Dia Internacional da Mulher: passado, presente e futuro da luta das trabalhadoras

Apesar dos debates sobre a origem e a escolha do 8 de Março como data que homenageia as mulheres, o fato é que esse dia está intrinsecamente ligado à luta das mulheres trabalhadoras. São os marcos para a data: a luta das mulheres pelo direito ao voto no final do século 19, a organização das mulheres trabalhadoras pelo movimento socialista, as greves das operárias da indústria têxtil nos EUA, ocorridas entre o final do século 19 e início do século 20, duramente reprimidas e o incêndio de uma das fábricas, que matou mais de uma centena de mulheres, assim como a luta das operária de Petrogrado contra a guerra e a miséria na Rússia de 1917, estopim para a Revolução. 

“Conforme nós marchamos, incontáveis mulheres morrem.
Chore enquanto cantamos o antigo choro por pão.
Algo de arte e amor e beleza seus espíritos cansados sabiam.
Sim, é por pão que nós lutamos – mas lutamos por rosas também!
Conforme nós marchamos, marchando, traremos dias melhores.
A ascensão das mulheres significa a ascensão da humanidade.”

(Trecho da música Pão e Rosas, inspirada pela greve das mulheres da indústria têxtil em Massachusetts, EUA, 1912)

 8 de Março: em memória das mulheres trabalhadoras

Apesar dos debates sobre a origem e a escolha do 8 de Março como data que homenageia as mulheres, o fato é que esse dia está intrinsecamente ligado à luta das mulheres trabalhadoras. São os marcos para a data: a luta das mulheres pelo direito ao voto no final do século 19, a organização das mulheres trabalhadoras pelo movimento socialista, as greves das operárias da indústria têxtil nos EUA, ocorridas entre o final do século 19 e início do século 20, duramente reprimidas e o incêndio de uma das fábricas, que matou mais de uma centena de mulheres, assim como a luta das operária de Petrogrado contra a guerra e a miséria na Rússia de 1917, estopim para a Revolução.

Em 1910, durante a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas na Dinamarca, organizada pela II Internacional, Clara Zetkin propôs que se estabelecesse a comemoração do dia da mulher socialista, somando-se à luta pelo voto feminino. A proposta inicial era que o dia da mulher fosse comemorado no dia 19 de março. Neste dia, em 1848, frente à possibilidade de um levante revolucionário, o rei da Prússia prometeu, entre outras coisas, o voto feminino – promessa que não cumpriu.

O dia da mulher é marcado pelos protestos de trabalhadoras russas, em Petrogrado, que estouram em 23 de fevereiro de 1917 (no calendário que era utilizado na Rússia. 8 de março, no calendário atual). O levante operário se deu contra as péssimas condições de vida, por pão e paz. Tais manifestações foram o estopim para a Revolução de Fevereiro de 1917. Em homenagem à data, a Conferência das Mulheres Comunistas, realizada em Moscou pela III Internacional em 1921, fixou o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.

Como pode-se observar, todas as referências históricas ao 8 de março relacionam-se à luta das mulheres trabalhadoras e foram, como diversas outras datas e movimentos, cravados na história pela classe trabalhadora. Celebrar o Dia Internacional da Mulher é celebrar a luta da mulher trabalhadora. É recordar todas as lutas das mulheres que batalharam para a superação do capitalismo rumo à uma sociedade sem classes, sem exploração e sem desigualdades.

A partir de 1975, após décadas de celebração, a Organização das Nações Unidas (ONU) começou a patrocinar a data. Diferente do caráter original, a entidade passou a buscar instituir um novo significado para a celebração. Os capitalistas buscam apagar o caráter classista e socialista nas comemorações. Apropriam-se e tentam, inclusive, dar um caráter comercial para o 8 de Março.

Nesse sentido, cabe a nós – mulheres e homens trabalhadores – refletir a questão da mulher sob uma perspectiva de classe, restaurando a verdadeira história dessa data.

A luta das mulheres e o marxismo

Algumas organizações afirmam que a teoria marxista ignora a discussão sobre a mulher e utiliza uma formulação “totalizante” e superada sobre as relações sociais. Com o crescimento da teoria pós moderna, fruto das desilusões com o modelo estalinista, diversas críticas são feitas ao marxismo, principalmente no que diz respeito às formas de luta na sociedade contemporânea. Porém, é possível encontrar bases marxistas para a discussão sobre a mulher em diversos textos, ancorando-a na luta de classes.

Marx e Engels elaboraram a teoria capaz de explicar a sociedade capitalista. E nela estão inseridos homens, mulheres e crianças, cuja força de trabalho é o pilar de sustentação. Marx, ao dissecar a anatomia da sociedade capitalista, ressalta a importância da entrada da mulher no mundo do trabalho, tanto para as relações sociais familiares quanto para uma nova configuração da venda da força de trabalho.

