Corrupção, capitalismo e democracia burguesa

A corrupção, em geral definida como o uso ilegal de recursos públicos em benefício de interesses privados, pode ser eliminada sem destruir o capitalismo? Os “especialistas” no assunto preferem falar de controle e não de eliminação. Ao menos eles reconhecem que, no capitalismo, erradicar a corrupção é um objetivo demasiadamente otimista. Mas o que significa, no capitalismo, manter a corrupção sob controle?

A corrupção, em geral definida como o uso ilegal de recursos públicos em benefício de interesses privados, pode ser eliminada sem destruir o capitalismo? Os “especialistas” no assunto preferem falar de controle e não de eliminação. Ao menos eles reconhecem que, no capitalismo, erradicar a corrupção é um objetivo demasiadamente otimista. Mas o que significa, no capitalismo, manter a corrupção sob controle? De acordo com a lógica do senso comum, controlar a corrupção é reduzir a apropriação privada do dinheiro público para um patamar, por assim dizer, aceitável. Os menos ingênuos, incluindo entre eles os mais cínicos, poderiam afirmar que manter a corrupção sob controle é a capacidade de cometer o ato ilegal sem deixar pistas ou o poder de abafar os escândalos. Na lógica interna do capitalismo, no estágio atual do capitalismo monopolista e imperialista, manter a corrupção sob controle tem um significado específico, que vai muito além dos escândalos e da discussão jurídica sobre o tema.

A lógica do senso comum conforma-se com a ideia de que a corrupção, ou o crime em geral, é um aspecto inseparável da “natureza humana”, independente dessa ou daquela forma de organização política e econômica da sociedade. Se os indivíduos tendem “naturalmente” a obter vantagens à custa uns dos outros, mesmo quando para isso seja necessário burlar a lei, não apenas o crime comum é inevitável na esfera dos negócios privados, mas também a corrupção (o crime contra o patrimônio público) é previsível de acordo com essa lógica. Não por acaso, é essa mesma lógica que justifica o esquema básico da sociedade burguesa, a separação entre o estado e a sociedade civil, ou seja, a clara distinção entre a esfera pública e a esfera privada, uma novidade histórica que simplesmente não existia nas sociedades pré-capitalistas.

Na esfera pública, o aparato estatal deve supostamente assegurar a igualdade de todos perante a lei, inclusive o direito de propriedade como base das “liberdades individuais”, e deve manter sob controle tanto o crime comum quanto a corrupção. Na esfera privada, os indivíduos são proprietários privados da sua força de trabalho (os assalariados) ou dos meios de produção (os capitalistas), e a livre competição, seja por maiores salários, seja por maiores lucros, cada um buscando a maior vantagem individual, coloca em ação a “mão invisível” das forças de mercado que articulam a produção e o consumo na sociedade como um todo, e  estimulam ao mesmo tempo o trabalho árduo, a criatividade, a eficiência, resultando no chamado bem comum.

Os menos ingênuos percebem que, dentro dessa lógica do senso comum, tanto o crime quanto o chamado bem comum são derivados da mesma “natureza humana”. Na própria experiência do dia a dia, eles também percebem que a igualdade de todos perante a lei é uma farsa jurídica e, portanto, o chamado bem comum é uma ficção. Com uma observação um pouco mais atenta, não é tão difícil concluir que, na sociedade civil, entre os trabalhadores e os capitalistas o que existe não é uma competição entre indivíduos na qual vence quem é mais esperto ou mais eficiente, mas sim uma luta de classes que ultrapassa os limites do que pode ser equacionado pelo mecanismo de mercado, um antagonismo irreconciliável que é a principal razão para a existência do estado moderno, equipado e devidamente armado para defender a propriedade privada dos meios de produção.

