Agronegócio e crise na transição entre os governos Dilma e Temer

Apresentado como dinâmico e próspero, o agronegócio sofre das contradições gerais que atingem a economia brasileira. E o governo Temer não representa mudança na agricultura.

A balança comercial brasileira apresentou um superávit de US$ 13,27 bilhões entre janeiro e abril de 2016. Muitos jornais exaltam o agronegócio como o destaque do comércio exterior com “graças ao dinamismo do campo”. Nosso artigo tem por objetivo explicar e criticar essa tese no momento da troca entre governos, em função do processo de impeachment da presidenta Dilma, ainda em andamento.

Para a imprensa em geral, esse pequeno saldo positivo é explicado pela queda da competitividade da maior parte da economia brasileira e pelo poder de competição ainda respeitável do agronegócio. E também porque as importações continuam caindo mais do que as vendas, em função do aprofundamento da crise.

Neste ano, o valor importado, de US$ 50,68 bilhões, foi 31,4% inferior ao de igual período de 2015. Essa queda é explicável basicamente pela recessão, com atividade em queda, desemprego em alta e contração tanto do consumo quanto do investimento. Com a economia no atoleiro e a população empobrecida, há pouco motivo para importar. (EDITORIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 27 maio 2016)

Não temos dúvida de que a balança comercial foi salva, mais uma vez, pela lavoura e há uma série de elementos que mostram o caso do agronegócio frente a outros setores da economia.

Em abril de 2016, comparando com abril de 2015, as exportações brasileiras como um todo tiveram um leve aumento de apenas 1,1%, enquanto as exportações agropecuárias cresceram 14,3% no mesmo período.

A taxa de desemprego chegou a 10,9% no primeiro trimestre deste ano batendo novo recorde da série, com salto de 3 pontos porcentuais em relação ao mesmo período do ano passado. E o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, admite que poderá chegar até 14% este ano. Mesmo os mais otimistas com o governo Temer só apostam numa recuperação da credibilidade a longo prazo. A exceção desses números está nas regiões com produção rural com maior peso, nesses locais o desemprego é menor.

A situação é um pouco menos grave nas regiões em que a agropecuária tem mais força, mas, mesmo assim, verifica-se que a desocupação cresceu de 7,3% para 9,7% no Centro-Oeste e de 5,1% para 7,3% no Sul, sempre comparando o último trimestre de 2015 com o primeiro de 2016. (EDITORIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 21 maio 2016)

Os principais produtos da exportação agropecuária continuam sendo grãos, açúcar, carnes, suco de laranja e outros semimanufaturados e manufaturados. E o “segredo” do “sucesso de vendas” está no aumento da produção.

O complexo agroindustrial da soja continua sendo o porta-bandeira das vendas externas nacionais (…) o volume embarcado em abril alcançou 11,6 bilhões de toneladas, um recorde para o mês na série histórica iniciada em 1997, volume 54% maior na venda de grãos e de 19,5% na de farelo.

Como resultado, a receita com a exportação do complexo agroindustrial teve um crescimento de 30,6% em relação ao mesmo período de 2015. A soja não é, de forma nenhuma, um caso isolado. Nos últimos 12 meses as exportações de milho atingiram 36 milhões de toneladas, um total surpreendente dada a concorrência que esse produto encontra no mercado internacional. E o país já se tornou o maior exportador de carne de frango in natura. (EDITORIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 17 maio 2016)

As empresas do agronegócio, muitas delas multinacionais, têm apostado no aumento da produção no Brasil para explorar novos mercados e ampliar aqueles em que já penetraram, como os países asiáticos, que constituem o principal destino das exportações agropecuárias brasileiras.

No entanto, há um problema com esses números, razão pela qual diversos economistas e os jornais parecem não querer aprofundar o debate. No último período, uma das balizas da conjuntura internacional foi a queda generalizada das cotações internacionais das commodities em razão do aumento dos estoques, isso quer dizer que há uma superprodução de mercadorias e, como consequência, tivemos uma queda nos preços.

Nesse sentido, o agronegócio brasileiro não conseguiu driblar a recessão que ele próprio atravessa no mercado mundial. A balança comercial brasileira apenas revela que a agropecuária se desvalorizou menos que outros produtos. E mais do que isso, querer compensar a recessão com aumento da produção. O que permitiu elevar substancialmente o volume exportado só está aprofundando ainda mais a crise com superprodução de mercadorias. Se há uma crise internacional gerada por uma oferta em excesso que faz despencar os preços, de qual “dinamismo” se está falando quando a medida tomada é aumentar ainda mais a produção? Até quando serão ignorados os efeitos dessa estratégia a médio e longo prazo no mercado?

