As eleições e o impasse do imperialismo norte-americano


Depois de gastar seis bilhões de dólares e mais de um ano em campanha os dois principais partidos do capital norte-americano saem das eleições vivendo um impasse. Tinham um governo semiparalisado e isto vai continuar. Incluídos o aprofundamento dos ataques à classe trabalhadora.

Depois de gastar seis bilhões de dólares e mais de um ano em campanha os dois principais partidos do capital norte-americano saem das eleições vivendo um impasse. Tinham um governo semiparalisado e isto vai continuar. Incluídos o aprofundamento dos ataques à classe trabalhadora.

O Partido Democrata ganha um segundo mandato presidencial (em condições que examinaremos a frente) com Obama fazendo 62 milhões de votos (elegendo 332 delegados ao colégio eleitoral) contra 59 milhões de Romney (206 delegados no colégio eleitoral). O Partido Republicano mantem a maioria no Congresso (Câmara de Deputados) com 233 deputados contra 195 dos Democratas. Os Democratas mantem a maioria no Senado com 53 senadores contra 45 dos Republicanos enquanto os Republicanos têm a 30 governadores contra 19 dos Democratas.

Obama preside, mas não pode dar um passo sério qualquer na economia sem o acordo dos Republicanos. E sobre quase todas as questões econômicas os dois partidos estão enfrentados como expressão da profunda divisão que atinge a burguesia imperialista norte americana. A origem desta divisão é a crise econômica, mas se estende no passado e toca as origens e composição da própria burguesia norte-americana. A crise agudiza esta divisão e polariza os seus diversos setores. É por isso que surge, dentro do Partido Republicano, um setor de extrema-direita chamado Tea Party[1], que consegue impor o vice de Romney.

A burguesia norte americana está dividida sobre as relações com a economia e a moeda chinesa, sobre as relações com o Irã, Coréia, Afeganistão, Iraque, Israel, sobre as relações com os sindicatos, com os imigrantes, com a Venezuela e a América Latina.  Se há algo em que estão de acordo é que é preciso salvar o capital mas se dividem mesmo sobre qual é o remédio a ser aplicado.

Esta divisão aparece graficamente nestas eleições e nos seus resultados. E é esta divisão e o impasse resultante da relação de força entre os partidos que vai governar os EUA nos próximos quatro anos sob o pano de fundo da crise econômica e suas consequências. Por exemplo, em janeiro os EUA entram no que se tem chamado de “abismo fiscal”. Se uma série de medidas já adotadas não forem revogadas 665 bilhões de dólares serão retirados da economia, através de corte de impostos e cortes de gastos orçamentários. Estas medidas foram acordadas entre Obama e os republicanos, em agosto de 2011, para que os republicanos permitissem o aumento do teto da Dívida dos EUA para 16 Trilhões de dólares. Sem isso a Dívida entraria em suspensão de pagamentos e os serviços públicos entrariam em colapso por falta de dinheiro.

Agora as partes devem renegociar, antes de 1º de janeiro, para evitar o corte que provocará imediatamente uma recessão profunda e de consequências mundiais de que não se sabe o tamanho e a gravidade. Só que as duas partes não estão se entendendo.

É nesta situação que a luta de classes nos EUA começou a se modificar nos últimos anos e que com certeza vai se intensificar neste segundo mandato de Obama. Se Obama já havia desiludido milhões com seus quatro primeiros anos, agora ele tem muito pouco a perder (não pode mais ser candidato) e muito a fazer para superar a crise. E esta superação, segundo os capitalistas, só pode ser feita ampliando a exploração e destruindo forças produtivas. É a única forma do capital tentar se recuperar e reiniciar o ciclo de valorização.

E com o impasse entre as frações da burguesia serão impostas às massas as medidas da fração mais dura e decidida. O segundo governo Obama deverá ter uma cara muito mais republicana e menos da demagogia democrata.

Há quatro anos e agora

Obama ganhou as eleições em 2008 suscitando grandes esperanças em milhões de pessoas das camadas mais pobres e oprimidas dos EUA. Quatro anos depois ganha na base de 51% a 48% dos votos populares. E com enorme abstenção. Muitos dos votos de Obama foram apenas votos para barrar Romney. Como os votos em Haddad para barrar Serra, no segundo turno, em SP. Este voto em Obama, desta vez, foi um voto no que os norte-americanos consideraram “um mal menor” frente a um republicano grosseiro, brutal e com as faca nos dentes sobre quase todas as questões. Já Obama, reúne-se com os sindicatos para “partilhar os sacrifícios”, etc.

