivinhações inspiradas. Sob uma sociedade escravista, estas brilhantes invenções poderiam não ter sido utilizadas produtivamente e foram simplesmente reconhecidas como brinquedos para diversão. Os avanços reais na ciência natural aconteceram em meados do século XV. Os novos métodos de investigação significaram a divisão da natureza em suas partes individuais, permitindo que os objetos e os processos fossem classificados. Como isso produziu uma massiva quantidade de dados, os objetos foram analisados separadamente e não no seu ambiente vivo. Isso produziu um método metafísico, rígido e estreito de pensamento que se tornou a marca do empirismo. “Os fatos” se tornaram todos os recursos que importavam. “Agora, o que eu desejo, são os Fatos. Ensine aos meninos e meninas somente os Fatos. Somente os Fatos são desejados na vida”, afirma o personagem dickensoniano Thomas Gradgrind em Hard Times.

“Ao metafísico, as coisas e seus reflexos mentais, as ideias, são isolados; devem ser considerados um após o outro e separadamente; são objetos de uma investigação fixa, rígida e dadas de uma vez por todas”, afirma Engels. “Ele pensa em antíteses absolutamente irreconciliáveis. Sua comunicação é ‘sim, sim, não, não’; tudo quanto for maior que a vinda do mal”. Para ele uma coisa existe ou não existe; uma coisa não pode ser ao mesmo tempo ela mesma ou outra coisa. Positivo e negativo excluem-se mutuamente, causa e efeito ficam em uma rígida antítese uma com a outra.

“À primeira vista, este modo de pensar parece muito iluminado, pois ele é muito próximo do chamado senso comum. Só parece com o senso comum, pessoa tão respeitável que é, no reino pessoal de suas quatro paredes, que tem aventuras maravilhosas e diretamente se arrisca no amplo mundo da pesquisa. E o modo metafísico de pensar, justificável e necessário, pois é um número de domínios cuja extensão varia de acordo com o número de um objeto em particular de investigação; mais cedo ou mais tarde atinge um limite quando fica parcial, restrito, abstrato, perdido em contradições insolúveis. Na contemplação das coisas individuais, ele se esquece da conexão entre elas; na contemplação da existência, esquece-se do início e do fim da existência; do repouso, esquece-se da mudança. Ele não pode ver as madeiras pelas árvores”.

Engels continua a explicar que, para os propósitos do dia a dia, nós sabemos se um animal está morto ou vivo. Porém, num exame mais aproximado, somos forçados a reconhecer que esta não é uma questão simples e direta. Ao contrário, é uma questão complexa. Ainda há vívidos embates, mesmo hoje, se a vida começa no útero da mãe. Da mesma forma, é igualmente difícil dizer qual é o exato momento quando a morte ocorre, pois a fisiologia prova que a morte não é um ato instantâneo simples, mas um processo prolongado. Nas brilhantes palavras do filósofo grego Heráclito, “É a mesma coisa em nós que está viva ou morta, dormindo e acordada, jovem e velha, cada uma muda de lugar e se torna a outra. Nós pisamos e não pisamos na mesma faixa, nós somos e não somos”.

Nem tudo é o que parece ser na superfície das coisas. Cada espécie, cada aspecto de vida orgânica, é a cada momento o mesmo e não é o mesmo. Ele se desenvolve assimilando a matéria do nada e, simultaneamente, descarta outra matéria indesejada; algumas células morrem continuamente, enquanto outras são renovadas. Após um tempo, o corpo é completamente transformado, renovado de cima abaixo. Entretanto, cada entidade orgânica é ela mesma e, no entanto, uma outra coisa diferente.

Este fenômeno não pode ser explicado pelo pensamento metafísico ou pela lógica formal. Esta abordagem é incapaz de explicar a contradição. Esta realidade contraditória não entra no reino da razão do senso comum. A dialética, por outro lado, compreende as coisas na sua conexão, desenvolvimento e movimento. No que se refere a Engels, “A natureza é a prova da dialética”.

Aqui está como Engels descreveu o rico processo de mudança no seu livro “Dialética da natureza”:

“A matéria se move em um ciclo eterno, completa sua trajetória em um período tão vasto que, comparativamente, o nosso ano terrestre é nada; em um ciclo onde o período de maior desenvolvimento, nominalmente o período da vida orgânica com sua realização coroada – a autossuficiência; é um espaço comparável a um minuto da história da vida e da autossuficiência; em um ciclo onde cada forma particular de vida da existência da matéria – seja o sol ou uma nebulosa, um animal em particular ou uma espécie de animais, uma combinação ou uma decomposição química – está igualmente em transição; em um ciclo onde nada é eterno, exceto a mudança eterna, o eterno movimento da matéria e das leis do movimento e da mudança. Entretanto, não importa a frequência ou a incompassividade que este ciclo possa durar em tempo e espaço, não importa que os incontáveis sóis e terras morram e surjam, não importa quanto se tenha que esperar em um sistema solar aparecerem condições favoráveis em um planeta para existir vida orgânica, não importa quantos seres morram e surjam antes que, no seu meio, desenvolvam-se animais com cérebros pensantes que os permita encontrar um ambiente propicio à vida, seja somente por um curto período, nós, no entanto, temos a garantia de que a matéria em todas as suas mudanças permanece eternamente a mesma, que nem um dos seus atributos pode perecer e, que, a mesma quantidade necessária de ferro que compele a destruição da maior florada de matéria – o espírito pensante – também necessita o seu renascimento em qualquer outro lugar, em qualquer outro momento”.

Uma nova e radical filosofia alemã surgiu juntamente com, e seguindo, a filosofia francesa do século XVIII. Com Emmanuel Kant, o ápice desta filosofia foi simbolizado pelo sistema de George F. Hegel, que tinha grande admiração pela Revolução Francesa. Hegel, embora um idealista foi a mente mais enciclopédica de sua época. Sua grande contribuição foi o resgate do modo Dialético de pensar desenvolvido originalmente pelos filósofos gregos antigos há mais ou menos dois mil anos.

“As mudanças no ser consistem não somente no fato de que uma quantidade se torne em outra quantidade, mas também que a qualidade se torne em quantidade, e vice-versa”, escreveu Hegel. “Cada transição da matéria representa uma interrupção e dá ao fenômeno um novo aspecto, qualitativamente distinto do anterior. Assim a água quando congelada fica sólida, não gradualmente… mas de uma vez; uma vez chegado ao ponto de congelamento, ela poderá ainda permanecer um líquido se mantiver uma condição tranquila e, então, o mínimo choque será suficiente para de repente se tornar sólida… Em um mundo de fenômenos morais… Onde acontecem as mesmas mudanças de quantidade para qualidade e as diferenças nas qualidades também são fundadas em diferenças de quantidades. Assim, um pouco menos, um pouco mais, constitui-se aquele limite acima do qual a frivolidade cessa e aparece algo um pouco diferente, crime…” (Ciência da Lógica)

Os trabalhos de Hegel estão repletos de referências e exemplos da dialética. Infelizmente, Hegel não foi somente um idealista, mas escreveu na mais obscura e obtusa moda imaginável, tornando suas palavras difíceis de ler. Lenin, ao reler Hegel em seu exílio durante a Primeira Guerra Mundial, escreveu “Eu sou um general tentando ler Hegel materialmente: Hegel é materialismo que permaneceu na sua cabeça (de acordo com Engels) – isto é dizer, eu separo a maior parte sobre Deus, o Absoluto, a Ideia Pura, etc.” Lenin ficou bastante impressionado com Hegel e, apesar de seu idealismo, mais tarde recomendou que os jovens comunistas estudassem seus escritos.

Os jovens Marx e Engels foram seguidores do grande Hegel. Eles aprenderam muito com o mestre. Ele abriu seus olhos para uma nova concepção de mundo por meio da dialética. Ao abraçar a dialética, Hegel liberou a História da metafísica. Para a dialética não há nada final, absoluto ou sagrado. Ela revela o caráter transitório de tudo. Entretanto, Hegel foi limitado pelo seu conhecimento, pelo conhecimento de sua época e pelo fato de que ele era um idealista. Ele observou com atenção os pensamentos dentro do cérebro não, mais ou menos, como figuras abstratas de coisas e processos reais, mas como realizações da “Ideia Absoluta”, existente desde a eternidade. O idealismo de Hegel se tornou realidade em sua cabeça.

Ainda assim, Hegel sistematicamente delineou as leis importantes da mudança, citadas anteriormente.

