Feminismo segundo a perspectiva marxista (Parte 5)

Este texto busca compreender os movimentos de resistência da mulher, ao longo de suas lutas históricas, que se expressaram e se expressam de diversas maneiras, sendo o termo feminismo uma designação comum para eles.

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TENDÊNCIAS DO FEMINISMO DA SEGUNDA ONDA

Em 1985, Céli Regina Jardim Pinto, doutora em ciência política pela Universidade de Essex na Inglaterra e professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, escreveu em seu artigo “A propósito da controvérsia feminismo/marxismo” sobre três correntes feministas que ela considera como principais: liberal, radical e socialista. O feminismo liberal, que tem suas raízes nas lutas legalistas da chamada primeira onda, permanece como vertente também no momento histórico compreendido entre as décadas de 60 e 80. O radical apresenta suas primeiras expressões na década de 60, e alega compor um movimento que se contrapõe ao anterior, apresentando o sexismo como a raiz dos problemas sociais. O socialista advém de uma discussão sobre a questão da mulher inserida nas organizações de esquerda a partir da mesma década, e constitui-se na tentativa de casar a teoria marxista com o feminismo, embora esta palavra em si não contenha especificidade teórica e prática, e sim realize uma alusão geral à luta pela emancipação da mulher.

Segunda Andrea D’Atri, o feminismo liberal e socialista inscrevem-se na tradição do “feminismo da igualdade”, característica das primeiras lutas pela mulher, que reivindicavam igualdade legal e social para os sexos. Considera-se que as diferenças de gênero são formadas socialmente, e não biologicamente, e remonta ao conceito de universalidade do ser humano, pensamento provindo do Renascimento Cultural e da ascensão da burguesia. Tem como origem a insatisfação de mulheres burguesas que não viram realizada a igualdade para o gênero.

O feminismo liberal e o socialista possuem caráter reivindicativo: incorporam demandas específicas a ideologias globais para emancipação humana, e, por conseguinte, para emancipação da mulher. No caso do liberalismo, a ideologia global é um “capitalismo mais humano”, enquanto para o feminismo socialista, a ideologia global é a transformação revolucionária da sociedade para o socialismo. Já as radicais não se inscrevem na luta pela igualdade, justamente porque uma de suas premissas teóricas é a de que existam classes de gênero antagônicas a priori. Desta forma, consideram o feminismo em si a ideologia global capaz de conduzir à abolição do patriarcado e fim da opressão sobre a mulher.

Feminismo liberal e repercussões no século XXI

Conforme explicado, o movimento liberal pelas demandas da mulher teve origem no Renascimento Cultural e posteriormente se expressou no Iluminismo. Uma vez que a ordem burguesa constrói marcos legais da igualdade, esse direito passa a ser pauta das mulheres, que buscavam vê-lo concretizado de fato. Esse feminismo caracteriza-se pelas lutas por reformas que equiparem os direitos das mulheres aos direitos dos homens quanto a propriedades e oportunidades. As suas reivindicações estão no bojo do direito burguês, e se inserem na ordem capitalista, a fim de reformá-la. Teoria, portanto, limitada, pois é funcionalista, ou seja, vê a opressão como aspecto disfuncional que pode ser corrigido, e não como componente estrutural da sociedade vigente.

A luta pela igualdade jurídica, sem questionar a estrutura socioeconômica, desconsidera que o direito e o Estado burgueses têm função de guardiões da opressão feminina. Marx, nas cartas que escreveu sobre a questão judaica, enfatiza a diferença entre o cidadão constitucional genérico dotado de direitos, e o homem real inserido na sociedade burguesa. O primeiro não existe na prática, e o segundo sofre com um Estado que surgiu para assegurar o privado em detrimento do público. Logo, a luta que visa apenas a direitos sem a perspectiva revolucionária não apenas possui limites e é alvo de constantes retrocessos, mas colabora para a criação do falso imaginário da democracia burguesa e para a ilusão no papel do Estado burguês como provedor de justiça. Engels explica sobre a luta jurídica nos marcos capitalistas:

