Da prisão de Lula em 1980 até a prisão de 2018

O que aconteceu em São Bernardo do Campo na segunda vez, quem estava lá, Lula preso e o regime continua desmoronando. Explicar, combater, construir!

Uma primeira vez, em 19 de abril de 1980, Lula foi preso pela Ditadura Militar e acusado na Lei de Segurança Nacional por causa da greve que envolveu os cerca de 200 mil metalúrgicos do ABC, durante a campanha salarial. Ele foi libertado 31 dias após sua prisão quando 100 mil metalúrgicos, com outros trabalhadores e militantes de esquerda, se manifestaram em passeata de São Bernardo do Campo a São Paulo exigindo sua libertação.

Mas, mesmo com o Lula preso, a greve que havia começado 17 dias antes durou um total de 41 dias. Essa greve, apesar de não ter conquistado todas as reivindicações econômicas, foi a greve que marcou o início do fim da Ditadura Militar no Brasil. A resistência e a luta das massas transformaram a greve econômica em uma greve política que sacudiu o país e fez surgir comitês de solidariedade com a greve e pela libertação de Lula do Oiapoque ao Chuí.

Ela demonstrou a impotência da Ditadura frente ao movimento de massas da classe trabalhadora e a capacidade dela quando está determinada a defender suas reivindicações, suas organizações e seus dirigentes.

Essa greve foi uma extraordinária mobilização que suportou repressão policial, mesmo com uma direção sindical, Lula e outros diretores do sindicato, que a deixaram politicamente sem direção até que terminasse. Esses dirigentes, Lula à frente, não queriam a greve e não acreditavam nela. Eles nunca realmente acreditaram na capacidade de luta da classe trabalhadora contra o capitalismo. Isso não é uma interpretação dos fatos. É Lula que declara isso em seu discurso no Sindicato dos Metalúrgicos em 7 de abril de 2018. A citação é extensa, mas vale a pena:

Em 1979, esse sindicato fez uma das greves mais extraordinárias. E nós conseguimos fazer um acordo com a indústria automobilística que foi talvez o melhor. E eu tinha uma comissão de fábrica com 300 trabalhadores. E o acordo era bom. E eu resolvi levar o acordo para a assembleia. E resolvi pedir pra comissão de fábrica ir mais cedo para conversar com a peãozada…
… Pois bem, nós começamos a colocar o acordo em votação e 100 mil pessoas no Estádio da Vila Euclides não aceitavam o acordo. Era o melhor possível. A gente não perdia dia de férias, não perdia décimo terceiro e tinha 15% de aumento. Mas a peãozada tava tão radicalizada que queria 83 ou nada… E passamos um ano sendo chamados de pelego pelos trabalhadores. A gente, Guilherme, ia na porta de fábrica… Então companheiros e companheiras, nós conseguimos… os trabalhadores não aprovaram o acordo…  Eu ia dizendo pra vocês que nós não conseguimos aprovar a proposta que eu considerava boa e o pessoal então passou a desrespeitar a diretoria do sindicato. Eu ia na porta da fábrica ninguém parava. E a imprensa escrevia: “Lula fala para os ouvidos moucos dos trabalhadores”. Nós levamos um ano para recuperar o nosso prestígio na categoria. E eu fiquei pensando com ar de vingança: “Os trabalhadores pensam que eles podem fazer 100 dias de greve, 400 dias de greve, que eles vão até o fim. Pois eu vou testá-los em 1980”. E fizemos a maior greve da nossa história. A maior greve. 41 dias de greve. Com 17 dias de greve fui preso e os trabalhadores começaram depois de alguns dias a furar greve e nós então – eu sei que Tuma, eu sei que o doutor Almir, eu sei que Teotônio Vilela ia dentro da cadeia e falava assim pra mim: “Ô Lula cê precisa acabar com a greve, cê precisa dar um conselho para acabar com a greve”. E eu dizia: “Eu não vou acabar com a greve. Os trabalhadores vão decidir por conta própria”.

É Lula que conta tudo isso e em público!

Em 7 de abril de 2018, anos depois da construção do maior partido de classe da história do Brasil, conduzido ao seu auge e à sua própria degeneração política por Lula, Zé Dirceu e outros dirigentes, Lula foi preso na farsa organizada por Sérgio Moro e a Operação Lava Jato.

