Mortes e devastação em Mariana/MG: O problema é o capitalismo!

A tragédia foi uma fatalidade? Um acidente natural teria causado o rompimento da barragem de resíduos da mineradora Samarco, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais? Um abalo sísmico foi mencionado por um dos diretores da empresa em entrevista televisionada no primeiro dia da tragédia, e de fato esse “microterremoto” foi registrado. Mas é evidente que essa “explicação” só poderia incriminar ainda mais os donos e diretores da mineradora, e por essa razão foi rapidamente colocada em segundo plano nas declarações que buscavam justificar ou minimizar a tragédia.

A tragédia foi uma fatalidade? Um acidente natural teria causado o rompimento da barragem de resíduos da mineradora Samarco, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais? Um abalo sísmico foi mencionado por um dos diretores da empresa em entrevista televisionada no primeiro dia da tragédia, e de fato esse “microterremoto” foi registrado. Mas é evidente que essa “explicação” só poderia incriminar ainda mais os donos e diretores da mineradora, e por essa razão foi rapidamente colocada em segundo plano nas declarações que buscavam justificar ou minimizar a tragédia.

Se a causa imediata do rompimento tivesse sido um abalo sísmico de 2,5 graus, que pouca gente sentiu na região, e que não derrubou sequer uma telha, isso seria apenas mais uma prova do crime e da sua autoria. Seria a comprovação incontestável de que a barragem não recebeu o reforço estrutural necessário para suportar o crescente acúmulo dos resíduos e, ao contrário, há indicações de que ela foi sobrecarregada com obras para aumentar a sua altura. Abalos sísmicos dessa magnitude já estão previstos na margem de segurança nos cálculos de qualquer construção de médio ou grande porte.

O que aconteceu foi um tsunami de lama, mas um tsunami artificial, causado pela “mão invisível” das forças do mercado, ou seja, o lucro como imperativo acima de qualquer outra consideração. Economizar na estrutura da barragem, ou na construção de novos depósitos, era um modo simples de aumentar o lucro da empresa. E a crise mundial do capitalismo, com o “salve-se quem puder” típico desse sistema, tende a aumentar a pressão para manter ou recuperar a margem de lucro tentando reduzir custos de qualquer jeito, o que é especialmente verdadeiro no caso das commoditys com seus preços em queda. Mesmo no caso dos setores industriais de ponta isto é observado, como recentemente vimos no escândalo da Volkswagen, que fabricou 11 milhões de veículos com um sistema que falsificava a quantidade de emissão de poluentes durante os testes, para reduzir os gastos com o mecanismo que limitava essa emissão por determinação legal.

Desde 2013, uma inspeção requisitada pelo Ministério Público já tinha detectado sérios problemas na estrutura da barragem, mas nenhuma providência efetiva foi tomada. Agora, a Samarco declarou que a última inspeção foi realizada em julho deste ano pela Sufram, um órgão estadual (MG), que teria concluído que a barragem apresentava “totais condições de segurança”. Para diminuir a sua responsabilidade, a empresa tenta dar à tragédia um ar de mistério e uma aparência de mera fatalidade, e para isso recebe uma boa colaboração da grande imprensa, de autoridades do Estado, e dos políticos comprometidos com ela.

A enxurrada de mais de 50 milhões de metros cúbicos de lama (equivalentes a 25 mil piscinas olímpicas) soterrou casas, cobriu uma vasta área e matou um número ainda não conhecido de trabalhadores da empresa e de moradores, tudo isso antes de alcançar o Rio Doce e desencadear um desastre ambiental que está apenas começando – sim, porque as consequências mais graves ainda estão por vir e vão perdurar por vários anos. As versões sobre o número de mortos e desaparecidos variam, e os corpos da grande maioria dificilmente serão encontrados no curto prazo. Não havia um plano de contingência, e nem mesmo um sistema de alarme.

