A saúde no Brasil está na UTI: uma análise marxista!

Apesar das promessas e compromissos assumidos em sucessivas eleições, a verdade é que a interminável crise na saúde pública brasileira não foi resolvida, e ainda foi agravada pela política do “Estado mínimo” imposta pelo imperialismo e aplicada por sucessivos governos, incluindo os de Lula e Dilma. Os trabalhadores, a CUT em primeiro lugar, deve travar a batalha para romper o círculo vicioso que aperta o nó na garganta da classe trabalhadora e privilegia o grande capital. Segue abaixo uma análise marxista do camarada Faustão onde procura mostrar que a superação desta trágica situação está diretamente associada à batalha pela construção do socialismo.

Apesar das promessas e compromissos assumidos em sucessivas eleições, a verdade é que a interminável crise na saúde pública brasileira não foi resolvida, e ainda foi agravada pela política do “Estado mínimo” imposta pelo imperialismo e aplicada por sucessivos governos, incluindo os de Lula e Dilma. Os trabalhadores, a CUT em primeiro lugar, deve travar a batalha para romper o círculo vicioso que aperta o nó na garganta da classe trabalhadora e privilegia o grande capital. Segue abaixo uma análise marxista do camarada Faustão onde procura mostrar que a superação desta trágica situação está diretamente associada à batalha pela construção do socialismo.

Em um país com recursos naturais abundantes, e com um nível de industrialização relativamente alto, é lamentavelmente comum que as pessoas vivam situações de desespero quando precisam recorrer aos hospitais públicos, até mesmo morrendo nas filas sem ter atendimento. São hospitais sem a mínima condição de funcionamento, é o número insuficiente de leitos hospitalares, é a falta de médicos e de outros profissionais, é a falta de equipamentos e medicamentos. E a crise na saúde vai muito além dos hospitais. Nos postos de saúde, mesmo em São Paulo e outras grandes cidades, faltam pediatras para atender as crianças, faltam ginecologistas para um adequado acompanhamento da saúde da mulher, faltam clínicos para atender os idosos, os diabéticos, os hipertensos. Pessoas doentes tem que formar filas de madrugada, e muitas vezes não conseguem marcar uma simples consulta. O descaso dos sucessivos governos, no plano federal, estadual e municipal, fica patente e chega a ser criminoso.

Para uma minoria de capitalistas, e de outras camadas privilegiadas que podem pagar os planos de saúde “vips”, a crise na saúde é coisa de um outro mundo. E eles ainda podem abater do imposto de renda uma parte substancial das suas despesas médicas e hospitalares, e as mensalidades dos seus planos !! A cartilha publicada pelo DIEESE em 2011 (http://www.dieese.org.br/cartilhaJustiçaFiscalTributaria.pdf) informa que, do total de impostos arrecadados no Brasil, apenas 22% é do imposto de renda e só 4% é de impostos sobre o patrimônio, e o restante (48% é sobre o consumo, 21% é sobre a folha de salários) é de impostos que acabam embutidos nos preços dos produtos, incluindo alimentos, roupas, eletrodomésticos, remédios, etc. Nessa cartilha encontramos outras informações interessantes, entre elas que “a Lei 9.249, de 1995 [governo FHC], isentou do pagamento do Imposto de Renda os lucros e dividendos recebidos pelos sócios e acionistas das empresas”, que “os ganhos obtidos na Bolsa de Valores até o limite de R$ 20 mil são isentos do Imposto de Renda, enquanto os salários já pagam IR a partir de R$ 1.566,61”, que “lanchas, iates, helicópteros e jatinhos não pagam IPVA”, etc, etc. Em outras palavras, aquele outro mundo, onde vive a esmagadora maioria da população, o mundo da classe trabalhadora que vivencia a crise da saúde pública, subsidia a saúde do pequeno mundo dos ricos.

Nas últimas décadas, as formas pelas quais a política do “Estado mínimo” foi aplicada na área da saúde ilustram claramente que a insaciável fome de lucro dos capitalistas está acima de qualquer respeito pela vida e pelas necessidades humanas. Uma das formas dessa política traduziu-se na enorme expansão dos planos de saúde privados (os “convênios médicos”, também chamados de “operadoras de saúde” como a Amil, Unimed, Sul América, Bradesco saúde, Golden Cross, Intermédica, etc), sejam eles planos familiares ou empresariais, e o principal estímulo para essa expansão foi exatamente a deterioração do setor público na área da saúde. Para dar uma ideia mais concreta dessa expansão no período mais recente, segundo dados da ANS (Agência Nacional de Saúde), em apenas 8 anos o faturamento (receita) das “operadoras de saúde” saltou de 28,2 bilhões de reais em 2003 para 87,3 bilhões de reais em 2011. Deste total em 2011, 57,3 bilhões estavam concentrados nas operadoras de grande porte, aquelas que têm mais de 100.000 segurados cada uma e que atendem 33,6 milhões de segurados de um total de 50,3 milhões de segurados por planos de saúde privados. Há uma acelerada concentração de capital neste setor, com o número de operadoras caindo de 1990 em 2001 para 1178 em 2012, com apenas 106 operadoras entre as de grande porte.