Mas esse antagonismo entre trabalho e capital não pode ser compreendido com base na ideia de “natureza humana”, de modo que entre aqueles menos ingênuos, os que ainda assim seguem acreditando na “natureza humana” como uma realidade fixa e imutável, que não compreendem que isso que é chamado de “natureza humana” é um produto histórico, um modo de ser social que depende do desenvolvimento das forças produtivas, acabam adotando uma atitude cínica porque para eles o que subsiste como verdadeiro na “natureza humana” é o próprio crime, isto é, a ambição desenfreada, o egoísmo puro e simples. Portanto, essa atitude cínica – esteja ela baseada em pura abstração ou na sociobiologia e teorias equivalentes – é incapaz de avançar um milímetro na compreensão das contradições da sociedade burguesa, embora cumpra um papel importante na constelação de esquemas de pensamento da ideologia da classe dominante. A própria lógica do senso comum também é parte integrante dessa constelação, e no cardápio ideológico da burguesia esses esquemas de pensamento são combinados de maneira flexível e, por assim dizer, cada refeição é servida de acordo com a ocasião e ao gosto do freguês.

Uma dessas refeições é servida pelo economista americano Robert Klitgaard, considerado uma das maiores autoridades mundiais em corrupção. De acordo com ele, podemos usar uma “equação”, de sua autoria, para calcular o grau de corrupção na sociedade, de uma perspectiva mais objetiva e não apenas jurídica. Basta somar a concentração de poder econômico (ou monopólio) com a concentração de poder político (ou “discricionariedade”), e diminuir desta soma a transparência destes poderes (C = M + D – T, ou corrupção igual ao nível de monopólio somado ao nível de discricionariedade menos o nível de transparência). Para ele, ainda que não possa ser formulada com números muito precisos, esta “equação” permite enfrentar o problema da corrupção com uma visão prática do que precisa ser feito. Na entrevista que ele concedeu à revista Veja (13/05/2015), ele resumiu essa visão prática com um discurso aparentemente radical: é preciso “quebrar monopólios”, “limitar o poder de arbítrio dos dirigentes”, e “aumentar os mecanismos de transparência”.

Embora a ousada lógica da sua “equação” pareça indicar a necessidade de uma profunda transformação do atual esquema de poder econômico e político, o professor Klitgaard não propõe nenhuma transformação que ameace os verdadeiros centros desse poder. A visão prática deste professor – que leciona em importantes universidades americanas, e realizou pesquisas sobre a corrupção em vários países pouco desenvolvidos – fica mais clara quando ele afirma: “Se um país quer ser grande [ou seja, rico e desenvolvido], ele precisa ter esse mal sob controle”. Para ele, portanto, nos países ricos e desenvolvidos a corrupção está sob controle. Essa concepção do professor é aparentemente estranha, tendo-se em conta os frequentes escândalos de corrupção nas altas esferas de poder nos países avançados, frequência que tende a aumentar com o prolongamento e agravamento da crise econômica mundial, mas de um ponto de vista que vai além da definição meramente jurídica de corrupção, ou seja, que não se prende ao caráter meramente legal ou ilegal do desvio de recursos públicos para o benefício de interesses privados, o professor tem razão: embora ele esteja muito longe de afirmar isso, a verdade é que esse desvio, nos países ricos e desenvolvidos, ocorre em proporção cada vez maior e, como será explicado adiante, com pouca relação com os escândalos de corrupção.

Por outro lado, ele pensa que nos países pouco desenvolvidos a corrupção é o obstáculo decisivo para a superação da pobreza porque gera uma concentração excessiva da riqueza e, ao mesmo tempo, distorce as forças de mercado que regulam as cadeias da produção. Por esse prisma, o que bloqueia o desenvolvimento independente e o que explica a pobreza dos países atrasados não é o imperialismo dos países capitalistas avançados, que domina e dita as regras do mercado mundial, subordinando a produção e a circulação internacional da riqueza aos seus interesses, isto é, aos interesses dos seus grandes monopólios. Segundo a teoria do professor, o “mal” que determina a pobreza nos países atrasados é a corrupção, e essa não é uma ideia que ele defende sozinho. Há uma volumosa literatura, assinada por economistas e sociólogos, que segue a mesma linha.