O avanço da massa de lama pelo Rio Doce já provocou efeitos gravíssimos na vida das cidades que dependem desse rio, como Governador Valadares, Colatina, e várias outras. O abastecimento de água foi reduzido, e inclusive suspenso por dias seguidos, e hidrelétricas tiveram que ser desligadas com a consequente interrupção do fornecimento de energia. A Samarco declarou que a lama é “inerte” e não contém substâncias tóxicas para a saúde humana, mas isso está sendo posto em dúvida por cientistas independentes, ou seja, que não estão direta ou indiretamente controlados pela empresa. O prejuízo social e econômico, imediato e futuro, é imenso.

A bacia do Rio Doce junto com seus afluentes abrange uma área de drenagem de 83.400 Km2, da qual 86% pertence à MG e 14% ao ES, e inclui cerca de 222 municípios. A bacia já vinha sofrendo com a poluição, o desmatamento e o manejo inadequado do solo, além do assoreamento decorrente de resíduos minerais, industriais e domésticos. Mas agora, as fotografias aéreas comparando antes e depois da enxurrada de lama mostram um quadro desolador. O rio assumiu o aspecto de uma pasta amarela que retardou a corrente, elevou o nível, e invadiu entre 50 e 100 metros das margens, que transformaram-se em um lodaçal que impregna a sua vegetação. Os biólogos explicam que a lama está “pavimentando” o leito do rio e causando uma redução drástica da sua flora e fauna. Peixes mortos em quantidade exalam um odor fétido em muitos pontos do seu trajeto de mais de 800 km. As consequências no litoral marítimo do Espírito Santo também serão graves.

O desastre em Mariana foi acidente ou crime? “É precipitado avaliar”, disse o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, em entrevista à BBC Brasil. O ministro deve ter boas razões materiais e políticas para tomar cuidado com as palavras, dado que o crime (contra a sociedade) é escandaloso, mas os interesses (privados) que estão em jogo são muito robustos. O ministro sabe que, no capitalismo, quem manda são os grandes proprietários privados dos meios de produção em estreita ligação com o capital financeiro, e ele segue a regra: obedece quem tem juízo. Os proprietários da Samarco, em partes iguais, são duas gigantes multinacionais da mineração: a Vale (Vale S.A.), ex-estatal brasileira que foi privatizada em 1997 no governo FHC, e a anglo-australiana BHP Billiton. Essas empresas ocupam, respectivamente, a 3ª e a 1ª posição mundial nesse ramo da produção.

Um dos muitos outros exemplos internacionais de crimes ambientais, e de conflitos com as populações atingidas, envolvendo essas e outras empresas mineradoras, é relatado numa reportagem da BBC Brasil (11/11/15): “o projeto com consequências ambientais e sociais mais graves na história da BHP é o da mina OK Tedi, em Papua Nova Guiné. Em 1999, a empresa admitiu ter liberado, ao longo de mais de uma década, milhões de toneladas de rejeitos da exploração de cobre nas bacias hidrográficas dos rios OK Tedi e Fly. O impacto comprometeu 120 comunidades camponesas e de pescadores artesanais na região, afetando até 50 mil pessoas”. Não faltam exemplos de conflitos semelhantes envolvendo a Vale S.A., no Brasil e no exterior.

Uma característica geral desses conflitos é a sua baixa “visibilidade”, pois comumente atingem populações de pequenas cidades ou povoados de camponeses, ou tribos indígenas. Outra característica é a repressão que usa forças de segurança privadas e um esquema de inteligência designados para esmagar a resistência e abafar as repercussões. Um exemplo é a luta da comunidade de Piquiá de Baixo, no estado do Maranhão, em busca de um reassentamento coletivo e da responsabilização pelos danos à saúde sofridos por mais de mil e cem moradores, em consequência da contaminação do ambiente causada pela Vale S.A. em seu complexo de extração de ferro em Carajás. A população afetada pela degradação do Rio Doce é muito maior, sendo a população da bacia deste rio de 3,2 milhões de pessoas.

As empresas mineradoras estão muito interessadas na aprovação, no Congresso Nacional, do novo projeto do Código de Mineração, encaminhado pelo Governo Federal e apresentado pelo deputado Romero Jucá (PMDB). Esse projeto tramita no parlamento desde 2013.

