Ataques à Previdência: MP 665, Pensões e fórmula 85/95

A MP 665 tem um objetivo central: reduzir as pensões por morte. Em outras palavras, as mulheres que recebem pensões não vão mais receber como antes. A partir de agora, somente as mulheres que tem mais de 45 anos receberão pensão a vida inteira. As outras, somente durante alguns anos.

 

A MP 665 tem um objetivo central: reduzir as pensões por morte. Em outras palavras, as mulheres que recebem pensões não vão mais receber como antes. A partir de agora, somente as mulheres que tem mais de 45 anos receberão pensão a vida inteira. As outras, somente durante alguns anos.

O interessante disso é que boa parte das mortes antes dos 50 anos (homens) são causadas por armas de fogo ou acidentes de trabalho. E se antes o Estado amparava as viúvas, depois da MP 665, isso não mais acontecerá. A “mãe” Dilma se converteu rapidamente em madrasta dos contos de fada, justamente com as mulheres mais pobres e sofridas, que dependem das pensões e que viram seus companheiros morrerem por culpa desta sociedade capitalista perversa e injusta.

Mas, para adoçar a boca dos adesistas de plantão, os deputados fizeram uma novidade: substituíram o atual fator previdenciário pela fórmula 85/95 e incluíram isto como uma emenda na MP 665. Lógica perversa – para acabar com o fator previdenciário é necessário aprovar a piora das pensões. O engraçado é que se economizará mais com a derrubada das pensões do que se ganhará com a quebra do fator previdenciário. Para explicar toda essa barafunda, este artigo tratará de três questões:

– Um pouco da história da previdência, depois da constituição de 88;

– O que é o fator previdenciário e a fórmula 85/95;

– O mito dos déficits previdenciários.

I – Um pouco de história

A Constituição de 1988 tem muitos defeitos, como qualquer constituição burguesa, mas foi fruto de uma luta que derrubou a ditadura militar. Assim, incluiu uma série de direitos trabalhistas e previdenciários que a burguesia, nos anos seguintes, tratou de minar. Quais foram os principais direitos previdenciários que foram incluídos?

  1. Aposentadoria por tempo de serviço, 35 anos para homens e 30 para mulheres, de 1 a 10 salários mínimos.

  2. Pensão integral se o contribuinte morresse para o dependente (filhos e companheiras, em sua maioria).

  3. Aposentadoria integral, paga pelo Estado, para servidores públicos

Mas a burguesia, já na Constituição, incluiu pequenas “vírgulas” que depois se mostraram prejudiciais aos trabalhadores. Uma delas foi ao artigo 7o, que trata dos direitos dos trabalhadores que reproduzimos integralmente aqui:

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

É evidente que a parte de “necessidades vitais” como moradia, saúde, educação, etc., nunca foram cumpridas. A parte “vedada a sua vinculação” começou a ser cumprida imediatamente e como resultado o teto do INSS para aposentadorias diminui de 10 salários mínimos para hoje um pouco mais de 4 salários, sendo que a maioria das aposentadorias tende sempre a reduzir-se para um salário mínimo, já que não são corrigidas de acordo com o índice deste.

A burguesia sentiu o golpe e foi retirando estes direitos, pouco a pouco. As principais mudanças que ocorreram ao longo dos anos foram as seguintes:

  1. A aposentadoria dos servidores deixa de ser responsabilidade do Estado e passa a ser responsabilidade do Estado e dos servidores;

  2. Os fundos de pensões são proibidos de oferecer pensões com valores definidos de aposentadoria e passam a ser de “contribuições definidas”, sendo que os valores das pensões dependem do rendimento de suas aplicações no mercado de valores;

  3. Muda-se o conceito de “tempo de trabalho” para tempo de contribuição. Com isto o trabalhador tem que provar que teve descontado do seu salário para o INSS ao invés de ter de provar que trabalhou;

  4. Cria-se o fator previdenciário que reduz a aposentadoria em função do aumento da “longevidade” da população; na prática, o trabalhador que tenta se aposentar com 35 anos de trabalho não recebe a aposentadoria integral, mas somente o salário mínimo;