A lei da quantidade em qualidade (e vice-versa)

“’Tem-se dito que não há saltos repentinos na natureza e é uma noção comum que as coisas têm sua origem por meio de progressos ou atrasos graduais’, afirma Hegel. “Porém, existe também algo como a transformação repentina da quantidade para qualidade. Por exemplo, a água não se torna sólida gradualmente ao ser congelada, fica primeiro mole e, depois, obtém a rigidez do gelo, mas se solidifica de uma vez. Se a temperatura for abaixada para um determinado grau, a água se transforma em gelo, por exemplo, a quantidade – o número de graus de temperatura – é transformada em qualidade – a mudança de estado da natureza da coisa”. (Lógica)

Este é o marco da compreensão da mudança. A mudança ou a evolução não acontecem gradativamente em uma linha reta. Marx comparou a revolução social com uma toupeira que muito ocupada cava sua toca debaixo da terra, fica invisível por longos momentos, mas intermitentemente mina a velha ordem e, mais tarde, emerge a luz numa repentina  reviravolta. Até mesmo Charles Darwin acreditava que sua teoria da evolução fosse essencialmente gradual e que as falhas nos registros fósseis não representassem quebras ou saltos na evolução e, que mais tarde, seriam “preenchidas” por novas descobertas. Nisso Darwin estava errado. Atualmente, novas teorias, essencialmente dialéticas, adiantaram-se em explicar os saltos na evolução. Stephen J. Gold e Niles Eldredge chamaram sua teoria dialética da evolução de “equilíbrio pontuado”. Eles explicaram que existiram longos períodos de evolução onde não ocorreram aparentes mudanças, e então, de repente, nova(s) forma(s) de vida surge(m). Em outras palavras, diferenças quantitativas permitiram uma mudança qualitativa, dando origem a novas espécies. O desenvolvimento é caracterizado por quebras na continuidade, saltos, catástrofes e revoluções.

O surgimento de um organismo unicelular nos oceanos da Terra há mais ou menos 3,6 bilhões de anos foi um salto qualitativo na evolução da matéria. A “Explosão Cambriana”, mais ou menos 600 milhões de anos, um novo salto qualitativo adiantou a evolução, quando a vida multicelular complexa com partes rígidas explodiu na cena da vida do planeta. No Paleozóico inferior, mais ou menos de 400 a 500 milhões de anos, surgiu o primeiro peixe vertebrado. Esta forma revolucionária se tornou dominante e avançou até os anfíbios (que viviam na terra ou na água), até os répteis e finalmente até as criaturas de sangue quente: pássaros e mamíferos. Tais saltos evolucionários culminaram nos seres humanos que possuem a capacidade de pensar. A evolução é um processo longo onde uma acumulação de mudanças dentro e fora dos organismos leva a um salto, qualitativamente um estado mais avançado de desenvolvimento.

Assim como as pressões colossais subterrâneas que se acumulam e periodicamente arrebentam a crosta terrestre na forma de terremotos, as mudanças graduais na consciência dos trabalhadores levam a uma explosão na luta de classes. Uma greve em uma fábrica não é causada por “agitadores” de fora, mas é produzida por um acúmulo de mudanças dentro da fábrica que finalmente faz com a força de trabalho entre em greve. A “causa” da greve pode ser alguma coisa pequena e acidental, uma pausa para o café, por exemplo, mas que se tornou “a última gota no copo”, para usar uma expressão popular (dialética). Tornou-se o catalisador de tanto mudanças qualitativas quanto quantitativas.

Atualmente, uma série de vitórias eleitorais da esquerda dentro dos sindicatos britânicos é o produto de um longo acúmulo de descontentamento dentro da hierarquia dos sindicatos. Vinte anos de amargos ataques à classe trabalhadora resultaram nestas mudanças nas lideranças dos sindicatos. Apenas aqueles armados com a filosofia marxista puderam prever este desenvolvimento, que tem por base a situação de mudança objetiva. Estas mudanças de humor, que aconteceram nos sindicatos, inevitavelmente serão refletidas dentro do Partido Trabalhista em um determinado estágio que resultará na demissão da ala direita liderada por Blair. Os ultraesquerdistas nas bordas do movimento trabalhista vêm continuamente considerando o Partido Trabalhista como algo que nunca pode ser mudado. Eles são incapazes de pensar dialeticamente e têm uma concepção empírica e formal que somente vê a superfície da realidade. Eles falham ao desenhar uma distinção entre a aparência e a realidade – entre a aparência imediata evidente à observação e os processos, as interconexões e as leis escondidas, que estão por baixo dos fatos observáveis. Em outras palavras, eles são cegos aos processos subterrâneos que ocorrem na frente dos seus olhos. “Os partidários de Blair dominam o Partido Trabalhista!” eles exclamam e jogam suas mãos para o alto em desespero. Eles estão sob o encantamento da lógica formal e não entendem o processo em andamento que inevitavelmente minará o movimento de Blair e levar ao seu colapso, como o dia vem depois da noite. Da mesma forma que desconsideraram as alas direitistas no passado, eles desconsideram o Partido Trabalhista hoje. Na base dos eventos e das pressões dos movimentos à esquerda nos sindicatos, o Partido Trabalhista, dadas as suas raízes nos sindicatos, irá inevitavelmente seguir em uma igual direção.

Marx reafirmou que a tarefa da ciência é sempre se mover do conhecimento imediato das aparências para a descoberta da realidade, da essência, das leis abaixo das aparências. O Capital de Marx é um ótimo exemplo deste método. “O modo de pensar dos economistas vulgares”, escreveu Marx para Engels, “deriva do fato que é sempre somente a forma imediata nas qual as relações aparecem que são refletidas no cérebro e não suas conexões internas”. (27 de junho de 1867)

O mesmo poderia ter sido dito daqueles que no passado descreveram a União Soviética como “capitalismo de estado”. O estalinismo não tinha em comum com o socialismo; era um regime repressivo onde os trabalhadores tinham menos direitos que no ocidente. Entretanto, ao invés de uma análise científica da União Soviética, eles simplesmente a pronunciaram como capitalista de estado. Como Trotsky explicou, os teóricos do capitalismo de estado olhavam a União Soviética como olhos da lógica formal. Era branco ou preto. A União Soviética ou era um magnífico estado socialista, como os estalinistas diziam ou deveria ser um (Estado) capitalista de estado. Este pensamento é puro formalismo. Eles nunca entenderam a possibilidade de degeneração do estado dos trabalhadores em uma variante deformada do governo dos proletários, como explicado por Trotsky. É claro que a revolução, por causa de seu isolamento em um país atrasado, passou por um processo de degeneração. Entretanto, enquanto a economia planificada nacionalizada resistiu, nem tudo estava perdido. A burocracia não era uma nova classe dominante, mas um parasita que cresceu no Estado, que usurpou o poder político. Somente uma nova revolução política poderia eliminar a burocracia e reintroduzir a democracia dos sovietes e dos trabalhadores.

Os apoiadores do capitalismo de estado se amarram em nós, confundindo a contrarrevolução com revolução e vice-versa. No Afeganistão, eles apoiaram um fundamentalismo mujahideen reacionário como “lutadores da liberdade” contra o “imperialismo” russo. Com o colapso da União Soviética e o movimento para restauração do capitalismo a partir de 1991 em diante, eles permaneceram neutros face a real contrarrevolução capitalista.

A unidade dos Opostos

“A contradição, entretanto, é a fonte de todo movimento e vida, somente até o ponto que contém uma contradição tudo pode ter movimento, força e efeito”. (Hegel) “Em resumo”, afirma Lenin, “a dialética pode ser definida como a doutrina de união dos opostos. Isso encarna a essência da dialética…”

O mundo em que vivemos é uma união de contradições ou uma união de opostos: frio-quente, luz-escuridão, capital-trabalho, nascimento-morte, riqueza-pobreza, positivo-negativo, crescimento-crise, pensamento-realidade, finito-infinito, repulsão-atração, esquerda-direita, em cima-embaixo, evolução-revolução, chance-necessidade, venda-compra, e assim por diante.

O fato de que duas polaridades de uma antítese contraditória podem conviver como um todo é tido na sabedoria popular como um paradoxo. O paradoxo é um reconhecimento que duas considerações contraditórias, ou opostas, possam ser verdadeiras. Este é um reflexo no pensamento de uma unidade de opostos no mundo material.

Movimento, espaço e tempo são nada mais que o modo de existência da matéria. O movimento, como explicamos, é uma contradição – estar em um lugar e em outro ao mesmo tempo. É uma unidade de opostos. “O movimento significa estar neste lugar e não estar, esta é a continuidade do espaço-tempo – e isto é que torna o primeiro movimento possível”. (Hegel)

Para entender algo, a sua essência, é necessário procurar estas contradições internas. Sob determinadas circunstâncias, o universal é individual e o individual é o universal. As coisas se transformam nos seus opostos – a causa se torna no efeito e o efeito se torna causa – é por isso que elas meramente se conectam à cadeia interminável no desenvolvimento da matéria.

