Grécia: nem “compromisso honroso” nem “ruptura acidental” – o único caminho a seguir é a Revolução Socialista – Parte 3

A bancarrota da Grécia e sua saída do Euro constituiriam uma aventura imprevisível para a economia europeia e global. Criariam grande “pressão” sobre o valor do Euro e sobre as taxas de empréstimo dos países da Zona do Euro, enviando vagas de incerteza por todos os continentes. As tentativas ocasionais de quantificar estes efeitos não podem ser precisas em consequência da natureza caótica da economia capitalista globalizada.

Concessões a SYRIZA ou “Grexit”? O que os credores mais temem?

A ideia central que fundamentava, e ainda fundamenta, a justificativa das táticas de negociação da liderança de SYRIZA é a crença de que a Alemanha e os outros “parceiros”, isto é, os credores, temem os efeitos de uma “Grexit”. A Tendência Comunista nunca negou a validade desta observação elementar. Afinal, este foi o principal motivo que levou, há cinco anos, a Grécia a ser o destinatário do maior “pacote” de empréstimos já concedido a um país na história moderna.

De fato, a bancarrota da Grécia e sua saída do Euro constituiriam uma aventura imprevisível para a economia europeia e global. Criariam grande “pressão” sobre o valor do Euro e sobre as taxas de empréstimo dos países da Zona do Euro, enviando vagas de incerteza por todos os continentes. As tentativas ocasionais de quantificar estes efeitos não podem ser precisas em consequência da natureza caótica da economia capitalista globalizada.

Mas a liderança de SYRIZA, também considerou e ainda considera que a tendência para se evitar uma “Grexit” é suficientemente forte, mesmo no último momento, de fazer com que a Alemanha e os outros credores tolerem a implementação – pelo menos parcial – do programa eleitoral de SYRIZA. Aqui reside o erro da atitude em relação às “negociações”. A questão neste ponto ultrapassa a estreita esfera dos cálculos econômicos e passa para a esfera política; portanto, em última análise, a correlação de forças entre as classes em nível europeu e global é que é decisiva. Considerando isto, desde a perspectiva dos credores, uma “Grexit” não seria pior do que fazer concessões substanciais às demandas de um governo liderado por um partido de esquerda.

Por que é assim? Embora uma “Grexit” signifique uma ameaça de instabilidade para a economia global, um acordo entre o novo governo grego e os credores, na base do abandono da austeridade, também poderia causar uma série de efeitos colaterais negativos para os credores. O exemplo de negociações vitoriosas de SYRIZA poderia dar margem ao fortalecimento dos partidos e movimentos políticos europeus que desafiam as políticas burguesas dominantes, começando com PODEMOS. A ideia que ficaria plantada na consciência da classe trabalhadora europeia pode se expressar com as seguintes palavras: “já que a classe dominante alemã recua diante das demandas da classe trabalhadora grega e de SYRIZA, por que não seguimos a mesma política? ”.

Também cabe notar que a possibilidade de que haja uma certa contaminação destas ideias na consciência dos trabalhadores alemães preocupa a burguesia alemã. Não devemos esquecer que os alicerces do poder do capital alemão na Europa é sua capacidade de impor seu poder sobre os trabalhadores alemães. Este poder, que assume a forma de coação para impor a aceitação da austeridade permanente, é exercitado usando-se a noção de que os trabalhadores do Sul da Europa vivem em condições muito piores. Se a burguesia alemã aparecer fazendo concessões na “cidadela da austeridade europeia”, logo se verá confrontada, dentro da Alemanha, com lutas de massas contra as políticas que impôs.

Permitir concessões ao governo grego a fim de evitar a temida “Grexit” ocasionaria, portanto, algo muito mais perigoso para a burguesia europeia. Poderia alterar o equilíbrio de forças por toda a Europa e reforçar a posição dos partidos de esquerda em todos os países europeus. Esta ameaça comum às classes dominantes de cada nação explica a tomada de posição do restante dos “parceiros” burgueses europeus (Hollande, Renzi, Rajoy etc.) ao lado das exigências alemães contra o governo grego.