Como economista, Klitgaard sabe que está atribuindo à corrupção exatamente os mesmos efeitos do monopólio: concentração excessiva da riqueza e distorção das forças de mercado. Essa identidade de efeitos entre a corrupção e o monopólio, que inclusive não aparece claramente na “equação” do professor, dá uma primeira pista para compreendermos o que realmente está em jogo. De acordo com a sua “equação”, a contribuição do monopólio para a existência da corrupção pode ser contrabalançada pela democracia, já que podemos supor que, para ele, na democracia não há uma concentração excessiva do poder político (há liberdade de expressão, pluripartidarismo, eleições “livres”, etc.) e existe um nível alto do que ele chama de transparência. E na entrevista ele fala de “mecanismos de transparência que permitam a jornalistas, centros de estudo, consultorias, enxergar o que ocorre no interior das empresas”. Portanto, se a influência dos grandes monopólios sobre as decisões do “poder público” for determinante, e se a transparência destas grandes corporações industriais e financeiras for quase nula, a equação do professor fica reduzida a uma igualdade entre corrupção e monopólio, que corresponde precisamente à identidade de efeitos entre os dois na teoria econômica.

O combate à corrupção, para ele, é um problema específico dos países capitalistas menos desenvolvidos. Talvez por essa razão ele não experimenta testar a sua “equação” no caso dos países ricos e desenvolvidos. Se aplicássemos a “equação” do professor ao caso dos EUA, onde estão os monopólios mais poderosos do mundo, onde o governo não dá um passo sem a permissão destes monopólios, e onde os grandes meios de comunicação distorcem e ocultam a realidade de acordo com os interesses dessas mesmas gigantescas corporações industriais e financeiras, deveríamos concluir que o grau de corrupção nos EUA é muito alto, talvez o mais alto do planeta. E, dada a suposta relação causal entre corrupção e pobreza, os EUA deveriam ser uma nação muito pobre. Como essa última conclusão destoa completamente da realidade, ou a sua “equação” não teria validade para os países avançados, um mistério que o professor deveria explicar, ou falta alguma coisa para compreendermos o significado da sua “equação”.

O que falta é justamente entender que a “equação” do professor é tão válida para os países avançados quanto para os atrasados, mas a relação de causa e efeito que ele estabelece entre corrupção e pobreza é apenas um pretexto para manter a corrupção sob controle do grande capital imperialista dos países avançados. Controlar a corrupção, para ele, não significa reduzir o desvio de recursos públicos em benefício de interesses privados, um desvio que o capital monopolista não pode dispensar, mas sim concentrar esse desvio nas mãos de quem dita as regras no mercado mundial. O que está realmente em jogo é quem controla esse desvio, e é isso o que significa corrupção sob “controle” no capitalismo em seu atual estágio imperialista.

O caráter legal ou ilegal desse desvio é um detalhe jurídico a ser resolvido por outros “especialistas”. O uso de centenas de bilhões de dólares, dos cofres públicos, para salvar os grandes bancos privados – principalmente nos EUA, mas também na Europa – no começo da atual crise econômica mundial (2008), é um exemplo de megacorrupção à luz do dia. Alguns juristas americanos tiveram a “coragem” de comentar publicamente sobre a “duvidosa legalidade” desse uso em larga escala de dinheiro do estado para salvar bancos privados. Curiosamente, acabou prevalecendo a tese jurídica de que os monopólios privados “grandes demais para quebrar” devem ser protegidos em nome do interesse público. Marx comentou que a crise do capital revela mais claramente as suas contradições, e na era do imperialismo, como Lenin explicou, essas contradições desenvolvem-se até o seu limite extremo.

Corrupção e monopólio tem efeitos idênticos na teoria econômica, e na prática se interpenetram cada vez mais e em escala cada vez maior. A “equação” do professor tem esse mérito: situar o problema da corrupção além da discussão meramente jurídica. Mas a árdua tarefa intelectual de Klitgaard, e seus colegas da academia, consiste em elaborar a relação de causa e efeito entre corrupção e pobreza para ocultar a relação necessária entre capitalismo e corrupção e, ao mesmo tempo, usar o suposto combate à corrupção para manter a corrupção sob controle dos grandes monopólios privados dos países imperialistas. Quando, por exemplo, ele se refere ao escândalo de corrupção na Petrobrás, ele qualifica o monopólio que deve ser quebrado como monopólio estatal. Sobre os gigantescos monopólios privados da sua terra natal ele não dá um pio.