Contudo, devemos considerar que, mesmo que o preço das commodities continue caindo, pode acontecer do cenário favorável ao agronegócio brasileiro seguir em alta, como um competidor que perde menos produtividade que outros. É preciso considerar também que dentro dos marcos de uma economia edificada na propriedade privada não se visualiza saída para a crise em escala internacional. Apesar de que dentro das fronteiras dos Estados nacionais, mais precisamente no Cerrado e na Amazônia, os capitalistas encontraram durante os governos Lula e Dilma um refúgio temporário.

As disponibilidades de luz solar, terras, água, mão-de-obra qualificada, infraestrutura (energia, transporte) e base técnica estruturada são algumas vantagens da produção agropecuária no Brasil, que são melhores do que diversos outros países agroexportadores, como na Ásia, África e América Latina. Isso torna a produção nacional mais competitiva do que de outros Estados concorrentes, tanto que empresas multinacionais vêm aumentando sua presença no capital das empresas do agronegócio, enquanto bate-se recorde de produção nas últimas safras e nas últimas semanas vimos o governo interino de Temer e Meirelles anunciar que quer ampliar a compra de terras por estrangeiros.

O fato marcante é que a crise está atingindo a todos. Há uma perda de lucros na agropecuária assim como nos demais produtos industrializados. A retórica do governo Temer é que esse quadro de fracasso faz parte da política industrial dos governos petistas, seja por “distribuição de benefícios fiscais sem critério” ou pelo termo pouco explicativo de “protecionismo anacrônico”. O governo interino de Temer anuncia que substituirá essa política por uma estratégia de produtividade, competitividade e inserção maior da indústria no mercado global. Mas na prática o que se compreende é que o preço do aumento da produtividade será à custa dos salários, da retirada de direitos, contenções orçamentárias dos serviços públicos e programas de assistência social, privatizações e outras medidas de austeridade contra os trabalhadores, que já vinham sendo realizadas desde o governo Dilma.

A responsabilidade maior dessa conjuntura de retrocessos recai nos ombros de Lula e Dilma, que governaram se negando a romper com os modelos que privilegiam o agronegócio e aplicaram uma política que resultou no aprofundamento da condição do país como uma plataforma de produção de matérias-primas em benefício do capital financeiro imperialista.

Mas afinal, quem é que pode dizer que há uma diferença de interesses entre o(a) ministro(a) da agricultura Blairo Maggi e Katia Abreu? Ambos inimigos da luta incansável pela reforma agrária e representantes do “moderno” agronegócio. É um fato marcante que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST esteja entre os mais mobilizados no movimento Fora Temer, enquanto a “querida aliada” Bancada Ruralista votou praticamente unânime pelo impeachment. Assim, no ministério da agricultura, que existe desde Dom Pedro II, mudou-se o(a) presidente(a), mudou-se o(a) ministro(a) para, na verdade, não mudar a política.

A produção centrada no capital e no trabalho assalariado só concebe como consumidor de alimentos aqueles que têm dinheiro para comprar. E a contradição brutal é que sendo global a escala da crise, a tendência é que as pessoas reduzam a alimentação e até aumente a fome no mundo, ainda que a capacidade de produção de comida seja incalculável hoje. Mas um outro modelo de produção e de Estado pode surgir com as lutas dos movimentos sociais que seguem em marcha. Quem foi derrotada foi a política de conciliação de classes implementada pela direção do PT com sua busca por tentar oferecer uma face humana e democrática ao capitalismo. Na resistência do movimento que se unifica contra o governo Temer e o Congresso Nacional, encontramos organizações do proletariado e movimentos sociais que seguem defendendo que a produção deve estar sob controle daqueles que produzem toda a riqueza, os trabalhadores das cidades e dos campos, como únicos com o potencial para a planificação da economia e a sustentabilidade ambiental de fato.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

EDITORIAL. Recessão mais agronegócio. Estadão online. São Paulo. 27 de maio de 2016. Disponível em: <http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,recessao-mais-agronegocio,10000053658>. Acesso em: 27 maio 2016.

EDITORIAL. Desemprego cresce a velocidade recorde. Estadão online. São Paulo. 21 de maio de 2016. Disponível em: <http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,desemprego-cresce-a-velocidade-recorde,10000052596>. Acesso em: 27 maio 2016.

EDITORIAL. Balança comercial é salva pela lavoura. Estadão online. São Paulo. 17 de maio de 2016. Disponível em: <http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,balanca-comercial-e-salva-pela-lavoura,10000051697>. Acesso em: 27 maio 2016.

*Flávio Almeida Reis é professor de geografia em Niterói, RJ. E-mail: reis.geografia@gmail.com

** Artigo publicado originalmente no periódico Geodiálogos: Revista Eletrônica de Diálogo e Divulgação em Geografia, Brasília, n. 1, v. 1, p. 19-24, maio de 2016. Disponível em: http://www.geografia.blog.br/geodialogos