Entrevista: a vitória de Trump ameaça piorar a barbárie no México

Por ocasião da Escola Panamericana da CMI, o militante marxista Daison Colzani esteve na Cidade do México e entrevistou o revolucionário Ubaldo Oropeza, dirigente da La Izquierda Socialista.

Foto: Neto de Trotsky, Esteban Volkov, Ubaldo Oropeza e Alan Woods, em agosto, no lançamento da biografia “Stálin” no Museu Casa de Leon Trotsky

Por ocasião da Escola Panamericana da CMI, o militante marxista Daison Colzani esteve na Cidade do México e entrevistou o revolucionário Ubaldo Oropeza, dirigente da La Izquierda Socialista. Eles conversaram sobre a situação política no país, as origens históricas das reivindicações levantadas por trabalhadores e estudantes e a decomposição social que se expressa de forma mais aguda com o narcotráfico. Também foram temas do diálogo as perspectivas com as promessas do presidente eleito para os EUA, Donald Trump, e a atuação dos marxistas diante nesse contexto. Confira baixo.

ESQUERDA MARXISTA – Durante a Escola Marxista Panamericana você deu um informe sobre a Revolução Mexicana. Por que essa experiência histórica merece ser estudada para entender a situação atual do México?

UBALDO OROPEZA – A situação política no país é muito complicada no momento. Todos os setores estão em crise, política, econômica, e a questão de segurança principalmente. No fim de semana, recordamos a Revolução Mexicana, que, apesar de ser um feito histórico, uma luta dos camponeses, no final ela acabou derrotada pela burguesia nacional. Porém, foram alcançadas importantes conquistas que eram muito progressistas para a época. A educação pública, estatização de setores importantes da economia com dezenas de empresas estatais, a lei federal do trabalho com importantes conquistas para a classe operária, a lei da terra que foram resultado da revolução. Porém, nos últimos 30 anos, em um processo que se chama neoliberalismo, que é o capitalismo selvagem destroçando todas as conquistas da classe operária, houve um retrocesso tremendo.

No inicio de 2012, foi votada a reforma na lei federal do trabalho e com isso praticamente se perde o direito a ter moradia, a jornada de trabalho de 8 horas não se respeita, os planos de carreira no trabalho deixam de existir. Tudo isso se perdeu com a reforma trabalhista. Também está em andamento a reforma energética que privatizará a PEMEX (empresa estatal de petróleo).

(Lázaro) Cárdenas, que foi o último presidente da Revolução, nacionalizou a indústria petroleira para desenvolver a burguesia nacional. Hoje o governo de mãos dadas com o imperialismo propõe o fim da PEMEX e a privatização de todo o petróleo. O ponto central é que 40% das receitas do Estado vem do Petróleo. Isso repercute de que forma?

Vários estados estão falidos, por exemplo Veracruz e Michoacán, onde há mobilização de enfermeiras e professores. As universidades estão quebrando, pois os recursos que entravam do petróleo já não existem mais. A única possibilidade que tem o governo é aumentar a dívida. A dívida externa que cresceu nos últimos dois anos de 27% para 50% do PIB. O que está fazendo a burguesia nesse momento é acabar com as conquistas da classe operária. Endividar o estado deixando-o falido.

Os níveis de corrupção são incríveis. Nos últimos 6 anos, 11 governadores estão na mira da polícia e estão escondidos ou com proteção. É terrível o que está acontecendo. Estamos em uma situação em que os governadores compram os votos porque é um negócio muito bom. Corrompem organizações e uma vez que estão no poder recuperam seu “investimento”. Então o saque é brutal. O caso mais emblemático é do ex-governador de Veracruz (Javier) Duarte, que encontraram cerca de 150 propriedades na Espanha, México e EUA. Enquanto isso, a Universidade de Veracruz está praticamente falida. Não tem professores porque não há como pagá-los, reduziram as matriculas, uma situação terrível que se está vivendo.

E.M. – Durante sua exposição, enfatizou a questão da segurança e da violência em todos os níveis e aspectos sociais, citando a morte de mulheres e o narcotráfico. Pode falar um pouco sobre isso para nosso público brasileiro?

U.O. – Na questão da segurança, é impressionante o que estamos vivendo. Hoje no país a cada 7 horas uma mulher é assassinada. Existem vários movimentos, principalmente de feministas radicais, que propõem que se lute contra o patriarcado. A realidade é que estamos em uma sociedade machista. Porém, o problema não é exatamente esse, é a falência do capitalismo, no capitalismo não há alternativas.