É muito importante, na luta de classes, compreender a relação necessária entre capitalismo e corrupção. Vamos tratar primeiro da corrupção “normal” do capitalismo em geral, tanto nos países atrasados quanto nos países avançados, para depois voltar ao caso específico da corrupção no capitalismo em seu estágio monopolista e imperialista.

Nos países em que as instituições burguesas são relativamente frágeis, como o Brasil, a receita habitual para debelar o “flagelo” da corrupção é simplesmente mais capitalismo. A corrupção seria um sintoma de atraso, um atraso que deforma a livre ação das forças de mercado. O “mais capitalismo” aconselhado aos países atrasados é um conjunto de medidas, disfarçadas de combate à corrupção, para aprofundar ainda mais a subordinação destes países aos grandes monopólios dos países imperialistas. De acordo com essa receita, a corrupção não seria o resultado lógico da influência de poderosos interesses privados sobre o chamado poder público, uma influência que é evidente em qualquer país capitalista, seja ele mais ou menos desenvolvido.

Essa receita consiste em reduzir o tamanho do estado junto com medidas que supostamente disciplinem a influência do setor privado. Portanto, a corrupção nestes países atrasados é também usada como justificativa (mais capitalismo) para criar um ambiente favorável à privatização, como está acontecendo agora no escândalo envolvendo a Petrobrás. E tanto melhor se o escândalo pode ser usado para desmoralizar um partido de origem operária, como o PT, uma manobra que a própria direção do PT permite e até estimula com o seu programa de colaboração de classes. Com essa política, o PT se deixou envolver pelo fedor que exala das suas alianças com os partidos burgueses, e já faz tempo que está apodrecendo junto com eles.

Nessa incômoda problemática da corrupção, os intelectuais burgueses percebem os limites da pregação puramente moralista. Além desses limites, é arriscado insistir na ideia de que a corrupção é apenas o resultado da falta de honestidade dos indivíduos, principalmente se estes ocupam altos cargos públicos e nas grandes empresas privadas. Essa insistência é arriscada porque pode provocar uma dúvida perigosa: afinal, por que esses indivíduos corruptos têm em suas mãos um poder tão vasto que escapa ao controle da sociedade como um todo? Se a democracia burguesa não pode dar uma resposta prática e convincente a esta dúvida, se a corrupção decorre da própria “natureza humana” – seja porque somos todos pecadores ou porque a natureza nos fez assim – então a dúvida contamina a própria noção mais fundamental da ideologia burguesa: a suposta relação necessária entre a “natureza humana” e a propriedade privada, ou seja, a competição de todos contra todos que põe em ação as forças de mercado, supostamente para o bem de todos.

Pois é com base nessa ideia que o capitalismo e a sua forma política ideal, a democracia burguesa, são defendidos como o sistema menos imperfeito para conciliar a liberdade com o bem comum, a criatividade com o estímulo ao trabalho árduo, a competição com a eficiência. Como é importante resguardar essa ideia de qualquer dúvida perigosa, Klitgaard afirma: “Não penso na corrupção como algo inerente à natureza humana, mas como fruto de oportunidades”. De acordo com a sua própria equação, essas oportunidades dependem da concentração do poder político e econômico, e é evidente que quanto maior essa concentração menor será a “transparência”, mas o nosso sábio “especialista” não deseja ver qualquer relação entre essa concentração de poder e as relações sociais de produção baseadas na propriedade privada.

