Irlanda: Waterford Crystal e a ferroada na cauda do Tigre Celta

Trabalhadores ocupam fábrica de vidros na Irlanda e exigem sua nacionalização.

Notícias sobre a fusão de Waterford Crystal e a Companhia chinesa Wedgwood adicionarão ainda mais desânimo às perspectivas econômicas da Economia irlandesa. Waterford Crystal é uma companhia internacionalmente conhecida e ajuda a trazer 300.000 visitantes por ano à cidade. Nas atuais condições as pessoas não correrão às lojas para comprar belos copos chineses, mas terá grandes efeitos na economia e mostrará a profundidade dos distúrbios que já estão presentes.

Como noticiado antes do Natal existem problemas sérios na indústria da construção; Seám Dunne, um dos maiores investidores da construção do país, está em apuros. Ele foi notícia no New York Times quando disse que “o Tigre Celta pode morrer e, se a crise bancária continuar, poderei ser considerado insolvente”. Isto tudo abalou seus planos de fomentar um grande desenvolvimento em Ballsbridge, uma das maiores regiões de Dublin. Infelizmente, para ele, o crash fez com que o valor de seus investimentos despencasse, ao passo em que está cada vez mais difícil encontrar crédito.

Como o Times irlandês assinalou hoje: “O New York Times citou o economista John Fitzgerald, do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, que disse que o Governo seguiu um plano de habitação “extremamente perigoso”, e argumentou que o subseqüente colapso da bolha imobiliária era completamente previsível”.

Enquanto isso a situação econômica subjacente se deteriora rapidamente, particularmente as contas públicas.

“Há apenas um ano a Irlanda podia financiar seu Estado tomando empréstimos no mercado internacional de capitais, vendendo títulos do governo muito próximos a taxa de juros alemã para títulos de 10 anos. Um ano de grande volatilidade no mercado financeiro mudou completamente a situação. Hoje a Irlanda é obrigada a pagar seus credores acima da taxa de juros alemã. A diferença nos juros entre os títulos irlandeses e os alemães aumentou significativamente nos últimos 12 meses – algo em torno de 1,5 pontos percentuais”.

Basicamente isto significa que, longe de estar em uma posição fortalecida, a Irlanda precisa competir sob os mesmos termos sem ter o mesmo peso de outros países; precisa desesperadamente recompor o déficit nacional. Aparentemente as coisas estão ficando pior. Desde 2007 o déficit nacional cresceu 50%, chegando a € 51 bilhões, e pode crescer ainda mais. Lembrando que a Irlanda partiu de um ponto onde seu déficit era muito baixo e o país era considerado uma aposta segura, tudo isso mudou:

“Para a Irlanda, os benefícios de ter se tornado membro da zona do Euro – os mais notáveis foram a taxa de câmbio estável e as baixas taxas de juros – possibilitaram uma tremenda redução dos custos. Outro fator importante foi que a Grã-Bretanha, o maior parceiro comercial da Irlanda, permaneceu fora da zona do Euro. Enquanto a Libra Esterlina esteve forte tudo ia bem. Mas, no ano anterior, quando Libra Esterlina se desvalorizou, caindo até 25% em relação ao Euro, as exportações irlandesas enfrentaram um grande desafio. Mas como a desvalorização não era uma opção duradoura, a recuperação das perdas competitivas ofereceu a única solução. Contudo, os custos trabalhistas na Irlanda cresceram mais rápido que em qualquer outro lugar, e isso levou a um necessário, porém muito doloroso, ajuste.”(Irish Times, 5/1/09).

A última sentença é a mais importante para a classe trabalhadora irlandesa. Esta é uma receita acabada para restringir os salários e atacar os padrões de vida da classe trabalhadora. O problema para o Governo de Fianna Fáil e os patrões irlandeses (e ingleses e americanos) é que a classe trabalhadora se fortaleceu durante os anos de expansão e crescimento. Você pode descascar uma cebola camada por camada, mas você não pode tornar um tigre inofensivo arrancando uma presa de cada vez.

