Não existe saída reformista para a crise capitalista – Parte 2

Uma outra variação da demanda por um “imposto sobre os ricos” é a proposta de um imposto sobre operações financeiras, também conhecido como “Imposto sobre Transações Financeiras” (ITF), ou “Imposto Tobin” (referência ao premiado com o Nobel de Economia, James Tobin, que foi o primeiro que propôs a ideia em 1972), ou “Imposto Robin Hood” (ou seja, tirar dos ricos para dar aos pobres).

Uma outra variação da demanda por um “imposto sobre os ricos” é a proposta de um imposto sobre operações financeiras, também conhecido como “Imposto sobre Transações Financeiras” (ITF), ou “Imposto Tobin” (referência ao premiado com o Nobel de Economia, James Tobin, que foi o primeiro que propôs a ideia em 1972), ou “Imposto Robin Hood” (ou seja, tirar dos ricos para dar aos pobres).

O imposto Tobin

A ideia de um ITF(Imposto sobre Transações Finaceiras)  foi de fato proposta recentemente por figuras de alto escalão como Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças da Alemanha, e Williams Rowan, o arcebispo de Canterbury, que propuseram um ITF a nível da União Europeia (UE) para reduzir a atividade especulativa e fazer com que o setor financeiro contribua mais com o custo da crise.

A ideia foi imediatamente rejeitada por David Cameron e Osborne George, respectivamente o primeiro-ministro e o chanceler britânicos, que disseram que, embora eles apoiassem a ideia de um ITF “em princípio”, não achavam que ele seria exequível na prática, a não ser que fosse implementado a nível mundial. Não deveríamos ficar nem um pouco admirados que Cameron e Osborne sejam contrários à implementação de um imposto que poderia morder os lucros de seus amigos banqueiros na “City” (o centro financeiro em Londres).

O colunista Buttonwood na revista The Economist aponta que um imposto financeiro cobrado apenas na Europa não é plausível:

Londres é o centro mundial de negociação de divisas [as moedas nacionais]. Esta negociação é realizada eletronicamente a um custo muito baixo. ICAP, a corretora, diz que em média custa US $ 2 para cada US $ 1 milhão negociado. Um imposto Tobin de apenas 0,01% (a taxa proposta) pode não soar muito, mas seria equivalente a US $ 100 para aquela mesma negociação, 50 vezes mais. Por que alguém iria querer pagar isso? Tais operações seriam imediatamente transferidas para Nova York ou Cingapura. “

A ameaça dos financistas de transferir seu capital não é mero alarmismo, e sim um fato inegável. A crise econômica asiática de 1997-98, que causou estragos nas economias de toda uma região, mostrou o quanto é fácil e rápido para o capital retirar-se de um país, e os efeitos devastadores que essa retirada pode provocar.

Alguns ministros europeus propuseram que o ITF poderia ser introduzido apenas nos países da zona do euro. O Financial Times destaca quais são os problemas com esta sugestão:

De acordo com as estimativas da Comissão Europeia, cerca de 62 por cento das receitas geradas por um imposto europeu viria de Londres.”

E a The Economist continua com as críticas a um ITF a nível da zona do euro:

“A grande falha no plano é que as operações tributáveis ​​são propensas a migrar para fora da UE. Embora a Comissão considere as suas propostas como o primeiro passo para um acordo global, é difícil perceber um amplo entusiasmo internacional com essa idéia. Os números da própria Comissão, em parte baseados em uma infeliz experiência sueca com um ITF de 1984-91, sugerem que os comerciantes de derivativos poderiam mudar tanto quanto 90% do seu negócio para fora de qualquer zona de tributação … “

“… A avaliação da própria Comissão sugere que o ITF poderia reduzir a longo prazo o PIB europeu em qualquer porcentagem situada entre 0,5% a 1,8%. Em um momento de fragilidade econômica, é algo que parece perverso “.

Toda a evidência disponível mostra que os tratados internacionais não podem ser implementados em uma base capitalista. Com exemplos como a cúpula do clima em Copenhague, em 2009, que terminou sem acordos obrigatórios, e as negociações comerciais organizadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que começaram em Doha, em 2001, e terminaram em colapso completo em Genebra, em 2008, podemos ver que os tratados internacionais ou regulamentos de qualquer tipo consistentemente esbarram na contradição do Estado-nação, com cada um dos governos fazendo o que for preciso para proteger os lucros da classe capitalista em seu próprio país. A implementação de um ITF global encontraria a mesma barreira, que não pode ser superada em bases capitalistas.