“O negativo é igual à mesma quantidade do positivo”, afirma Hegel. O pensamento Dialético é “compreender a antítese em sua unidade”. De fato Hegel vai além:

“A contradição é a raiz de todo movimento e vitalidade e somente até o ponto em que contém uma contradição que algo se move e tem impulso e criatividade… Algo se move, não porque está aqui em um ponto no tempo e depois em outro, mas porque em um e no mesmo ponto no tempo ele está aqui e não aqui e neste aqui é ambos: sim e não. Nós devemos conceder aos antigos Dialéticos as contradições que eles provaram estar em movimento, mas não é que não existe movimento, mas sim que aquele movimento é a própria contradição existente”. No entanto para Hegel, algo está vivo até o ponto que contenha contradição, o que fornece o automovimento.

Os atomistas gregos adiantaram a teoria revolucionária de que a matéria é formada por átomos, considerada a menor parte da matéria. A palavra grega átomo significa indivisível. Esta foi uma intuição brilhante. A ciência do século XX provou que tudo é composto por átomos, embora tenha sido subsequentemente descoberto que partículas ainda menores existiam. Todo átomo possui um núcleo no seu centro, composto por partículas subatômicas chamadas prótons e nêutrons. Orbitando o núcleo existem as partículas chamadas elétrons. Todos os prótons carregam uma carga elétrica positiva e, portanto, repele outras cargas positivas, mas estão grudados por um forte tipo de energia conhecido como força nuclear. Isso mostra que tudo que existe tem como base uma unidade de opostos e têm automovimento de “impulso e atividade”, para usar as palavras de Hegel.

Em humanos, o nível de açúcar no sangue é essencial para a vida. Níveis muito altos podem resultar em coma diabético, níveis muito baixos e a pessoa fica incapaz de comer. O nível seguro é regulado pela taxa que o açúcar é lançado na corrente sanguínea pela digestão dos carboidratos, pela taxa de armazenamento que o glicogênio, a gordura ou a proteína são convertidos em açúcar, e pela taxa que o uso é aumentado pelo lançamento de insulina pelo pâncreas. Se ela cair, mais açúcar é lançado no sangue ou a pessoa fica com fome e consome uma fonte de açúcar. Nesta autorregulação de forças opostas, de respostas positivas e negativas, o nível do sangue é mantido entre limites toleráveis.

Lenin explica esse automovimento em uma nota quando diz “a dialética é o ensinamento que mostra como os opostos podem ser e se tornar idênticos – sob quais condições eles são idênticos, transformando-se um no outro – porque a mente humana os considera não como mortos, rígidos, mas como vivos, condicionais, móveis, transformando-se um no outro”.

Lenin também deu muita importância à contradição como força motriz do desenvolvimento.

“É de conhecimento público que, em uma determinada sociedade, as lutas de alguns de seus membros conflitam com as lutas de outros, que a vida em sociedade é cheia de contradições e que a história revela uma luta entre as nações e sociedades e, por outro lado, uma alternância de períodos de revolução e reação, guerra e paz, estagnação e rápido progresso ou declínio”. (Lenin, Três partes constitutivas do Marxismo).

Isso é mais bem ilustrado pela luta de classes. O capitalismo requer uma classe capitalista e uma classe trabalhadora. A luta pelo mais-valor criado pelos trabalhadores e apropriado pelos capitalistas leva uma irreconciliável luta que fornecerá a base para uma eventual superação do capitalismo e a resolução da contradição por meio da abolição das classes.

A negação da negação

O padrão geral do desenvolvimento histórico não é o de uma linha reta para cima, mas de uma complexa interação onde cada passo adiante só é conseguido ao custo de um passo parcial para trás. Estas regressões, por sua vez, são remediadas no próximo estágio do desenvolvimento.

A lei da negação da negação explica a repetição em um nível mais alto de determinadas características e propriedades do nível mais baixo e o aparente retorno das características passadas. Existe uma constante luta entre a forma e o conteúdo e entre o conteúdo e a forma, resultando em uma divisão eventual da velha forma e a transformação do conteúdo.

Este processo inteiro pode ser caracterizado como uma espiral, onde o movimento retorna à posição onde começou, porém em um nível mais alto. Em outras palavras, o progresso histórico é obtido por meio de uma série de contradições. A negação do estágio anterior não quer dizer sua total eliminação. O estágio suplantado não é totalmente varrido do mapa.

“O modo capitalista de apropriação que deriva do modo capitalista de produção e, portanto, da propriedade privada capitalista, é a primeira negação da propriedade individual com base nas horas de trabalho de um sujeito. Mas a produção capitalista gera, inevitavelmente por um processo natural, a sua própria negação. É a negação da negação”, lembrou Marx no volume um de O Capital.

Engels dá uma série de exemplos para ilustrar a negação da negação em seu livro Anti-Düring. “Vamos considerar um grão de cevada. Milhares destes grãos são moídos, fervidos e fermentados para então serem consumidos. Porém, se um destes grãos de cevada encontrar as condições que lhe são normais, se ele cair em um solo apropriado, com a influência do calor e da umidade uma transformação ocorrerá, ele germinará; o grão como tal deixa de existir, ele é negado e no seu lugar aparecerá uma planta que dele nasceu, a negação do grão. Mas qual é o processo normal da vida deste grão? Ele cresce, floresce, é fertilizado e, finalmente, produz mais grãos de cevada e, tão logo esteja maduro o talo morre que é por sua vez a sua negação. Como resultado desta negação da negação nós temos novamente o grão original de cevada, mas não um só, mas dez, vinte ou trinta dobrados”.

A cevada vive e se desenvolve para retornar ao seu ponto inicial – mas em um nível mais alto. Uma semente produziu várias outras. Também com o tempo, as plantas se desenvolveram qualitativamente bem como quantitativamente. Sucessivas gerações mostraram variações e se tornaram mais adaptadas ao seu ambiente.

Engels dá mais um exemplo do mundo dos insetos. As borboletas, por exemplo, nascem do ovo por meio da negação do ovo, passam por determinadas transformações até alcançar a maturidade sexual, acasalam e são, por sua vez, negadas, morrendo tão logo o processo de acasalamento tenha sido completado e a fêmea tenha posto numerosos ovos.

Hegel e Marx

Hegel, que tinha um gigantesco intelecto, iluminou vários assuntos. É um débito ao qual Marx repetidas vezes reconheceu. “A mistificação que a dialética sofreu nas mãos de Hegel não obscurece o fato de ter sido ele o primeiro a apresentar suas formas gerais de trabalho de uma maneira inteligível e consciente”, afirma Marx. No entanto, o sistema filosófico de Hegel foi um gigantesco aborto. Sofreu de incuráveis contradições internas. A sua concepção de história é evolucionária, pois não há nem começo, nem fim. Contudo, o seu sistema proclamou-se como sendo a verdade absoluta, uma completa contradição das leis da dialética. Enquanto Hegel defendia o status quo na Alemanha, a dialética abraçava uma visão revolucionária de constante mudança. Para Hegel, todo o que era real era racional. Mas usando a dialética hegeliana, tudo o que era real se tornava irracional. Tudo o que existe merece perecer. Nisto repousa o significado da filosofia hegeliana.

A solução para essa contradição levou de volta ao materialismo, mas não o velho materialismo mecânico, mas um com base nas novas ciências e avanços. “O materialismo surgiu novamente enriquecido por todas as aquisições do idealismo. A mais importante destas aquisições foi o método Dialético, o exame do fenômeno no seu desenvolvimento, na sua origem e na sua destruição. O gênio que representou esta nova direção de pensamento foi Karl Marx”, escreveu Plekhanov. Estimulados pelos desenvolvimentos revolucionários na Europa em 1830-31, a Escola Hegeliana dividiu-se em centro, direita e esquerda.

O mais proeminente representante da esquerda hegeliana foi Ludwig Feuerbach que enfrentou a velha ortodoxia, especialmente a religião, e colocou o materialismo no centro das coisas novamente. “A natureza não tem fim, nem começo. Tudo está em uma eterna interação, tudo em causa e efeito, tudo completo e recíproco…” escreve Feuerbach, adicionando que lá não há lugar para Deus. “Os cristãos arrancam o espírito, a alma, o homem de seu corpo e fazem deste espírito desencarnado o seu Deus”. Apesar das limitações de Feuerbach, Marx e Engels deram as boas vindas ao novo avanço com entusiasmo.