Lula vai para a sede do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo para “resistir”. Entretanto, se a primeira prisão foi uma tragédia, a segunda tem, no mínimo, traços de farsa. Enquanto seus apoiadores desesperados pensavam que estavam organizando a resistência, Lula estava negociando sua entrega e realizando uma operação midiática de campanha. Como se viu no final, o que diziam os presentes não era minimamente levado em consideração.

Lula esteve do final da tarde de quinta-feira, 5 de abril, até a noite de 7 de abril no sindicato. Entre 10 e 20 mil pessoas passaram pelo local se pronunciando contra sua prisão e pelo seu direito de ser candidato nas eleições presidenciais. A Esquerda Marxista e seus militantes estavam lá, além de outros militantes também, defendendo as liberdades democráticas contra o Judiciário totalitário e degenerado.

Mas, também lá estavam os burocratas sindicais que fazem da colaboração com os patrões e o capitalismo seu credo e sua bíblia, e cujo ídolo e maior expressão é o próprio Lula. Também estavam dirigentes partidários do PT, do PCdoB e de outros partidos, parlamentares e seus assessores, desesperados com a possibilidade de não ter Lula e seus votos nas eleições, estavam dirigentes burocráticos de movimentos sociais, mas também alguns militantes sinceros e honestos desses mesmos movimentos.

Lá estiveram 10 mil sem tetos, dirigidos pelo MTST e Guilherme Boulos, que os conduziram da Ocupação Povo Sem Medo, em São Bernardo do Campo, diretamente até o sindicato. Sem dúvida também estavam velhos militantes saudosos, retirados ou semi-retirados, educados no reformismo de Lula e do PT das últimas décadas, assim como pequeno-burgueses emocionados pela política (de Lula preconizada pelo Banco Mundial para evitar explosões sociais) das medidas compensatórias, como Bolsa Família e o financiamento público massivo da educação privada, da farta distribuição de dinheiro público aos capitalistas, em nome de um suposto desenvolvimento nacional que distribuiria riqueza para todos.

Mas, uma grande, enorme ausência se constatou nestes dois dias no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, enquanto Lula e seus advogados negociavam com a Polícia Federal. Enorme ausência dos 100 mil metalúrgicos de São Bernardo do Campo, das dezenas de milhares de químicos de São Bernardo do Campo e região, dos milhares de professores e funcionários públicos de São Bernardo do Campo e da região, que não entraram em greve, não se mobilizaram, não foram ao sindicato.

E não se moveram porque Lula não significa mais para eles o que significava em 1980 e nos anos seguintes. A “causa” atual de Lula e da direção do PT não é mais a “sua” causa.

Ao mesmo tempo que a classe trabalhadora está longe de apoiar o Judiciário e suas medidas, como demonstra o fracasso total das manifestações organizadas em apoio à prisão de Lula pelos desesperados da pequena burguesia e alguns semifascistas de Bolsonaro.

Um sentimento de impotência, de desconfiança, junto com um sentimento de que está tudo errado percorre a classe trabalhadora organizada.

As direções do MST e do MTST declararam mobilização em todo o país. A direções do PT e da CUT chamaram atos em todas as cidades. O que aconteceu?

MST e MTST reuniram militantes isolados e queimaram pneus, fecharam estradas por algumas horas, em atividades vanguardistas e ultraesquerdistas, completamente inúteis.

Os atos do PT e da CUT foram de gatos pingados em um país onde o PT já colocou dezenas de milhões nas ruas. A “Frente pela Democracia”, constituída por todos eles, é um enorme aparato desvinculado da realidade da classe trabalhadora e de sua consciência. E é incapaz de grandes mobilizações exatamente por sua política de interesse de aparato e de vender ilusões nesta “democracia”.

Essa é a diferença fundamental entre ser defendido pela classe trabalhadora (1980) e ser defendido pelos membros de um aparato ou dos aparatos profundamente ligados à colaboração de classe e às benesses e migalhas caídas do prato dos capitalistas (2018). Mesmo que eles continuem sendo alguns milhares, os membros dos aparatos nem de longe significam ou representam “a classe trabalhadora” ou “o povo”, como lulistas, seus amigos políticos e alguns militantes honestos “impressionáveis” tentam demonstrar.

