A luta por uma República Catalã – que caminho seguir?

Os eventos na Catalunha nos últimos dois meses representam o maior desafio já enfrentado pelo regime espanhol desde o seu estabelecimento em 1978. A explosão das massas no cenário adquiriu em alguns pontos características insurrecionais. De onde veio este movimento? Qual é o seu caráter e como pode avançar ante a repressão do Estado espanhol?

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Em 27 de outubro de 2017, o Parlamento Catalão, cumprindo o mandato do referendo da independência de 1 de outubro, proclamou a República Catalã. A reação do estado espanhol, que declarou inconstitucional o referendo e usou brutal repressão policial para impedi-lo de acontecer, foi rápida e decisiva. O Senado Espanhol autorizou o governo de Rajoy a usar o Artigo 155 da Constituição para demitir o governo catalão e dissolver o parlamento democraticamente eleito. Oito membros do governo catalão foram retidos sob custódia nas prisões espanholas e foram emitidas ordens de prisão com validade europeia contra o presidente catalão Carles Puigdemont e outros quatro membros de seu gabinete que se encontram atualmente na Bélgica.

Jordi Sánchez e Jordi Cuixart são presos políticos. Foto: Anticapitalistes.

Esses líderes, junto a membros da Presidência do Parlamento Catalão, foram indiciados sob acusação de rebelião, sedição e mau uso de fundos públicos por sua participação na organização do referendo e da proclamação da República. Esses crimes foram herdados, quase sem qualquer alteração, da era de Franco e poderiam resultar em sentenças de prisão de até cinquenta anos. A Corte Nacional – que está julgando os membros do governo catalão – é descendente em linha direta do Tribunal da Ordem Pública da era de Franco, continuação de um Tribunal Especial anterior para a Repressão do Comunismo e da Maçonaria. O estado espanhol assumiu o funcionamento normal das instituições catalãs.

Durante o referendo da independência catalã houve cenas sem precedentes de desobediência civil em massa. Centenas de milhares de pessoas se organizaram para ocupar os prédios escolares para garantir que eles pudessem servir como locais de votação ante as ameaças policiais de fechá-los. Milhares de locais de votação foram defendidos contra a brutal repressão policial no dia da eleição. Em alguns casos, as pessoas conseguiram repelir as forças policiais. Em outras cidades elas foram repelidas por multidões iradas. Os bombeiros representaram um papel fundamental na defesa dos locais de votação e chegaram a entrar em choque com a polícia. Os estivadores de Barcelona recusaram-se a trabalhar para um navio cruzeiro utilizado pelas autoridades para abrigar milhares de policiais enviados à Catalunha para esmagar o referendo.

Na véspera do referendo, 40 mil pessoas cercaram o prédio do Departamento de Finanças do governo catalão, em Barcelona, para protestar contra o registro do local pela Guarda Civil, a polícia militar espanhola. A multidão impediu que os policiais deixassem o local por mais de 12 horas. Por sua vez, durante essa mobilização em massa, Jordi Sánchez (secretário da Assembleia Nacional Catalã) e Jordi Cuixart (secretário da instituição Cultural Ominium Catalã) foram presos sob acusação de sedição e lhes foi negada a liberdade sob fiança.

Comício pelo referendo catalão em Barcelona. Foto: utilização livre.

Apesar da tentativa do estado espanhol de se apoderar das cédulas e urnas de votação antes de 1 de outubro, da prisão de 14 altos funcionários do governo catalão, da ameaça de fechamento dos locais de votação, do acosso aos ativistas durante o referendo, do fechamento dos sites de informação sobre o referendo, da ameaça à mídia contra a publicidade a respeito dele, e da brutal repressão no próprio dia 1 de outubro, mais de 2 milhões de catalães exerceram seu direito democrático.

Uma greve geral combinada a uma greve cívica parou a Catalunha em 3 de outubro, com 750 mil pessoas marchando em Barcelona e dezenas de milhares em cidades menores por todo o país. Em 8 de novembro, surgiram durante uma segunda greve geral os Comitês para a Defesa da República (CDR), que organizaram mais de 50 piquetes de massas para bloquear as principais rodovias da Catalunha, as passagens fronteiriças e as principais estações ferroviárias. Existem agora mais de 280 desses comitês coordenados em nível nacional.

“O regime de 1978”

Esses eventos representam o maior desafio já enfrentado pelo regime estabelecido ao final da ditadura de Franco, um regime forjado por um pacto entre o aparato estatal da ditadura e os líderes dos principais partidos dos trabalhadores – Santiago Carrillo, pelo Partido Comunista (PCE), e Felipe González, pelo Partido Socialista (PSOE).

A classe dominante espanhola temia que o crescente movimento dos trabalhadores e da juventude na Espanha pudesse levar a uma derrocada revolucionária como aconteceu em Portugal em 1974. Perceberam que necessitavam fazer sérias concessões e ainda assim conseguiram manter várias de suas próprias demandas em troca. Os líderes do PCE e do PSOE ficaram felizes em satisfazê-los. Eles aceitaram a impunidade dos crimes do regime de Franco, a monarquia (que havia sido restaurada por Franco), a bandeira espanhola em oposição à bandeira tricolor Republicana do movimento dos trabalhadores e democrático, bem como os artigos da Constituição que estipulam “a unidade indissolúvel da Nação Espanhola, a pátria comum e indivisível de todos os espanhóis”, a ser garantida pelas Forças Armadas.

