Julgamento de Lula, a justiça burguesa e o combate à Lava Jato

“Quem responde por crime tem que ter participado dele. E, para ter participado dele, alguma coisa errada ele fez. No bom português, é disso que se trata”

Vitor Luiz dos Santos Laus (último juiz a proferir o voto no julgamento de Lula)

Existe um ditado popular: “onde tem fumaça, tem fogo”. O eminente desembargador Vítor Luiz parece que baseou sua convicção de culpa de Lula nesse ditado. Esse tipo de preconceito, baseado na presunção do direito da Idade Média, na qual o suspeito tinha que provar sua inocência, foi derrubado pela burguesia durante a sua revolta contra a nobreza. O moderno direito burguês é baseado na presunção da inocência, na qual o acusador tem que provar que o réu é culpado para ser condenado.

A questão é que tal prática nunca valeu num país atrasado e semicolonial como o Brasil, para o proletariado e a maioria dos explorados. Aqui vigora a lei que diz que bandido bom é bandido morto e assim age a polícia ao invadir residências nas favelas e morros, inclusive com o respaldo do poder judiciário que emite mandado de busca coletivo que permite que a Polícia Militar, de forma “legal”, invada residências populares. E para não deixar dúvida, nunca um desses mandados foi emitido para um prédio do Leblon no Rio de Janeiro ou dos Jardins em São Paulo.

A Folha de São Paulo fez uma reportagem mostrando como são os julgamentos para os pobres – duram no máximo 15 minutos e o que vale é o testemunho do policial que prendeu o “suspeito”, o “indivíduo”, nunca o “cidadão”. E, mesmo assim, um terço dos 600 mil presos no Brasil nunca foi a julgamento, estão presos por determinação da polícia.

A grande ironia é que foi durante os governos petistas que este aparato do judiciário e de repressão foi fortalecido. A Lei da Ficha Limpa, que agora se volta contra Lula, e a Lei Antiterrorismo, foram obras de governos petistas. Aliás, quando a Lei da Ficha Limpa foi aprovada, a Esquerda Marxista foi uma das poucas organizações que se posicionou contra essa mudança antidemocrática, o que pode ser conferido no artigo de 2010 do camarada Chico Lessa.

A burguesia, os seus jornais, abrem fogo contra o PT acusando-o de politizar o julgamento enquanto esse teria sido meramente “técnico”.

A técnica da burguesia

A frase do juiz que O Globo destacou e que colocamos abrindo este artigo mostra que de técnico o julgamento pouco teve. Mas, entrando nos detalhes, o voto dos dois outros juizes mostrou isso de maneira mais clara: ao usar como argumento a teoria do domínio de fato, os juízes reconheceram que não tinham provas contra Lula e o condenaram porque como presidente ele deveria saber o que se passava no seu quintal. Já explicamos que levado às suas últimas consequências, se um empregado de uma firma comete um crime, o gerente ou o dono da firma poderiam ser condenados por este crime.

Mas sabemos que não funciona assim. Os corruptores, todos eles, estão com penas de um ou dois anos e estão soltos, enquanto os petistas continuam presos, assim como os lacaios da burguesia que faziam o seu trabalho no Congresso ou nos governos estaduais, como Cunha ou Cabral. Marcelo Odebrecht foi solto – é o empresário que mais tempo ficou na cadeia – e os outros que delataram Lula tiveram suas penas reduzidas. O caráter de classe da justiça mostra aí toda a sua face.

Lula, no julgamento do “mensalão”, abandonou Zé Dirceu, Genoíno e outros na prisão. Recusou-se a organizar uma campanha em defesa dos dirigentes de seu partido. José Dirceu se rendeu sem combate, depois de cumprir sua pena, foi novamente processado na Lava Jato e pode ser preso novamente. Lula agora está na mira da prisão, mas ele continua tentando a conciliação.

A burguesia pressiona, em sua imprensa, declarando que Lula não pode mais ser candidato, que seus aliados vão abandoná-lo. Mas todos eles estão esperando para ver o que vão dizer os índices da próxima pesquisa eleitoral. Um juiz que parece não ter perdido a cabeça, Marco António de Melo, diz que a prisão de Lula pode levar a uma comoção social sem precedentes e que o STF tem que agir.

A nota do PT dá o tom do que fará o partido:

NÃO NOS RENDEMOS DIANTE DA INJUSTIÇA: LULA É CANDIDATO

O dia 24 de janeiro de 2018 marca o início de mais uma jornada do povo brasileiro em defesa da Democracia e do direito inalienável de votar em Lula para presidente da República.

O resultado do julgamento do recurso da defesa de Lula, no TRF-4, com votos claramente combinados dos três desembargadores, configura uma farsa judicial. Confirma-se o engajamento político-partidário de setores do sistema judicial, orquestrado pela Rede Globo, com o objetivo de tirar Lula do processo eleitoral.