“Porém, enquanto isso”, notou Engels, “a Revolução de 1848 impulsionou toda filosofia para trás tão sem cerimônia quanto Feuerbach foi também deixado para trás”. Restou a Marx e a Engels aplicar consistentemente a dialética ao novo materialismo, produzindo o Materialismo Dialético. Para eles, a nova filosofia não era uma filosofia abstrata, mas diretamente conectada à prática.

“A dialética se reduz à ciência das leis gerais do movimento, ambos do mundo exterior como do pensamento humano – dois conjuntos de leis que são idênticas em substância, mas diferem nas suas expressões até o ponto que a mente humana pode aplicá-las conscientemente, enquanto que na natureza e para a maior parte da história humana, estas leis se afirmam inconscientemente, na forma de necessidade externa, no meio de uma infinita série de acidentes aparentes”. (Engels)

Nem Marx ou Engels deixaram um livro que englobasse toda a dialética. Marx estava ocupado com O Capital. Engels tencionava escrevê-lo, porém foi surpreendido pela necessidade de terminar O Capital após a morte de Marx. Engels, entretanto, escreveu até que satisfatoriamente sobre o assunto em Anti-Düring e Dialética da Natureza. Lenin comentou: “Se Marx não nos legou uma “Lógica” (com letra maiúscula), ele deixou uma lógica do Capital e isto deve ser usado de forma completa. Em O Capital, Marx aplicou em lógica científica simples, a dialética e a teoria do conhecimento do capitalismo (as três palavras não são necessárias: são uma e a mesma coisa) que usou tudo que havia de valor em Hegel e o que foi desenvolvido posteriormente”.

Atualmente, um pequeno número de cientistas, principalmente das ciências naturais, tomou conhecimento da dialética, o que abriu os seus olhos para os problemas em suas áreas de especialização. Este relacionamento entre a ciência e o Materialismo Dialético foi inteiramente discutido no livro de Alan Woods e Ted Grant, Reason in Revolt. Eles mostram, como Engels, que a natureza é completamente dialética. Além de Stephen J. Gould e Niles Eldredge, Richard Levins e Richard Lewontin, que se consideram materialistas dialéticos, eles também escreveram sobre a aplicação da dialética no campo da biologia no seu livro The Dialectical Biologist:

“O que caracteriza o mundo Dialético em todos os seus aspectos, como descrevemos, é que ele está constantemente em movimento. As constantes se tornam variáveis, as causas se tronam efeitos e os sistemas se desenvolvem, destruindo as condições que as criaram. Mesmo os elementos que parecem estar estáveis em um equilíbrio dinâmico de forças podem ficar desequilibrados, da mesma forma que uma protuberância cinza de metal de um tamanho crítico se torna uma bola de fogo mais brilhante que milhares de sóis. Ainda assim o movimento não é constrangido e uniforme. Os organismos se desenvolvem e se diferenciam e, então, morrem e se desintegram. Espécies nascem, mas invariavelmente se tornam extintas. Mesmo no mundo físico simples, nós desconhecemos movimento uniforme. O desenvolvimento de sistemas ao longo do tempo, então, parece ser a consequência de forças e movimentos opostos.

O surgimento de forças opostas criou o mais debatido e difícil, entretanto central, conceito na dialética, o princípio da contradição. Para alguns, a contradição é somente um princípio epistemológico. Ela descreve como compreendemos o mundo por meio de teorias antéticas que, em contradição umas às outras e em contradição ao fenômeno observado, levam a uma nova visão da natureza. A teoria de Kuhn (1962) da revolução científica tem um destes sabores de contradição e resolução contínuas, chegando a uma nova contradição. Para outros, a contradição se torna uma propriedade ontológica pelo menos da existência social humana. Para nós, a contradição é somente epistêmica e política, mas também ontológica no seu sentido mais amplo. As contradições entre forças estão em todo lugar na natureza, não somente nas instituições sociais humanas. Esta tradição da dialética retorna a Engels (1880) que escreveu, na Dialética da Natureza, que ‘para mim não se poderia questionar a construção de leis da dialética da natureza, porém de descobri-las nela e desenvolvê-las dela’”. (The Dialectical Biologist, p. 279)

Os marxistas sempre realçaram a unidade da teoria e da prática. “Os filósofos sempre interpretaram o mundo, de várias formas; o ponto, entretanto, é mudá-lo”, como apontou Marx na sua tese sobre Feuerbach. “Se a verdade é abstrata, ela não deve ser verdadeira”, afirma Hegel. Toda verdade é concreta. Temos que ver as coisas para elas existirem, com uma visão para compreender o seu desenvolvimento contraditório escondido. Isso nos dá importantes conclusões, especialmente para aqueles que lutam para mudar a sociedade. Ao contrário dos socialistas utópicos, que viam o socialismo como uma ideia maravilhosa, os marxistas veem o desenvolvimento do socialismo como surgindo das contradições do capitalismo. A sociedade capitalista preparou a base material para uma sociedade sem classes com o alto desenvolvimento das forças produtivas e a divisão mundial do trabalho. Trouxe a existência da classe trabalhadora, cuja existência é conflitante com o capitalismo. Na base da experiência, ela será completamente consciente da sua posição na sociedade e será transformada, nas palavras de Marx, de uma “classe nela mesma” para uma “classe por ela mesma”.

A dialética tem por base o determinismo, mas nada tem em comum com o fatalismo que nega a existência de acidentes na natureza, na sociedade e no pensamento. O determinismo dialético afirma a unidade da necessidade e acidente e explica a necessidade expressa nela mesma por meio do acidente. Todos os eventos têm causa, eventos necessários e acidentes necessários também. Se não existissem leis causais na natureza, tudo estaria em um estado de total caos. Seria uma posição impossível onde nada existiria. Assim, tudo depende de tudo, como numa corrente contínua de causa e efeito. Eventos particulares sempre têm um acaso ou caráter acidental, mas eles surgem como resultado de uma necessidade mais profunda. De fato, a necessidade se manifesta por meio de uma série de acidentes. Sem dúvida, os acidentes acontecem, mas a coisa essencial é descobrir quais leis determinam esta necessidade profunda.

Do ponto de vista da observação superficial, tudo pode parecer acidental ou aberto ao acaso. Isto pode parecer especialmente quando não temos conhecimento das leis que governam o acaso e suas interconexões. “Onde na superfície o acaso tem controle, ele é realmente governado por leis internas e escondidas e que somente devemos descobri-las”, relembrou Engels sobre Ludwig Feuerbach.

Na natureza, a evolução da matéria segue um determinado caminho, entretanto como, quando e de qual forma ela é realizada depende de circunstâncias acidentais. Por exemplo, se a vida foi criada ou não na Terra depende de uma série de fatores acidentais, como a presença de água, diferentes elementos químicos, a distância entre o Sol, uma atmosfera, etc. “É da natureza da matéria avançar em direção à evolução da condição de seres pensantes”, afirma Engels, “consequentemente também, isso necessariamente ocorre quando as condições (não necessariamente idênticas em todos os lugares e épocas) estão presentes… o que é mantido como necessário é composto de puro acidente e, o tão chamado acidental, é a forma onde a necessidade se esconde”.

Historiadores mais desavisados escreveram que as “causas” da Primeira Guerra Mundial foi o assassinato de um príncipe real em Sarajevo. Para um marxista, este evento foi um acidente histórico, no senso de que esta chance serviu como pretexto, ou catalisou, o conflito mundial que se tornou inevitável pelas contradições econômicas, políticas e militares do imperialismo. Se o assassino não tivesse obtido êxito, ou se o príncipe real nunca tivesse nascido, a guerra ainda teria acontecido por outros pretextos diplomáticos ou outros. A necessidade seria expressa por meio de um “acidente” diferente.

Nas palavras de Hegel, tudo o que existe, existe da necessidade. Mas, igualmente, tudo o que existe deve perecer, ser transformado em outra coisa. Assim, o que é “necessário” em um tempo e espaço se torna “desnecessário” em outro. Tudo gera o seu oposto, que é destinado a superá-lo e negá-lo. Esta é a verdade dos indivíduos vivos bem como das sociedades e da natureza em geral.

