O discurso de Lula e o Brasil

O Brasil melhorou?

Por Luiz Bicalho

O presidente Lula em seu pronunciamento de final de ano (2007) explica que sim:

“Nesta noite, quero fazer com vocês um balanço de 2007. Deste excelente momento do Brasil…
O desemprego está em queda. De janeiro a novembro, criamos 1 milhão 936 mil empregos com carteira assinada, um recorde histórico. Segundo o IBGE, o índice de desemprego no mês passado foi de 8,2%. O mais baixo de toda história desta pesquisa.
Não só aumenta o emprego. O salário também melhora. Em 97% dos acordos, o trabalhador teve reajuste maior ou igual à inflação. A massa salarial cresceu 7% este ano”.
O presidente explica, em sua opinião, os motivos que levaram a estes números positivos:
“Um amplo mercado de massas não só melhora a vida de milhões de famílias. Também gera um círculo virtuoso: como há mais gente entrando no mercado consumidor, crescem as vendas, a indústria e o campo produzem mais, os empresários investem com mais força e as empresas abrem mais vagas.
Por tudo isso, este ano, a ONU incluiu o Brasil, pela primeira vez, no grupo dos países com alto índice de desenvolvimento humano. É sinal de que nossa luta contra a pobreza, através de programas como o Bolsa-Família, está dando certo. Isso mostra que inclusão social não é apenas uma expressão bonita e desejada. E, sim, uma realidade. Uma realidade que vai se ampliar ainda mais, porque o Brasil descobriu como fazer crescimento econômico com inclusão social.
Esta talvez seja a nossa maior conquista nos últimos anos: o Brasil não aceita mais ser um país de poucos. Está se tornando um país de muitos. E não descansará enquanto não for de todos”.
Mas, porque temos um “amplo mercado de massas”? de onde ele surgiu? Descobrimos como fazer “crescimento econômico com inclusão social”?
Se analisarmos a economia deste ano, veremos o que salta aos olhos é a queda violenta do valor do dólar no mundo, uma previsão de crise nos EUA com os principais bancos tendo quedas em seus lucros ou até prejuízos, com créditos concedidos sendo considerados impagáveis. O problema está em que o mercado Norte-Americano é no mínimo 25% do mercado mundial (algumas estatísticas dizem que chega a 33%). Assim, os problemas econômicos dos EUA repercutem e se ampliam por todo o mundo.
Marx explicou a muito tempo que o capitalismo cria um mercado mundial. Todas as farsas atuais sobre “globalização” escondem que este mercado está em contração, em virtude do capitalismo ter chegado a uma situação de crise em que ele produz demais e com taxas de lucros cada vez mais baixas. Para superar esta situação, o capital recorreu a uma de suas ferramentas tradicionais – o crédito. A Economia dos EUA vem a anos sobrevivendo do crédito e se beneficiando de sua moeda ser a moeda de troca internacional. A construção da zona do Euro significou, nestes termos, a perda de um “mercado” do dólar, em que as trocas passam a ser em Euros e não em Dólares. Tanto é assim que, apesar da queda do dólar em relação ao Euro (que torna as mercadorias européias mais caras) a Alemanha neste ano conseguiu manter o seu crescimento e ampliou as suas vendas externas, para citar um exemplo.
A invasão do Iraque não conseguiu, até hoje, ter os lucros esperados. Transformou-se num sorvedouro de dinheiro e a transferência de altas somas de outros setores para a economia de guerra montada não conseguiu superar a crise nos EUA. Se no inicio da guerra o governo retirou 100 bilhões de dólares dos fundos previdenciários e direcionou para a guerra, estes valores tornaram-se insignificantes frente as despesas da manutenção das tropas. O gasto total com a guerra chega a mais de 3 trilhões de dólares, segundo varias estimativas e só aumenta, sem lucro a vista. Então, como seguir neste caminho? O resultado geral é que a economia dos EUA entra em crise, o valor do dólar cai (e vários países estudam trocar a moeda americana como moeda de comercio internacional entre seus países, como Brasil e Argentina) e isso, ao invés de impulsionar a economia dos EUA (como querem os analistas burgueses, ao dizer que os EUA vão vender mais suas mercadorias no mundo, esquecendo-se que como pais imperialista, o que mais sustenta os EUA não são suas “vendas” no mundo, mas o seu saque sobre o mundo, juros e dividendos de capital emprestado, lucro de suas multinacionais) mantém a crise.