Essa argumentação tipicamente jurídica é exatamente a mesma de que se valem os republicanos radicais burgueses para atacar e calar o proletário. Supõe-se que o contrato de trabalho seja livremente firmado por ambas as partes.  Mas considera-se livremente firmado desde o momento em que a lei estabelece no papel a igualdade de ambas as partes. A força que a diferença de situação de classe dá a uma das partes, a pressão que essa força exerce sobre a outra, a situação econômica real de ambas, tudo isso não interessa à lei.  (…) Com relação ao casamento, mesmo a legislação mais avançada se considera inteiramente satisfeita desde que os interessados declarem formalmente em ata que é de sua livre vontade. A lei e os juristas não se preocupam com o que se passa por trás dos bastidores jurídicos, em que ocorre a vida real, nem como se tenha chegado a esse consentimento de livre vontade. (…) A situação não é melhor no tocante à igualdade de direitos, sob o ponto de vista jurídico do homem e da mulher no casamento. A desigualdade legal de ambos, que herdamos de condições sociais anteriores, não é causa e sim efeito da opressão econômica da mulher. (ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Grifo nosso)

Como foi explicado anteriormente, conquistas legais como o sufrágio e uma série de direitos dentro da ordem capitalista são necessárias e servem para organizar e conscientizar os que reivindicam. Entretanto, é necessário distinguir entre as necessidades reais das mulheres trabalhadoras e as medidas que possuem o papel de manutenção da ordem e de garantia do poder econômico, político e social de instituições burguesas. Neste sentido, defendemos o direito ao voto feminino e o direito da mulher a se candidatar para as eleições parlamentares. Entretanto, compreendemos que as cotas para mulheres no parlamento e em outros espaços dos poderes do Estado Burguês não constitui em si um avanço.

A reivindicação por cotas para mulheres no parlamento, em sindicatos e entidades estudantis tenta driblar a exclusão da mulher dentro do sistema capitalista sem questionar o próprio sistema. A causa da exclusão da mulher dos espaços políticos advém de uma construção social desde a formação da sociedade de classes e da forma como a sociedade distribui o trabalho. Reservar um número determinado de assentos em nome da “representatividade” feminina nesses espaços não resolve os problemas estruturais. Mais ainda, mascara a realidade da maioria das mulheres que estão distantes da vida pública, utilizando-se de uma solução aparente e imediata. Mulheres que são tidas como “representantes”, devido apenas a seu sexo, não necessariamente defenderão os interesses da maioria das mulheres, as trabalhadoras.

Não é o gênero de quem atua no parlamento que pode colaborar para a libertação da maioria esmagadora das mulheres no mundo, e sim o conteúdo político e de interesse de classe de quem atua. Exemplos são mulheres como Margaret Thatcher e Angela Merkel, que não defendem interesses das mulheres trabalhadoras, e sim os interesses dos capitalistas, que exploram essa maioria, e precisam da segregação de gênero para dominar.

Os marxistas são contrários à solução artificial das cotas para busca de emancipação da mulher, pois são cargos que têm como único critério o sexo para serem ocupados. As cotas servem como boicote à tarefa revolucionária. Assim, colaboram com a classe dominante, que apoia ativamente a reivindicação de cotas para mulheres, para que o sistema não entre em colapso, aprovando amplamente a medida em parlamentos em diversos países.

Atualmente, no que se caracteriza “terceira onda” do movimento feminista, é muito comum que se defenda a inclusão da mulher na política tanto por meio das cotas, quanto por meio de uma educação formal de qualidade, para que possa agir politicamente e assegurar os seus direitos, segundo uma perspectiva de “autoemancipação”. Os marxistas lutam para de fato trazer a mulher para a política, tanto no sentido amplo, quanto no sentido restrito, parlamentar e eleitoral da palavra, reconhecida a maior dificuldade em recrutá-las para se organizarem politicamente, e a necessidade de um trabalho específico em cada partido e sindicato para esse fim. Entretanto, o recrutamento da mulher trabalhadora para que ocupe os espaços políticos não têm função de autolibertação nem de meramente representar todas as demais no capitalismo, e sim função de um movimento maior e mais amplo, que favoreça a organização política consciente da classe oprimida em um partido operário revolucionário.

Quanto à atuação eleitoral e à educação política, tanto a mulher quanto o homem devem estar munidos com um programa revolucionário, e com consciência de que o parlamento burguês deve ser utilizado como meio de propaganda e apoio ao movimento real da classe explorada, que se dá nas ruas, fábricas, escolas, universidades, bairros, etc. Esta atuação deve ser pelas demandas da classe, a favor da derrubada completa do próprio parlamento em que se atua.

