Aborto: questão de saúde pública ou religião?

“O Estado burguês, apoiado pelo conservadorismo religioso, permite usurpar a liberdade da mulher, que por contradição já está garantida na Constituição.”

A arena eleitoral suscitou uma discussão que sempre esteve fadada ao fracasso, devido às históricas limitações impostas, ora pelo regime religioso, ora pela moral burguesa.

As instituições religiosas, não dominam como outrora, e dividem a empatia de seu rebanho ao criminalizar o aborto sob o lema mandamental: “Não matarás”. A igreja católica necessita de intervenção dos maiores líderes, centralizados na CNBB, para condicionar os leigos à condenação do aborto e manter a posição milenar, inclusive contrariando o uso de contraceptivos.

Essa constatação permite pautar o aborto, como um problema estabelecido além dos vínculos de viés moral ou religioso e da clássica divisão entre os que são contrários ou a favor deste debate. Tal debate formatado pela igreja e revisado pela moral burguesa, repulsa o aborto como um problema de saúde pública que deve ser resolvido e amparado pelo Estado.

Os fatos revelam o aborto como uma realidade presente e alarmante. Uma mulher aborta a cada 33 segundos e a prática insegura e criminalizada mata uma brasileira a cada dois dias. De acordo com as estimativas, para cada aborto que chega aos hospitais públicos, pelo menos outros quatro foram feitos às escuras, de forma clandestina e criminalizada. O problema ainda responde por 15% das mortes maternas. Pesquisa realizada pela USP mostra que a curetagem foi a cirurgia mais realizada pelo SUS entre 1995 e 2007, correspondendo a 3,1 milhões de procedimentos. O Estado não pode abster-se diante da realidade apresentada e reduzir a dimensão deste problema, limitando-se ao raso posicionamento de condenação ou defesa.

Os trabalhadores e trabalhadoras assistem as mortes mal explicadas das meninas e mulheres vítimas de abortos clandestinos e da exploração do mercado negro que lucra exaustivamente em proveito do desespero e do medo disseminado. O preconceito cicatrizado pelo moralismo burguês importa no repleto descaso, que acaba por humilhar até mesmo as mulheres que sofrem aborto espontâneo e procuram atendimento nos hospitais públicos.

Enquanto isso, o mercado de clínicas especializadas em aborto, que hoje é imenso no Brasil, sustenta as indústrias de medicamentos e cosméticos, que operam de forma livre e descontrolada e mascaram todas as estatísticas.

Tratar o aborto como uma questão de saúde pública e apresentar uma política capaz de viabilizar, dentro do sistema público de saúde, um tratamento completo para as mulheres que se submetem a tal alternativa é uma tarefa do qual o Estado burguês quer se esquivar. O Partido Bolchevique e as mulheres na Rússia conquistaram o direito ao aborto legal e gratuito nos hospitais do Estado, mas tiveram que debruçar forças para romper com os entraves cravados pelo regime burguês e avançar nos direitos e na emancipação da mulher. Entretanto, o Estado não promovia a prática do aborto.

A legalização do aborto não obriga ninguém a abortar e não exige do Estado ação de incentivo ao aborto. Mas a sua criminalização condena milhares de mulheres à morte e caminha lado a lado com a lógica do sistema capitalista e toda sua política de massacre e extermínio da classe trabalhadora.

No Brasil, a criminalização do aborto vai além da sanção estabelecida no código penal brasileiro, condenando as meninas e mulheres à pena de morte através de procedimentos abortivos arriscados e inseguros realizados pelos inúmeros açougues humanos espalhados pelo país. Isso ocorre ainda, porque o Estado se abstém da tarefa elementar de pautar o aborto como uma questão de saúde pública, não oferecendo outra escolha às milhares de mulheres.

O Estado burguês, apoiado pelo conservadorismo religioso, permite usurpar a liberdade da mulher, que por contradição já está garantida na Constituição, em decidir sobre seu próprio corpo e sua própria vida. Enfatizando uma repressão característica do sistema capitalista que nunca se eximiu em afrontar os direitos e conquistas da classe trabalhadora.

As instituições religiosas precisam responder por que o Estado pode afrontar o ditame mandamental: “Não matarás” e permitir que uma mulher morra a cada dois dias, vítima de um aborto clandestino no Brasil. Porque o Estado não deve oferecer políticas públicas que combatam efetivamente a taxa de mortalidade relacionada ao aborto, que hoje chega a 15% entre as gestantes no país. Nem as instituições religiosas, tampouco o sistema capitalista podem tratar esta questão de acordo com sua gravidade. A questão do aborto, hoje, exige do Estado ações que confrontam as políticas de privatizações que promovem o sucateamento da saúde pública. Além de um desajuste estrondoso no moralismo burguês impregnado, que reprime e afronta a emancipação da classe trabalhadora.

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