É por isso que Obama ganhou as votações em praticamente todos os estados mais desenvolvidos, mais industrializados, e na quase totalidade das grandes cidades, exceto duas no sul dos EUA. Isto é reflexo também da ação dos sindicatos e da Central Sindical, AFL-CIO, que apoiou Obama e os democratas com seus imensos recursos políticos e financeiros. Os sindicatos mobilizaram centenas de milhares de militantes para fazer campanha para Obama.

Todos os esforços patrióticos da mídia embelezando a “democracia” e tentando fazer parecer que havia um grande debate político não entusiasmaram o povo norte americano que as vezes não via muita diferença entre os dois.

Só em 1960 houve uma participação maior que em 2008 o ano em que Obama ganhou. Em 2012, votaram apenas 121 milhões de eleitores quando em 2008 votaram 131 milhões. De acordo com um especialista: “Esta foi a maior queda na afluência dos eleitores nacionalmente. Em vez de pessoas apaixonadas, temos o ceticismo e o desinteresse dos eleitores”. Desta vez não havia a avalanche de cartazes, adesivos e bottons da primeira eleição de Obama. E nem multidões festejando e chorando de alegria.

Obama governou para o capital, como um bom Democrata. Wall Street se beneficiou como nunca antes sob sua administração. Obama salvou muitas das grandes empresas em Wall Street e eles estão mais ricos que antes apesar da crise. Os lucros e as remunerações dos Executivos levantaram voo, enquanto a desigualdade da renda se ampliou a níveis históricos.

Com intervenções de resgate de emergência o governo pagou as dívidas e as perdas das empresas privadas cujos valores ultrapassam os custos das guerras no Iraque e no Afeganistão. A Dívida Nacional dos EUA passou dos 16 trilhões de dólares. Por isso tinha apoios de gente como Michael Bloomberg, o prefeito milionário de Nova Iorque, ex-Republicano, e de Colin Powel, o homem da invasão do Panamá, da Guerra do Golfo e ex-Secretário de Estado de George Bush.

Eles sabem que numa crise é melhor ter um homem hábil e capaz de falar com os sindicatos do que um elefante que pretende um choque frontal com a classe trabalhadora. Melhor Obama no leme com aproximação cuidadosa (na medida que isso for possível) que Romney tentando atracar com a proa em alta velocidade.

A época que se vive nos EUA é a época das mobilizações de Wisconsin (greve geral no estado e ocupação da Assembleia Legislativa pelos sindicatos com apoio da polícia), o movimento Ocupy, que começou como protesto comportado e se estendeu pelos EUA chegando a greves e manifestações proletárias como não se viam há muito tempo. Época da greve com ocupação da fábrica “República das portas e janelas” coisa que não se via há 70 anos naquele país.

Obama vai decepcionar ainda mais seus eleitores neste segundo governo. Mas, não é Obama “é o sistema, estúpido!”.

E este é o terreno em que os marxistas norte-americanos terão ainda maiores possibilidades de desenvolver sua campanha pela ruptura dos sindicatos com o Partido Democrata e pela construção de um Partido dos Trabalhadores de massas baseado nestes sindicatos. Os capitalistas têm seus dois partidos, os trabalhadores norte-americanos tem o direito de ter ao menos um partido que possam verdadeiramente chamar de seu.

Sobre a questão da Democracia norte-americana

Em artigo sobre as eleições John Peterson, marxista norte-americano explica: “Os EUA são uma democracia. Contudo, esta necessita ser qualificada. É uma democracia burguesa. Quer dizer, é uma democracia montada por e para a classe capitalista – os 1%.

Em contraponto a todo burburinho sobre as maravilhas da democracia americana, ontem nem um só americano votou realmente para o Presidente dos EUA, o mais alto cargo do país,. Em vez disso, votaram nos “eleitores” que constituem o Colégio Eleitoral. O vencedor não é decidido pela simples regra da maioria do voto popular. Em vez disso, os eleitores, distribuídos entre os estados na mesma proporção dos representantes no Congresso, expressam seus votos para presidente em data posterior. Na maior parte dos estados “o vencedor leva todos” os votos eleitorais, o que significa que mesmo se 40% dos votos populares se destinarem a um candidato diferente, o candidato que recebe a maioria dos votos obtém 100% dos delegados eleitorais. E mais, quando você for votar, o nome do candidato presidencial está na lista e não os nomes dos eleitores que realmente vão votar. E mesmo depois, os eleitos para o Colégio Eleitoral não estão legalmente obrigados a votar pelo candidato que assumiram apoiar quando foram eleitos.