Neste momento os sindicatos estão tentando dourar a pílula; estão procurando soluções junto aos diretores da Waterford ou negociando reduções de salários. Mas a ocupação da fábrica Swissco, em uma pequena ilha em Cork, em Dezembro, é um sinal de que os trabalhadores não necessariamente permanecerão inertes e passivos. Sim, a ocupação foi suspensa depois de 12 horas, mas é um sinal do muito que está por vir.

Ocupação da Waterford: você não pode tornar um tigre inofensivo arrancando uma presa de cada vez

Há apenas uma ou duas semanas previmos que a atual crise na Irlanda inevitavelmente levaria a uma série de lutas defensivas contra as tentativas dos patrões de nos fazer pagar pela crise. O fato é que, embora a economia irlandesa esteja em rota de colisão contra um muro e Brian Cowen e os patrões estejam afiando suas navalhas para cortar os salários e demitir, a classe trabalhadora irlandesa se fortaleceu imensamente durante os anos do chamado Tigre Celta. Como diz o dito popular, você pode descascar uma cebola camada por camada, mas não pode tornar um tigre inofensivo arrancando suas presas uma de cada vez.

Os acontecimentos em Waterford são o primeiro exemplo disso. As ameaças de 480 demissões e de perda de 300.000 visitantes por ano deram lugar a uma resposta contundente dos trabalhadores de Waterford e do povo trabalhador da região.

A razão inicial por trás da ocupação foi a ameaça do administrador Davis Carson de demitir 480 trabalhadores. A possibilidade de encerramento das atividades na fábrica por algum tempo (enquanto as negociações com duas empresas americanas, a KPS e a Clarion Capital – onde hoje trabalha o ex-diretor executivo da companhia), daria aos patrões tempo para se reestruturarem, estes empregariam quem eles escolhessem. As negociações, que incluem o departamento de Taoiseach’s, ICTU e UNITE – que organizam 90% dos trabalhadores –, pareciam estar satisfazendo-os com as propostas de Clarion. Mas a ocupação está sólida com cerca de 300 trabalhadores envolvidos. Os 800 atuais mais os ex-trabalhadores participaram das assembléias para discutir a situação atual e em particular o efeito sobre as pensões na atual crise. O governo irlandês deve ser chamado à responsabilidade para garantir as pensões, já que falharam em implementar proteções às pensões devido ao acordo feito com a União Européia.

É notório que os trabalhadores têm apoio de massa, e isto ficou claro com a afluência à manifestação da tarde de sábado, quando dela participaram mais de 2.000 pessoas. O suprimento de alimentos e outros oferecidos pela população também confirma o apoio. O ambiente é de raiva. O resultado mais provável da compra por um capitalista será a separação das partes que dão prejuízo das partes lucrativas da empresa.

Entretanto, ao mesmo tempo, o risco de os patrões tentarem minar a ocupação permanece. Os líderes sindicais estão envolvidos nas negociações com o administrador da massa falida, mas acordos sobre as garantias dos salários e das pensões (particularmente para os trabalhadores mais velhos) podem ter o efeito de enfraquecer o movimento a menos que o sindicato tome uma posição clara. Neste momento o principal objetivo do sindicato parece ser conseguir um novo comprador. Algumas vozes filistinas já começam a reclamar da ação dos trabalhadores, dizendo que esta pode ter um efeito negativo.

Mas a Waterford está ganhando as características de uma batalha. Foi dada uma forte e militante resposta por parte dos trabalhadores, contra um governo pouco popular que acaba de salvar os bancos e um punhado de investimentos podres. Por tudo isso, não é surpresa que a idéia da nacionalização da empresa tenha ganhado eco. Afinal de contas, eles acabam de nacionalizar o Banco Anglo Irlandês…

Esta ocupação representa um ponto decisivo para o movimento sindical irlandês. Um claro chamado à nacionalização da companhia sob controle operário e administrada com o auxílio e apoio total da classe trabalhadora pode representar um duro golpe nos planos dos patrões irlandeses. Representaria um ponto de inflexão para todo o movimento na Irlanda e teria grandes impactos internacionalmente.

04 de Fevereiro de 2009.

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