Mesmo que fosse possível, de alguma forma, criar e aplicar esse imposto a nível global, o que impediria a indústria financeira global de simplesmente repassar este custo, por exemplo, pela redução do acesso ao crédito para as pequenas empresas e famílias? Repassando adiante o custo, o ITF acaba simplesmente sendo um imposto adicional regressivo, como um imposto de vendas ou um imposto sobre o carbono, sobre as pessoas comuns.

A “campanha pelo Imposto Robin Hood”, uma campanha baseada no Reino Unido e apoiada por todos os tipos de pessoas bem-intencionadas – de instituições de caridade, filantropos e líderes sindicais até políticos burgueses, economistas e empresários – fornece um número de retumbantes respostas bastante sem substância para algumas das críticas levantadas acima, mesmo se fossemos tão longe a ponto de dizer que a Grã-Bretanha poderia implementar esse imposto isoladamente.

Mas, novamente, como acontece com a questão da regulamentação financeira e qualquer outro imposto sobre os ricos, como vimos acima, deve-se perguntar: quem vai aplicar esse imposto? Com Cameron e Osborne na Grã-Bretanha imediatamente despejando água fria na ideia, a evidência sugere que é utopia completa pensar que um governo burguês possa implementar qualquer tipo de imposto Robin Hood em um período de crise. Mais uma vez, são os chamados “pragmáticos” e “realistas” que são os mais utópicos e idealistas de todos.

O exemplo da Grécia – onde um programa de austeridade está sendo aplicado devido à pressão dos mercados financeiros e em que um governo eleito democraticamente foi forçado por esses mesmos credores a demitir-se – mostra que os governos não são capazes de ditar o caminho para o setor financeiro, e a verdade é o oposto. Parafraseando um antigo slogan da União Soviética: sob o socialismo, o governo controla as finanças; sob o capitalismo, as finanças controlam o governo.

Um artigo recente da The Economist destaca este ponto e vale a pena citá-lo longamente:

“Os europeus criaram o euro para evitar as crises causadas por especuladores monetários, só para encontrarem-se encurralados por investidores de títulos …

“… Em teoria, há uma resposta fácil. Se você não quer ser incomodado pelos mercados de títulos, não tome emprestado deles …

“… Os países podem escapar da tirania dos mercados, voltando-se para os credores oficiais: os outros países, o Fundo Monetário Internacional ou o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Mas esses credores são tão interessados ​​em extrair sua libra de carne (em termos de reformas econômicas) quanto o setor privado …

“… Assim como os eleitores não podem revogar as leis da gravidade, eles não podem insistir que os credores estrangeiros emprestem dinheiro para eles …

“… Ao longo dos séculos, os países tentaram diversas regulamentações – o padrão-ouro, regras de orçamento equilibrado, bancos centrais independentes – na tentativa de limitar a prodigalidade do governo. Mas quando essas regras falham, os mercados impõem a sua própria disciplina implacável. “

Em outras palavras, não se pode repreender os mercados financeiros e os banqueiros e simplesmente tentar regulamentá-los ou tributá-los. Estes banqueiros e financistas simplesmente têm operado de acordo com as leis do capitalismo. Se aceita-se o capitalismo, então se deve também aceitar a lógica e as leis do capitalismo. Se você disser “A”, então você também deve dizer “B”, “C” e “D”.

Deve-se ressaltar, mais uma vez, que o único governo que poderia implementar esse imposto financeiro seria um governo dos trabalhadores sob o controle do movimento operário. Mesmo assim, esse imposto, a fim de evitar uma greve de capital teria que ser – como qualquer regulamentação financeira ou imposto sobre os ricos – internacional.

Mas então por que parar em um tal imposto financeiro internacional? Por que não colocar o sistema financeiro – que, como o artigo do New Scientist acima ressalta, é por natureza um sistema internacional incrivelmente poderoso – sob controle público, democrático, de modo que a riqueza dentro deste sistema pode ser colocada em uso como parte de um plano racional e internacional?

Colocando de forma simples, não há solução em uma base capitalista ou nacionalista. É socialismo internacional ou nada.

O euro: sair ou ficar?

