Desastre aéreo: A vida tem preço… e a morte leva ao lucro!

“a força da grana, que ergue e destrói coisas belas” (“Sampa”, Caetano Veloso)

Quando Airton Senna morreu num acidente na Itália, a consternação no Brasil foi geral. Agora, recentemente, em um dos acidentes da Fórmula 1, um piloto bateu em um muro a mais de 300 km/h e sobreviveu. Sem fraturas. Então, por que morrem tantos em acidentes de automóveis?

Em última análise, no capitalismo, até a vida humana tem preço. Tem um preço barato no interior deste Brasil afora, onde um pistoleiro pode ser contratado para matar o roceiro miserável que não quis sair de uma terra ou que incomodava demais o fazendeiro. Tem um preço maior se for um religioso ou sindicalista ligado ao movimento dos Sem-Terra. Tem um preço barato se for iraquiano, haitiano ou negro morando na favela do Rio ou de São Paulo. Tem um preço que as montadoras de automóveis não querem pagar para aplicar uma tecnologia similar à da Fórmula 1 em automóveis de passeio e eliminar as mortes por acidente.

Tem um preço mais barato que políticos – presidente, juízes, deputados e senadores, ministros e presidentes de Banco Central – pagam todo dia se expondo ao mandar pagar os juros e principal da dívida e não fazer o que seria necessário para proteger o povo. Afinal, o problema do transporte no Brasil é o que afirmou Lula

“Nosso sistema aéreo, apesar dos investimentos que fizemos na expansão e na modernização de quase todos os aeroportos brasileiros, passa por dificuldades. E seu maior problema hoje é a excessiva concentração de vôos em Congonhas.”

Sim, falta dinheiro para construir uma ferrovia rápida entre Rio e SP que há muito teria diminuído o tráfego aéreo nesta direção.

Sobrou cupidez e cara de pau para privatizar as ferrovias e acabar com o transporte de passageiros nelas.

Falta dinheiro para dar segurança à pista do aeroporto de Congonhas, para melhorar o equipamento de tráfego aéreo (radares, equipamento de pouso sem visibilidade), para melhorar a pista, para construir mais pistas no aeroporto de Guarulhos, para construir uma saída de concreto que impeça o avião de deslizar no final da pista, para desapropriar e aumentar o tamanho da pista em Congonhas.

Falta dinheiro para pagar salários melhores para controladores, falta resolução política para tirar estes vôos de Congonhas quando os “quase-acidentes” se repetiam um dia após o outro (é só lembrar o avião que deslizou um dia antes).

Falta coragem para dar estabilidade no emprego para os pilotos poderem criticar as Cias aéreas e defender os passageiros.

Sobra cara de pau para anunciar medidas depois do pior acidente aéreo da América Latina, cara de pau para dizer que “fizemos investimentos”, quando qualquer um que passa por um aeroporto pode ver que os investimentos foram em shoppings, cinemas, escadas rolantes…e como tragicamente vimos agora, nunca nas pistas ou equipamentos de segurança.

Sobra, sobretudo, cara de pau para dizer que o problema é a concentração de vôos em Congonhas e esquecer o resto todo!

Sobra cara de pau e “mal entendidos”, de uma Cia Aérea que anuncia ter desativado um freio (o reverso da turbina) porque ele pode ficar desligado por 10 dias (segundo manual), enquanto pilotos e especialistas declaram que em pista molhada não se poderia pousar numa pista daquele tamanho sem este equipamento, sobra cara de pau aos dirigentes dos órgãos que deveriam fiscalizar as empresas, que informaram a um juiz no começo do ano que os aviões só poderiam descer em Congonhas com o uso deste equipamento …e nunca fiscalizaram tal exigência, já que era a segunda vez que este avião descia naquele aeroporto sem o tal reverso!

Sim, a vida dos que morreram no vôo da Tam tem um preço maior, mas um preço que a TAM está pagando, que as Cias. De seguro pagam para não pagarem o funcionamento dos aviões somente em condições ótimas de segurança (por exemplo, sempre com o reverso ligado).

Lula anunciou uma série de medidas. Paliativas, mas sem tocar nos grandes problemas. E deixou para outro momento a privatização da Infraero. Sim, como sempre, quando no final pessoas morrem, surge a oportunidade de novos negócios. E a Vestal do Palácio do Planalto, Ministra Dilma, diz que não vai anunciar o local do novo aeroporto para evitar a especulação imobiliária. Interessante. Não se precisa ser um “grande especialista” para ver que seria mais barato aumentar as pistas de Cumbica (o outro aeroporto de SP) e construir mais terminais lá. Mas a morte, tal qual a vida, no final, sob o capitalismo, deve garantir mais lucros. E construir um novo aeroporto vai dar muito mais lucro e, claro, “ninguém” vai saber a nova localização do aeroporto.

Sim, falta dinheiro para construir ferrovias, vontade política para reverter as privatizações feitas por FHC. Falta dinheiro para construir hospitais e laboratórios, sobra vontade política para privatizar o que resta de saúde pública com as tais “fundações”.

Sim, a morte é natural e de vez em quando leva alguns que, se partissem mais cedo, não atrapalhariam tanto o País, como Antonio Carlos Magalhães, que tem luto oficial na Bahia e avião da FAB para transportar os parentes para o enterro, enquanto os parentes dos mortos no avião da TAM sofrem por notícias. Morto, ACM ganha elogios por ter “modernizado a Bahia”, modernização da qual sofrem até hoje os baianos.

As investigações sobre as 200 mortes de Congonhas vão demorar ainda e, se a cara de pau aumentar muito, terminarão culpando o piloto que, morto, não vai poder reclamar. Sobre a morte do dia a dia nos morros e favelas do Rio e São Paulo, estas já não causam comoção. A morte do dia a dia no interior do País, ordenada por fazendeiros, também já não rendem notícia. As mortes causadas pela falta de estrutura e de médicos nos hospitais, só rendem noticia se for na fila ou se o morto passar antes por 3 ou 4 hospitais, e de preferência ser mulher e grávida, sem isso nada se fala.

Os trabalhadores saberão cobrar essas e outras faturas. Hoje labutam e morrem sem destaque nos jornais. Mas saberão construir um mundo onde as mortes não sejam contada em notas de reais pagas a um pistoleiro, a balas perdidas e achadas nas favelas do Rio, em filas e corredores lotados de hospitais, no “acidente” da TAM causada pela ganância das Cias Aéreas e pela cumplicidade do governo atual e governos passados.

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