Cada tipo de sociedade humana existe porque é necessário no exato momento quando surgem: “Nunca nenhuma ordem social desapareceu antes de todas as forças produtivas que existiam nela estarem desenvolvidas: e as novas relações de produção nunca apareceram antes das condições materiais de sua existência estarem maduras no útero da velha sociedade. Consequentemente, a humanidade sempre assume os problemas que pode resolver, dessa forma, ao olhar para o problema de forma mais apurada, descobriremos que o problema só surge quando as condições materiais necessárias para a sua solução já existem ou, no mínimo, estão em processo de formação”. (Marx, Crítica à Economia Política)

A escravidão, no seu tempo, foi um grande avanço em relação à servidão. Foi o estágio necessário para o desenvolvimento das forças produtivas, da cultura e da sociedade humana. Como Hegel explicou brilhantemente: “Foi por meio da escravidão que o homem se tornou livre”.

Da mesma forma o capitalismo foi originalmente uma necessidade e um estágio progressivo na sociedade humana. Entretanto, como o comunismo primitivo, a escravidão e o feudalismo, o capitalismo há muito deixou de representar um sistema social necessário e progressista. Ele naufragou diante das suas profundas contradições inerentes e foi condenado a ser superado pelas forças crescentes da nova sociedade dentro da antiga, representadas pelo proletariado moderno. A propriedade privada dos meios de produção e o estado-nação, que no início representaram um grande avanço, agora servem apenas para acorrentar e minar as forças produtivas e para ameaçar todos os ganhos conquistados em séculos de desenvolvimento humano.

O capitalismo é agora um sistema social completamente degenerado, que deve ser superado e substituído pelo seu oposto, o socialismo, se a cultura humana desejar sobreviver. O Marxismo é determinista, mas não fatalista. Homens e mulheres constroem a história. A transformação da sociedade só pode ser alcançada por homens e mulheres conscientes de sua capacidade de luta por emancipação. Esta luta de classes não é pré-determinada. Quem vencerá depende de vários fatores, e uma classe crescente e progressista tem muitas vantagens em relação à antiga, força decrépita de reação. Mas ultimamente, o resultado deve depender de qual lado tem a maior vontade, a maior organização e a liderança mais talentosa e resoluta.

A vitória do socialismo marcará um novo e qualitativo diferente estágio da história humana. Para ser mais preciso, ela marcará o final da pré-história da raça humana e iniciará uma nova história.

Entretanto, por outro lado, o socialismo marca o retorno da forma mais antiga de sociedade humana – o comunismo tribal – mas em um nível mais alto, que ficará acima de todos os enormes ganhos de milhares de anos de sociedade de classes. A negação do comunismo primitivo por uma sociedade de classes é, por sua vez, negada pelo socialismo. A economia de superabundância se tornará possível pela aplicação de um planejamento consciente na indústria, nas ciências e nas técnicas estabelecidas pelo capitalismo, em uma escala mundial. Por sua vez, isso tornará redundante de uma vez por todas a divisão do trabalho, a diferenciação entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre campo e cidade, da luta de classes que causa desperdício e barbarismo e permitirá à raça humana finalmente empenhar todos os seus recursos para conquistar a natureza: para usar a famosa frase de Engels “o avanço do homem do reino da necessidade para o reino da liberdade”.

O ABC do materialismo Dialético

Leon Trotsky

A dialética não é ficção, muito menos misticismo, mas uma ciência das formas de pensamento até o ponto que não está limitada aos problemas diários da vida, porém tenta chegar a um entendimento dos mais complicados e definidos processos. A dialética e a lógica formal comportam um relacionamento similar ao da matemática simples e avançada.

Não vou tentar aqui rascunhar a substância do problema de uma forma muito concisa. A lógica aristotélica de um silogismo simples começa da proposição de que “A” é igual a “A”. Este postulado é aceito como um axioma para uma multitude de ações práticas humanas e generalizações elementares. Porém, na realidade “A” não é igual a “A”.

Isso é fácil de provar se observarmos estas duas letras sob uma lente – elas são diferentes uma da outra.

Mas, ninguém pode objetar, a questão não é o tamanho ou a forma das letras, pois são somente símbolos para quantidades iguais: por exemplo, um quilo de açúcar.

A objeção está comparada ao ponto; na realidade um quilo de açúcar nunca é igual a um quilo de açúcar – uma balança mais precisa sempre mostra uma diferença.

Novamente alguém pode objetar: mas um quilo de açúcar é igual a ele mesmo. Nada disso é verdade – todos os corpos mudam ininterruptamente em tamanho, peso, cor, etc. eles nunca são iguais a eles mesmos.

Um sofista responderá que um quilo de açúcar é igual a ele mesmo “em um determinado momento”. Aparte os extremamente dúbios valores práticos deste ‘axioma’, ele também não resiste a uma crítica teórica. Como podemos conceber a palavra ‘momento’? Se for um infinitesimal intervalo de tempo, então um quilo de açúcar é sujeito durante o curso do ‘momento’ a mudanças inevitáveis.

Ou se for o ‘momento’ uma abstração puramente matemática, ou seja, um momento zero? Contudo, tudo existe no tempo, e a própria existência é um processo ininterrupto de transformação, o tempo é consequentemente um elemento fundamental da existência.

Assim, o axioma “A” é igual a “A” significa que uma coisa é igual a ela mesma se ela não muda, ou seja, se ela não existe.

Ao primeiro olhar, poderia parecer que estas sutilezas são inúteis. Na realidade elas são decisivamente significantes. O axioma “A” é igual a “A” parece, por um lado, o ponto de saída para todo o nosso conhecimento; por outro, ponto de saída para todos os erros em nosso conhecimento.

Utilizar impunemente o axioma “A” é igual a “A” só é possível dentro de alguns limites. Quando as quantidades que mudaram em “A” são desprezíveis para a tarefa em questão, podemos então presumir que “A” é igual a “A”. Este é, por exemplo, a forma com que o comprador e o vendedor consideram um quilo de açúcar.

Nós consideramos da mesma forma a temperatura do Sol. Até recentemente, fizemos o mesmo com o poder de compra do dólar. Porém, mudanças quantitativas acima de determinados limites se convertem em qualitativas. Um quilo de açúcar subjetivado à ação da água ou do querosene deixa de ser um quilo de açúcar. Um dólar no abraço do presidente deixa de ser um dólar. Determinar no momento certo o ponto crítico onde as quantidades se tornam qualidades é uma das tarefas mais importantes e mais difíceis em todas as esferas do conhecimento, incluindo na Sociologia.

Todo trabalhador sabe que é impossível fazer dois objetos absolutamente iguais. Na colocação dos eixos móveis nos rolamentos, um pequeno desvio é aceito nos rolamentos desde que não ultrapassem determinados limites (isso se chama tolerância). Observando as normas de tolerância, os rolamentos são considerados iguais (“A” é igual a “A”). Quando se excede a tolerância, a quantidade ultrapassa a qualidade, em outras palavras, os rolamentos são considerados inferiores ou inúteis.

O nosso pensamento científico é apenas uma parte da nossa prática geral, inclusive as técnicas. Para conceitos também existe uma “tolerância” que é estabelecida não pela lógica formal de que o axioma “A” é igual a “A”, mas pela lógica dialética partindo do axioma que tudo está em constante mudança. O “senso comum” é caracterizado pelo fato que ele sistematicamente excede a “tolerância” dialética.

O pensamento vulgar opera tais conceitos como capitalismo, moral, liberdade, governo dos trabalhadores, etc., como abstrações fixas, presumindo que o capitalismo é igual ao capitalismo, a moral é igual à moral, etc. O pensamento Dialético analisa todas as coisas e fenômenos nas suas contínuas mudanças, enquanto determina nas condições materiais daquelas mudanças o limite crítico onde o “A” deixa de ser “A”, quando o governo dos trabalhadores deixa de ser um governo dos trabalhadores.

A falha fundamental do pensamento vulgar reside no fato de que ele deseja se contentar com impressões imóveis da realidade, o que consiste no movimento eterno. O pensamento dialético dá aos conceitos, por meio de aproximações, correções, concretizações mais próximas uma riqueza de conteúdo e flexibilidade, eu diria até uma suculência, que em uma determinada extensão as traz próximas ao fenômeno vivo. Não o capitalismo, mas um determinado capitalismo em um determinado nível de desenvolvimento. Não um governo dos trabalhadores em geral, mas um determinado governo dos trabalhadores em um país atrasado em um cerco imperialista, etc.

O pensamento dialético está relacionado com o pensamento vulgar da mesma forma que o cinema está para uma fotografia. O cinema não invalida a fotografia, porém combina uma série delas de acordo com a lei do movimento. A dialética não nega o silogismo, mas nos ensina a combinar silogismos de uma forma a trazer a nossa compreensão mais próxima à realidade eternamente em mudança.

Hegel em sua “Lógica” estabeleceu uma série de leis: mudança da quantidade para qualidade, desenvolvimento por meio de contradições, conflito de forma e conteúdo, mudança de possibilidade para inevitabilidade, etc., que são tão importantes para o pensamento teórico quanto o simples silogismo para as tarefas mais elementares.