Contudo, não bastava analisar a inserção da mulher no trabalho produtivo, como se nada houvesse antes disso. Engels, no livro A origem da família, da propriedade privada e do Estado demonstra que o papel da mulher nas sociedades nem sempre foi o de dona de casa responsável pelo cuidado do lar e da família, submissa à figura masculina. Verificar a existência de outras formas de organização social, com diferentes papéis para homens e mulheres desmitifica a figura feminina construída na sociedade burguesa e subsidia a luta por uma sociedade sem relações desiguais entre os gêneros.

Com base no materialismo histórico dialético e nas experiências de organização da classe trabalhadora, grandes revolucionários elaboraram suas análises da luta das mulheres em direção ao socialismo. Clara Zetkin, destacada dirigente marxista, apontava a necessidade de uma perspectiva revolucionária para a luta das mulheres. Para ela, a questão da mulher surge de forma distinta nas classes que estão inseridas no modo de produção capitalista. Portanto, em função dos seus interesses antagônicos e inconciliáveis, a luta da mulher trabalhadora deve ser desenvolvida junto com o homem da sua classe.

Nas suas reflexões e ações para a emancipação das mulheres, Lênin apontava a necessidade de retirar a mulher do trabalho doméstico, ampliando sua participação na vida pública e no trabalho produtivo. Para ele, o trabalho doméstico era fonte de opressão e humilhação, afirmando que a verdadeira emancipação da mulher só começará quando comece a luta das massas na construção do socialismo. Portanto, não podemos cair no engodo de que existirá uma verdadeira emancipação da mulher na sociedade capitalista.

Isso nos leva à outra crítica dirigida por grupos feministas aos comunistas: de que, então, não haveria o que fazer enquanto não construímos o comunismo. Rebatemos ela com a elaboração de Trotsky sobre a necessidade de uma pauta transitória, que leve a classe trabalhadora a chocar-se com o modo de produção capitalista, elevando-se assim, sua consciência de classe. Sendo esse o papel das organizações revolucionárias.

Com a tomada do poder pelos bolcheviques, Trotsky dedicou-se, entre muitas outras coisas, a refletir sobre a importância da cultura em um processo revolucionário. Ele afirmava que seria impossível a emancipação da mulher sem o crescimento da economia e, consequentemente, da elevação do nível cultural. Sem a alteração radical das relações de produção, não há alteração na moral e nas relações sociais.

Essa relação entre economia e moral esteve presente na construção da Revolução Russa. Logo após a tomada de poder pelos revolucionários, grandes conquistas foram alcançadas pelas mulheres. A elaboração do Código da Família, em 1918, facilitou o divórcio e legalizou o aborto. Iniciaram-se construções de escolas, cozinhas e lavanderias coletivas, que tinham como função socializar a criação das crianças e os trabalhos domésticos, liberando a mulher para ampliar seus estudos e participação na vida política.

Porém, com a reação estalinista e a burocratização do Estado Operário, muitas conquistas alcançadas entre 1917 e 1930 retrocederam. Contudo, o exemplo de organização das mulheres e homens trabalhadores com a superação do estado capitalista, foi uma demonstração de todas as conquistas que são possíveis para as mulheres com a revolução. Estes exemplos são fonte de inspiração e reforçam a relevância e atualidade da teoria marxista para a luta das mulheres.

“De mãos dadas com o homem de sua classe, a mulher proletária luta contra a sociedade capitalista” (Clara Zetkin)

Conforme apontamos acima, é fundamental que as mulheres trabalhadoras organizem-se em torno de uma pauta de reinvindicações transitórias. Estas não devem ter um caráter reformista, mas sim, servir para ampliar a consciência de classe das mulheres, chocando-as com a realidade do capitalismo e impulsionando a luta. Com este objetivo, apresentamos uma série de pautas que consideramos fundamentais para a luta das mulheres. Elas estão relacionadas ao trabalho da mulher; à educação das crianças; à comercialização de seu corpo; à violência; ao direito ao corpo; à maternidade e à seguridade social.

No que diz respeito ao trabalho da mulher, é imperioso que seu salário seja igual ao salário pago ao homem na mesma função e com a mesma formação. Ainda hoje encontramos diferenças salariais entre homens e mulheres, sendo que estas são as primeiras a perderem o emprego em períodos de crise. A mulher negra trabalhadora, como aponta pesquisa do DIEESE, é ainda mais oprimida por conta do racismo, os dados mostram que elas são em média as mais pobres, em situações de trabalho mais precárias, com menores rendimentos e com as mais altas taxas de desemprego.

Quando tratamos do trabalho da mulher, devemos também refletir sobre as condições nas quais as mulheres estão submetidas no mundo do trabalho. Ainda hoje as mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados da casa e dos filhos, dificultando suas possibilidades de ampliação da formação e participação na vida pública. Assim, a ampliação das vagas em centros de educação infantil públicos, garantindo que toda criança tenha acesso à educação, em tempo integral, é uma das pautas que devem ser defendidas.

