O despertar revolucionário do Magreb

Em 14/01 o levante revolucionário das massas na Tunísia fez história. Tal foi a intensidade da revolta que o ditador Ben Ali teve que fugir do país que governou durante 23 anos. Depois de seu “amigo” Sarkozy negar asilo, foi aceito pela monarquia saudita.

O movimento evoluiu de protestos sociais localizados a uma reviravolta nacional que desafiou a repressão. E o Estado não podia fazer nada para parar essa tempestade revolucionária que eclodiu em todo o país e abalou os regimes de Rabat à Riade.

A grande mídia mais uma vez, apressou-se com sua própria definição absurda deste levante chamando-o de “Revolução de Jasmim”. Nas últimas décadas, eles foram atribuindo várias cores aos movimentos revolucionários para esconder a verdadeira essência dessas revoltas onde as massas estavam lutando por uma transformação sócio-econômica e para emancipar-se da exploração e escravidão do sistema capitalista decadente.

Não apenas a mídia de direita, mas também os ex-esquerdistas e “progressistas” estão tão profundamente imbuídos com cinismo e desmoralização que se recusam a reconhecer uma situação revolucionária, mesmo quando esta passa diante de seus olhos. Junto com a imprensa burguesa e a mídia esses intelectuais depreciam a luta de classes e a revolução. Na verdade, eles capitularam à teoria reacionária de Fukuyama do “fim da história”, que até mesmo ele próprio já refutou em conversas privadas.

Enquanto a crise econômica de 2008 e o maior crash financeiro desde 1929 expôs a ultrapassada e redundante condição da economia capitalista, a crise geral que assola a sociedade tem tido um impacto desastroso sobre a inteligência dos intelectuais burgueses e de seus chamados especialistas.

Já em 6 de janeiro de 2011 o porta-voz mais sério e elogiado da burguesia internacional, The Economist, tinho isto a dizer sobre as perspectivas do regime da Tunísia: “É improvável que os problemas da Tunísia consigam derrubar o presidente de 74 anos de idade ou até mesmo de fazer balançar seu modelo de autocracia”. Não é apenas uma questão de declínio intelectual dos ideólogos da elite. Houve também uma queda acentuada na confiança dos dirigentes políticos de um sistema em decadência terminal.

Em um período onde tanto cinismo e desespero impera nos níveis mais altos da sociedade, os acontecimentos na Tunísia voltam a demonstrar que estamos em uma época de curvas fechadas e mudanças repentinas. Guerras e revoluções estão na ordem do dia. A crise extrema da sociedade, com aumentos de preços, desemprego, corrupção, pobreza, exploração e miséria que continuam se acumulando, chega a um ponto onde um acontecimento “acidental” pode desencadear uma revolta como a que estamos assistindo na Tunísia. Os problemas sociais e econômicos finalmente encontraram uma expressão política.

Dois aspectos muito importantes foram testemunados nestes eventos tempestuosos. Em primeiro lugar, houve relatos de confraternização entre o Exército e o povo. Em alguns casos, o Exército estava protegendo os manifestantes contra a polícia. Essa foi a razão pela qual o Exército foi retirado das ruas da capital e substituído pela polícia. Quando as manifestações em massa atingiram o palácio presidencial, o povo e os soldados se abraçaram. Esta é uma característica típica de uma revolução social.

O segundo aspecto saliente desta reviravolta é a ausência do fundamentalismo islâmico no movimento. As mulheres jovens que entraram em confronto com as forças do Estado não usavam a burca. Em uma manifestação em 15 de janeiro uma senhora tunisiana disse a um repórter: “Você viu homens com barbas longas em nossas manifestações? Não! Porque não necessitamos dessas pessoas para nos libertar”.

Em sua análise da situação na Tunísia, o renomado líder marxista, Alan Woods, escreveu: “É muito importante sublinhar que esta é a primeira vez que um ditador árabe foi derrubado por seu próprio povo sem intervenção externa. Isso representa uma ruptura decisiva com a visão fatalista que, lamentavelmente, se espalhou no mundo árabe e que diz: ‘Sim, houve muitas lutas, mas sempre fomos derrotados!’. O principal lema do movimento dentro e fora da Tunísia acerca desses históricos acontecimentos é: ‘Sim, nós podemos!’”.

Entretanto, a situação não é exclusiva para a Tunísia. A maior parte do mundo árabe e de toda a humanidade sofre as dores infligidas pela crise crescente que tem afetado o capitalismo em escala mundial e se recusa a recuar. Um estudo conjunto da Liga Árabe e do Programa de Desenvolvimento da ONU indica que, na maioria dos países árabes, os jovens representam mais de 50% dos desempregados, a maior taxa do mundo. O mesmo relatório coloca a taxa de pobreza em até 40%, em média, o que significa que cerca de 140 milhões de árabes continuam vivendo abaixo da linha da pobreza. Pior ainda, o relatório observou que a região não vê nenhuma diminuição nos índices de pobreza há 20 anos. O Fundo Monetário Internacional disse que com as taxas de desemprego atuis já muito elevadas, a região precisa criar cerca de 100 milhões de novos empregos até 2020.

Isso explica porque há uma revolta latente em todo o mundo árabe. O impasse na luta de libertação e as condições miseráveis das massas na Palestina, tem exacerbado ainda mais as contradições sociais e as tensões políticas no Oriente Médio. Os tremores de erupções vulcânicas na Tunísia já estão se espalhando rapidamente. Um analista de assuntos árabes da BBC, Magdi Abdel Hadi, disse: “O desaparecimento de Ben Ali pode chacoalhar toda a ordem pós-colonial na África do Norte e o resto do mundo árabe”.

As fronteiras artificiais estabelecidas pelo imperialismo no século passado são na verdade muito frágeis. Protestos e manifestações sociais começaram a eclodir na Argélia, Marrocos, Jordânia e Iêmen. O Egito já está na corda bamba. No Iêmen os manifestantes usavam bonés com emblemas do Che Guevara.

Como nós escrevemos, manifestações poderosas estão detonando. As massas estão chamando o governo interino de farsa. Os imperialistas estão preocupados e tentando diluir a revolta através da criação de uma fachada de democracia, que será, naturalmente, da elite e continuará a servir os interesses de seus senhores. A menos que um partido revolucionário consiga colocar-se à frente da revolução, essa levante revolucionário maravilhoso, no longo prazo, mais cedo ou mais tarde irá diminuir. Mas a maneira com a qual eclodiu surpreendeu o mundo. Outro movimento revolucionário na região pode entrar em erupção com uma liderança bolchevique e uma vitória socialista, levando a uma Federação Socialista dos povos do Oriente Médio.

Originalmente publicado no jornal paquistanês Daily Times em 23 de janeiro de 2011.

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