Exemplo disso foi o papel político da participação das mulheres trabalhadoras na Revolução Francesa. Alan Woods, no texto “Marxismo versus Feminismo: a luta de classes e a emancipação da mulher” (2013) mostra que, mesmo no ambiente burguês parlamentar, defenderam a mudança radical da sociedade, e se inseriram nessa disputa contra os freios da burguesia à continuidade da revolução. É evidente que a mera participação da mulher no parlamento não resolve sua luta. O que é decisivo é a política revolucionária defendida e o estado geral de ânimo das massas:

A emergência das massas no cenário político é o elemento primeiro e mais fundamental de toda revolução. Isto é particularmente verdadeiro com relação às mulheres. Na Revolução Francesa, as mulheres não se limitaram a deixar a política para os homens. Em Paris, vimos a criação das pró-jacobinas Citoyennes Républicaines Révolutionaires (Cidadãs Republicanas Revolucionárias) que usavam um uniforme vermelho e branco, calças listradas, e o barrete vermelho da liberdade, e carregavam armas em suas manifestações. Elas exigiram o voto para as mulheres e o direito das mulheres de ocupar os mais altos cargos civis e militares na República – isto é, o direito da mulher a plena igualdade política com os homens, o direito de lutar e morrer pela causa da Revolução. (WOODS, A. Marxismo versus feminismo: a luta de classes e a emancipação da mulher.)

Exemplo recente, a Marcha das Margaridas, reconhecida como a maior e mais efetiva ação das mulheres na América Latina, serve para demonstrar a necessidade da distinção entre gênero e classe. Apesar de a Marcha possuir um recorte de classe para a questão feminina, de compor o movimento sindical de forma permanente e de ter conquistado direitos para mulheres no campo e na cidade, conserva a ilusão na representatividade parlamentar.

Na marcha realizada no Brasil em 2015, mesmo que uma de suas pautas centrais seja o desenvolvimento sustentável (impossível de se realizar dentro das amarras do capital), não contestou a atuação de Kátia Abreu, ministra de agricultura que atua em favor de latifundiários. Um setor da classe dominante que detém e explora recursos do país, que mina de forma assassina as resistências com que se depara, como foi o caso do assassinato da sindicalista paraibana Margarida Maria Alves, nome que o movimento homenageia. Além disto, a Marcha levantou palavras de defesa do governo Dilma, sem criticar sua política de ataques aos direitos trabalhistas, de submissão aos interesses dos capitalistas e de criminalização e repressão aos movimentos sociais.

Feminismo socialista

Em 1972, a publicação de “O Feminismo Socialista: Uma Estratégia para o Movimento das Mulheres”, pela organização “Chicago Women’s Liberation Union”, consistiu na primeira vez em que se usou o termo “feminismo socialista”. Conforme Céli Regina J. Pinto aponta, o feminismo socialista surge nos anos 1970 a partir da tentativa de unir marxismo e feminismo. Segundo a autora, o elo que os unem é a perspectiva de liberação definitiva da mulher na sociedade socialista. Mas, a mola propulsora dessa teoria feminista foi a alegação de limites do marxismo para análise da questão da mulher, e a busca de feministas em conviver com grupos e partidos de esquerda.

Essa tendência parte do pressuposto de que a teoria marxista não oferece espaço para discussões que as feministas socialistas caracterizam ser “não determinadas pela posição de classe de indivíduos, como a opressão de mulher, de minorias raciais, de minorias sexuais”. Ainda, pressupõem que “a premissa marxista das classes sociais como unidade de análise e da luta entre elas como o motor das transformações sociais não possibilita a identificação de antagonismos sociais que não obedeçam à dinâmica da luta de classes”.

Essas afirmações sobre o marxismo provam os limites deste movimento para entendê-lo, uma vez que ignoram a historicidade das opressões e as desvinculam do percurso da formação das classes sociais. Logo, apresentam uma incompreensão sobre a relação dialética entre superestrutura – onde se encontram os produtos ideológicos dessa sociedade, por exemplo, machismo, racismo, preconceitos -, e estrutura – composta por classes antagônicas quanto à detenção de propriedades e à produção de trabalho. Uma vez que não compreendem esta relação indissociável, buscam desvincular a opressão da sociedade de classes. Se é verdade que o machismo e o racismo manifestam-se contra pessoas independentemente da classe social que integram, a teoria marxista possibilita a compreensão do que consistem essas opressões, e apresenta táticas e estratégias para miná-las, luta necessariamente ligada à luta pela superação da sociedade de classes. Essa percepção não implica que o marxismo é incapaz de compreender as opressões, e sim que não se limita a analisá-las sem uma perspectiva materialista e histórica.