Essa foi uma demonstração clara, inequívoca, do que a Esquerda Marxista tem explicado desde 2014, após o estelionato eleitoral de Dilma/Lula. O PT rompeu seus laços políticos de direção com sua base histórica, a classe operária fabril e a juventude.

E por isso a palavra de ordem de Greve Geral contra a prisão de Lula, levantada por militantes indignados com a situação, é absolutamente inócua e sem contato com a classe trabalhadora das fábricas, das escolas e dos locais de trabalho em geral. Derrotar a farsa da Lava Jato e o conjunto da operação que está por trás dela será um longo trabalho e só pode acontecer com a entrada na arena de combate da classe trabalhadora organizada. E para isso não basta derrotar a política reformista e as ilusões que ela destila nas instituições burguesas e no capital. Será preciso junto deste processo construir uma nova direção de classe, e essa é a tarefa fundamental da Esquerda Marxista e dos revolucionários na atual situação, participando dos combates de classe, explicando pacientemente a ofensiva das instituições burguesas contra a classe, a necessidade da derrubada do governo Temer e do Congresso Nacional, e do quão maléfico é para classe trabalhadora e para a juventude a política reformista de Lula, da direção do PT e do PCdoB.

Essa é uma constatação fundamental para que os revolucionários e sua área de influência não se deixem levar pela pressão dos aparatos do PT, do PCdoB, da direção da CUT e um coro de pequeno-burgueses e reformistas desconsolados. Esses estão todos inconformados com a “maldade” que se está fazendo com Lula, com o fato de que a burguesia não está mais interessada, neste momento, em políticas de colaboração de classes, mas sim numa política de extermínio de direitos e conquistas, de extermínio das organizações sindicais e políticas da classe trabalhadora.

E não menos pior e maléfico para a classe e sua organização, uma parcela dessa gente se transformou em adorador de um falso salvador da pátria que não tem nem ideias próprias e nem coragem política para enfrentar o capital, mas que se apoia no que todos os caudilhos fraudulentos sempre fizeram, na retórica inflamada, na manipulação de emoções vulgares e nos discursos ambíguos que podem significar uma coisa e também o seu contrário. Sem falar da auto-bajulação permanente.

Os revolucionários combatem essa pressão e sua influência reacionária no interior da classe e da juventude ventilando o ambiente, dissipando o véu de fumaça, explicando os fatos e dizendo toda a verdade.

O combate justo que a Esquerda Marxista sempre travou contra a Operação Lava Jato (que Lula e a direção do PT sempre apoiaram publicamente), contra a condenação fraudulenta de Lula e a cassação de sua candidatura através da Lei da Ficha Limpa (projeto de iniciativa de um juiz, aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado, e sancionado por Lula, em 2010), não tem e não pode ter nada, absolutamente nada a ver com somar-se à “defesa da democracia”, ou seja, das atuais instituições podres e opressoras, ao seguidismo em relação à política de Lula e da “Frente pela Democracia”. Ou à adoração e ao culto à personalidade de Lula, sua própria egolatria e arrogância. Em São Bernardo do Campo, ele declarou que “Não sou mais um ser humano, sou agora uma ideia…”. Alguns teóricos como Marx, Engels, Lenin e Trotsky se transformaram em “ideias”, ou melhor, “programas”.  Nenhuma das “ideias” de Lula são próprias, todas vêm da socialdemocracia, do Banco Mundial e dos capitalistas e seus colaboradores. Mesmo a “ideia” de fundar o PT não foi dele, foi de Mario Pedrosa.

A crise política continua a se aprofundar semana a semana no país inteiro. São expressões da polarização entre as classes, e da luta de classes, a execução de Marielle, no Rio de Janeiro, os ataques à caravana de Lula no sul do Brasil, a intervenção no RJ e a violência sem controle que se espalha pelo país. Expressão maior dessa crise é a divisão no próprio STF, onde um setor defende uma política absolutamente reacionária que rasga a Constituição e todo o direito burguês e se choca com outra ala, que por sua vez não é menos reacionária. Mas, é o setor que melhor entende politicamente a situação e tem medo de uma explosão frente à extensão dos traços totalitários e antidemocráticos das medidas tomadas pelo Judiciário, que deseja substituir o Legislativo e o Executivo no comando do país.