São os mesmos setores que promoveram o golpe do impeachment em 2016, e desde então veem dilapidando o patrimônio nacional, entregando nossas riquezas e abrindo mão da soberania nacional, retirando direitos dos trabalhadores e destruindo os programas sociais que beneficiam o povo.

O plano dos golpistas esbarra na força política de Lula, que brota da alma do povo. Esbarra na consciência democrática da grande maioria da sociedade, que não aceita uma condenação sem crime e sem provas, não aceita a manipulação da justiça com fins de perseguição política.

Vamos lutar em defesa da democracia em todas as instâncias, na Justiça e principalmente nas ruas.

Vamos confirmar a candidatura de Lula na convenção partidária e registrá-la em 15 de agosto, seguindo rigorosamente o que assegura a Legislação eleitoral.

Se pensam que a história termina com a decisão de hoje, estão muito enganados, porque não nos rendemos diante da injustiça.

Os partidos de esquerda, os movimentos sociais, os democratas do Brasil, estamos mais unidos do que nunca, fortalecidos pelas jornadas de luta que mobilizaram multidões nos últimos meses.

Hoje é o começo da grande caminhada que, pela vontade do povo, vai levar o companheiro Lula novamente à Presidência da República.

Esta nota mostra que o PT continua respeitando a justiça burguesa. Lula e o PT continuam se esforçando para se mostrarem confiáveis e seguros como uma opção de conciliação de classes para solucionar a crise política do país. Assim, a grande luta é para colocar Lula na presidência, enquanto a Reforma Trabalhista está sendo implementada e a Reforma da Previdência tem data marcada para votação. O que o PT não compreendeu é que a burguesia decidiu descartar a política de conciliação de classes, pois precisa ir mais fundo nos ataques aos trabalhadores, pretende assumir a dianteira do processo, sem intermediários.

Lula, a conciliação de classes, previdência e privatizações

O governo Lula foi antes de tudo um governo de conciliação de classes dirigido contra os trabalhadores e a independência nacional. Lula, ao entrar no governo, declarou que ao menos faria a Reforma Agrária. Quando o PT saiu do governo, a Reforma Agrária não tinha sido feita e o capitalismo substituíra boa parte dos latifundiários pelo agrobusiness. E isso foi feito sob o governo de Lula a tal ponto que uma das últimas defensoras de Dilma foi a dama do agrobusiness, a senadora Kátia Abreu.

Lula manteve o fim do monopólio estatal do petróleo e organizou a entrada na bolsa de Nova York das ações do Banco do Brasil. Os leilões do petróleo e do Pré-sal mostraram que o caminho da privatização completa da Petrobrás seria trilhado cedo ou tarde.

Lula promoveu a “reforma” da previdência dos servidores e o dia que o Congresso derrubou o fator previdenciário ele vetou. Segundo suas próprias palavras ”os ricos ganharam dinheiro como ninguém no meu governo”. E, obviamente, toda a política de ajuste fiscal do governo Dilma, em especial no seu segundo mandato, tinha a orientação do ex-presidente.

O problema é que o capitalismo não está em sua fase ascendente e o Brasil, repetimos, é um país atrasado e semicolonial. A partir da crise que estourou em 2007-2008, as políticas de conciliação de classes foram varridas do cardápio da burguesia, substituídas pelo aumento da exploração e da repressão. Os antigos partidos socialdemocratas quase que desapareceram de suas fortalezas na Europa e aqui no Brasil não funciona de uma forma diferente. Não é que “setores do judiciário” estão sendo antidemocráticos em conluio com a mídia burguesa. É que a régua da democracia do estado burguês mudou para acompanhar a nova situação de crise econômica e a saída burguesa para a crise: mais arrocho, mais exploração, mais repressão. O número de “guerras localizadas” sobe a mais de 60 no mundo, enquanto o número de bilionários cresce, assim como o de miseráveis. O aumento da exploração, a derrubada dos direitos trabalhistas no mundo inteiro, as “reformas” da previdência que atacam as aposentadoria e pensões, as terceirizações e o trabalho escravo no “chão de fábrica” do mundo na China, Índia, Paquistão, países do sudeste asiático, África, aumentam a olhos vistos. Par a par com a informatização ocorre a degradação do trabalho do operário que é apelidado de “colaborador”, “prestador de serviços”, “precariado” quando na verdade temos somente o velho trabalho operário descrito magistralmente por Engels no seu livro A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra.

A burguesia, que tinha medo de tirar Dilma e se enfrentar com as massas, embarcou na canoa de sua representação parlamentar que a afastou. E quando viu que os dentes do PT e da CUT não queriam morder, quando a greve geral para derrotar a reforma trabalhista foi desmontada, a burguesia foi pra cima com tudo. E os resultados se contam no julgamento de Lula e no número de bilionários do país, que aumentou em 40%. Os 5 homens mais ricos do Brasil concentram metade da riqueza do país. E assim é no mundo inteiro.

