Derrota do PT no ABC nas eleições presidenciais: Causas, Significado e Perspectivas

Uma das marcas amargas que essas eleições trouxeram para o PT, apesar da vitória final, foi a derrota de Dilma para Aécio no ABC Paulista, local das grandes greves operárias dos anos 70 e 80 e berço histórico do PT e da CUT.

Uma das marcas amargas que essas eleições trouxeram para o PT, apesar da vitória final, foi a derrota de Dilma para Aécio no ABC Paulista, local das grandes greves operárias dos anos 70 e 80 e berço histórico do PT e da CUT.

A situação já no 1º Turno foi essa: Dilma Rousseff perdeu em cidades governadas pelo PT e na própria São Bernardo do Campo, dirigida por Luiz Marinho, um dos coordenadores da campanha à reeleição. 

Dilma perdeu em Mauá, governada pelo PT, para Marina Silva (PSB), uma das maiores cidades do ABC Paulista. Perdeu para Aécio Neves (PSDB) em Santo André, comandada pelo petista Carlos Grana, forte aliado de Lula, e nas cidades petistas de Guarulhos, Osasco e São José dos Campos, onde ela e Lula participaram de comícios, carretas e caminhadas. Na periferia da capital, onde Lula chegou a fazer três atos políticos por dia, o jogo ficou dividido entre Dilma e Aécio, que ganhou em São Miguel Paulista, Ermelino Matarazzo e Campo Limpo. A representação do PT paulista perdeu cinco deputados, fechando as contas em dez cadeiras. No plano nacional, o partido caiu de 88 vagas para 70.

O PT acabou atropelado no seu núcleo fundador, o cinturão operário do Estado de SP. Perdeu na capital (só teve 20,6% dos votos), em Santo André (teve 27,6%), São Bernardo (32,7%), São Caetano (14,9%), São José (21,4%), Santos (20,1%), Campinas (25,7%) e Ribeirão Preto (20,7%).

Um grande contraste para quem levantou, organizou e unificou a classe trabalhadora nos anos 80 a partir dessa região dando-lhe organização e consciência de classe. A influência dos acontecimentos daqueles anos transborda em muito os limites da região, seja pelo período que aconteceram (ditadura militar), pela grande intensidade, pelo peso econômico que o parque fabril do ABC tem na economia do país, entre outros fatores.

Naquela época, o salto de consciência e organizativo que a classe trabalhadora deu no ABC foi bastante importante. Não só com os sindicatos tipicamente operários como metalúrgicos, químicos, vidreiros e construção civil, mas também com outros setores como rodoviários, ferroviários, gráficos, professores, trabalhadores da saúde, funcionários públicos, jornalistas e bancários. Todos se fortaleceram e garantiram conquistas relevantes para as suas categorias. E mais do que isso, o ímpeto de luta transbordou os locais de trabalho, chegando nas periferias das cidades, onde as comissões de bairro e associações de moradores se organizavam para lutar por serviços públicos de qualidade e por moradia digna. Sem contar os núcleos de militantes e simpatizantes do PT que surgiam em todos os cantos.

Por outro lado, também se pode dizer que o antipetismo, ou seja, a resistência das famílias tradicionais burguesas e pequeno-burguesas ao PT, provavelmente também nasceu no ABC, tamanho foi o susto que esses setores tiveram ao ver as assembleias-monstro dos metalúrgicos com apoio de outras categorias, que logo se transformavam em manifestações que tomavam o centro de São Bernardo. Isso se reflete, por exemplo, no fato de que embora o PT tenha governado ao menos uma vez, 5 das 7 cidades da região, nunca o fez simultaneamente. Claro que se deve também levar em conta as vacilações da direção do partido.

Entretanto, as vitórias do PT nas eleições presidenciais no ABC, em todas as situações, sempre foram carregadas de grande simbolismo não só para os trabalhadores, mas também para a burguesia. Vejamos o caso da comparação das votações do PT e do PSDB, no primeiro turno das eleições presidenciais em São Bernardo nos últimos 20 anos.

1994

1998

2002

2006

2010

2014

Lula

133.596

Lula

147.674

Lula

230.368

Lula

214.271

Dilma

205.712

Dilma

143.842

FHC

121.517

FHC

144.448

Serra

72.780

Alckmin

167.472

Serra

144.964

Aécio

159.054

 

A derrota do PT nas eleições presidenciais de 94 foram certamente as mais dolorosas, depois de liderar a pesquisa de intenção de voto por vários meses, Lula acabou derrotado no primeiro turno pela aliança entre o PSDB e a grande Imprensa que nasceu ali e perdura até hoje. O PT acabou pagando caro por não ter transformado o Fora Collor, de 92, em Fora Itamar junto. Apesar disso tudo, em São Bernardo Lula venceu FHC por uma diferença de mais de 10 mil votos.

Em 98, a reforma monetária do governo (Plano Real) iludiu muitos trabalhadores e acabou levando a reeleição de FHC, mas em São Bernardo, ainda que por uma margem pequena de votos, Lula venceu o tucano mais uma vez.