  5. A aposentadoria dos servidores públicos integral é destruída e estes passam a receber a mesma aposentadoria dos demais trabalhadores; em outras palavras, ao invés da isonomia por cima, com os demais trabalhadores tendo conquistas, temos a regressão na aposentadoria dos servidores;

  6. Com a MP 665, as pensões por morte são reduzidas.

Nesta breve história, deixamos de mencionar todas as leis e mudanças constitucionais que levaram a esta situação. Mas foi o resultado de mais de 25 anos de luta de classes, na qual a burguesia foi levando a melhor nos termos gerais, apesar de uma vitória ou outra da classe trabalhadora. Para fazermos o balanço político desta situação, seria necessário um artigo muito mais longo e fugir totalmente ao escopo deste.

II – O que é o fator previdenciário e a fórmula 85/95

O fator previdenciário foi criado por uma lei em 1999 e através de um cálculo complicado ele reduz a aposentadoria por tempo de serviço. E, importante, ele muda todo ano. Ao aumentar a “expectativa de vida” o fator diminui e com isso diminui a sua aposentadoria. O trabalhador vive então uma situação igual a do cavalo que persegue uma cenoura pendurada numa vara a sua frente – se deixar a sua aposentadoria para o ano que vem, descobre que o fator foi modificado porque a expectativa de vida aumentou e ele não terá a sua aposentadoria integral novamente. Para se ter uma ideia da situação, mostramos um cálculo feito pela ANFIP – Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (http://www.anfip.org.br/publicacoes/20140207084406_Fator-Previdenciario-2014_07-02-2014_NOVO-Maaneiro-Fator-Previdencirio-Apresentao-01.12.2013.pdf)

Veja o exemplo de um segurado nas seguintes condições:

• 35 anos de contribuição • 55 anos de idade •

Es = 25,5 anos (Expectativa de vida)

Média de 80% dos maiores salários de contribuição: R$ 1.800,00

Cálculo do Fator Previdenciário F = (Tc x a/Es) x [ 1 + (Id + Tc x a )/100]

F = (35 x 0,31/25,5) x [1+ (55 + 35 x 0,31 ) /100 ]

F = 0,7057

Valor do salário-de-benefício SB = 1.800,00 x 0,7057

SB = R$ 1.270,26

Este é o cálculo com a expectativa de vida de 2013. Hoje a expectativa de vida aumentou e como consequência o salário benefício diminuiu. Então, o fim do fator previdenciário é uma das maiores lutas que o movimento sindical tem. Ele foi prometido por Lula, mas nunca foi feito. Quando o Congresso Nacional aprovou o fim do Fator, Lula vetou com o argumento que “faltava uma alternativa”. Finalmente, depois de muito tempo foi construída uma “alternativa” a tal da fórmula 85/95. Mas nunca foi implementada por Lula e agora Dilma promete vetá-la. Mas esta “alternativa” é boa?

A tal da fórmula é mais simples de calcular e todo trabalhador pode entender. Você soma a sua idade com o seu tempo de contribuição verifica, se for homem, se deu 95. Se deu, você pode se aposentar. Para entender isso, vejamos alguns exemplos:

Idade que começa a trabalhar

Tempo de contribuição

Idade para aposentar

Tempo de Contribuição mais Idade pra aposentar

15

40

55

95

25

35

60

95

35

30

65

95

45

25

70

95

 

Como se nota, os mais pobres, que têm que começar a trabalhar mais cedo, têm que trabalhar muito mais para se aposentar. Então esta fórmula é diferenciada nos diferentes segmentos da classe trabalhadora. Os que pertencem às camadas mais sofridas vão trabalhar mais! Nenhuma “fórmula” ou “lei” é perfeitamente justa sobre o capitalismo, mas uma que prejudica justamente os mais pobres é particularmente cruel.