Alguns comentaristas têm tentado pintar os problemas econômicos no mundo como se fossem limitados aos Estados altamente endividados na zona euro. Tais pessoas, no entanto, convenientemente deixam de reconhecer que o primeiro país que tornou-se insolvente foi a Islândia, que não é nem mesmo da zona do euro. Além disso, eles parecem cegos para a austeridade que está sendo implementada em todo o mundo industrializado, incluindo outros países europeus que não fazem parte do clube do euro, como a Romênia e o Reino Unido. Na verdade, apesar de poder desvalorizar sua moeda, a Grã-Bretanha não está em uma posição particularmente vantajosa. De acordo com a The Economist, 40% das exportações britânicas vão para a os países da eurozona e há aproximadamente US $ 350 bilhões de exposição dos bancos britânicos às dívidas de Portugal, Irlanda , Itália, Grécia e Espanha (os PIIGS). É claro, portanto, que o destino da economia britânica é amarrado por mil fios ao destino da zona do euro, apesar da moeda independente do Reino Unido.

Foi proposto por alguns (de todo o espectro político) que a “solução” para a Grécia é deixar o euro de uma maneira controlada. A ideia por trás dessa proposta é que ao longo do tempo a moeda grega independente (o dracma) seria desvalorizada, as indústrias gregas se tornariam mais competitivas, e o aumento das exportações iria resgatar a economia grega do seu colapso atual.

É verdade que uma moeda grega independente seria desvalorizada. No entanto, tal desvalorização provavelmente iria acontecer muito rapidamente, já que a nova moeda (com razão) seria considerada muito pouco atraente. Enquanto isso, os defensores da saída dos gregos da zona do euro parecem esquecer que uma desvalorização rápida de qualquer moeda grega (além de tornar as exportações mais baratas) faria as importações ficarem muito mais caras. O resultado seria uma inflação enorme, o que significaria apenas a mesma austeridade para o povo grego com um outro nome.

Além disso, deve-se perguntar: quais as indústrias na Grécia que devem fornecer a base para essas exportações? E para quem se espera que elas exportem? Mesmo a Alemanha, a locomotiva econômica da Europa e o segundo maior exportador do mundo, está encontrando dificuldades para encontrar um mercado para suas exportações e, consequentemente, está passando por uma rápida diminuição na taxa esperada de crescimento econômico, com apenas 0,1% de crescimento do PIB entre abril e junho de 2011.

Também deve ser salientado que as dívidas gregas são denominadas em euros, enquanto que qualquer receita seria na nova moeda (desvalorizada), portanto qualquer saída da Grécia da zona do euro e a introdução de uma nova moeda desvalorizada veria o preço real da dívida grega disparar, e os custos de reembolso seriam impossíveis de cumprir. Finalmente, uma saída da Grécia da zona do euro provavelmente seria acompanhada por uma fuga de capitais do país e uma greve de investimento estrangeiro. De repente, uma saída da Grécia do euro, em si e por si, não parece ser uma “solução” tão atraente. Como a The Economist disse recentemente: “Austeridade, desemprego elevado, a agitação social, altos custos de empréstimos e caos bancário parece provável de qualquer maneira.”

A outra alternativa, que a Grécia não pague as suas dívidas (ou, como se diz, dar o calote), também não seria uma solução se implementada de forma isolada. Por si só, uma suspensão completa do pagamento pode ser ainda mais doloroso do que a austeridade para a Grécia. O país seria imediatamente excluído dos mercados de crédito, o que significa que ele teria que eliminar seu déficit orçamentário imediatamente. Além disso, grande parte da dívida grega está registrada em bancos gregos, de modo que o governo também tem que se preocupar com a possibilidade de socorrer seus próprios bancos.

Um calote grego rapidamente causaria o contágio, com os bancos em outros lugares na Europa (que estão expostos à dívida grega) também entrando em crise. Esses bancos, por sua vez, seriam socorridos por seus respectivos Estados, simplesmente transferindo a dívida grega para os balanços das economias de outros países, de forma semelhante ao que foi visto (em uma escala muito menor) quando a Islândia declarou a moratória da sua dívida. O resultado final seria uma propagação da austeridade que as massas gregas já têm experimentado para o resto da Europa e além, já que em todos os lugares os governos teriam que realizar cortes nos orçamentos em resposta a suas dívidas públicas infladas.

A outra proposta em relação à crise do euro, que é comumente citada nos dias de hoje, é a de uma união fiscal para complementar a união monetária da zona do euro. Esta ideia aparece em uma variedade de sabores, incluindo: (1) o Banco Central Europeu (BCE) poderia emitir “Eurobônus”, conjuntamente subscrito por todos os países da zona euro; (2) dar ao o BCE o poder de fornecer fundos ilimitados para os países endividados (os PIIGS); (3) ou até mesmo estabelecer o que seria efetivamente uma união política, com as autoridades europeias em Bruxelas passando a ter o poder de definir as restrições orçamentárias obrigatórias.