Em 2002, a onda vermelha que varreu o país e elegeu Lula presidente se refletiu na vitória esmagadora que Lula teve sobre o candidato do PSDB José Serra em São Bernardo.

Em 2006, apesar da farsa do mensalão, e dos primeiros sinais de decepção da classe operária e de muitos militantes do PT com o governo de colaboração de classes, Lula derrotou Geraldo Alckmin por grande diferença de votos em São Bernardo.

Em 2010, Dilma era uma completa desconhecida da população da cidade, dos operários das fábricas e de boa parte dos militantes do PT, mas o governo havia empurrado os efeitos da crise para frente, e era a candidata de Lula e do PT, o resultado portanto foi o esperado, vitória expressiva de Dilma sobre o tucano Serra.

Em 2014, o candidato do PSDB, Aécio Neves vence Dilma com uma diferença de mais de 15 mil votos no primeiro turno. O que explica isso?

No ABC, o discurso que tem ganhado os trabalhadores para os candidatos petistas tem se baseado nas seguintes premissas: Em primeiro, lugar a identidade de Lula e do PT com a região. Em segundo lugar, a ideia de que um governo tucano irá atacar as conquistas trabalhistas históricas, assim como a própria organização dos trabalhadores. Em terceiro lugar, os programas sociais e as políticas compensatórias do governo, que se não atingem diretamente os operários nas fábricas, beneficiam seus parentes nas periferias das grandes cidades, e em regiões pobres do Norte e do Nordeste. Em quarto lugar, a ideia de que cabe às próprias organizações sindicais e populares a tarefa de mudar a “correlação de forças” e ampliar os direitos dos trabalhadores, e que a tarefa do governo petista se restringiria ao combate à inflação e à manutenção do crescimento econômico e da geração de empregos.

O que não deixa de ser irônico, vindo justamente do movimento sindical que nos anos 70 decidiu lançar um Partido dos Trabalhadores, justamente por perceber que os operários precisavam de uma organização politica para conquistar aquilo que as organizações sindicais e populares não podiam conquistar.

Um quinto elemento no discurso petista surgiu em São Bernardo, a partir de 2008. Com a eleição do ex-presidente da CUT, Luiz Marinho, a prefeito, muitos recursos do governo federal tem entrado na cidade para financiar a construção de equipamentos públicos na área da saúde e da educação, construção de moradias, e obras na área de combate a enchentes e mobilidade urbana. Portanto, é preciso manter o governo do PT afim de garantir a manutenção desse fluxo de recursos para a cidade.

A realidade é mais forte do que qualquer propaganda

Agora vamos aos fatos. Passados 12 anos do governo do PT, a redução da Jornada de Trabalho e o fim do Fator Previdenciário, duas bandeiras históricas do movimento sindical que beneficiariam diretamente os trabalhadores da região, não saíram do papel e não tem nenhuma perspectiva de que saiam. E, gravíssimo, Lula vetou a derrubada do Fator Previdenciário, isso demorou mas chegou ao conhecimento dos trabalhadores.

Se não bastasse isso, os operários veem surgir da base aliada do governo federal no Congresso, propostas de flexibilização dos direitos trabalhistas, como o PL da terceirização.

Os ataques às organizações continuam. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC está condenado a pagar multa de 1 milhão de reais se fizer manifestação que bloqueie a Via Anchieta, rodovia que dá acesso de São Paulo ao litoral, e que passa por dentro de São Bernardo.

Enquanto isso, relatos dão conta de como os operários olharam com desconfiança o engajamento da CUT na eleição de Dilma, enquanto a crise econômica vem impondo suspensão de contratos de trabalho, Programas de demissões voluntárias e ferias coletivas, medidas que, como todos sabem, são a antessala das demissões em massa na indústria.

Enquanto isso, a construção de equipamentos públicos não foi acompanhada de valorização dos servidores públicos e, além disso, as novas contratações, feitas por ONGs no caso da Educação e OSS´s na Área da Saúde tem levado a insatisfação dos funcionários, o que obviamente impacta na qualidade do atendimento aos munícipes.

O pior de tudo é o contínuo processo de despolitização

Durante as manifestações de 2013 contra o aumento da tarifa do transporte público, o prefeito de São Bernardo, recebeu alguns dos manifestantes na prefeitura e ao ouvir as reivindicações dos jovens, respondeu: “Façam essas reivindicações no espaço apropriado que são as plenárias do orçamento participativo”.

Esse episódio é sintomático. O governo do PT, em coalisão com o DEM, – isso mesmo, o DEM! – e outros partidos de direita na cidade, não reconhece a legitimidade das reivindicações que não venham dos espaços criados pelo próprio governo. Associações de moradores e os movimentos por transporte, moradia, saúde, educação, cultura, e etc. que historicamente organizaram e elevaram a consciência de classe trabalhadores e da juventude, agora só tem suas reivindicações legitimadas, se vierem do orçamento participativo, conselhos e conferências.

Estes ambientes que são totalmente controlados pelo governo, onde toda a experiência organizativa-autônoma dos trabalhadores, vindas de décadas de luta são completamente neutralizadas.