Como é notório, mesmo em sua atividade “normal”, a mineração é uma atividade que habitualmente causa grande impacto negativo no meio ambiente, não somente degradando a paisagem e atingindo a flora e a fauna, mas também com o potencial de gerar a contaminação tóxica da atmosfera, das águas e do solo. Mesmo com o Código atual, considerado “ultrapassado” e excessivamente rigoroso pelas mineradoras, os crimes ambientais são comuns e habitualmente ficam impunes. E seria cômico se não fosse trágico: 98% das multas por crimes ambientais no Brasil simplesmente não são pagas, mostrando o caráter de classe do poder judiciário. Não obstante, existe a tecnologia necessária e são conhecidos os procedimentos de controle que permitem prevenir, reduzir e reverter o impacto da mineração sobre o meio ambiente. Mas esse conhecimento não é plenamente utilizado porque afeta o lucro das empresas, ou seja, porque a relação entre a sociedade e a natureza é fragmentada pela propriedade privada dos meios de produção. Essa fragmentação foi agravada com a privatização fraudulenta da Vale do Rio Doce.

E o que propõe o projeto do novo Código de Mineração, já modificado por emendas dos parlamentares? Em resumo, a essência do projeto consiste em desonerar para incentivar a abertura de novos empreendimentos, e flexibilizar as normas de controle, incluindo as normas trabalhistas, diminuindo o “excessivo intervencionismo estatal”, como diz um dos textos elaborados pelos analistas do Congresso para balizar as decisões dos parlamentares. Não foi por amor à democracia que as mineradoras fizeram doações generosas para as campanhas eleitorais de 89 deputados federais (e também para as campanhas de Dilma e Aécio). E, naturalmente, outras doações serão feitas para garantir a aprovação do novo Código, isto é, para descriminalizar a irresponsabilidade das mineradoras com o meio ambiente e com a saúde e a vida dos trabalhadores e da população em geral. A “mão invisível” das forças de mercado comanda a orquestra para tocar a música do lucro e da barbárie capitalista.

Entre os que “legalmente” receberam essas doações das mineradoras, inclui-se o “nobre” deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), que é justamente o relator da proposta do novo Código de Mineração, um fato que contraria abertamente as chamadas regras do decoro parlamentar. Ao contrário do Ministro Eduardo Braga, Quintão precipitou-se e já fez a sua avaliação sobre a tragédia em Mariana: “Eu avalio como um acidente gravíssimo. A empresa tem que arcar com todas as indenizações das famílias e recuperar o meio ambiente. Mas a empresa estava operando dentro da legalidade. Crime ambiental só se comete quando está operando fora da legalidade”. Os 58 estupros cometidos pelo tristemente famoso Roger Abdelmassih, no exercício legal da medicina, de acordo com a teoria do “nobre” deputado, deveriam ser considerados “acidentes gravíssimos”, mas não seriam crimes. Isso dá uma medida da espécie de moral que informa a relação entre o Estado e a chamada sociedade civil no capitalismo.

A reestatização da Vale do Rio Doce, sob controle efetivo dos trabalhadores, junto com o monopólio estatal da mineração, é necessária para acabar com essa promiscuidade entre o Estado e as mineradoras, e tornar possível a exploração racional e planejada dos recursos naturais no interesse da sociedade como um todo. Sem isso, a tragédia de Mariana será apenas o anúncio de outras tragédias ainda mais grotescas e de consequências ainda mais graves. Os escândalos de corrupção na Petrobrás não são determinados pelo fato dela ser uma empresa estatal, mas, ao contrário, a corrupção acontece porque ela não está sob controle efetivo dos trabalhadores, e a sua privatização, em vez de resolver esse problema, como alguns imaginam e como outros argumentam hipocritamente, só pode agravar e ampliar a corrupção e, além disso, aumentar a chance de desastres ambientais.