Além disso, as concessões ao governo de SYRIZA poderiam ter consequências significativas para o equilíbrio de forças entre os vários grupos nacionais burgueses na Europa. Ameaçados com a ascensão da esquerda em seus próprios países, os governos burgueses do Sul da Europa logo exigiriam da Alemanha uma flexibilização geral das condições fiscais, a fim de preservar sua posição. Isto poderia causar turbulências nas relações entre os membros da União Europeia e da Zona do Euro, com sérios impactos sobre a coesão da classe dominante.

O custo político, portanto, de quaisquer concessões significativas ao governo seria muito maior do que o custo de uma “Grexit”. Mas, além do custo político, os credores inevitavelmente levarão em conta outro fator que cada vez mais os estrategistas do capital mencionam e parecem estar genuinamente convencidos. É o fato de que uma “Grexit” hoje é mais controlável do que em 2010. De fato, pode-se entender facilmente que o risco da dívida grega é muito maior quando está anarquicamente distribuído entre muitos e diferentes bancos privados, do que quando, como atualmente, se concentra em uma coalizão de estados.

Também é muito importante a possibilidade temporária de se manterem baixas as taxas de juros para todos os países da Zona do Euro pesadamente endividados, como resultado do programa de “flexibilização quantitativa” implementado pelo BCE [Banco Central Europeu]. A decisão de excluir a Grécia deste programa, além de agir como uma forma de pressão sobre o indisciplinado novo governo, também é uma ferramenta preventiva para imunizar os outros países da Zona do Euro dos efeitos de um potencial “Grexit”.

Devido a todos estes fatores, a busca de concessões, tendo por base uma estratégia que assume como decisivo o medo burguês de uma “Grexit”, não pode conduzir a qualquer vitória significativa para a classe trabalhadora grega. Então, o que resta da “negociação”, enquanto a estratégia central está em colapso? Os principais e declarados objetivos de SYRIZA, quais sejam, a abolição da austeridade e do Memorando; o desmembramento do front de credores; e a alteração do atual e esmagador equilíbrio de forças contra o povo trabalhador grego; nunca poderão ser conquistados a partir de qualquer tipo de negociações. A única forma de se conquistar estes objetivos é através da implementação de uma política de classe internacionalista e socialista.

Qual é a alternativa à “negociação”?

O que isto significa na prática? Os socialdemocratas não-confessos da liderança de SYRIZA acusa-nos de “palavras-de-ordem esquerdistas vazias”. Para a consciência socialdemocrata qualquer coisa que se aproxime do Marxismo genuíno é proclamada ultra-esquerdismo, o que aparentemente torna Marx e Lênin os maiores ultra-esquerdistas da história…

É claro que a demanda de uma política internacionalista e socialista baseada na classe, se for tomada como uma simples declaração, é de fato uma palavra de ordem vazia. A Tendência Comunista descreveu em detalhes esta política alternativa no programa que submeteu antes das eleições ao Comitê Central de SYRIZA. Aqui nos limitaremos a sumarizar os pontos mais básicos, em comparação com a política do governo.

Em 25 de janeiro a classe trabalhadora votou por SYRIZA, a fim de estabelecer seu próprio governo, que aboliria todas as medidas impostas nos anos anteriores pelos credores em colaboração com os capitalistas gregos. Mas a liderança de SYRIZA, embora falasse no passado sobre a necessidade de “um governo com tendência de classe, em favor dos explorados”, recusou-se a estabelecer este governo. O próprio camarada Tsipras em sua primeira declaração depois da vitória de 25 de janeiro começou falando sobre um “governo de todos os gregos” e de “um governo de salvação social”, revelando claramente que a liderança queria abertamente estabelecer o novo governo sobre a lógica burguesa da colaboração de classe.

Havia dois elementos-chave que encarnavam a natureza burguesa do novo governo desde o início de seu mandato. Em primeiro lugar, o estabelecimento de uma coalizão de governo com o reacionário partido burguês de ANEL [Gregos Independentes]. Em segundo lugar, as declarações programáticas do governo que, embora fossem muito mais radicais do que a política posterior do governo, levantava como objetivo político – não o desafio ao Establishment burguês – e sim sua administração progressista “patriótica”.