As duas primeiras variações desta proposta são a mesma coisa, ou seja, usar o BCE para transferir o dinheiro das economias mais fortes do norte da Europa para as mais fracas, os países altamente endividados em outras regiões. Na realidade, isto significa uma transferência maciça da Alemanha para os PIIGS. Se fossem apenas economias menores, como a Grécia, Irlanda e Portugal, que precisassem socorrer, então isso poderia ser possível, mas agora Itália e Espanha estão na mira dos mercados financeiros, sendo que ambas são grandes economias com dívidas ainda maiores. E pode não terminar aí, pois há também preocupações sobre os bancos franceses, e, portanto, sobre a economia francesa em geral por associação. Está longe de ser certo que os ombros da Alemanha serão largos o suficiente para suportar um fardo assim tão pesado.

Também deve ficar claro que essa transferência de dinheiro por meio de uma união fiscal não seria um episódio isolado, e sim um processo contínuo, uma vez que os principais problemas (déficits orçamentários e baixo crescimento econômico nas economias dos PIIGS) não serão eliminados. A outra questão, naturalmente, é essa: todo esse dinheiro na Alemanha vem de onde? Em última análise, vem do contribuinte alemão, ou seja, da classe trabalhadora alemã. Qualquer transferência de dinheiro da Alemanha para o resto da Europa, portanto, seria simplesmente acompanhada por uma transferência de austeridade de outros lugares para a Alemanha. Um Estados Unidos da Europa em uma base capitalista, portanto, seria simplesmente um Estados Unidos da austeridade.

Outros sugeriram que o BCE deveria simplesmente criar dinheiro para assumir as dívidas da Grécia, Itália, Espanha, etc, mas isso foi recebido com desaprovação por Ângela Merkel e outros políticos alemães, que são (como resultado das experiências negativas com a hiperinflação no passado) instintivamente contra qualquer coisa que pareça ter os sons ou os cheiros da impressão de dinheiro. Na verdade, não há diferença real entre essa proposta e os programas de flexibilização quantitativa realizados nos EUA e no Reino Unido, que até agora tiveram pouco efeito para resolver os transtornos econômicos nesses países, e que a longo prazo só vão levar à inflação e consequentemente à austeridade para as pessoas comuns por outros meios. (Nota do tradutor: Programas de flexibilização quantitativa são uma espécie de política monetária “não convencional” realizada desde o final de 2008 pelos bancos centrais americano e britânico ao fabricarem dinheiro para comprar ativos financeiros “intangíveis”, tais como ações ou outros direitos contratuais, dos bancos privados ou de outras empresas privadas, com a finalidade de aumentar os preços destes ativos e dessa forma tentar estimular os investimentos).

Quanto à terceira variedade da proposta de “maior unidade europeia” – uma união política com objetivos econômicos nacionais decididos em Bruxelas – deve ser salientado que tal proposta já foi testada e falhou. Quando o euro foi criado pela primeira vez, ele veio com certas condições orçamentárias, definidas pelo Tratado de Maastricht, que tinham de ser cumpridas, tais como metas para os déficits orçamentários e para as dívidas públicas. Os países europeus, incluindo a Alemanha, muito rapidamente romperam essas metas. E como os marxistas enfatizaram naquela época, tais medidas eram profundamente contrárias à classe trabalhadora, já que o cumprimento daquelas metas em uma base capitalista inevitavelmente significaria cortes nos serviços públicos e sociais.

Por fim, deve ser enfatizado que os Estados Unidos da Europa em uma base capitalista não resolveria nada. No fundo, a razão disso é que a crise não é simplesmente uma crise do euro, mas uma crise do capitalismo, como já explicado anteriormente. Basta olhar para os Estados Unidos da América, que tem tanto uma união política quanto uma união fiscal de 50 estados diferentes, para ver que uma união de Estados capitalistas não resolve nada. Nos EUA, há uma enorme crise da dívida, tanto a nível federal (nacional), quanto também ao nível dos estados individuais. Uma “super-comissão” de republicanos e democratas não conseguiu chegar a um acordo sobre como o déficit deve ser cortado e, como resultado, haverá grandes cortes automáticos de gastos públicos. Enquanto isso, a posição precária das finanças de alguns estados já provocou cortes de despesas , e em alguns casos, como em Wisconsin e Ohio, levou os governos estaduais ao ataque contra o movimento operário, tentando retirar os direitos sindicais, tal como o direito à negociação coletiva.