Se tudo isto parece confuso e pouco democrático, é porque é mesmo. A Constituição dos EUA é famosa por seus muitos “controles e equilíbrios”. Mais do que qualquer outra coisa, estes controles e equilíbrios estão destinados a manter a maioria trabalhadora sob “controle” e para assegurar aos patrões um belo e saudável “equilíbrio” financeiro.

Para completar esta democracia travestida está o fato de que milhões de cidadãos estão privados dos direitos civis ou, de alguma forma, impedidos de votar, algumas vezes através de meios legais, outras vezes através da aberta discriminação ou intimidação. Os milhões de imigrantes que vivem, trabalham e pagam impostos nos EUA são também impedidos de se manifestarem. Adicione-se a isto o próprio dia das eleições, que tem lugar em um dia de trabalho (a primeira terça-feira de novembro). Se você tem trabalho ou está impossibilitado de obter uma carona até o posto eleitoral, nenhuma democracia haverá para você! Se um furacão assola tudo e dezenas de milhares de pessoas ficam dias sem energia elétrica, o show, apesar disto, deve continuar.

Não há um órgão administrativo unificado ou até mesmo um padrão de votação nos EUA. Cada estado e cada jurisdição têm suas próprias regras. Alguns usam o voto eletrônico; outros usam placas de perfuração; outros usam canetas para escrutínios de contagem mecânica; alguns dão recibos de votação; quando existem, alguns oferecem cabines privadas, e outros esperam que você marque suas escolhas em um quadro de cartão à vista de todos. Os postos eleitorais rotineiramente fecham no “horário estabelecido”, mesmo que existam pessoas esperando para votar. Os resultados não são conhecidos muitas vezes durante semanas e, se os exércitos de advogados e juízes se envolverem, a coisa pode demorar meses. Há mais padronização e precisão com as máquinas dos caixas eletrônicos e dos postos de gasolina, que nunca lhes darão um troco errado ou uma única gota a mais de gasolina do que você pode pagar.”. É só ver o sistema brasileiro, ou de outros países, como Venezuela, para compreender que não o usam por lá por razões políticas bem determinadas.

É por isso que nas eleições de 2000, Al Gore teve mais votos do que George W. Bush, mas não levou.  Sem falar nas fraudes descaradas vistas na Flórida, Texas e outros estados.

Este é o sistema que pretende dar lições de democracia em todo o planeta. Trata-se do capital e sues possuidores evidentemente. Os chamados “Pais Fundadores” dos Estados Unidos erigiram uma estrutura de Estado capaz de prevenir turbulências, soltar pressão e tudo o mais necessário para garantir uma estabilidade política e econômica. Montaram uma estrutura onde nenhuma fração da burguesia pode governar sem, no mínimo, certo acordo com as outras. E que permite ser rapidamente corrigido qualquer desiquilíbrio pelo sistema de eleições intermediárias legislativas e de governadores, o que permite reequilibrar a estrutura se houver necessidade.

Thomas Jefferson, um dos “Pais Fundadores” dizia: “O melhor governo é o que governa menos porque então o seu povo se disciplina por si próprio”. É a democracia do capital, do 1%. É a democracia onde para registrar um candidato a presidente é necessário depositar a quantia de 700 mil dólares antecipadamente.

Neste quadro é que se pode afirmar que tudo o que vem sendo feito há muito tempo nos EUA continua sob controle e nada de novo pode suceder sem que seja bloqueado. Este é o sistema.

E o mundo

Nem mesmo o presidente dos Estados Unidos define sozinho a estratégia imperialista ou de seu próprio governo. Eles agem na situação definida pela relação entre as classes e a situação da economia. Eles, evidentemente jogam um papel mas sempre um papel numa situação determinada pela história e pela conjuntura internacional.

Em 1991, os EUA emergiram como a única potencia mundial. A URSS se desintegra e a Rússia conhece uma regressão social e econômica brutal. Assim também com a Europa do Leste, com variações. Os EUA, sua burguesia e seus intelectuais, se embriagaram e declararam uma “Nova Ordem Mundial”. Mas, se não tinham rivais a altura parece que também não sabiam direito o que fazer. Reafirmavam-se como o mais poderoso imperialismo do planeta, tinham interesses globais, posições militares globais, mas nenhuma estratégia coerente. E isso é natural, pois o sistema não tem saída. Ele chegou e já vive muito além de seus limites.