Qual era a alternativa para todas estas opções, do ponto de vista da classe trabalhadora? A liderança de SYRIZA deveria ter seguido o mandato de classe que recebeu em 25 de janeiro e formar um governo de esquerda, da classe trabalhadora. Em vez de fazer declarações políticas limitadas à luta contra a corrupção e à gestão equilibrada dentro dos marcos do Establishment burguês, deveria ter anunciado um programa de transferência do poder econômico e político das mãos da burguesia para as mãos da classe trabalhadora.

Estas ideias serão rejeitadas como “utopias caducas” pelos apologistas da liderança de SYRIZA. São as mesmas pessoas que, de acordo com seu estilo apologético, invocam a desculpa: “Infelizmente, apenas ganhamos o governo, mas não temos o poder! ”. Evidentemente, nenhum trabalhador pode levar essas pessoas a sério.

Desde o primeiro momento do anúncio da aliança governamental com ANEL, a Tendência Comunista enfatizou que a cooperação com um partido burguês é uma confirmação formal da intenção de deixar intacto o poder da burguesia. Simultaneamente, constitui uma barreira em relação a qualquer possível futura mudança radical da política de governo. Em vez desta cooperação prejudicial, a liderança deveria ter esgotado todas as possibilidades de formar uma coalizão de esquerda da classe trabalhadora com o Partido Comunista ou, pelo menos, buscar junto ao Partido Comunista um acordo para votar pelas reformas mais importantes do programa de Salônica. Se a liderança do Partido Comunista se recusasse, então SYRIZA, seguindo uma política de princípios que seria facilmente entendida pelos trabalhadores, poderia pedir aos trabalhadores para ir mais uma vez às urnas para ajudá-lo a formar um governo de maioria sem os representantes políticos do capital.

A substituição da necessária política de classe por uma política “nacional”, ou seja, burguesa, levou o governo a uma posição, em casa e no exterior, que se formou não com o que se necessita para o benefício da classe trabalhadora, mas para a salvaguarda da estabilidade do capitalismo grego.

Internamente, o governo adiou indefinidamente quaisquer reformas de seu programa pré-eleitoral que se opunham à burguesia e aos financiadores externos, enquanto a liderança foi empurrando o partido e sua inserção no movimento dos trabalhadores para uma situação de completa paralisia. Com estas escolhas políticas, contribuíram para o desenvolvimento de um sentimento de passividade entre as massas. Por esta razão, é realmente uma provocação ouvir os apologistas da liderança tentarem explicar as atuais concessões e compromissos do governo na base de que “as pessoas não estão dispostas a lutar…”.

Externamente, a aceitação da necessidade de se preservar a frágil estabilidade do capitalismo grego levou à assinatura do acordo de 20 de fevereiro com os credores. Na prática, este foi um compromisso degradante de abandonar o programa pré-eleitoral sem qualquer retorno econômico. Ao mesmo tempo o governo estava se esforçando por conquistar este ou aquele “parceiro” ou aliado burguês falando como representante da “República grega” burguesa. O governo não tentou lançar uma só iniciativa para uma ação conjunta do movimento dos trabalhadores e da esquerda dos países da Zona do Euro e da União Europeia. Esta política externa patriótica e burguesa do governo é a única responsável pela posição atual de pleno isolamento internacional. Os líderes que há algum tempo juraram manter o “viés de classe” e o internacionalismo falam e agem hoje como políticos burgueses patriotas. Estes líderes não podem gozar da confiança de qualquer uma das burguesias europeias, nem muito menos da confiança dos trabalhadores europeus.

