Cassação de Cunha terminou um capítulo

Embora dê satisfação ver Eduardo Cunha cassado, sua remoção foi conduzida pelas mãos dos representantes do sistema capitalista.

Uma novela tem como algumas de suas características o prolongamento de sua extensão, e o enfoque da trajetória em um personagem. O protagonista desta história, um charlatão chamado Eduardo Cunha, acabou de passar por um capítulo difícil. Seus “amigos” formalizaram sua queda com a cassação de seu mandato na Câmara dos Deputados na última segunda-feira (12/09).

Personificação perfeita das figuras que ocupam os espaços da República formada em 1985, Eduardo Cunha perdeu o posto em meio à agonia das instituições burguesas existentes. Até pouco tempo presidente da Câmara, era saudado pelos seus colegas, afagado por Lula e Dilma, lisonjeado pela oposição de direita e gracejado pela imprensa burguesa. Por que agora é cuspido por seus parceiros?

Foram 450 parlamentares levantando suas vozes para que seu ex-líder perdesse o mandato. Mas a maioria esmagadora desses sabia de suas tramoias. Era cúmplice. Pedia ou devia favores. Está envolvida em esquemas tão ou mais obscuros e deploráveis. Coragem tiveram os 10 bandidos assumidos com seus votos pela absolvição, os 9 envergonhados que se abstiveram, e os 42 que não apareceram no plenário.

Há uma expressão popular brasileira chamada “boi de piranha”, que designa uma situação onde um bem de pouco valor é sacrificado para que em troca outros de maior valor não sofram dano. Foi isso que assistimos neste capítulo que se encerra da novela de Eduardo Cunha. A boiada de representantes da ordem capitalista estabelecida está atravessando o rio turbulento da crise social que se abate sobre o Brasil. Torcem para pisar em terra seca rapidamente, pois está em curso uma ação da burguesia para dar a impressão de uma limpeza geral no sistema, renovando os seus quadros políticos e sacrificando alguns desmoralizados para salvar o conjunto das instituições do descrédito e da ira popular.

Michel Temer e seu governo tiraram de cena o condutor do vagão que os levou até o poder. Buscam desvincular-se a todo  custo da imagem odiosa de seu fiel aliado, em um contexto de protestos de massa pelo #ForaTemer e suas contrarreformas. Ao mesmo tempo, o Palácio do Planalto tenta criar as condições, junto à sua instável  base aliada no Legislativo, para tramitar as medidas por eles desejadas, atendendo os anseios dos setores econômicos e políticos que expressam.

Sim, milhares de ativistas e militantes foram agentes que tornaram insustentável a manutenção de Eduardo Cunha no centro do Poder Legislativo brasileiro. Contudo, o sistema capitalista é mantido por uma articulação muito bem centralizada e coordenada de inimigos dos trabalhadores. Eles atuam incessantemente para manter o regime social e manter a legitimidade perante as massas sociais das instituições que garantem seus interesses. E às vezes, quando a situação escapa ao controle das forças sociais burguesas, estão dispostas a sacrificar aliados, partidos e até mesmo setores econômicos inteiros.

Ver a queda de Cunha pelas mãos dos representantes políticos do sistema capitalista significa justamente um rearranjo da ordem burguesa, para continuar o gerenciamento dos negócios e dos interesses de uma minoria parasitária em nosso país. “A podridão política que gerou Cunha está viva e voa alto”, decretou Mario Sergio Conti, uma das poucas mentes sãs da imprensa burguesa. Nenhuma satisfação pessoal pode levar-nos a se conformar com a situação.

As máquinas deste sistema corrupto e corruptor continuam girando, expelindo uma fumaça tóxica para quem quer que a inale. São praticamente todos os 513 deputados e 81 senadores atuando contra os interesses das massas trabalhadoras do campo e da cidade. Junto a eles, temos as máquinas igualmente pútridas dos poderes Executivo, Judiciário e todo um arsenal bélico de homens armados.

Chegou ao fim o capítulo de Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados. Contudo, nada está garantido sobre os processos que ele responde atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF) e que com a perda do mandato devem ser repassados para a justiça de Curitiba. A novela por ele protagonizada ainda está longe de ter um desfecho definitivo. Contudo, nossa atenção precisa estar voltada para outro campo narrativo, no qual se desenrola a luta entre as classes sociais do Brasil e do mundo. Esse se caracteriza pela diversidade de tramas e linhas narrativas que se cruzam. Cunha é apenas uma parte desse todo, não percamos isso de vista.