A autora supracitada afirma sobre o marxismo: “a luta, portanto, da mulher por igualdade, ou de qualquer outro grupo dominado é, por isto, reduzida a luta contra o capital”. Podemos verificar que não percebe que a luta da mulher por igualdade, ou de qualquer outro grupo dominado, deve ser fortalecida pelo vínculo com o movimento operário, capaz de revolucionar a sociedade. No percurso contra o capital, a revolução econômica e social possui força para conquistar as pautas imediatas e transitórias de todos os grupos oprimidos da classe explorada.

A autora ainda complementa que o marxismo confere “caracterização de pequeno-burguês ao movimento feminista, assim como o não reconhecimento da luta feminista por parte de alguns grupos de esquerda”. Entretanto, é o movimento feminista que não reconhece a luta de classes, os legados históricos dos revolucionários e as conquistas que alcançaram para a mulher, anteriores inclusive à teorização do movimento feminista e sua autocaracterização (sobre isso, leia a parte 4 deste artigo). Ou seja, o feminismo socialista diz tentar superar supostas falhas no marxismo clássico, e a partir desse princípio constitui uma outra tendência dentro do feminismo. Na realidade, ele parte de um profundo equívoco de compreensão da práxis marxista.

Feminismo radical

Para a análise social realizada pelo feminismo radical, o antagonismo fundamental não está na divisão de classes, e sim na divisão com base no sexo. Ironicamente tal como prega a ideologia machista de que mulheres e homens possuem conflitos devido a diferenças de essência. Para o feminismo radical, há uma determinação biológica que gera as contradições entre homem e mulher. Logo, dentro dessa teoria, a única saída para a luta da mulher consiste em uma guerra entre sexos.

A teoria do feminismo radical contribuiu para a questão da mulher quando reforçou a ideia do pessoal também como político, de forma a evidenciar diferentes expressões de dominação sobre a mulher, assim como o fez décadas antes a marxista russa revolucionária Kollontai. Reforça a luta pelo aborto, pelo direito de decisão da mulher sobre o próprio corpo, pela liberdade sexual, questiona a normatividade heterossexual e luta por serviços de apoio à mulher agredida. Entretanto, a teoria radical, assim como a liberal, não reconhece o papel das elites dominantes na construção da opressão da mulher. Isso resulta em apontamento de soluções não conectadas aos demais problemas socioeconômicos da sociedade de classes.

Apresentaremos também algumas questões teóricas. Christine Delphy (1941), autora reconhecida desta vertente, realiza uma crítica ao marxismo, pois alega que a obra O Capital não considera a divisão sexual do trabalho, e que a ela não se pode apenas fundir a questão da mulher, pois é estruturante e exigiria mudança de toda a análise. Ela considera que a abordagem de Marx sobre o trabalho não é invalidada por isso, mas a julga omissa e acusa que toda a produção marxista desconsidera a questão da divisão sexual do trabalho, considerando apenas o homem enquanto classe trabalhadora.

Entretanto, a produção teórica marxista contempla essas questões, como por exemplo a obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, de Engels, que analisa materialmente a formação da sociedade de classes, a divisão sexual do trabalho e a opressão da mulher. Em O Capital, Marx explica a inclusão de mulheres e crianças na classe trabalhadora assalariada a partir de maquinário próprio para isso, e discorre sobre a condição deplorável a que estavam sujeitas nos cortiços ingleses. Além disso, quando a autora havia nascido, Lenin, Trotsky, Zetkin, Kollontai, Luxemburgo, entre tantos outros já haviam elaborado largamente sobre a centralidade da questão da mulher na luta da classe operária, e a Revolução Russa já havia conquistado direitos nunca vistos ou impossíveis para as mulheres no capitalismo.