Se a democracia burguesa não pode controlar a corrupção, ou se este controle depende da repressão da mesma “natureza humana” que justifica a propriedade privada, torna-se evidente que o capitalismo real é muito diferente do sistema ideal descrito pela ideologia burguesa. Consequentemente, para a advocacia geral do capitalismo, é muito importante manter a imagem de que a corrupção é um fenômeno típico do capitalismo pouco desenvolvido, e que nos países avançados, com “sólidas instituições democráticas”, a corrupção é a exceção e não a regra. Essa imagem também é importante para os reformistas que defendem, dentro do movimento operário, uma aliança com uma suposta “burguesia progressista”, que seria mais democrática e, por essa razão, mais disposta a controlar a corrupção.

Existem até mesmo aparatos internacionais de propaganda para defender essa imagem (o Banco Mundial, a ONG Transparência Internacional, etc.). Eles publicam listas com índices de corrupção para cada país, mas o interessante é que esses índices são computados com as respostas de empresários – e os nomes dessas pobres vítimas da corrupção, naturalmente, são mantidos em sigilo – ao serem indagados com que frequência pagam subornos aos funcionários públicos, um tipo de corrupção que todos sabem que é comum nos países capitalistas mais atrasados, sobretudo em razão da relativa debilidade e da subordinação da burguesia nacional ao imperialismo. Estes índices também são frequentemente usados para pressionar os países atrasados a mudar a sua legislação e abrir os seus mercados para as empresas estrangeiras.

Mas aquelas modalidades de corrupção que envolvem somas muito maiores, e são notoriamente existentes nos países capitalistas com “sólidas instituições democráticas”, simplesmente não entram nesses índices. Os lobistas, por exemplo, que circulam livremente pelos corredores do Congresso americano, oferecendo dinheiro em troca da aprovação de projetos de lei que favorecem os lucros das empresas que representam. Ou a manipulação das taxas interbancárias na “City” financeira de Londres, que gera ganhos escusos de centenas de milhões de libras. Ou o mercado negro de “informação privilegiada” dos bancos centrais e outros órgãos públicos, que é uma fonte de fabulosos lucros com a compra e venda de ações ou de moedas estrangeiras, e em outras espécies de negócios, etc., etc.

A lista de modalidades de corrupção nos países avançados é longa, mas é principalmente mais sofisticada, e algumas dessas modalidades são inclusive legalmente “disciplinadas”, supostamente para evitar abusos. A corrupção, em todos os países capitalistas, não é apenas uma questão de “oportunidades” que geram um número maior ou menor de episódios de suborno de funcionários públicos, oportunidades que poderiam ser reduzidas aumentando a fiscalização e a punição dos infratores, ainda que isso possa ter um efeito real até certo ponto, mas sim uma questão ligada à própria estrutura econômica e política da sociedade burguesa.

O que tudo isso demonstra é que a corrupção é inevitável se a produção da riqueza social é organizada com base na propriedade privada dos meios de produção. Em outras palavras, a corrupção é inerente ao capitalismo precisamente porque o estado burguês é o que Marx denominou de “comunidade ilusória”, que nós aprendemos a chamar de “poder público” mas está sob o controle do poder privado do grande capital. Mesmo que as frações dominantes da alta burguesia entendam que é importante conter a corrupção no varejo dentro de certos limites para manter a operação “normal” do sistema como um todo, a democracia burguesa sempre foi impotente diante da corrupção. A anarquia da produção, isto é, a fragmentação da produção social pela propriedade privada, é simplesmente incompatível com a abolição da corrupção. A disputa entre os capitais individuais não é um torneio esportivo, mas uma luta de vida ou morte para manter e ampliar as suas posições, de maneira que, mesmo necessitando preservar as instituições do seu próprio regime, a atitude do burguês individual diante da lei, como Marx explicou, é muito simples: “ele a burla sempre que isso é possível em cada caso particular, mas quer que todos os demais a cumpram”.