Ainda assim, Dilma quer vetá-la. Por quê? Porque segundo eles, os capitalistas, analistas, financistas, especialistas e outros “istas” mais, a expectativa de vida tem aumentado e com isso precisamos aumentar o tempo de trabalho cada ano. Em outras palavras, precisamos de uma fórmula como a 85/95 com a condição de que ela passe ano a ano para 86/96, depois 87/97, etc. Segundo eles, uma fórmula fixa irá comprometer a saúde financeira do sistema. Com esta discussão, nós passamos para a terceira e última parte deste texto.

III – o mito do déficit previdenciário

Todo ano o Ministério da Previdência publica que temos um déficit previdenciário da ordem de 40 a 50 bilhões de reais. E a imprensa repercute isso com alarde. Mais ainda, sempre dizem que o déficit vai aumentar e que é preciso “reformar” a previdência para que isto não aconteça mais, para que ela seja sustentável.

A ANFIP publica por sua vez os dados retirados do próprio orçamento e mostra que isto não é verdade. Mas a imprensa, Globo, Folha de São Paulo, Veja, Estado de São Paulo, as TVs, nunca divulgam os dados da ANFIP.

A ANFIP publicou este ano um estudo sobre o assunto do qual extraímos a seguinte tabela que mostra o que deveria ser alocado para a Previdência Social e Assistência Social:

http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/ANFIP-desmente-rombo-na-Previdencia-Social_11-02-2015

Grosso modo, do que se trata? A Constituição Federal estabeleceu uma previdência rural, para amparar os trabalhadores rurais, na maior parte das vezes com aposentadorias equivalentes ao salário mínimo.

A ANFIP já mostrou em vários artigos que o único setor que dá “prejuízo” é o setor rural, sendo que a própria Constituição estabeleceu outras formas de financiamento para cobrir este prejuízo. Em entrevista do Ministro da Previdência, deste ano, isso fica claro – matéria reproduzida pela ANFIP em http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/Ministro-da-Previdencia-confirma-estudos-da-ANFIP-e-nega-rombo-nas-contas_23-02-2015

O Estado de S. Paulo: Então, se separar, contabilmente, o modelo rural do urbano, o problema estaria resolvido?

Ministro Gabas: Veja bem, falamos de 8,4 milhões de aposentados rurais que ganham um salário mínimo. Neste segmento a despesa cresceu bastante porque o salário mínimo cresceu muito. Essa política não tem objetivo de ter superávit, a conta não foi feita para fechar, tanto que a Constituição prevê a Cofins e a CSLL para servirem de fonte de renda para custear a previdência rural. Contabilmente nosso regime é equilibrado, mas a conta, depois que houve a unificação dos caixas no Tesouro, se misturou tudo. Tivemos uma arrecadação de R$ 5 bilhões com o rural e gastos de R$ 80 bilhões. A arrecadação da Cofins e CSLL é muito superior a essa diferença, mas isso não fica claro. Temos só que nos colocar de acordo com o pessoal do Ministério da Fazenda para ver como se transferem esses recursos. Não pode pensar em “vamos cobrir o rombo”. Não tem rombo, entende?

O problema é que os grandes latifundiários e seus sucessores, o agronegócio, não gostam de pagar impostos. E mantém uma política de impedir esses pagamentos.

A Lei 10.256 de 2001 estabelece uma contribuição de 2,5% sobre o faturamento bruto das empresas agrícolas para fins de previdência social. O que significa isso? Para entendermos melhor, é necessário recorrer a publicações mais especializadas do setor agrícola.

Em uma publicação destinada a defender o setor nós encontramos no meio de toda a discussão uma frase muito sintomática (link)

Um dos exemplos disso está na pecuária, como explica o diretor técnico da consultoria Agra/FNP, João Vicente Ferraz. “Um pecuarista que comercializa seu gado de um Estado para outro está sujeito à tributação. Agora, se ele comercializa direto com um frigorífico, quem arca com o imposto é o frigorífico, que muitas vezes recebe isenção fiscal, como no caso de ser exportador”, conta o consultor, que acredita que a carga tributária fique com boa parte dos ganhos dos produtores. “Acredito que de forma geral, em média, 5% do faturamento bruto do produtor seja destinado à carga tributária.”