E isso é compreensível, pois se os EUA tem interesses globais estes sãos os do imperialismo norte americano e não dos outros imperialismos ou povos oprimidos. Não há super-imperialismo capaz de integrar harmoniosamente todo o regime capitalista mundial baseado na formação das nações e dos diversos capitalistas nacionais. Ao estender seus tentáculos sobre o mundo o que fez os EUA foi integrar em sua própria vida todas as contradições do capitalismo mundial.  Ele domina e pilha, mas está sendo envenenado pelo se próprio sistema internacional.

Em 1991, com a queda da URSS os EUA saíram alegres declarando a “Nova Ordem Mundial” e o “Fim da História”. Acordaram em pânico em 11 de setembro e tentaram definir uma política mundial baseada na “Luta contra o Terror”. A criminalização generalizada dos movimentos sociais advém desta política impotente do ponto de vista histórico. Uma política incapaz de resolver qualquer problema realmente.  São fases de fantasia para o imperialismo norte-americano e sua burguesia prática, mas brutal e ignorante.

Fazem a guerra ao Iraque e ao Afeganistão e durante anos não sabem como sair delas. São capazes de atacar e fazer a guerra mas incapazes de usar a força necessária, total, que possuem para vence-la. E esta incapacidade decorre justamente das relações entre as classes em nível internacional. 

Explode em seu próprio colo a mais grave crise capitalista desde 1929 e o mundo é abalado. Ao final da 2ª Guerra era o Tesouro do planeta. Hoje é o país mais endividado do mundo. E vive um impasse com um governo semiparalisado.

A explosão da revolução árabe deixou os estrategistas e pensadores burgueses norte-americanos completamente desnorteados. Não sabiam o que fazer com o Egito e Tunísia. Muito menos com a Líbia e agora tentam chegar a uma posição sobre a Síria, mas nada conseguem. Uma parte da burguesia exige uma invasão, outra parte diz que não, olhando para Iraque e Afeganistão e tantos problemas econômicos e financeiros na própria casa. Em todo o caso, incentivam o caos.

Isso levou a que alguns pequeno-burgueses, oportunistas e mesmo ultra-esquerdistas declarassem que os EUA era uma potencia em declínio. Mas, o tipo de poder que tem os EUA não se desfaz assim rapidamente. Só grandes guerras ou revoluções podem mudar isso.

A desintegração, em curso, da União Europeia (essa tentativa artificial de superar as origens nacionais dos capitalismos da Europa), e a crise que chega na China, este gigante de pés de barro, mostram e reafirmam o lugar do imperialismo norte-americano no mundo. O problema é o que fazer com este poder numa situação em que a luta de classes diz internacionalmente que as massas estão cansadas do capital e seus governos, se lançaram a resistir e estão buscando construir ou utilizar instrumentos políticos e sindicais para sacudir este fardo.

Em 1912, o Congresso da Internacional Socialista adotou uma resolução sobre greve geral internacional contra a guerra. Hoje, com a guerra declarada pelos capitalistas contra os trabalhadores, a classe operária, mesmo sem uma verdadeira Internacional e sem partidos revolucionários de massas, se prepara para realizar, em 14 de novembro, a primeira greve geral europeia da história. Esta é a situação em que os EUA vão continuar a promover o caos no mundo e, sem saída, promover a intensificação da destruição das liberdades democráticas mais caras ao movimento operário e aos povos oprimidos. É um período de agudização da luta de classes em todo o mundo. Um período de maior pressão sobre todos os governos e portanto um período de choques e crises cada vez maiores entre as diversas frações das classes dominantes.. É também por aí que entrará o proletariado internacional resistindo contra os ataques a seus direitos e conquistas.

Só a revolução socialista pode resolver esta situação. Ela virá. É para ela que necessitamos construir uma organização. É para ela que devemos construir uma verdadeira Internacional revolucionária, marxista, de massas.



[1] O nome de “Tea Party” é uma referência ao Boston Tea Party, de 1773 (Partido do Chá de Boston), ou o “Manifesto do Chá de Boston”, uma ação direta dos colonos americanos de Boston, contra o governo britânico e a Companhia das Índias Ocidentais, que detinha o monopólio do chá que entrava nas colônias. No porto de Boston, um grupo de colonos abordou os navios carregados de chá e atirou a carga às águas, em protesto contra o monopólio e o imposto sobre o chá, que consideravam abusivo.