Longe de avançar na direção de uma maior unidade, a Europa está se movendo na direção de uma ruptura. A possibilidade de países abandonarem voluntariamente o euro está sendo comentada abertamente, e isso poderia facilmente acelerar na direção de uma total de dissolução do euro, com cada país tentando sair da crise através de desvalorizações cambiais competitivas. Mas essa medida também seria acompanhada pelo protecionismo com cada país tentando livrar-se das exportações de seus vizinhos. Isto colocaria todo o projeto da União Europeia – que é construído sobre o princípio do livre comércio entre os Estados membros – em risco de desmoronar, como a The Economist explica:

“Os poucos que permaneceriam no euro (a Alemanha e talvez alguns outros países credores) estariam em desvantagem competitiva com relação às novas moedas mais baratas na soleira das suas portas. Além da imposição de controles de capitais, os países poderiam regredir para a autarquia, erguendo tarifas retaliatórias. A sobrevivência do mercado único europeu e da própria União Europeia estaria, então, sob ameaça. “

O fato é que não há solução internacional no capitalismo. Internacionalismo em uma base capitalista significa simplesmente austeridade internacional. Nem há qualquer solução nacional, como foi apontado acima, em relação à Grécia e à possibilidade de saída do euro. Também não há a possibilidade do chamado “socialismo em um só país”, como a história demonstrou. Cada país faz parte de um sistema econômico global, e não se pode ter uma ilha de socialismo em um mar de capitalismo. O socialismo é internacional ou não é nada.

Crise de confiança

Certos comentaristas burgueses e reformistas, como vimos, simplesmente retratam a crise como uma “crise de confiança”. Essas pessoas culpam as agências de avaliação de crédito e especuladores financeiros pela criação de temor com o rebaixamento da classificação dos créditos dos países e  pela exigência de maiores taxas de juros para empréstimos aos governos. Mas tal explicação coloca a carroça na frente do cavalo. As agências de classificação de crédito estão apenas apontando o que já é um fato estabelecido – que é improvável que certos países sejam capazes de pagar de volta o dinheiro que pediram emprestado, em razão dos níveis elevados de suas dívidas, dos déficits orçamentários, e do crescimento econômico baixo. A função das agências de avaliação de crédito é alertar os investidores sobre os ativos de risco potencial (como os títulos dos governos) que devem ser evitados. Assim, quando os credores exigem uma taxa de juros mais alta, eles estão simplesmente reconhecendo que há uma maior possibilidade de que eles não serão reembolsados no futuro. Culpar as agências de avaliação de crédito pela crise é como atirar no mensageiro.

Não é a falta de confiança que produz a crise, mas é a crise que provoca a falta de confiança. Marx fez observações semelhantes a respeito da idéia de um “credit crunch” [colapso do crédito], lembrando que não é a falta de crédito que gera a crise, mas é a crise que provoca a falta de crédito. Na medida em que economia entra em crise, os credores começam a reter o dinheiro, causando assim uma diminuição adicional na produção.

Os políticos burgueses entendem que sua principal tarefa é restaurar a confiança dos mercados, demonstrando que eles são firmes e dignos de confiança quando se trata da execução de programas de austeridade e de redução das suas dívidas. Onde eles vacilam, uma “crise de liderança” é rapidamente proclamada pelos comentaristas burgueses, e governos tecnocráticos de confiança são instalados.

Na verdade, a burguesia está enfrentando uma crise política, sem governos estáveis ​​ou fortes, mas isso é apenas um reflexo da crise econômica (como já indicado em outro artigo) e de sua fraqueza objetiva como uma classe – uma classe que sobreviveu ao seu papel histórico e que se tornou um obstáculo para o desenvolvimento da sociedade. Os governos tecnocráticos de “unidade nacional” (ou seja, a unidade burguesa) que foram criados são governos de crise, que não têm base social sobre a qual se apoiar.

Se existe uma “crise de liderança”, é uma crise da direção da classe trabalhadora. Em todo o mundo, os movimentos revolucionários estão em desenvolvimento, mas o que falta em todas as instâncias é uma liderança revolucionária desses movimentos que possa unir as diversas lutas e apontar a alternativa à barbárie que confronta os trabalhadores e jovens em todos os lugares.