Os narcotraficantes se apossam dos territórios, que já não é só uma questão de trafico de drogas, muito menos de identificar os grupos que disputam território para passar as drogas. Se trata de grupos que extorquem a população, como por exemplo pequenos negócios que pagam para terem proteção. Esses grupos seqüestram crianças para vender os órgãos. Também agora, na fronteira sul, levam imigrantes até a fronteira dos EUA e chamam seus parentes e pedem resgate. E, quando não pagam o resgate, são assassinados.

O narcotráfico se tornou dono da situação econômica e política de diferentes lugares. E todo esse processo de decomposição social é aproveitado por qualquer um que tenha uma arma, para assaltar alguém ou fazer desaparecer uma mulher. É uma situação de barbárie. Este é o processo que estamos vivendo.

E.M. – A relação do México com os EUA tem sido muito próxima nas últimas décadas, e você frisou as consequências políticas, econômicas e sociais disso. Agora, com a vitória de Trump, quais são as perspectivas em relação aos Estados Unidos?

U.O – Há uma mescla de tensões. A situação da crise econômica, por exemplo. A economia está 100% ligada ao imperialismo americano. É a política que é praticada no último período. Se diz aqui que, quando o imperialismo americano sofre com uma gripe, o México tem uma pneumonia. É dizer que a sua economia está praticamente paralisada. Neste momento que Trump chega ao poder e se coloca a questão do muro. O muro é o menos importante. Mas há duas coisas que afetam de maneira direta o México.

Primeiro, a questão da deportação dos imigrantes. No momento, o envio de remessas é a maior maneira de captação de dólares, antes mesmo da venda de petróleo, das exportações e inclusive maior que a inversão estrangeira direta. Existem regiões inteiras que a população depende do envio de dinheiro de seus parentes nos EUA. Se houver uma deportação massiva, isso vai afetar a economia de maneira direta. É preciso dizer que já com Obama as deportações estavam acontecendo, mas estamos falando de três ou quatro milhões nos primeiros dois anos.

Isso afetaria brutalmente a economia de duas maneiras. A primeira que o Governo não tem como criar postos de trabalho para todas essas pessoas. O segundo é que deixaria de captar milhões de dólares.

A segunda questão a respeito de Trump é que está propondo a revisão dos tratados de livre comércio. No México a indústria nacional desapareceu, somos um país exportador. O cinturão maquilador que se criou no Norte e no Centro do país é para exportação, é uma política de sermos um país maquilador. Então se saírem as empresas do país, o desemprego será massivo. Mais um golpe na classe operária.

Podemos dizer que é uma situação muito complicada e que as eleições de 2018 serão um pólo de atração das tensões em um país onde há muito conflito acumulado. Muita gente tratando de linchar o outro, os levantes, pequenos levantes e insurreições nos povoados. Tudo isso está sobre a mesa.

E.M. – Nessa situação, o que tem feito a La Izquierda Socialista, e como está desenvolvendo seu trabalho no México?

U.O. – Basicamente nosso trabalho é nos conectar com os setores que estão tirando mais conclusões desse processo. Depois da luta Ayotzinapa, uma das bandeiras que foram mais latentes na mobilização e ficaram gravadas no coletivo é que a culpa é do Estado. A realidade é que tudo que está acontecendo é culpa do Estado, do capitalismo. Há uma camada de jovens que estão chegando a essa conclusão.

Um dos grandes problemas que existe no México é que a esquerda está muito dividida, uma esquerda eleitoral por um lado, do outro, sindicatos com uma posição economicista. Também os pequenos grupos ultra sectários que não buscam uma convergência.

Nossa abordagem em um primeiro momento é de que a falência de tudo isso não é somente obra do governo Peña Nieto, mas sim do sistema capitalista. Essa é nossa principal tarefa, demonstrar que não há nenhum tipo de saída no capitalismo. Também com nossa intervenção em sindicatos de professores e sindicatos onde temos camaradas. Nas escolas, tratamos de fazer um trabalho de conscientização, de acompanhar as lutas, pois nos colocamos nos enfrentamentos e particularmente na questão da educação onde nossos militantes tiveram um papel importante na greve do politécnico de 2014, na greve no vocacional deste ano. E fruto disso são os processos contra nossos companheiros e a repressão, como as agressões nas manifestações que houveram.

Essa é basicamente nossa tarefa, é uma tarefa ideológica. Explicar pacientemente como dizia Lênin. Acompanhar as lutas e sempre que temos a possibilidade intervir de maneira direta levamos a juventude a uma luta contra o sistema capitalista.