Acreditamos que, além das inúmeras formas de violência as quais a mulher está submetida na sociedade capitalista, a prostituição caracteriza-se como outra face de uma sociedade que cria e reforça diversas formas de submissão. A comercialização do corpo das mulheres (que são a maioria no mercado sexual) não deve ser vista ou defendida como forma de “empoderamento” ou uma escolha. Acreditamos que nenhuma pessoa deve ter como única opção, em face da ausência de políticas públicas de educação, lazer e trabalho, a venda de seu corpo.

A violência contra a mulher, fruto da sociedade capitalista, deve ser combatida. Porém, sem a ilusão nos aparatos jurídicos e policiais que servem à burguesia. A questão da violência, em suas diversas formas de manifestação, não poderá ser totalmente superada nessa sociedade. Reivindicamos que o Estado desenvolva políticas públicas que busquem acolher de forma adequada as mulheres e crianças vítimas dessa violência. Mas essa é uma luta que não se encerra com programas de governo e sim com a superação do capitalismo e com a construção de uma sociedade comunista.

Ainda tratando da violência contra a mulher, duas manifestações dela estão em constante debate no último período: a questão do direito ao aborto e ao parto humanizado. Apesar de parecerem contraditórios, os dois temas demonstram a falta de poder de decisão da mulher em manter ou não uma gravidez. Por tratar-se de uma prática ilegal, a mulher que decide não levar adiante uma gestação não tem acesso ao aborto seguro, exceto as que têm a condição financeira de recorrer a clínicas adequadas. Mesmo com a reabertura da discussão em função da epidemia do zika vírus, o governo Dilma demonstra-se fechado a esse tema. Mesmo os casos já previstos em lei correm o risco de serem retirados da legalidade com a aprovação dos PL’s 478/07(Estatuto do Nascituro) e 5069/13 (de autoria do deputado Eduardo Cunha). Consideramos que a discussão sobre o aborto é uma questão de saúde pública e de direito da mulher ao seu corpo, não cabendo, portanto, interferências de cunho religioso.

No outro lado da moeda, a mulher que decide ser mãe, passa por uma série de violências ao longo da gestação, atingindo seu ápice no momento do parto. Criou-se uma cultura do parto cesariano, seguindo a lógica do “time is Money”, utilizando-se de manobras violentas e humilhação da mãe. Cabe ressaltar que, na rede privada, as cesarianas ultrapassam 80% dos partos, número muito superior ao recomendado pela OMS (15%). Portanto, é preciso garantir atendimento e parto que respeitem tanto a mãe quanto o bebê e seus familiares. Além disso, é preciso retomar a discussão da ampliação das licenças maternidade e paternidade, para que, de fato, os pais e mães tenham condições de ficar com os filhos.

E, novamente, a defesa da previdência é colocada na ordem do dia para mulheres e homens trabalhadores, pois, novos ataques vão se somando àqueles já realizados. A aprovação da MP 664, convertida na Lei Nº 13.135, de 17 de junho de 2015, que restringe o direito à pensão por morte em função da idade do cônjuge, teve como um de seus argumentos, a infame afirmação de que mulheres jovens casavam-se com homens mais velhos com o objetivo de viver de suas pensões. O próximo ataque à Previdência anunciado pelo governo, abriu a discussão sobre a equiparação das idades de aposentadoria entre homens e mulheres, bem como o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, o que atinge frontalmente as mulheres trabalhadoras. As reformas da previdência, objeto de desejo de todo governo, afetam diretamente os que começam a trabalhar mais cedo e, muitas vezes, na informalidade. Mulheres e homens serão novamente penalizados se essa nova reforma ocorrer e a organização de toda a classe trabalhadora contra esse ataque será fundamental no próximo período.

  • Trabalho Igual, Salário Igual!
  • Pela libertação da mulher da dupla jornada, dos afazeres domésticos. Lavanderias públicas, restaurantes públicos, creches públicas, etc.
  • Pelo fim da violência doméstica!
  • Não ao Estatuto do Nascituro! Não ao PL 5069/2013!
  • Pela legalização do aborto e laicização das decisões do Estado!
  • Não à violência obstétrica!
  • Ampliação da licença maternidade. Licença paternidade igual à licença maternidade!
  • Vagas para todas as crianças em creches públicas!
  • Contra toda forma de mercantilização do corpo da mulher!
  • Revogação das reformas da previdência de FHC, Lula e Dilma!
  • Aposentadoria por tempo de trabalho para homens e mulheres!
  • Viva o 8 de março! Viva a luta da mulher trabalhadora!

Outros textos recomendados:

Dia 8 de março: as mulheres e a luta pela liberdade

Homenagem ao 8 de março – dia internacional das mulheres trabalhadoras

O movimento sufragista e as lições à organização das mulheres trabalhadoras: reflexões a partir do filme Suffragette

O ENEM e a luta das mulheres

A mulher e a luta pelo trabalho

As trabalhadoras vidreiras, a questão da mulher e a luta de classes