Um país dirigido por um corpo burocrático não eleito não é uma democracia. Aliás, o Brasil, mesmo dirigido pelo Congresso Nacional e pela Presidência da República, é apenas uma falsa democracia, uma democracia bastarda, que é um traço da república burguesa na época do imperialismo.

Um país dirigido pelo Judiciário é um regime que tenta se apresentar como bonapartista, mas de fato encobre um regime totalitário. Entretanto, isso é uma “tendência” e uma tentativa de setores do Judiciário. Estão longe de conseguir e a prova é que, em vez de estabilizar a situação, cada ato dessas camarilhas não faz mais que desestabilizar tudo. Há um choque político crescente entre setores do Judiciário, setores da burguesia e sua imprensa, seus analistas reacionários. E com Lênin, os marxistas já apreenderam que uma das condições para uma revolução é o surgimento de fissuras e choques entre “os de cima”.

Não há saída com políticas para revitalizar a democracia e a república burguesa. Aqueles revolucionários que se empenham em procurar palavras de ordem (supostamente de transição) para restabelecer uma plena democracia burguesa, que nunca existiu, ou pior, para tentar estabelecer uma república burguesa, numa época que exige uma revolução e outras instituições, esses estão fadados ao eleitoralismo, à adaptação, ao fracasso e ao desânimo permanente.

O único remédio é enterrar este cadáver putrefato com uma revolução, o que exige mobilização e organização, clareza e determinação, e construir novas instituições controladas e dirigidas pelos trabalhadores em luta e seus representantes legitimamente eleitos, em assembleias e reuniões, que assumam o controle de toda economia e dos rumos políticos do país.

Entregar-se ou resistir

Lula se entregou apesar da resistência de seus apoiadores ao redor Sindicato dos Metalúrgicos. Em frente única com seus seguidores, os marxistas defendiam que não se entregasse. Isso criaria um impasse político no país.

A PF “tinha” que agir, mas sua ação podia provocar mortos e feridos. A PF não queria, ou não podia agir como se invadisse uma favela. Uma ação violenta com feridos, mortos e mais presos poderia fazer explodir a paciência das massas frente a todas estas instituições. Nessas circunstâncias uma decisão de Lula de não se entregar colocaria a questão política de “quem governa o país”, pois se o bando de homens armados do Estado não pode atuar, o impasse político está colocado na mesa.

Obviamente não se trataria de “resistir armados” contra o aparato de repressão. Isso seria aventureirismo infantil. Mas, tratava-se de resistir e criar um impasse político, uma crise política. Como os trabalhadores e os revolucionários fazem numa greve ou manifestação, numa ocupação de terra ou de fábrica.

A orientação de Lula é cumprir a Lei, acreditar na “Justiça” e rezar para que a Lei e a Ordem reinem em São Paulo e no Brasil e o capital continue a fazer negócios. Com essa orientação é que o PT propôs a realização do “Acampamento pela Libertação de Lula”, em Curitiba. Esse acampamento não tem futuro político. Nas primeiras semanas receberá apoio e presença dos apoiadores de Lula e sua política, mas também daqueles que combatem a Lava Jato e as medidas do Judiciário, para depois começar a minguar até se tornar um acampamento puro de aparato, esvaziado e melancólico. Não há saída sem um movimento de massas verdadeiro.

A Esquerda Marxista, por essas razões, não participa desse acampamento, mas está solidária contra a repressão aos participantes e discutirá regularmente com seus participantes a situação atual e a saída política para colocar abaixo este regime. Sem apoiar um milímetro o que fez Lula e mesmo o que ele está defendendo agora, a Esquerda Marxista estará junto e combaterá pela sua liberdade participando de atos e campanhas que levantem essas bandeiras. Participa com suas próprias posições sem se confundir com a “Frente pela Democracia”. Além disso tomará iniciativas para discutir diretamente com os trabalhadores e com a juventude toda a situação atual e a organização dessa luta.

Nossa luta é a luta pela frente única de todos que querem se livrar de Temer e do Congresso Nacional, é a luta para derrotar a repressão, os ataques do Judiciário e a Operação Lava Jato, a luta por um governo dos trabalhadores. Nessa luta, os marxistas combatem pela construção de um verdadeiro partido de classe no Brasil, um partido que lute pelo socialismo e pelo fim do regime da propriedade privada dos meios de produção.