As armadilhas do Acordo Coletivo Especial (ACE), a nova cara do “Acordado vale mais que o Legislado”

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o mais importante sindicato do país, marcado na história pelas greves gigantescas em plena ditadura militar, berço do PT e da CUT, é agora o berço de um anteprojeto de lei que coloca em risco os direitos dos trabalhadores.

O sindicato lançou no ano passado a proposta do Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, apelidado de Acordo Coletivo Especial (ACE). Trata-se de um anteprojeto de lei entregue ao governo em setembro de 2011 e que tem sido tema de discussão e preocupação do movimento sindical. A proposta pode ser conhecida em uma cartilha que está disponível no site do sindicato (http://www.smabc.org.br/ace/).

Na apresentação da cartilha é constatado que já predomina a compreensão de que só na convivência democrática temos chances reais de avançar respondendo às demandas dos trabalhadores, dos mais pobres e, ao mesmo tempo, dos segmentos empresariais”. O anteprojeto de lei está baseado nisso, na ilusão de que é possível conciliar democraticamente os interesses de patrões e trabalhadores. Mas a dura realidade diária teima em mostrar que burguesia e proletariado são classes sociais com interesses opostos. Os patrões tentam permanentemente aumentar seus lucros com uma maior exploração da força de trabalho dos operários, que, por sua vez, resistem e lutam para manter e ampliar seus direitos, buscando melhores condições de vida. Essa é a luta de classes, o “motor da história”.

Mais a frente a cartilha cita que “A Alemanha do pós-guerra inaugurou o modelo de cogestão entre patrões e empregados para reconstruir a economia arrasada na catástrofe nazista. Os trabalhadores exigiram e foram chamados a participar de decisões relacionadas ao processo produtivo, chegando a ter assento na diretoria das empresas”. Esse elogio à cogestão esquece que ela foi criada na Alemanha primeiro em 1920 e reeditada em 1952 para sufocar os conselhos operários independentes surgidos ao final da 1ª e da 2ª Guerra Mundial, ela significou a cooptação de operários para a condução harmônica dos conflitos, visando o bem geral da empresa, ou seja, do lucro dos capitalistas.

Essa concepção conciliatória, a mesma que alimenta a política de coalizão do PT com a burguesia, é que faz a CUT apoiar as câmaras setoriais, o tripartismo, espaços de conciliação entre trabalhadores e patrões. Armadilhas que desviam a luta independente dos trabalhadores por suas reivindicações, para a colaboração de classes.

 

O que diz o ACE

O ACE define em seu artigo 2º:

“II – Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, o instrumento normativo por meio do qual o sindicato profissional, habilitado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e uma empresa do correspondente setor econômico, estipulam condições específicas de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa e às suas respectivas relações de trabalho;”

“III – Condições específicas de trabalho, aquelas que, em decorrência de especificidades da empresa e da vontade dos trabalhadores, justificam adequações nas relações individuais e coletivas de trabalho e na aplicação da legislação trabalhista, observado o art. 7º da Constituição;(grifo nosso)

Resumidamente, o ACE dá legitimidade para, dentro de algumas condições, sindicatos e empresas firmarem acordos específicos que se sobrepõem a acordos e convenções coletivas das categorias e à própria CLT, com exceção ao artigo 7º da Constituição. Em sua essência está o projeto que FHC tentou implantar de flexibilização das leis trabalhistas, onde o acordado valeria mais que o legislado. A proposta foi barrada pela luta dos trabalhadores, em especial da base cutista.

A proposta se completa com suposta organização por local de trabalho (Comitê Sindical por empresa) que é apresentada como garantia de contrapeso, mas de fato é o pilar essencial para que o ACE funcione. Entre as condições para que se firme o ACE está:

  1. Ter Comitê Sindical na empresa;
  2. Contar com índice de sindicalização de 50% mais 1 dos trabalhadores da empresa;
  3. As propostas de “adequação na legislação” devem ser avaliadas pelos trabalhadores em votação em urna, com voto secreto;
  4. A empresa não pode ter condenação por prática antissindical.

Comitês Sindicais para uma cogestão, ao invés de comissões de fábricas independentes e de luta, serão um instrumento para a paz dos patrões e não para o fortalecimento da organização dos trabalhadores em seu local de trabalho.

A verdade é que os trabalhadores, quanto mais isolados, mais têm enfraquecida sua resistência e força. Os trabalhadores em uma fábrica estarão sob maior pressão para ceder e aceitar retiradas de direitos quando a faca do desemprego for colocada no pescoço pelos patrões. Este é o modelo de sindicalismo da socialdemocracia para sufocar as lutas dos trabalhadores. Ele não está ligado às grandes conquistas sociais na Europa, mas, pelo contrário, aos ataques contra elas como as reduções de salários e direitos.

 

Conclusão

A economia mundial, em especial a europeia, está em uma grande crise. O crescimento do PIB em 2012 no Brasil deve ficar em pífios 1,5%, apesar de todas as bondades governamentais para as empresas. A retirada de direitos dos trabalhadores, que estamos vendo em diversos países europeus, poderá se dar, com o agravamento da crise no Brasil, através dessa valiosa contribuição que chegou ao governo pelas mãos do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

De um lado, o empresariado se pronuncia favoravelmente ao projeto. O Diretor de Relações Trabalhistas da Volks no Brasil, Nilton Junior, escreve no jornal da empresa “o projeto (ACE) oferece a possibilidade de continuarmos desenvolvendo as melhores práticas nas relações trabalhistas em busca de alternativas transformadoras que contemplem os interesses da empresa e do trabalhador”. De outro lado, a resistência na base da CUT começa a aparecer, a Federação dos Metalúrgicos do RS (FTM-RS) enviou carta solicitando a retirada do projeto, a CUT Metropolitana do RS posicionou-se contra o projeto.

O ACE é uma estrutura sindical de colaboração entre capital e trabalho cujo objetivo é integrar os trabalhadores na cogestão da empresa capitalista sob o controle e a batuta dos interesses dos capitalistas.

A Esquerda Marxista é contra o Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, o ACE, e essa é a posição que vamos defender nos sindicatos onde intervimos. Esclarecendo os companheiros sobre os perigos que tal projeto significa para o conjunto da classe trabalhadora.

Ao mesmo tempo, mantemos erguidas as bandeiras históricas do movimento operário, lutando pela aprovação de leis nacionais que signifiquem conquistas para os trabalhadores, como a aprovação pelo governo brasileiro da Convenção 87 da OIT (Liberdade Sindical), das Organizações por local de trabalho (Comissões de Empresa, delegados sindicais, etc.) para conquistar a redução da jornada, sem redução de salários, fim do fator previdenciário, aumento da licença maternidade, liberdade e autonomia sindical, etc. Essa é a “atualização” e “modernização” das leis trabalhistas, como dizem aqueles que defendem o projeto, que realmente são do interesse dos trabalhadores.