Por outro lado, na era do monopólio e do imperialismo – com a conexão cada vez mais íntima entre os interesses das grandes corporações privadas e os altos escalões da máquina estatal – a concentração e centralização do capital levou à correspondente concentração e centralização da corrupção, e aqui o sentido jurídico dessa corrupção no atacado, a distinção entre o caráter legal ou ilegal desse uso do dinheiro do estado para o lucro do monopólio privado, vai adquirindo um aspecto cada vez mais abstrato e arbitrário. Por essa razão, nos países capitalistas avançados, para não reduzir o dinheiro público disponível para os monopólios, a corrupção no varejo é mais controlada: por exemplo, em comparação com os países atrasados, a punição das pessoas físicas pela sonegação do imposto de renda é mais rigorosa, assim como o suborno de funcionários públicos de baixo ou médio escalão é menos frequente, de modo que a corrupção tornou-se um “privilégio” ao alcance de um número muito mais restrito de pessoas, embora as somas envolvidas sejam gigantescas.

É somente por ser muito mais centralizada e concentrada, além de ser juridicamente camuflada, e não por ser maior ou menor, que a corrupção nos países mais ricos é considerada exceção e não a regra. Uma exceção ao alcance dos mais poderosos, uma regra muito mais arriscada para o resto. Para a grande burguesia imperialista, a corrupção no varejo deve ser considerada como um crime e submetida ao rigor da lei, mas a corrupção no atacado é um modo de reprodução do capital no seu estágio imperialista de desenvolvimento.

A corrupção ligada aos grandes monopólios é qualitativamente diferente da corrupção “normal” do capitalismo. Esta última decorre da própria competição de todos contra todos, e do modo como circula a riqueza na sociedade capitalista, um modo que transforma todas as necessidades, inclusive as relações sociais, em objetos de compra e venda: burlar a lei subornando os funcionários da “comunidade ilusória”, dentro de certos limites, é apenas mais uma transação que não compromete a função essencial do estado burguês, que é a de controlar e reprimir a luta de classes.

Na corrupção ligada aos grandes monopólios o estado mantém essa mesma função, mas adquire outra função que se torna igualmente essencial, como Lenin explicou, quando a produção já é objetivamente social, mas continua baseada na propriedade privada. Trata-se de prover as condições para a reprodução do capital, no âmbito nacional e internacional, no nível de desenvolvimento em que as forças produtivas, com a integração materialmente necessária entre os ramos da produção, ultrapassam a capacidade das forças de mercado para articular a produção com o consumo. A reprodução do grande capital tem que ser então administrada pela estreita conexão entre os monopólios e a alta burocracia estatal, e se aplicarmos a “equação” de Klitgaard às formas concretas dessa reprodução administrada do capital – por exemplo, ao enorme complexo industrial-militar nos EUA – podemos compreender que elas são tão monopolistas, tão discricionárias, tão opacas, que o conceito objetivo de corrupção é perfeitamente adequado para elas. Mas essa corrupção, que permanece na sombra e raramente gera escândalos, é justamente a corrupção sob “controle” defendida não apenas pelo professor, mas por todo o aparato ideológico do imperialismo.

O sentido mais amplo da palavra corrupção vai adquirindo cada vez mais uma existência concreta na sociedade capitalista, em escala mundial: degradação, putrefação, degeneração. A barbárie imperialista é a expressão mais imediata e mais ampla da corrupção sob “controle” que se transforma, em proporção cada vez maior, no modo “normal” de reprodução do capital. No entanto, por esse mesmo movimento, que é um resultado das leis internas do capitalismo e da sua crise orgânica, o acirramento da luta de classes é inevitável, e a classe trabalhadora, apesar dos intelectuais como Klitgaard, e apesar das suas próprias lideranças reformistas, encontrará o caminho para destruir o capitalismo e erguer uma sociedade nova, na qual o imenso potencial das forças produtivas, em vez de ser devorado pelos abutres imperialistas, será colocado a serviço de todos os indivíduos. Mas para seguir nesse caminho até um desfecho realmente decisivo é preciso superar a crise de direção do proletariado. A Corrente Marxista Internacional, e a Esquerda Marxista no Brasil, lutam para que o marxismo revolucionário seja retomado como instrumento necessário para construir a unidade internacional da classe trabalhadora em direção à revolução socialista.