Como resultado dessa política, muitas associações de moradores, ao invés de organizar as lutas por reivindicações populares, tem se transformado em verdadeiras ONG´s, implementando todo tipo de ações sociais com dinheiro público, seja por mera adaptação ao status quo, seja por uma lógica distorcida de que “é preciso fazer com as próprias mãos, ao invés de esperar que o governo faça”. E assim eximem o governo de fazer aquilo que tem obrigação de fazer.

Se não se pode atribuir aos votos nulos, brancos e abstenções o resultado de uma suposta onda conservadora, mas sim a insatisfação geral com todos os políticos, certamente podemos atribuir ao aumento dos votos no PSDB o resultado de uma onda despolitizadora. Como disse Marx, “A ideologia dominante é a ideologia da classe dominante”. Em outras palavras, confusa e desorganizada pelas espúrias alianças de classe feitas pelo PT, a classe trabalhadora se torna presa fácil para a propaganda e as pressões feitas pela direita através do patronato, da mídia, da igreja da escola e etc. …

O resultado de tudo isso, é que, ao final do primeiro turno, o que se constatava era o total desânimo dos trabalhadores, jovens e militantes em votar e pedir votos para Dilma, e um pessimismo geral em relação ao resultado final da eleição.

Perdidos, os dirigentes propunham melhorar o visual da campanha com bandeiras, adesivos e placas, como se uma placa fosse capaz de conversar com o sujeito e convencê-lo a votar na Dilma.

Esse cenário, justamente no berço de nascimento do PT e da CUT explicita o processo de descolamento do PT com a classe operária no Brasil, especialmente dos trabalhadores jovens, que não viram (ou não se lembram) do PT de lutas dos anos 80 e início dos anos 90, e só conhecem o PT governo. Não é um processo acabado, mas se não for revertido, a derrota política do PT vai se concretizar exatamente onde o partido nasceu.

Perspectivas

O resultado final no ABC representa uma derrota política para o PT, apesar da vitória final de Dilma. Mesmo que o resultado final no segundo turno, tenha sido uma derrota para a candidata petista na região, a polarização surgida entre Dilma e Aécio com contornos de luta de classes, deu novo gás à militância e aos dirigentes do PT e da CUT, que voltaram com mais ânimo aos bairros e as portas das fábricas. E mesmo dentro dos locais de trabalho, trabalhadores espontaneamente se mobilizaram para barrar a eleição de Aécio Neves, que já vinha sendo comemorada pela imprensa.

Um exemplo disso, foi a briga de rua ocorrida no centro de Santo André entre militantes do PT e do PSDB. Nas universidades, o apoio de militantes de outros partidos e organizações de esquerda, acabou turbinando a campanha de Dilma, ou como diziam, a campanha anti-Aécio. Isso demonstra que, apesar de ser cada vez mais difícil diferenciar a candidatura petista da candidatura tucana, mais uma vez os trabalhadores se apoiaram na candidatura petista para barrar a eleição do candidato preferido da direita.

Nas manifestações de 2013, a maior e mais organizada jornada no ABC foi feita no dia 1 de julho e levou cerca de 15 mil pessoas para o centro de São Bernardo. A despeito de ter sido convocada por um coletivo anarquista, ela contou desde o processo de organização com a presença de partidos e organizações de esquerda, por isso, na dianteira da manifestação estava uma grande faixa vermelha com os dizeres: Publico, Gratuito e de Qualidade: Transporte, Saúde, Educação e Moradia.

Aquela explosão de lutas, logo contaminou a base das fábricas, o que obrigou a direção da CUT e outras centrais a chamar um ato de greves e manifestações no dia 11 de julho para tentar aliviar a pressão. A manifestação cobriu o Paço Municipal de São Bernardo com camisas vermelhas como há muito não se via.

Após as jornadas de luta de 2013, o que se vê é que a juventude não espera e não vai espera pelo PT. Ela se reinventa e se renova buscando novas formas de organização, através da criação de diversos coletivos, movimentos, grupo e fóruns. Muitos desses, adotando métodos anarquistas já superados há mais de um século pela classe operária, e sendo muitas vezes arredios e desconfiados em relação a quaisquer organizações ou partidos de esquerda.

As razões disso são bastante compreensíveis mas, certamente essas organizações tendem a evoluir conforme se mantenham em luta. Todos estão, de uma forma ou de outra se preparando para o período que se avizinha.

O governo Dilma reeleito, espremido por um PT burocratizado, por uma oposição golpista e por uma base aliada de direita no congresso e ainda guiado pela ideia de que “quanto mais capitalismo melhor”, logo será chamado pelo grande capital a ampliar as medidas de austeridade para garantir seus interesses no processo de agudização dos efeitos da crise econômica.

Por isso, os trabalhadores do ABC estão chamados a ser, novamente, a vanguarda da luta contra a repressão e contra o peleguismo, a combater pelas reivindicações imediatas e históricas da classe operária e assim abrir caminho para a construção de um Governo Socialista dos Trabalhadores.

Viva a luta dos Trabalhadores do ABC!

Venceremos!