Um acordo assinado entre a Samarco e a Procuradoria Estadual de Minas Gerais estabeleceu que a empresa formará um fundo de recursos para indenizações e reparos ambientais, no qual depositará o valor de 1 (hum) bilhão de reais, com o seguinte detalhe: quem vai gerir a aplicação deste fundo, naturalmente prestando contas à Procuradoria e atendendo às decisões judiciais, será a própria Samarco! Observação: apenas em 2014, o lucro líquido da Samarco foi de 2,8 bilhões de reais, enquanto a BHP distribuiu 6,6 bilhões de dólares em dividendos aos acionistas nos 12 meses anteriores a junho de 2015, e a Vale S.A. lucrou 1,6 bilhão de dólares no terceiro trimestre desse ano, embora tenha registrado prejuízo nos trimestres anteriores.

Mesmo assim, um bilhão de reais é muito dinheiro e dá a impressão que a justiça e a generosidade estão caminhando de mãos dadas, mas uma avaliação oficial preliminar – citada pelo próprio deputado Quintão – concluiu que apenas para dar conta dos efeitos mais imediatos da tragédia de Mariana, incluindo a indenização dos que tiveram as suas casas soterradas, e para tomar agora as providências que ao menos possam minorar as consequências futuras, seriam necessários recursos no valor estimado entre 10 e 14 bilhões de reais. Nesse cálculo, no entanto, não foi incluído o valor dos prejuízos, em praticamente todos os setores da economia da região, que inevitavelmente resultarão da degradação ambiental da Bacia do Rio Doce e do litoral do Espírito Santo. Chega a ser ridícula a multa de 250 milhões de reais imposta à Samarco pela Presidente Dilma, com isso pretendendo ganhar a imagem de defensora implacável do interesse público ao mesmo tempo em que encaminha a aprovação do novo Código de Mineração. E não cabe nenhuma dúvida de que grande parte do prejuízo decorrente da tragédia será “estatizada”, ou seja, será paga com dinheiro público. E o que não for pago ou reparado será simplesmente “socializado”, ou seja, a sociedade como um todo arcará com as consequências, mas certamente de um modo muito desigual.

Como ocorre em tantos outros desastres e questões ambientais, o que a tragédia de Mariana demonstra não é a insustentabilidade do crescimento econômico enquanto tal, como muitos ativistas do movimento ecológico pensam, e sim a insustentabilidade desse crescimento numa base capitalista. Há, obviamente, uma enorme e absurda desproporção entre, de um lado, o valor economizado pela Samarco ao deixar de garantir a segurança da barragem e, de outro lado, o valor muito maior do que foi destruído em vidas humanas, e em riquezas tanto naturais quanto produzidas pelo trabalho. Esse comportamento socialmente irracional não é um resultado do crescimento, mas, ao contrário, o capitalismo produz esse comportamento criminoso quanto mais a crise desse sistema de produção social se aprofunda e bloqueia o desenvolvimento das forças produtivas. O que está acontecendo é que esse desenvolvimento já ultrapassou o nível em que a relação entre a humanidade e a natureza pode ser sustentada com base na anarquia da produção, isto é, sem o planejamento consciente da produção social em escala mundial.

Diante dessa tragédia, como primeiro passo que aponta o caminho para eliminar a anarquia da produção, criando as condições para realmente evitar a repetição desse crime monstruoso, os dirigentes da CUT têm a obrigação de relançar a campanha pela reestatização da Vale do Rio Doce, acompanhada de medidas concretas que a coloquem sob controle dos trabalhadores e estabeleçam o monopólio estatal da mineração. Uma mobilização verdadeira, com a efetiva participação das estruturas sindicais em todo o país, e não apenas com discursos sem consequências práticas, certamente ganharia o apoio entusiasmado da juventude e dos trabalhadores.

Apesar da cobertura jornalística, nos grandes meios de comunicação, que está muito longe de informar toda a extensão da tragédia, e muito menos de indicar claramente as responsabilidades dos donos e diretores da Samarco, as imagens e depoimentos que circulam nas redes sociais estão aumentando a indignação com esse crime monstruoso. A Esquerda Marxista expressa a sua solidariedade com a população que está sofrendo as consequências, e exige a punição dos responsáveis. A nossa campanha pela construção de uma Frente Única de Esquerda tem como objetivo unir todos os jovens e trabalhadores, e todas as forças políticas, que estejam dispostos a lutar para libertar a sociedade de uma classe dominante reacionária e cada vez mais ligada ao crime e à barbárie.