Em vez de uma alternativa revolucionária, tudo o que os atuais líderes do movimento operário são capazes de oferecer, como reformistas sem reformas, são contra-reformas. Ao longo dos últimos vinte anos, com base no crescimento alimentado pelo crédito, esses líderes reformistas foram capazes de se beneficiar do fato de que o boom criou espaço para manter um certo nível de vida para a classe trabalhadora, o que levou muitos a dizer que “agora todos nós somos classe média”. Hoje, com a crise, esses líderes se apegam à sua ideologia reformista, mas, sem a base material para dar apoio, eles são forçados a realizar os cortes nos orçamentos.

No momento atual, os trabalhadores estão lutando não para conquistar novas reformas, mas apenas para manter aquelas que eles conquistaram no passado. Em países como a Grécia, este processo está mais avançado, e o embrião da revolução está se desenvolvendo em toda a Europa e os EUA (sem esquecer os movimentos revolucionários no Egito e no resto do mundo árabe). No curso dessas lutas defensivas, os trabalhadores vão ganhar um sentido de seu próprio poder, e essas lutas vão se transformar em seu oposto partindo para a ofensiva. Através de uma série de vitórias e derrotas, os trabalhadores e a juventude vão perceber seu potencial para transformar a sociedade.

A crise do capitalismo

Os cortes e a austeridade que estão sendo implementados não têm caráter ideológico, e estão sendo realizados em todo o mundo em resposta a uma crise muito real – a crise do capitalismo. Dar uma roupagem ideológica à vontade de realizar cortes e austeridade transmite a impressão de que os políticos burgueses – e os reformistas – que as levam a cabo estão fazendo isso em função de algum preconceito enraizado, quando de fato, dentro dos limites do sistema capitalista, eles são forçados a esta situação pela crise do capitalismo. Na medida em que se pode falar de “ideologia”, é no sentido de uma ideologia que representa um interesse material de classe – os interesses dos mercados financeiros, ou seja, daqueles que têm dinheiro para emprestar, ou seja, da classe capitalista – que estão afirmando esses interesses por cima dos interesses das pessoas comuns, ou seja, dos trabalhadores e jovens.

A questão não é sobre este ou aquele corte, este ou aquele imposto, regulamentação disto ou daquilo. Também não é simplesmente uma questão de uma crise do euro, de se permanecer no euro ou abandonar o euro. A verdadeira questão é simples: quem paga? Quem paga a crise, a crise do capitalismo: o 1% (ou seja, os banqueiros, financistas, e o resto da classe capitalista) ou os 99% (ou seja, a massa de pessoas comuns)?

Os comentaristas burgueses mais sérios e de visão mais ampla compreendem a real profundidade da crise que a sociedade enfrenta, e também são muito claros sobre o que precisa ser feito para proteger seus interesses de classe, como esta declaração da revista The Economist expressa de uma maneira muito lúcida e honesta:

A esperança fervorosa deste jornal é que os europeus abracem a globalização adotando finalmente uma atitude séria sobre a reforma de suas economias rígidas e dos seus estados de bem-estar. Na verdade, a crise atual ofereceu a eles uma oportunidade única para quebrar os interesses políticos que os fizeram recuar … “

“… O estado de bem-estar, construído sobre a prosperidade do pós-guerra, tornou-se muito caro para estes tempos precários”.

No lugar de “economias rígidas” deve-se ler “as reformas e os direitos dos trabalhadores”, e por “interesses políticos” deve-se ler “o movimento organizado dos trabalhadores”. Colocando de forma simples, a burguesia está exigindo que todas as reformas, direitos e bem-estar que a classe trabalhadora conquistou através da luta no passado sejam suprimidos no interesse da classe capitalista e dos seus lucros.

Agora não é o momento para regurgitar chavões reformistas que apenas sugerem manobrar com o sistema, em vez de derrubá-lo. O papel da liderança é elevar o nível de consciência e aumentar a confiança, para apontar o próximo passo que deve ser tomado. Agora é o momento para um programa ousado, revolucionário e socialista, que liga as tarefas imediatas de defesa dos padrões de vida das massas com a necessidade das massas de transformar a sociedade – a demanda, não apenas pelas migalhas que caem da mesa, e sim pelo controle da padaria inteira.

Em suma, este é o momento para as ideias do marxismo, que correspondem às necessidades objetivas da humanidade e à escolha que enfrenta: socialismo ou barbárie. Estas ideias, no entanto, não se disseminam espontaneamente, mas exigem o esforço e organização das camadas mais conscientes e determinadas de trabalhadores e jovens. Convidamos os nossos leitores a participar da Corrente Marxista Internacional – no Brasil, a Esquerda Marxista (NDT) – nesta tarefa.

Traduzido por Ruy Penna