Além do equívoco citado, Delphy defende o materialismo da seguinte forma:

O marxismo é, com toda evidência, materialista. Nesse sentido, pode ser usado pelo feminismo. Na medida em que o materialismo se preocupa com a opressão e, inversamente, se aceitamos que começar da opressão define entre outras coisas uma abordagem materialista, uma ciência feminista tenderá inevitavelmente a uma teoria materialista da história. Para mim, o materialismo não é uma ferramenta possível, entre outras, para os grupos oprimidos; ele é a ferramenta precisamente na medida em que é a única teoria da história pela qual a opressão é a realidade fundamental, o ponto de partida. (https://materialfeminista.milharal.org)

Apesar de a autora dizer se apropriar do materialismo, sua análise situa o sistema econômico de produção em plano secundário, enquanto o patriarcalismo é colocado como protagonista na estruturação da ordem vigente. A autora reivindica o materialismo no seu completo contrário. Ou seja, defende um materialismo que tem como ponto de partida a opressão, que na análise marxista, entretanto, consiste em um produto da necessidade de uma realidade concreta. Logo, não adota o ponto de partida na organização social e material, premissa básica do materialismo, que permite uma análise lúcida a respeito da superestrutura e das instituições formadas.

Além disso, uma das características elementares do feminismo radical, apontada por Robyn Rowland e Renate Klein, é de que esta vertente é criada por mulheres, voltadas para si mesmas, ao contrário dos movimentos de esquerda, “que lutam por outro alguém”. Segundo Delphy:

As contradições que resultam dessa situação são externas ao feminismo. Não estamos lutando por outros, mas por nós mesmas. Nós e ninguém mais são as vítimas da opressão de que estamos denunciando e lutando contra. E, quando falamos, não é em nome ou no lugar de outros, mas em nosso próprio nome e em nosso próprio lugar (1984, p. 146). (https://materialfeminista.milharal.org/2013/07/25/traducao-feminismo-radical-historia-politica-acao-parte/)

Apesar de descartarem o único protagonista capaz de eliminar as contradições materiais e ideológicas vigentes, a classe explorada unida e organizada, reivindica uma revolução total das estruturas sociais e do patriarcalismo. As vias para isso, uma vez que fogem da questão de classe, estão fundamentadas em uma suposta determinação biológica da opressão. Por isso, chegam a ideias como a defesa da destruição do sexo masculino, tal como defendido no conhecido Manifesto SCUM de Valerie Solanas. Apesar de ser um apelo contra a feminismo liberal “politicamente correto”, a autora influenciou o surgimento de outros movimentos igualmente dotados de ideais violentos e que atribuem ao homem a culpa completa pela opressão sobre a mulher. Segue um trecho do Manifesto SCUM:

Hoje, é tecnicamente possível reproduzir a raça humana sem ajuda dos machos (e, aliás, sem ajuda das fêmeas) e produzir apenas fêmeas. É necessário começar a fazer isso desde já. Manter o sexo masculino não tem sequer o propósito duvidoso da reprodução. O macho é um acidente biológico: o gene Y (masculino) não é outra coisa mais que um gene X (feminino) incompleto, ou seja, possui uma série incompleta de cromossomos. Por outras palavras, o macho é uma fêmea incompleta, um aborto ambulante, abortado na fase de gene. Ser macho é ser deficiente; um deficiente com a sensibilidade limitada. A masculinidade é uma deficiência orgânica, uma doença; e os machos são aleijados emocionais. (https://scummanifesto.wordpress.com/)

A análise que parte da opressão para posteriormente compreender a estrutura gera equívocos de justificação biológica do machismo e opressões, conforme mencionado anteriormente. Isso leva à ideia central de que as mulheres constituem uma classe social oposta à dos homens. Há divergências dentro do próprio movimento. Exemplo dessas discordâncias é a problematização, mesmo que precária, sobre a sociedade de classes colocada pela reconhecida Andrea Dworkin, que, entretanto, realiza também aberta defesa do aniquilamento do homem. Sobre a sociedade de classes, Dworkin explica:

Existe um pequeno reconhecimento de que a destruição do estilo de vida da classe média é crucial para o desenvolvimento de formas decentes de comunidades onde todas as pessoas possam ser livres e viver dignamente. Certamente não há nenhum programa que lide com as realidades do sistema de classes na América. Pelo contrário: a maioria dos movimentos de mulheres é portadora de uma cegueira terrível, recusando-se a assumir tal tipo de responsabilidade. (www.imprensafeminista.com)

O feminismo radical se desenvolve e influencia tendências do movimento feminista presentes até os dias de hoje. Trazem confusão e prejuízos para as mulheres que querem lutar contra a opressão, desviando-as da luta contra o sistema capitalista para uma luta entre gêneros. No próximo capítulo, analisaremos a chamada terceira onda do feminismo.

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