Hegel escreveu antes de Darwin e antes de Marx. Grato ao poderoso impulso dado ao pensamento pela Revolução Francesa, Hegel antecipou o movimento geral da ciência. Mas como era apenas uma antecipação, mesmo realizada por um gênio, ela recebeu de Hegel um caráter idealista. Hegel operou com sombras ideológicas como a última realidade. Marx demonstrou que o movimento dessas sombras ideológicas refletiu nada mais que o movimento de corpos materiais.

Chamamos de materialismo dialético porque suas raízes não estão nem no céu muito menos nas profundezas de nosso “livre arbítrio”, mas na realidade objetiva, na natureza. A consciência cresceu fora da inconsciência, a psicologia fora da fisiologia, o mundo orgânico fora do inorgânico, o sistema solar fora da nebulosa.

Nos degraus desta escada do desenvolvimento, as mudanças quantitativas foram transformadas em qualitativas. O nosso pensamento incluindo o dialético é uma das formas de expressão da matéria em mudança. Não há lugar dentro deste sistema para Deus, nem para o Diabo, nenhuma alma imortal ou normas imortais de leis e moral. A dialética do pensamento, tendo crescido fora da dialética da natureza, possui consequentemente o caráter materialista.

O darwinismo, que explica a evolução das espécies por meio de transformações quantitativas para qualitativas, foi o maior triunfo da dialética em todo o campo da matéria orgânica. Outro grande triunfo foi a descoberta da tabela periódica dos elementos químicos e, posteriormente, a transformação de um elemento em outro. Estas transformações (espécies, elementos, etc.) estão intimamente ligadas com as questões de classificação, tão importante quanto nas ciências naturais e sociais. O sistema de Lineu (século XVIII), utilizando como ponto de vista a imutabilidade das espécies, foi limitado à descrição e à classificação das plantas de acordo com suas características externas.

O período de infância da botânica é análogo ao período de infância da lógica, pois as formas de nosso pensamento se desenvolvem como tudo que vive. Somente com o repúdio da ideia de espécies fixas, somente com o estudo da história da evolução das plantas e sua anatomia foi preparada a base para uma classificação realmente científica.

Marx, que ao contrário de Darwin foi um dialético consciente, descobriu a base para a classificação científica das sociedades humanas no desenvolvimento de suas forças produtivas e da estrutura das relações de propriedade, que constitui a anatomia da sociedade. O Marxismo substituiu a classificação vulgar das sociedades e estados, que até hoje ainda floresce nas universidades, pela classificação do Materialismo Dialético. Somente utilizando o método de Marx é que é possível determinar ambos os conceitos de governo dos trabalhadores e o momento de sua queda.

Tudo isso, como vemos, não contém nada “metafísico” ou “escolástico”, como a presunção ignorante afirma. A lógica dialética expressa as leis do movimento no pensamento científico contemporâneo. A luta contra o Materialismo Dialético ao contrário expressa um conservador passado distante da pequena burguesia, o autoconceito de universidade rotineira… uma fagulha de esperança para o pós-vida.

De “Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia alemã clássica”

Frederick Engels

Afora a dissolução da escola hegeliana, entretanto, uma outra tendência se desenvolveu, sendo a única que realmente rendeu frutos. E esta tendência é essencialmente conectada ao nome de Marx.

A separação da filosofia hegeliana foi aqui também o resultado de um retorno ao ponto de vista materialista. Isso significa que estava voltada para compreender o mundo real – natureza e história – tal como ela se apresenta a qualquer um que se aproxime sem as noções idealistas pré-concebidas. Decidiu-se, sem perdão, sacrificar qualquer idealismo que não pudesse harmonizar com os fatos concebidos por eles mesmos e não em uma interconexão fantástica. E o materialismo significa muito mais que isso. Mas aqui a concepção materialista de mundo foi levada muito a sério pela primeira vez e foi executada consistentemente – pelo menos nas suas características básicas – em todos os domínios do conhecimento conhecido.

Hegel não foi simplesmente abandonado. Pelo contrário, o seu lado revolucionário deu início, como descrito acima, ao método dialético. Mas, na forma hegeliana não era possível utilizar este método. De acordo com Hegel, a dialética é o próprio desenvolvimento do conceito. O conceito absoluto não apenas existe – desconhecido aqui – desde a eternidade, também é a alma viva atual de todo o mundo existente. Desenvolve-se por meio de estágios preliminares que são tratados por completo na “Lógica” que estão completamente incluídos nela. Depois, ela se “aliena” ao mudar para natureza, onde, sem a consciência de si mesma, distinta como uma necessidade natural, ela encontra um novo desenvolvimento e, finalmente, retorna como a consciência do homem de si mesmo. Esta autoconsciência depois se elabora novamente em uma forma crua até que finalmente o conceito absoluto novamente retorna a si mesmo completamente na filosofia hegeliana. De acordo com Hegel, entretanto, o desenvolvimento da dialética aparente na natureza e na história – ou seja, a interconexão causal do movimento progressivo do menor para o maior afirmando-a por meio de movimentos de zig e zag e retrocesso temporário – é somente uma cópia [Abklatsch] do automovimento do conceito que vai até a eternidade, ninguém sabe onde, mas todos os eventos independentemente de qualquer pensamento do cérebro humano. Esta perversão ideológica tinha que acabar. Tomamos novamente uma visão materialista dos pensamentos nas nossas cabeças, guardando-as como imagens [Abbilder] das coisas reais ao invés de guardá-las como coisas reais de imagens deste ou daquele conceito absoluto. Portanto, a dialética reduziu a si mesma como a ciência das leis gerais do movimento, de ambos o mundo externo e o pensamento humano – dois conjuntos de leis que são idênticas em substância, mas que diferem nas suas expressões até o ponto que a mente humana possa aplicá-las conscientemente, enquanto que na natureza e também até agora para a maior parte da história humana, estas leis se afirmam inconscientemente na forma de necessidade externa no meio de uma série interminável de acidentes aparentes. Assim, a própria dialética dos conceitos se tornou mero reflexo consciente do movimento dialético do mundo real e, portanto, a dialética de Hegel estava invertida, ou ainda, sem a sua cabeça, onde se repousava e colocada sobre seus pés. E este Materialismo Dialético, que por anos foi a nossa melhor ferramenta de trabalho e nossa mais afiada arma, foi notavelmente descoberta não somente por nós, mas também, independentemente de nós e até mesmo de Hegel, pelo trabalhador alemão, Joseph Dietzgen.

Dessa forma, entretanto, o lado revolucionário da filosofia hegeliana foi novamente tomado e, ao mesmo tempo, liberado de seus enfeites idealistas dos quais Hegel houvera prevenido sua execução consistente. O grande pensamento básico é que o mundo não pode ser compreendido como um complexo de coisas prontas e acabadas, mas como um complexo de processos, onde as coisas parecem estáveis somente como imagens em nossas mentes; os conceitos passam por uma mudança ininterrupta de nascimentos e mortes, onde apesar de acidentalmente aparente e do retrocesso temporário, um desenvolvimento progressivo se afirma no final – este pensamento fundamental permitiu, especialmente desde o tempo de Hegel, tão afirmativamente a consciência ordinária que ela é agora raramente contradita. Entretanto, conhecer este pensamento fundamental em palavras e, aplicá-lo na realidade em detalhes a cada domínio da investigação, são duas coisas diferentes. Se, no entanto, a investigação sempre proceder deste ponto de vista, a demanda por soluções finais e verdades eternas cessará para sempre; alguém tem consciência da limitação necessária de todo conhecimento adquirido pelo fato de que é condicionado pelas circunstâncias nas quais foi adquirido. Por outro lado, ninguém se permite ser imposto por antíteses, insuperáveis pela ainda comum e velha metafísica, entre o verdadeiro e o falso, o bom e o mau, o idêntico e o diferente, o necessário e o acidental. Todos sabem que estas antíteses têm somente uma validade relativa, que o que é reconhecido agora como verdade tem também o seu falso lado latente que se manifestará mais tarde, bem como aquilo que agora é tido como falso também tem seu lado verdadeiro por virtude de ter sido previamente tido como verdadeiro. Todos sabem que o que é mantido como necessário é composto por puros acidentes e que o chamado acidental é termo onde a necessidade se esconde – e por aí vai.