Se há mais de um século a revolucionária Rosa Luxemburgo escrevia Reforma ou Revolução, hoje os reformistas estão perdendo o chão e, literalmente, podem ser presos. Mais que nunca a única alternativa que resta aos trabalhadores é uma revolução. E justamente nesta hora, mais e mais os reformistas insistem em conciliar com a burguesia.

Enquanto a situação da burguesia brasileira e de seu governo continua difícil. A palestra de Temer em Davos começou somente com um terço do auditório ocupado e terminou no máximo com metade das cadeiras preenchidas. O diretor do FMI deu uma entrevista dizendo que meia reforma da previdência não serve, é preciso tudo. Em outras palavras, nada está fácil para Temer e para a classe dominante, que encontra sérias dificuldades para emplacar um candidato a presidente que decole nas intenções de voto.

Frente única e eleições

A nota do PT fala em unidade dos partidos de esquerda, dos movimentos sociais e dos democratas do país em torno da candidatura Lula. É preciso traduzir isso: o que a nota quer dizer é que as alianças com Renan Calheiros e outros burgueses, já costuradas no giro de Lula pelo nordeste, serão mantidas. Isso é o contrário de uma verdadeira frente única contra a repressão e a criminalização dos movimentos sociais, que implica numa luta dura contra a Operação Lava Jato e em defesa das liberdades democráticas, incluindo a defesa do direito de Lula ser candidato. Uma Frente Única sobre essas bases empolgaria amplas massas e contaria com a plena participação dos marxistas. Mas o que o PT pretende é claramente o contrário, busca desviar a luta para a unidade em torno da campanha Lula 2018.

A Esquerda Marxista sempre se colocou contra o julgamento do mensalão, contra a Lava Jato e contra as condenações daí decorrentes, que são o oposto de um verdadeiro combate à corrupção. Já explicamos que do ponto de vista inclusive da democracia formal, burguesa, a melhor forma de combater a corrupção seria estatizar todas as empresas envolvidas. Nós acrescentamos: sob controle dos trabalhadores. E que a estatização deveria começar por cima, pelos bancos que regem o sistema financeiro e por onde anda todo o dinheiro. Mas destas coisas nem o PT, nem outros que falam em limpar a política, querem ouvir falar.

Somos contra a condenação de Lula sem provas, assim como de outros dirigentes do PT. Lula e os demais dirigentes que traíram os interesses do proletariado devem ser julgados pela classe trabalhadora por seus crimes: a aliança com a burguesia, a privatização das estatais, a manutenção da quebra do monopólio do petróleo, a reforma da previdência de 2003, o bloquei da luta revolucionária da classe operária por sua emancipação, etc. Estes são os crimes cometidos contra a classe trabalhadora e que só ela poderá julgar.

E o PSOL?

A maioria da direção do PSOL hoje está sem rumo. Afinal direcionou todos os seus esforços para conseguir que Boulos fosse o seu candidato. Agora Boulos aparece abraçado com Lula, quando este anuncia no ato na Praça da República, logo após o término do julgamento, que mais do que nunca será candidato. E agora José? A nota assinada pelo presidente do PSOL não se diferencia muito da nota do PT e, seu conteúdo, apenas diz que vai ter candidato próprio. Diz a nota:

O PSOL guarda importantes diferenças com Lula e terá candidatura própria nas eleições. Mas repudiamos a condenação sem provas e defendemos seu direito de concorrer.

A luta pela democracia não começou e nem acaba aqui. Estaremos juntos nessa batalha, construindo uma alternativa política de direitos para o Brasil.

O que a nota deveria dizer é que a condenação de Lula faz parte da ofensiva da burguesia para atacar os poucos direitos que ainda restam aos trabalhadores e que o PSOL chama o PT a participar destas próximas batalhas, a começar com a luta contra a Reforma da Previdência. Além disso, deveria reafirmar que o PSOL combate a conciliação de classes, que destruiu o PT como uma ferramenta de luta da classe trabalhadora, e que a candidatura de nosso partido terá como base a independência de classe e a luta pelo socialismo.

A Esquerda Marxista faz uma crítica radical da justiça burguesa, do capital e do seu Estado. Estamos ao lado dos que se colocam contra os processos e condenações contra Lula e demais dirigentes do PT, sem defender a sua política. E propomos que nestas eleições o PSOL tenha um candidato que explique tudo isso do ponto de vista da luta de classes, do ponto de vista do proletariado, que defenda a construção da revolução socialista como a espada que corte o nó do cordão que une a exploração, a corrupção e a repressão que assolam o país. Por isso apoiamos e estamos em campanha pela pré-candidatura do companheiro Nildo Ouriques como candidato à presidência da República pelo PSOL. Junte-se a nós nessa batalha!