A partir dos anos 1980, a construção de novos hospitais públicos caiu acentuadamente, e os existentes, incluindo os hospitais universitários, com poucas exceções, foram sucateados pela redução das verbas necessárias para a sua manutenção, e pelos baixos salários dos profissionais de saúde. O SUS (Sistema Único de Saúde) é um belo projeto que ficou quase totalmente no papel e na prática foi sabotado sistematicamente. Neste cenário amplamente negativo para a saúde pública nas últimas décadas, uma exceção é o Programa de Saúde da Família (PSF), no qual a atuação de equipes que visitam as residências, apesar de limitações muito severas, teve um efeito positivo sobre a prevenção e controle de algumas doenças. As UPAs (unidades de pronto atendimento), funcionam como centros de medicina de urgência intermediários, como uma tentativa de reduzir as filas nos hospitais. Mas existem, no Brasil inteiro, apenas 270 UPAs, segundo o Ministério da Saúde, grande parte delas funcionando precariamente. Além disso, em muitos casos a sua gestão foi “terceirizada”, ou seja, entregue aos grupos privados.

Hoje, cerca de 25% da população brasileira possui planos de saúde, mas este número está aumentando e entre os domicílios com renda familiar acima de 2700 reais cerca de 60% possuem algum tipo de plano. Essa política do “Estado mínimo”, que praticamente obriga as pessoas a comprarem os planos de saúde privados, entrega a saúde de milhões de trabalhadores nas mãos dos tubarões da iniciativa privada. Se houvesse um atendimento público e gratuito de boa qualidade, é evidente que não haveria carne para alimentar esses tubarões. E os planos de saúde dos trabalhadores não são “vips”. Pelo contrário, a qualidade do atendimento é comprometida pela lógica perversa deste setor: quanto menos os planos gastam com os seus segurados, mais eles lucram. Consequentemente, eles recorrem a toda sorte de subterfúgios (telefones que quase nunca atendem, ou atendentes que dão explicações muito estranhas, etc) para negar ou retardar procedimentos como exames, cirurgias e até consultas.

Esses truques dos planos de saúde privados, para reduzir seus custos pela redução da qualidade e quantidade do atendimento, tornaram-se tão escandalosos que ficou difícil esconder a sujeira debaixo do tapete. Recentemente, a ANS, que em geral é omissa diante dos abusos, proibiu várias “operadoras” de vender novos planos porque a rede de médicos e hospitais credenciados para atender os seus segurados é claramente insuficiente, e o tempo de espera para consulta e exame chegava a ser igual ou maior do que no setor público!! Portanto, essas empresas vendem o que não produzem, lucrando por meio da fraude pura e simples. Segundo notícia publicada em 10/12/2012, no jornal O Estado de São Paulo, as medidas tomadas pela ANS não diminuíram os abusos: “Pesquisa do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) mostra que oito entre nove maiores operadoras de planos de saúde com atuação em São Paulo não cumprem prazos máximos para marcação de consultas estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”. E isso é apenas a ponta de um vasto iceberg de manobras ardilosas, incluindo a transferência oculta e ilegal, para o setor público, da realização de procedimentos de alta complexidade e de alto custo.

No caso dos planos empresariais (77% do total de segurados por planos de saúde privados), que os empregadores contratam junto às “operadoras de saúde”, e são apresentados aos trabalhadores como se fosse uma “doação” dos patrões, há ainda um outro aspecto que revela o caráter dessa “doação”: além de poderem incluir o preço desses planos como custo de produção (para efeito de dedução no pagamento de impostos), o departamento de recursos humanos dessas empresas, de modo totalmente ilegal, frequentemente recebe informações sobre o estado de saúde dos trabalhadores (o que pode levar até a demissão dos mesmos, o que também é conveniente para o lucro das “operadoras”) e recusa atestados médicos que não sejam assinados pelos “médicos do convênio”, os quais são devidamente pressionados para não dar atestados em muitos casos em que o repouso seria indicado. O resultado de toda essa lógica é a transformação da saúde em mercadoria, repasse maquiado de recursos públicos para os capitalistas, maior grau de exploração do trabalho, caminhando de mãos dadas para o caos.