O velho método de investigação e pensamento que Hegel chama “metafísico”, que preferiu investigar as coisas como dadas, fixas e estáveis, um método de relíquias e que ainda assombra fortemente as mentes das pessoas, foi historicamente justificável em sua época. Era necessário investigar primeiro as coisas antes de ser possível examinar os processos. Era preciso conhecer primeiro o que algo foi em particular para ser possível observar as mudanças internas. E esse foi o caso com as ciências naturais. A velha metafísica, que aceitava as coisas como objetos finalizados, surgiu de uma ciência natural que investigou as coisas vivas e mortas como objetos finalizados. Mas quando esta investigação progrediu tanto que se tornou possível dar o passo adiante, ou seja, passar para a investigação sistemática das mudanças às quais estas coisas estão sujeitas na natureza, o último momento da velha metafísica também golpeou o reino da filosofia. E de fato, enquanto as ciências naturais foram predominantemente, até o final do último século, uma ciência de coletas, a ciência dos processos, da origem das coisas finalizadas, no nosso século é essencialmente uma ciência da sistematização, uma ciência dos processos, da origem e do desenvolvimento destas coisas e da interconexão que liga todos estes processos naturais em um grande todo. A fisiologia, que investiga os processos que ocorrem nos organismos das plantas e dos animais; a embriologia, que lida com o desenvolvimento de organismos individuais dos germes até a maturidade; a geologia, que investiga a formação gradual da superfície da Terra – todas elas são filhas do nosso século.

As três fontes e as três partes constitutivas do Marxismo (resumo)

Lenin

A filosofia do Marxismo é o materialismo. Por toda a história recente da Europa e particularmente do final do século XVIII na França, que foi o palco da batalha decisiva contra todo o tipo de lixo medieval, contra a servidão nas instituições e nas ideias, o materialismo provou-se ser a única filosofia consistente, a verdade para todos os ensinamentos das ciências naturais, hostil a todas as superstições, hipocrisias, etc. Os inimigos da democracia tentaram, entretanto, com toda sua energia, “superar”, minar e difamar o materialismo e defender várias formas de idealismos filosóficos que sempre levaram, de uma forma ou outra, à defesa e ao apoio da religião.

Marx e Engels sempre defenderam o materialismo filosófico das mais determinadas maneiras e repetidamente explicaram o profundo erro de cada desvio desta base. Seus conceitos são mais precisa e completamente expostos nas palavras de Engels, Ludwig Feuerbach e Anti-Düring, os quais, como o Manifesto Comunista, são livros de cabeceira para todo trabalhador consciente.

Entretanto, Marx não parou no materialismo do século XVIII, deu um avanço na filosofia. Ele o enriqueceu pelas conquistas da filosofia clássica alemã especialmente pelo sistema de Hegel, que por sua vez levou ao materialismo de Feuerbach. Destes, a maior conquista é a dialética, por exemplo, a doutrina do desenvolvimento ao seu máximo, à sua forma mais profunda, livre de sua parcialidade – a doutrina, também, da relatividade do conhecimento humano que nos forneceu uma reflexão do eterno desenvolvimento da matéria. As últimas descobertas das ciências naturais – o rádio, os elétrons, a transmutação dos elementos – são uma notável confirmação do materialismo Dialético de Marx, apesar das doutrinas dos filósofos burgueses com seus “novos” retornos ao velho e carcomido idealismo.

Ao se aprofundar e desenvolver o materialismo filosófico, Marx chegou à sua conclusão, ele estendeu sua percepção da natureza à percepção da sociedade humana. O materialismo histórico de Marx representou a maior conquista do pensamento científico.

O caos e a arbitrariedade, que até então reinavam nos conceitos da história e da política, foram substituídos por uma teoria científica estritamente consistente e harmoniosa, que mostra como uma ordem mais elevada de vida social se desenvolve a partir de outra em consequência do crescimento das forças produtivas – como o capitalismo, por exemplo, cresceu a partir da servidão.

Da mesma forma que a cognição humana reflete a natureza (por exemplo, desenvolvimento da matéria) que existe independentemente dele, também a cognição social do homem (por exemplo, os vários conceitos e doutrinas filosóficas, religiosas, políticas, etc.) reflete a ordem econômica da sociedade. As instituições políticas são uma superestrutura na fundação econômica. Vemos, por exemplo, que as várias formas políticas dos estados da Europa moderna servem aos propósitos de estreitar a dominação da burguesia sobre o proletariado.

A filosofia de Marx completa-se no materialismo filosófico que forneceu à humanidade e, especialmente à classe trabalhadora, um poderoso instrumento de conhecimento.

Obras Escolhidas de Lenin

Sobre a questão da dialética (Volume 38, p. 359)

A divisão de um único todo e a cognição de s uas partes contraditórias é a essência (uma das “essências”, um dos principais, senão as principais características ou recursos) da dialética. É precisamente como Hegel, da mesma forma, colocou o problema.

A correção deste aspecto do conteúdo da dialética deve ser testada pela história da ciência. Este aspecto da dialética (por exemplo, em Plekhanov) geralmente recebe uma atenção inadequada: a identidade de opostos é retirada do total de exemplos (“por exemplo, uma semente”, “por exemplo, comunismo primitivo”. O mesmo é verdade para Engels. Mas é “no interesse da popularização…”) e não como uma lei da cognição (e como uma lei do mundo objetivo).

Na Matemática: + e –, diferencial e integral;

Na Mecânica: ação e reação;

Na Física: eletricidade positiva e negativa;

Na Química: a combinação e dissociação de átomos;

Nas Ciências Sociais: a luta de classes.

A identidade dos opostos (seria mais correto, talvez, dizer sua “unidade”, apesar de que a diferença entre os termos identidade e unidade não é particularmente importante aqui. Em um certo senso ambos estão corretos) é o reconhecimento (descoberta) do contraditório, mutuamente exclusivo, tendências opostas e todos os fenômenos e processos da natureza (inclusive mente e sociedade). A condição para o conhecimento de todos os processos do mundo nos seus “próprios movimentos”, no seu desenvolvimento espontâneo, na sua vida real, é o conhecimento como uma unidade de opostos. Desenvolvimento é a “luta” dos opostos. As duas concepções básicas (ou duas possíveis? Ou duas historicamente observáveis?) do desenvolvimento (evolução) são: desenvolvimento como aumento ou diminuição e desenvolvimento como uma unidade de opostos (a divisão de uma unidade em opostos mutuamente exclusivos e sua relação recíproca!).

Na primeira concepção de movimento, movimento próprio, sua força atuante, sua fonte, seu motivo, permanece na sombra (ou sua origem é feita externamente – Deus, sujeito, etc.). Na segunda concepção a atenção principal é dirigida precisamente ao conhecimento da fonte do “próprio” movimento.

A primeira concepção não tem vida, é pálida e seca. A segunda é viva. A segunda sozinha fornece a chave para o “próprio movimento” de tudo que existe, ela fornece sozinha a chave para os “saltos”, para as “quebras de continuidade”, “para a transformação no oposto”, para a destruição do velho e o aparecimento do novo.

A unidade (coincidência, identidade, ação igual) de opostos é condicional, temporária, transitória, relativa. A luta de opostos mutuamente exclusivos é absoluta, tanto quanto o desenvolvimento e o movimento são absolutos.

Nota: A distinção entre subjetivismo (ceticismo, sofisma, etc.) e a dialética, incidentalmente, é aquela na dialética (objetiva) a diferença entre o relativo e o absoluto é ela mesma relativa. Para o subjetivismo e o sofisma, o relativo só é relativo e exclui o absoluto.

Em O Capital, Marx analisa o mais simples, a mais ordinária e fundamental, a mais comum relação cotidiana da sociedade burguesa, uma relação encontrada bilhões de vezes, a troca de mercadorias. Nesta análise muito simples do fenômeno (nesta “célula” da sociedade burguesa) revelam-se todas as contradições (ou germens de todas as contradições) da sociedade moderna. A exposição subsequente mostra o desenvolvimento (ambos crescimento e movimento) destas contradições e desta sociedade na soma de suas partes individuais. Do seu início ao seu fim.

O mesmo deve ser o método de exposição (ou estudo) da dialética em geral (para Marx, a dialética da sociedade burguesa é somente um caso particular da dialética). Para começar com o que é mais simples, mais ordinário, mais comum, etc. com qualquer preposição: as folhas das árvores são verdes, John é homem, Fido é um cachorro, etc. Aqui já temos a dialética (como o gênio de Hegel a concebeu), o indivíduo é universal.