A crise não chegou e enquanto ela não chega, Lula anuncia o melhor dos mundos possíveis: capitalismo com lucros imensos e a classe operária que ascende socialmente:
“Nos últimos 5 anos, 20 milhões de pessoas deixaram as classes D e E, de baixo consumo, e migraram para a classe C. Apenas nos últimos 17 meses, 14 milhões de brasileiros ingressaram nesta nova classe média, cada vez mais ativa e numerosa”.
Na visão burguesa, a classe de uma pessoa é determinada pelo sua renda e consumo (classes A, B, C, D e E). Para os marxistas, classe social indica a posição social da pessoa em relação ao restante – burguesia é a dona dos meios de produção, proletariado é a classe que trabalha e produz, campesinato é aquele que trabalha no campo, sendo pequeno proprietário explorado pelos bancos ou sem-terra, etc. Neste conceito, os trabalhadores continuam sendo trabalhadores, tendo ou não aumentando o seu salário, tendo ou não uma televisão a mais ou um carro.
Lula aplicou aqui o que foi feito nos EUA: uma ampliação exagerada do crédito, o que possibilita aos trabalhadores comprar hoje em nome dos benefícios futuros. E os lucros dos bancos, tal qual nos EUA, batem recorde sobre recorde. A classe trabalhadora consegue alguns benefícios imediatos. O pais sustenta tudo porque os preços das chamadas “comodities” (matérias primas e produtos agrícolas brutos ou semi-industrializados) aumenta no mundo –inclusive por que o dólar caiu. O crédito inclusive com dinheiro publico (dinheiro que é arrancado da classe trabalhadora sob a forma de impostos) beneficia diversos setores da burguesia, mantendo a política de privatização de FHC:
“Não só estamos fazendo mais, como estamos fazendo muito mais barato. nas licitações para exploração de rodovias, o preço dos pedágios caiu fortemente. No leilão da usina de Santo Antonio, no Rio Madeira, o custo do megawatt/hora voltou aos patamares do início da década de 90. São ótimas notícias para o país.
Também estamos ampliando o ProUni, que já ofereceu 400 mil bolsas de estudos em faculdades particulares…”
Lula poderia citar também o leilão de freqüências de telefonia que rendeu 6 bilhões aos cofres públicos. Enquanto isso, quem paga a conta? Os trabalhadores, a maioria do povo pobre que “consome” hoje uma energia muito mais cara que antes das privatizações, que “consome” telefones muito mais caros que antes das privatizações, que paga impostos e vê estes impostos indo para as faculdades particulares!
Para entender este aspecto, vejamos os dados do discurso:
“E estamos abrindo 10 novas universidades públicas, 48 extensões universitárias no interior e 214 escolas técnicas em todo o país. Também estamos ampliando o ProUni, que já ofereceu 400 mil bolsas de estudos em faculdades particulares, e lançando o reuni, que, em 4 anos, vai criar cerca de 400 mil novas vagas nas universidades federais. assim, tornaremos mais democrático o acesso ao ensino superior”.
Ou seja, com o dinheiro que constrói 10 novas universidades, 48 extensões técnicas teremos mais 400 mil novas vagas em universidades publicas em 4 anos (atenção, sem analisar a fundo o reuni, que dobra o numero de vagas e aumenta o numero de professores em 10%!). E temos…400 mil bolsas de estudos em universidades particulares …bolsas que “estamos ampliando”. Conveniente. Cai a qualidade das universidades federais (que são as melhores no país) e impulsiona as universidades particulares. Será surpresas se em alguns anos chegarem a conclusão como chegaram no ensino fundamental e ensino médio que as particulares são melhores que as públicas? Este é o futuro que Lula indica.
Em um único ponto Lula mostra problemas:
“Na saúde, no começo de dezembro, lançamos o PAC, que destinaria até 2010 mais R$ 24 bilhões para o setor. entre outras coisas, todas as crianças das escolas públicas passariam a ter consultas médicas regulares, inclusive com dentistas e oculistas. Infelizmente, esse processo foi truncado com a derrubada da CPMF, responsável em boa medida pelos investimentos na saúde. como democrata, respeito a decisão tomada pelo congresso. E estou convencido de que o governo, o congresso e a sociedade, juntos, encontrarão uma solução para o problema”.
Entendamos a conta: a CPMF arrecada por ano 38 bilhões de reais. Em três anos, arrecadaria 114 bilhões de reais. Desses, 24 bilhões (até 2010) seriam para a saúde. E os outros 90 bilhões? Para onde iriam? Provavelmente para engordar a conta de pagamento de juros que hoje chega a 160 bilhões anuais! Então, se fosse decretada uma moratória nestes juros nós teríamos por ano mais 160 bilhões para a saúde, para casas, para mais faculdades publicas com mais professores…Afinal, em três anos são 480 bilhões de dólares que engordam os banqueiros.
Apesar disso, Lula termina dizendo:
“As boas notícias na economia e em outros setores criaram um novo clima no país. Hoje, há mais brasileiros olhando para o futuro com esperança.
Nada disso está ocorrendo por acaso. É fruto do trabalho e das escolhas feitas pelo povo e pelo governo. É fruto da participação social e do funcionamento da democracia. Estamos colhendo o que plantamos.
Volto a repetir que sou, ao mesmo tempo, o mais satisfeito e o mais insatisfeito dos brasileiros. Satisfeito porque fizemos muito, e insatisfeito porque ainda é pouco diante do tamanho da nossa dívida social.
Da minha parte, tenho fé que somos um povo capaz de enfrentar as maiores dificuldades e resolver qualquer problema. Fizemos isso em momentos muito mais difíceis. Certamente poderemos fazer muito mais agora, quando o Brasil encontrou seu rumo e está no caminho certo”.
O Brasil encontrou seu rumo.Um rumo capitalista. Um rumo onde a polícia nos morros mata dia sim e dia sim também. Onde uma menina é presa em uma cela com 15 homens no Pará e a juíza, a delegada acha “normal” porque sempre foi assim. A governadora diz que “precisamos resolver” mas no Pará “sempre foi assim”. Felizes porque ao arrepio da Constituição que determina o direito a vida, o direito a não ser torturado, o direito da inviolabilidade do domicilio, a PM de São Paulo invade uma casa, tortura e mata um adolescente. Felizes porque compramos mais TV e mais carros esperando enquanto a crise não chega aqui, felizes porque caiu a diferença social – em virtude da queda do rendimento dos 10% “mais ricos” (cujo rendimento médio chega a 2.400 reais por mês, enquanto o presidente do Banco Central ganha uma aposentadoria em torno de 70 mil reais por mês, enquanto o numero de bilionários brasileiros foi o que mais cresceu no mundo).
Sim, de dentro da Granja do Torto, das salas atapetadas do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional que mantém Renan Calheiros apesar de todas as denuncias e provas apresentadas na imprensa, é possível se ver o mundo rosa. Para os trabalhadores que labutam dia sim e dia sim, cujos salários continuam no mesmo lugar, que viram o feijão aumentar de preço violentamente, que sacolejam ônibus e vans lotadas para não perder o emprego, para todos que rezam diariamente esperando que a sua casa não seja escolhida pela polícia ou pelos traficantes para ser o justiçado do dia, para todos os que nos acampamentos de sem-terra ou nas ocupações sofrem o dia a dia, a vida não é tão rosa.
Este é presente do capitalismo, este é o futuro do capitalismo, com sua roda imensa girando e produzindo drogas, prostituição, miséria e exploração. Para Lula, este é o futuro do Pais, do pais do qual ele só enxerga a parte rosa e que promete o paraíso para todos. Ele não quer enxergar que a crise nos EUA cedo ou tarde será exportada para todos os paises, com seu cortejo de mais miséria e mais violência, como o dia a dia do Iraque ou as mortes no Paquistão.
Para nós, mais que nunca, é necessário o combate por um mundo socialista, um mundo em que a exploração do homem pelo homem não exista mais, onde as pessoas possam ver o futuro com tanta esperança quanto o Presidente.

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