As outras duas formas mais importantes de privatização dos recursos na saúde são as “Parcerias público-privadas” (PPPs) e as terceirizações. Nas PPPs os hospitais e centros de saúde, que foram construídos e equipados com recursos públicos, são entregues para serem administrados pelas OS, “organizações sociais”, que são entidades de direito privado, supostamente sem objetivo de lucro. As OS recebem um determinado valor pela sua atuação administrativa, e devem cumprir certas metas, podendo ficar com a diferença entre a verba recebida e os gastos de manutenção dos hospitais. A diferença só pode aumentar com a redução dos gastos ou com o aumento da verba. Se essa diferença não é uma renda, pois o patrimônio não é das OS, e não é um salário, pois não se trata da venda de força de trabalho, só pode ser lucro, apesar das declarações em contrário. De fato, as PPPs são formas disfarçadas de terceirização, e, portanto, são formas de “flexibilização” de mão de obra, para evitar a realização de concursos públicos. O resultado final, além da descarada metamorfose de verbas públicas em lucro privado, é a fragmentação da gestão dos recursos públicos e a redução da possibilidade de planejamento integrado dos recursos da saúde.

A mesma política que sucateia o setor público da saúde encontra apoio em “especialistas” (economistas, médicos, etc) dispostos a afirmar que a “ineficiência” do setor público não é um problema de poucos recursos e sim de má gestão dos recursos. A má gestão existe, mas o que esses “especialistas” consideram boa gestão é, basicamente, o repasse das verbas públicas para a “iniciativa privada” que, segundo eles, é mais eficiente por estar submetida à competição. Mas o que vemos é, em vez de competição, uma crescente concentração do capital neste setor, com os tubarões maiores engolindo os menores, e taxas de lucro que chegam a 20% ao ano, ou seja, taxas típicas de monopólio. Já vimos quais são os métodos para atingir taxas de lucro tão altas. Devemos acrescentar que esses lucros de monopólio são garantidos pelo forte conluio entre os tubarões da saúde e o Estado burguês. A ANS tem autorizado reajustes das mensalidades dos planos muito acima da inflação, sem qualquer relação com alguma melhora dos serviços prestados. Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a inflação acumulada medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 2002 a 2012 foi de 101,89%, já os planos subiram 140,01%, devorando uma proporção crescente da renda dos trabalhadores que possuem planos de saúde.

Esses “especialistas” que defendem a privatização da saúde argumentam que, com uma gestão eficiente, com a mesma quantidade atual de gastos públicos com a saúde seria possível oferecer uma qualidade de atendimento bem superior. Eles só não explicam como isso seria possível enquanto o lobby dos tubarões da saúde privada determinar, desviando para o seus bolsos, os rumos e os recursos materiais da política de saúde no Brasil. Mas, com a eliminação desse lobby, de fato existe a possibilidade que eles apontam, e podemos citar um exemplo concreto aqui na América Latina. Em Cuba o capitalismo no serviço de saúde foi eliminado há cerca de 50 anos e, apesar de ser um pequeno país com poucos recursos naturais e com poucas indústrias, e submetido ao bloqueio econômico imposto pelo imperialismo norte-americano, oferece ao seu povo um nível de atendimento preventivo e assistencial muito superior ao de qualquer outro país latino-americano. Um dado essencial não deixa dúvidas sobre isso. Para cada 1000 nascidos vivos, no Brasil morrem 22 crianças antes de completar 5 anos de idade, e em Cuba esse importante índice de saúde é de 6 crianças apenas, um nível similar ao de países capitalistas muito mais ricos que o Brasil. A expectativa de vida em Cuba também é similar ao de países capitalistas com nível de renda per capita várias vezes superior ao da pequena ilha do Caribe.

Cerca de 75% da população brasileira não tem planos de saúde e depende inteiramente do setor público, já que apenas uma fração muito pequena pode pagar os altos custos da medicina privada. O gasto público com saúde, somando o da união, estados e municípios, 138 bilhões em 2010, é de cerca de míseros 2 reais por dia para cada brasileiro, enquanto que o gasto somente com os juros, amortização e refinanciamento da dívida pública federal (635 bilhões em 2010), sem contar as dívidas estaduais e municipais, situa-se entre 9 e 10 reais por dia para cada brasileiro. O Estado mínimo para os trabalhadores é, ao mesmo tempo, o Estado máximo para o capital financeiro, e apenas a eliminação dessa distorção absurda já permitiria multiplicar os gastos públicos não somente na área da saúde, mas também na educação e habitação. Para dar esse passo decisivo, no entanto, o governo Dilma teria que romper sua política de aliança com os partidos da burguesia e confiar na mobilização da classe trabalhadora, que certamente daria um apoio concreto e entusiasmado a um programa de reformas avançadas e de real transformação das suas condições de vida. A expropriação e estatização, sob controle dos trabalhadores, dos grandes grupos financeiros e industriais e o planejamento integrado da economia permitiriam uma real solução dos problemas na saúde, na educação e na habitação.

*Faustão é membro da DN CUT e dirigente da Esquerda Marxista

Pesquisa e colaboração: Ruy Penna