Consequentemente, os opostos (o indivíduo é oposto ao universo) são idênticos: o indivíduo existe somente na conexão que leva ao universo. O universo existe somente no indivíduo e por meio do indivíduo. Cada indivíduo é (de uma forma ou outra) um universo. Cada universo é (um fragmento, ou um aspecto, ou a essência de) um indivíduo. Cada universo só aproximadamente abrange todos os objetos individuais. Todo indivíduo entra incompletamente dentro do universo, etc., etc. Cada indivíduo é conectado por milhares de transições com outros tipos de indivíduos (coisas, fenômenos, processos), etc. Aqui já temos os elementos, os germens, os conceitos de necessidade, de conexão objetiva na natureza, etc. Aqui já temos o contingente e o necessário, o fenômeno e a essência; quando dizemos John é homem, Fido é um cachorro, esta é uma folha de uma árvore, etc., estamos desconsiderando vários atributos como contingentes; separamos a essência da aparência e contrapomos o único ao outro.

Assim, em qualquer proposição, podemos (e devemos) divulgar como em um “núcleo” (célula) os germens de todos os elementos da dialética e, desse modo, apresenta que a dialética é uma propriedade de todo o conhecimento humano em geral.

E as ciências naturais nos mostram (e aqui novamente deve ser demonstrado em qualquer simples instância) a natureza objetiva com as mesmas qualidades, a transformação do indivíduo em universo, do contingente dentro do necessário, transições, modulações e a conexão recíproca dos opostos. A dialética é a teoria do conhecimento (de Hegel e) do Marxismo. Este é o “aspecto” da matéria (não é “um aspecto”, mas a essência da matéria) a qual Plekhanov, para não falar de outros marxistas, não prestou atenção.

O conhecimento é representado na forma de uma série de círculos por Hegel (veja “Lógica”) e pelos modernos epistemólogos das ciências naturais, o eclético e inimigo do hegelianismo (que ele não entendeu!!!), Paul Volkmann.

“Círculos” em filosofia: uma cronologia de pessoas – essencial? Não!

Antigo: de Demócrito a Platão e a dialética de Heráclito.

Renascença: Descartes contra Gassendi (Spinoza?)

Moderno: Holbach – Hegel (via Berkeley, Hume, Kant).

Hegel – Feuerbach – Marx

A dialética é um conhecimento multifacetado e vivo (com o número de faces eternamente crescendo), com um infinito número de matizes de cada abordagem e aproximação à realidade (com um sistema filosófico crescente dentro de cada matiz) – aqui temos um conteúdo imensuravelmente rico comparado ao materialismo metafísico, cujo azar fundamental é a sua inabilidade de aplicar a dialética à teoria da reflexão, ao processo de desenvolvimento do conhecimento.

O idealismo filosófico é somente absurdo do ponto de vista do materialismo metafísico cru e simples. Do ponto de vista do Materialismo Dialético, por outro lado, o idealismo filosófico é um desenvolvimento unilateral e exagerado (inflação, distensão) de um dos recursos, aspectos, facetas do conhecimento, em uma divinização absoluta, divorciado da matéria e da natureza. O idealismo é um obscurantismo clerical. Verdade. Mas o idealismo filosófico é (“mais corretamente” e “além de”) uma estrada para o obscurantismo clerical por meio de uma das sombras do infinitamente complexo do conhecimento (dialético) humano.

O conhecimento humano não é (ou não segue) uma linha reta, mas uma curva que se aproxima infinitamente de uma série de círculos, uma espiral. Qualquer fragmento, segmento, seção desta curva pode ser transformado (transformado unilateralmente) em um linha independente, completa e reta que, então, (se alguém não ver a madeira das árvores) leva ao atoleiro, ao obscurantismo clerical (onde está ancorado pelos interesses de classe da classe dominante). Retilinearidade e unilateridade, fossilização e petrificação, subjetivismo e cegueira subjetiva – e eis as raízes epistemológicas do idealismo. E o obscurantismo clerical (= idealismo filosófico), é claro, tem raízes epistemológicas, ele não é sem fundamento; é uma flor estéril indubitavelmente, mas uma flor estéril que cresce na árvore viva do conhecimento humano vivo, fértil, genuíno, poderoso, onipotente, objetivo e absoluto.

Resumo da dialética (Volume 38, p. 221 – 222)

      1. A determinação do conceito externo a si mesmo (a coisa como ela mesma deve ser considerada em suas relações e em seu desenvolvimento).
      2. A natureza contraditória da como ela mesma (o outro dela mesma), as forças contraditórias e tendências em cada fenômeno.
      3. A união de análise e síntese.

Estas são, aparentemente, os elementos da dialética.

Estes elementos podem ser apresentados em grandes detalhes como segue:

      1. A objetividade da consideração (nem exemplos, nem divergências, mas a Coisa-Nela-Mesma).
      2. A totalidade das numerosas relações desta coisa com outras.
      3. O desenvolvimento desta coisa (o fenômeno, respectivamente), seu próprio movimento, sua própria vida.
      4. As tendências contraditórias internas (e lados) nesta coisa.
      5. A coisa (fenômeno, etc.) como a soma e unidade dos opostos.
      6. A luta, respectivamente o desdobramento, destes opostos, esforços contraditórios.
      7. A união de análise e síntese – a quebra das partes separadas e a totalidade, a soma destas partes.
      8. As relações de cada coisa (fenômeno, etc.) não são somente numerosas, mas gerais e universais. Cada coisa (fenômeno, etc.) está conectada com a outra.
      9. Não somente os opostos, mas as transições de cada determinação, qualidade, recurso, lado, propriedade em cada outro [dentro do seu oposto?].
      10. O processo infindável de descoberta de novos lados, relações, etc.
      11. O processo infindável de aprofundamento do conhecimento humano da coisa, dos fenômenos, dos processos, etc., da aparência à essência e à essência menos profunda a mais profunda.
      12. Da coexistência a casualidade e de uma forma de conexão e recíproca dependência a uma outra, mais profunda, de uma forma mais geral.
      13. A repetição em um estágio mais alto de determinados recursos, propriedades, etc., do mais baixo.
      14. O aparente retorno ao velho (a negação da negação).
      15. A luta do conteúdo com a forma e inversamente. O descarte da forma, a transformação do conteúdo.
      16. A transição da quantidade em qualidade e vice-versa (15 e 16 são exemplos do 9).

Em resumo, a Dialética pode ser definida como a doutrina da unidade de opostos. Isto encorpa a essência da Dialética, mas requer explicações e desenvolvimento.

Questões sobre o Materialismo Dialético

      1. Por que a classe trabalhadora precisa de uma filosofia?
      2. O “senso comum” é uma filosofia?
      3. O que é materialismo?
      4. O que é idealismo?
      5. A teoria da evolução de Darwin é correta?
      6. O que significa metafísica?
      7. Como definir a dialética?
      8. O que estava errado com o velho materialismo?
      9. O que é lógica formal?
      10. Um quilo de açúcar é igual a um quilo de açúcar?
      11. Por que os trabalhadores às vezes aceitam ataques nos seus termos e condições, e depois fazem greve por causa de um intervalo para o café, tempo para banho ou outras coisas “pequenas”?
      12. A história se repete?
      13. A Primeira Guerra Mundial foi causada pelo assassinato de um príncipe em Sarajevo? Qual foi o papel do incidente na história?
      14. Você pode estar em dois lugares ao mesmo tempo?
      15. Qual a grande contribuição de Hegel para a filosofia?
      16. Qual a contribuição de Marx e Engels para a filosofia?
      17. Por que se pode dizer que a natureza é a prova da dialética?
      18. Qual a relevância do Materialismo Dialético na compreensão do futuro?
      19. Quando o universo começou?
      20. Por que os marxistas são deterministas?

Lista de leituras sugeridas

      • A miséria da filosofia, Marx.
      • Manuscritos econômicos e filosóficos, Marx.
      • Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, Engels.
      • A ideologia alemã, Marx.
      • Anti-Düring, Engels.
      • Dialética da natureza, Engels.
      • Do socialismo utópico ao socialismo científico, Engels.
      • Materialismo e crítica empírica (Trabalhos selecionados, vol. 17), Lenin.
      • Cadernos filosóficos (Trabalhos selecionados, vol. 38), Lenin.
      • Sobre Marx e Engels, Lenin.
      • As três fontes e as três partes constitutivas do Marxismo, por Lenin.
      • Introdução à lógica do Marxismo, Novack.
      • Reason in Revolt, Woods e Grant
      • Os problemas fundamentais do Marxismo, Plekhanov.
      • O desenvolvimento da visão monista da história, Plekhanov.
      • Em defesa do marxismo, Trotsky.
      • Radio, Science, Technology and Society, Trotsky.

Artigo publicado originalmente em 2 de novembro de 2002, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “What is dialectical materialism?“.

Tradução Ivison Poleto.