Em vez de adiar a implementação do programa de Salônica indefinidamente, o governo deveria, não somente ter começado a implementá-lo, como também a complementá-lo com as radicais e necessárias reformas para melhorar de forma decisiva a vida das massas trabalhadoras e libertá-las da chantagem dos credores. A erradicação da gigantesca dívida, que age como um sanguessuga sobre a renda nacional e que conduz de um programa de austeridade a outro; a socialização do sistema bancário e dos meios básicos de produção e distribuição, das infraestruturas, dos recursos minerais, da malha de transportes; para permitir a planificação da economia em benefício do povo; a introdução generalizada do controle operário na economia e no estado como um escudo contra a corrupção e a má administração; são todos elementos-chave de uma política que realizaria na prática a abolição da austeridade e do Memorando. Ao mesmo tempo, esta política poderia despertar e mobilizar os trabalhadores e a juventude que, em vez do atual papel de espectadores passivos do “Grupo do Euro”, poderiam desempenhar o papel de poderosos fiadores da realização exitosa da política do governo.

A implementação desta política na Grécia teria um efeito enorme no estrangeiro, rompendo o isolamento político internacional que os credores estão tentando impor. O programa do governo poderia se tornar um exemplo para os trabalhadores que estão atormentados pelas mesmas e bárbaras políticas capitalistas, não somente na Europa, mas em todo o mundo. Esta poderia ser a melhor arma contra a pressão dos credores, que, em vez de cercar poderosamente a Grécia, seriam cercados pelo movimento dos trabalhadores e da juventude em seus próprios países. Este cerco poderia ser ainda mais reforçado pela liderança de SYRIZA, se fosse acompanhado de um apelo claro e preciso por uma luta internacional visando a derrubada do capitalismo e da austeridade em toda a Europa e pela organização de conferências oportunas em níveis pan-europeu e internacional.

A base do pseudo-realismo de compromisso

Por que a liderança de SYRIZA não dá uma virada – e realisticamente falando também não parece desejosa de girar na direção desta necessária política – e, em vez disto, insiste em perseguir um “compromisso honroso” através da negociação? Esta questão não se explica apenas pela falta de coragem e pelo medo da liderança de SYRIZA de serem responsabilizados por um conflito com o capitalismo. Estas características psicológicas e morais não são a causa, mas o resultado de duas atitudes políticas profundamente enraizadas da liderança: uma completa falta de confiança no papel histórico da classe trabalhadora, por um lado, e a confiança excessiva no inexistente potencial do capitalismo de se transformar a si mesmo em um sistema progressista e democrático, por outro.

A crise profunda, com sua austeridade brutal e com o Memorando que a acompanha, deveria pelo menos ter abalado a segunda atitude, que é uma espécie fatal de confiança há muito tempo. O que evitou que este abalo produzisse o desenvolvimento esperado na consciência política foi a bruscamente precoce instalação da liderança de SYRIZA nos vários escritórios do estado burguês.

SYRIZA, sendo em si mesmo o resultado da necessidade de representação política da classe trabalhadora, subiu muito rapidamente ao topo nas pesquisas de opinião. Qualquer ânimo de reflexão teórica genuína sobre a experiência da crise e da luta de classes foi prematuramente ofuscado pela necessidade de “se preparar” para a administração do estado burguês. Os líderes começaram a pensar como potenciais ministros, parlamentares, funcionários de alto escalão do governo, prefeitos etc. A tendência oculta do carreirismo foi impulsionada pelo afluxo de políticos experientes em administração burguesa diretamente nas posições mais altas do partido. Estes políticos experientes, que foram destinados a posições estatais, vieram principalmente do PASOK e do amplo campo da Intelligentsia burguesa e pequeno-burguesa.

A ascensão de SYRIZA ao governo logicamente fortaleceu estes processos de degeneração política, enquanto o momentâneo aumento dos níveis de apoio ao governo nas pesquisas alimentou a liderança com uma conveniente, mas míope, percepção de que o povo apoiaria o abandono das políticas radicais de esquerda.

Assim, a busca “realista” de um compromisso por parte da liderança não é de forma alguma inocente. Os trabalhadores, os jovens e cada membro ou simpatizante de SYRIZA têm todas as razões para desconfiar deste “realismo”. Ele não reflete a realidade da vida e suas necessidades, mas a miopia política, as motivações e temores dos membros de alto escalão do partido, que estão assimilando rapidamente o espírito e as influências que acompanham a gestão do estado burguês.


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