Michel Temer em discurso na ONU. Foto: Carlos Allegri

Crise no sistema. Novas explosões no horizonte

Michel Temer, em discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU na última terça-feira (19/9), tentou apresentar um quadro positivo da situação brasileira: “Com reformas estruturais, estamos superando uma crise econômica sem precedentes. Estamos resgatando o equilíbrio fiscal e, com ele, a credibilidade da economia. Voltamos a gerar empregos. Recobramos a capacidade do Estado de levar adiante políticas sociais indispensáveis em um país como o nosso”.

O suposto “equilíbrio fiscal” anunciado é uma farsa. Na verdade as contas públicas devem fechar o ano com um déficit de R$ 159 bilhões, R$ 5 bilhões a mais do que no ano passado. Sobre a “geração de empregos”, existem hoje 13,3 milhões de pessoas em busca de trabalho. A leve queda na taxa de desemprego oficial do IBGE (que considera apenas quem está procurando emprego) esconde que muitos trabalhadores passaram para o mercado informal. A realidade é que a crise econômica continua e traz duras consequências para jovens e trabalhadores.

Temer, obviamente, preferiu não citar em seu discurso as denúncias de corrupção que o atingem, nem a crise política que o cerca. Mas a questão que fica é: por que esse presidente, com 3,4% de apoio popular, ainda não caiu?

Vale recordar que mesmo uma parcela da burguesia tomou a iniciativa, no primeiro semestre, de pôr fim ao governo Temer, antes que as massas realizassem essa tarefa nas ruas. Com o Ministério Público Federal e ministros do STF, organizaram a delação dos empresários da JBS, seguida de ampla divulgação pela mídia (Globo em primeiro lugar) das gravações que comprometiam o presidente. No entanto, a classe dominante se dividiu sobre o caminho a seguir diante da falta de um nome de unidade nacional capaz de substituir Temer e estabilizar a situação política. O Congresso barrou a primeira denúncia e deve fazer o mesmo com a segunda.

Mas o determinante para a permanência de Temer na presidência é a traição e covardia das direções reformistas no interior do movimento operário. Isso ficou evidente no desmonte da greve geral do dia 30 de junho pelas centrais sindicais após uma onda ascendente de mobilizações. A CUT, a maior central, também foi a maior responsável pelo fracasso do dia 30, o que concretamente deu as condições para aprovação da Reforma Trabalhista no Congresso.

As fracas manifestações e a ausência de greves no chamado dia nacional de lutas dos metalúrgicos, em 14 de setembro, revelam como a campanha pela revogação da reforma trabalhista também não está sendo de fato organizada na base. Assim segue o jogo das direções: convocar lutas pra dizer que algo está sendo feito, não mobilizar, e depois reclamar de um suposto conservadorismo dos trabalhadores.

Mas o ódio das massas a tudo o que está aí continua. Por isso, do Carnaval ao Rock in Rio, o grande sucesso é o “Fora Temer”. A greve dos correios atinge 20 estados e o Distrito Federal. Apesar da direção ter conseguido em um primeiro momento segurar a greve, uma assembleia com milhares de motoristas e cobradores no DF mostrou a disposição de luta dessa categoria.

O que falta é um canal para a base expressar essa revolta de maneira organizada e consequente para derrubar o governo, o Congresso e todas as podres instituições do capital.

O espetáculo da Lava Jato

A burguesia tenta salvar o sistema da ira popular prosseguindo com a Lava Jato. Até um filme, que estreou nos cinemas em 7 de setembro, é utilizado para propagandear a operação.

O espetáculo continua, com malas de dinheiro, depoimentos, prisões e delações. Rodrigo Janot, antes de vencer seu mandato e passar o cargo de Procurador Geral da República para Raquel Dodge, a indicada de Temer, lançou as últimas flechas e enviou ao STF nova denúncia contra Temer e grandes figuras do PMDB, assim como contra Lula, Dilma e outros petistas.

Janot, por outro lado, foi obrigado a revogar o acordo de delação que fez com os empresários da JBS após a divulgação de um curioso áudio, supostamente entregue por engano pelos próprios empresários da JBS, em que revelam o conluio com procuradores para armar as gravações de políticos e a delação. Na realidade, a revogação do acordo era necessária para a Lava Jato. Afinal, ver Joesley Batista passeando por Nova York após confessar seus crimes, não condiz com a imagem de uma operação que estaria limpando o Brasil da corrupção, caçando grandes empresários e políticos.

Completa o quadro o depoimento de Antonio Palocci, entregando Lula e falando tudo o que Sérgio Moro queria ouvir para tentar garantir um acordo de delação premiada. Palocci foi o primeiro petista a delatar os esquemas do governo, outros devem seguir o mesmo caminho. Afinal, é o oportunismo que move esses ex-dirigentes que traíram a classe trabalhadora e adotaram a política e os métodos burgueses. Para se safarem da prisão, falam o que for preciso.

Como já explicamos em outros artigos, a Lava Jato, com seus abusos e ações midiáticas, tem como objetivo passar a imagem de uma “faxina geral” no sistema diante do descrédito generalizado nas instituições.

O general e as saudades da burguesia

É parte desta crise política as novas declarações do general Hamilton Mourão, de apoio à intervenção militar no país. Por conta de casos anteriores, Mourão foi destituído do Comando Militar do Sul em 2015 e “chutado” para cima, para o Alto Comando do Exército. E lá, conversando com seus “pares”, chegou à conclusão que a maioria é a favor de uma intervenção militar ou, mais claramente, de um golpe militar.