Vejamos como isso funciona – o trabalhador paga em média 11% do seu salário para a previdência e, na menor alíquota, 15% para o Imposto de Renda. Já o “produtor”, o agronegócio, paga “em média”, 5% do seu faturamento bruto!

Em outra publicação especializada, que não citaremos pelo tamanho, mas pode ser consultada por qualquer um que se interesse pelo assunto (link pdf) é explicado num curso de contabilidade destinado aos negócios rurais todas as isenções ou reduções tributárias que a lei permite fazer. Ou seja, apesar de todas as falcatruas e “isenções legais” que temos, no geral, todos são obrigados a pagar impostos no Brasil, excetuando-se… o agronegócio e os latifundiários. Lembrando ainda que a exportação é isenta (conforme explicado acima, de acordo com a Emenda Constitucional 33 de 2001, que isentou a exportação rural da contribuição previdenciária) e que a maior parte da produção do agronegócio é destinada à exportação, o resultado é prático: quem sustenta a previdência rural é o setor urbano! Dai decorre o famoso déficit que nunca foi déficit, mas apenas uma forma de justificar esta benesse que se concede aos donos de terra.

Mas se hoje a previdência não dá prejuízo, ela terá prejuízo no futuro? A verdade é que os cálculos ditos “atuariais” que todo mundo cita partem de uma só premissa: a população vai cada vez mais envelhecer, os jovens serão minoria porque um pais adiantado tem sempre uma redução no número de filhos e, portanto, não haverá quem sustente os velhos, daí que eles têm que trabalhar mais tempo para se auto-sustentar.

O engraçado é que na hora de se discutir redução da carga horária esse argumento nunca é usado. Afinal, se temos poucos empregos, se o desemprego aumenta, a solução lógica não seria reduzir a carga horária de trabalho sem redução salarial para que todos pudessem trabalhar?

O problema é que todos estes argumentos, inclusive os ditos científicos, esquecem que a ciência não é neutra, é feita por uma classe social com objetivos sociais precisos: manter o domínio e os lucros da burguesia. Se formos olhar com precisão, o mundo hoje produz muito mais que o mercado pode consumir. Hoje o mundo produz de alimentos, casas, carros, muito mais que pode consumir. Encontramos empresas reduzindo a produção, demitindo porque não tem pra quem vender. E encontramos paradoxalmente pessoas morrendo de fome ou, no caso do Brasil, enlatadas pior que sardinha em ônibus e trens, sem casa. E sobram prédios novos sem encontrar compradores!

A verdade é simples: o mercado produz para produzir lucros e não para atender as necessidades humanas. A única condição que pode conseguir uma aposentadoria digna, pensões dignas, é a substituição do atual modo de produção por outro modo de produção preocupado com as necessidades humanas e não com os lucros. Que reorganize a produção de cima até embaixo. Uma sociedade que não produz 50 mil mortos por ano por balas de fogo e que, portanto, não produza tantas “viúvas jovens” como temos hoje no Brasil.

Eles choram lágrimas de crocodilo argumentando que a previdência não será sustentável em 2050. Nós choramos lágrimas reais com os milhares que morrem a bala todo ano, com os milhões que se tornam drogados e vivem se arrastando nas ruas das grandes cidades sem futuro e esperança, com as crianças que não têm escola, com os idosos que não têm hospitais e uma vida decente. Enquanto choram lágrimas de crocodilo, aumentam os juros, aumentam o pagamento dos juros da dívida pública (mais de 50% de aumento este ano) e os bancos lucram o dobro do que lucraram o ano passado.

Por isso que a única discussão séria sobre a Previdência Social passa pela estatização dos bancos sobre controle dos trabalhadores e a abertura do caixa de todas as grandes empresas para comitês de trabalhadores eleitos. Sem isso, o resto é uma ficção montada para que aceitemos a retirada dos nossos direitos enquanto eles sorriem nos seus iates e jatinhos passeando e flanando pelo mundo afora.

O que nós queremos é simples – revogação de todas as reformas da previdência, previdência 100% estatal, aposentadorias e pensões integrais!

Sustentável? Muito mais sustentável que esta sociedade podre que despeja lama em todos os seus poros, bancos, congresso e executivo.