Os jornais burgueses, entre a descrença e a saudade, recordam os momentos que antecederam o golpe de 1964. É bom lembrar, a ditadura nunca foi o mar de “honestidade” que todos hoje querem pregar. Vladmir Safatle, em artigo do dia 22 de setembro na Folha de São Paulo, relembra todos os escândalos da ditadura. Além das mortes e torturas, os políticos que hoje aqui estão, cresceram e floresceram com o pleno aval dos militares, como Maluf e Sarney.

Fato é que a Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição “Cidadã”, prevê o uso das Forças Armadas “a pedido” de qualquer um dos poderes, por exemplo, do Presidente da Câmara, do Senado ou do Judiciário, para a garantia da lei e da ordem. Temer decretou essa ação por conta da Marcha a Brasília de 24 de maio, quando mais de 100 mil manifestantes tomaram a capital federal contra a Reforma da Previdência e Trabalhista.

Ao mesmo tempo, é preciso considerar que um golpe militar, hoje, acirraria a crise e a confusão no estado burguês, em uma situação em que a própria burguesia não se entende sobre o que fazer. Um governo militar teria forte resistência e rejeição popular, já que ainda está fresco na memória o combate contra a Ditadura. Por isso este caminho não tem o apoio da maioria da burguesia hoje.

De qualquer forma, é preciso um forte repúdio às ameaças de um golpe militar. O movimento operário deve dar a sua resposta, compreendendo que a circulação, entre a cúpula do exército, da ideia de uma intervenção, é parte da crise política generalizada, da ruína do regime saído da Nova República.

Pesquisas, eleições e a nossa luta

Todos miram nas eleições do próximo ano como um meio de resolver a situação.

Para a direção da CUT, a saída é eleger Lula em 2018. Apesar das seguidas denúncias e uma condenação, o ex-presidente continua liderando as pesquisas para as eleições. Isso, de um lado, mostra que as massas não são levadas facilmente pela propaganda da Lava Jato. Por outro lado, as intenções de voto em Lula não significam que o proletariado retomou a confiança em Lula e no PT. Trata-se muito mais de uma reação de parcela da população para tentar se defender dos ataques, optando pela candidatura petista diante da falta de uma alternativa visível à esquerda. Mas a realidade é que um possível governo Lula será de mais colaboração de classes e submissão à burguesia, não há dúvida.

Já no PSDB, Geraldo Alckmin tenta garantir a candidatura a presidente, apesar de sua criatura, João Doria, estar ganhando espaço como alternativa.

Quem também parece ter sido picado pela “mosca azul” foi Henrique Meirelles, atual Ministro da Fazenda, ex-presidente do BankBoston, ex-Presidente do Banco Central no governo Lula, ex-presidente do Conselho de Administração da J&F. Apesar dele negar em palavras, comporta-se como pré-candidato à presidência. O que ele não explica é: como o então presidente do Banco Central não teve nada a ver com o roubo que toda a burguesia hoje acusa o governo Lula? Como os irmãos Batista foram para a cadeia por corromper mais de 1.800 políticos, inclusive o atual Presidente, e o Presidente do Conselho de Administração da empresa não viu esta dinheirama toda passar? Enquanto a economia fica sem solução, Meirelles comparece a reuniões com bispos evangélicos e pede reza para a economia melhorar. É uma boa imagem. Afinal, ele sabe que se depender da política econômica nada vai melhorar.

Marina Silva, a que se diz “nem de esquerda, nem de direita”, perdeu a segunda posição na última pesquisa para o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, que tenta captar a raiva contra tudo o que está aí para uma saída reacionária.

Um dado interessante é que todos os principais candidatos têm mais de 40% de rejeição, ou seja, de eleitores que disseram não votar neles de forma alguma. Aécio Neves é o campeão nesse quesito, com 69,5%, seguido por Ciro Gomes (54,8%), Geraldo Alckmin (52,3%), Marina Silva (51,5%), Lula (50,5%), Jair Bolsonaro (45,4%) e mesmo o novato João Doria aparece com 42,9% de rejeição.

É nesse cenário que uma candidatura de esquerda, revolucionária e socialista, poderia se conectar com os anseios das massas e ajudar na reorganização da classe trabalhadora. Uma candidatura do PSOL tem a possibilidade de cumprir esse papel e, por isso, a Esquerda Marxista, junto com centenas de militantes do partido, apoia a plataforma apresentada pelo companheiro Nildo Ouriques como pré-candidato à presidência da República pelo PSOL (ver: Nildo Ouriques, candidato luta de classes à presidência da República).

O combate passa pela intervenção nas eleições de 2018, mas é mais amplo e urgente. A Reforma Trabalhista entrará em vigor a partir de novembro e a luta é por revogá-la, explicando nos locais de trabalho as consequências nefastas desse ataque, colhendo assinaturas no abaixo assinado ao Projeto de Lei que anula a reforma. A Reforma da Previdência também continua entre as pretensões do governo Temer. A direita faz campanha pela aprovação da Lei da Mordaça, da ONG Escola Sem Partido, que avança em cidades e Estados. A educação pública está sob ataque com a Reforma do Ensino Médio e o sucateamento generalizado, assim como a saúde. A crise do sistema significa a piora nas condições de vida do conjunto da população.

A situação política no Brasil é parte da situação política internacional, em que pequenas fagulhas causam explosões. Na Espanha, a tentativa do governo de bloquear um plebiscito sobre a independência da Catalunha, prendendo alguns responsáveis pela iniciativa, levou milhares às ruas e pode enfrentar um transbordamento revolucionário. Na Argentina, o desaparecimento de um ativista que estava defendendo a comunidade Mapuche, desencadeou manifestações de massa por todo o país.

Também no Brasil o mal estar cresce e um novo junho de 2013 está sendo gestado. Para este cenário os revolucionários devem combater e se preparar.