Essa chamada “transição modelo à democracia” constituiu, na realidade, a maior traição às aspirações revolucionárias e democráticas dos trabalhadores espanhóis. O resultado foi uma democracia burguesa limitada na forma de uma monarquia parlamentar. O Partido Popular (PP), estabelecido por sete ministros do ditador, é uma continuação direta do regime de Franco. O nacionalismo reacionário espanhol é um pilar fundamental do regime de 1978, que inclui a negação do direito de autodeterminação. Desse ponto de vista, a luta por uma República Catalã é uma luta democrática progressista ao desafiar o regime de 1978. Por essa razão, deve ser apoiada.

O caráter atrasado da classe dominante espanhola e as origens do nacionalismo catalão

Historicamente, o caráter atrasado e reacionário da classe dominante espanhola significa que a tarefa democrático-burguesa de unificação da nação espanhola nunca foi realizada. A unidade do país foi garantida não pelo empurrão progressista do desenvolvimento das forças produtivas, mas antes pela espada do general, pelo cassetete da polícia e pelas imposições mesquinhas da burocracia do estado. No final do Século 19 e início do Século 20, isso levou ao desenvolvimento de movimentos nacionais na Catalunha (a parte mais industrializada da Espanha) e, em menor extensão, no País Basco e na Galícia.

A burguesia catalã sempre aspirou a opinar sobre o funcionamento da Espanha como um todo e utilizou a agitação nacionalista como alavanca. Em 1917, o líder da Liga Regionalista, Francesc Cambó, lançou uma campanha contra a monarquia convocando uma “Assembleia de Parlamentares” em Barcelona. Para dar mais influência à sua campanha, ele se aproximou das principais organizações dos trabalhadores: a socialista União Geral dos Trabalhadores (UGT) e a anarco-sindicalista Confederação Nacional do Trabalho (CNT), que concordaram em convocar uma greve geral.

Temerosos do perigoso rumo que os acontecimentos estavam tomando, Cambó e a burguesia catalã retrocederam rapidamente, chegando finalmente a um acordo com a monarquia. Durante a guerra civil de 1936-39, Cambó e sua Liga se alinharam com os fascistas, financiando os exércitos de Franco e organizando para eles uma rede de espionagem na Catalunha. Para a burguesia catalã os interesses de classe sempre estiveram acima dos interesses nacionais.

Francisco Franco reprimiu brutalmente a Catalunha. Foto: Anonymous, Zoeken Fotocollectie, Arquivo Nacional Holandês.

Assim, a liderança do movimento nacional catalão passou da burguesia à pequena burguesia da Esquerda Catalã Republicana (ERC). Foi o ERC que se tornou o partido do governo na Catalunha durante a Segunda República de 1931 a 1939, quando se mostraram indecisos em sua luta pelos direitos nacionais catalães e contra a ameaça de fascismo na Espanha. Em 6 de outubro de 1934, durante a entrada de um partido pró-fascista no governo espanhol, o presidente Catalão, Lluís Companys, declarou “o Estado Catalão da República Federal Espanhola”. Sem o apoio da principal organização dos trabalhadores (a CNT, que o ERC no poder havia reprimido) e recusando-se a armar a Aliança dos Trabalhadores, o levantamento foi abafado em menos de dez horas com o governo catalão se rendendo ao exército espanhol.

Os 40 anos da ditadura de Franco foram um período sombrio para os direitos nacionais catalães. O governo da Generalitat Catalã foi suprimido. A língua e a cultura catalã foram submetidas à repressão e banidas das escolas e da administração do estado.

Na década de 1960, uma combinação de fatores (a abertura da economia ao investimento estrangeiro, a massiva migração ao exterior de trabalhadores espanhóis e assim por diante), levou a um crescimento sustentado da economia espanhola. A Catalunha, especialmente, experimentou um explosivo crescimento industrial. Ocorreu um êxodo em massa do campo às cidades e milhões de pessoas das regiões mais pobres da Espanha se mudaram para Barcelona, criando uma jovem e dinâmica classe trabalhadora.

A explosão do movimento dos trabalhadores teve seu epicentro no cinturão vermelho das cidades e bairros operários em torno de Barcelona. O condado de Baix Llobregat tinha a mais alta concentração sindical de todos os lugares na Espanha. A luta pelos direitos sociais e democráticos estava intimamente ligada à demanda pelos direitos nacionais da Catalunha e de outras nacionalidades oprimidas. O movimento dos trabalhadores desempenhou um papel crucial nas manifestações de massas no Dia Nacional da Catalunha (11 de setembro) de 1976 e 1977.

O crescimento do movimento independentista catalão

No entanto, a traição dos partidos dos trabalhadores às aspirações democráticas das nacionalidades abriu o caminho para um renascimento dos nacionalistas burgueses. Durante quarenta anos (com a exceção de um decepcionante governo de coalizão de esquerda entre 2003 e 2010), a Catalunha foi governada pela Convergència i Unió (CiU), uma coalizão nacionalista burguesa. Nas melhores tradições da burguesia catalã, a CiU fez acordos com os partidos dominantes em Madri (incluindo tanto o PP de direita quanto o “esquerdista” Partido Socialista (PSOE)). O sentimento pró-independência permaneceu em baixa na Catalunha por todo este período, variando em torno dos 14%. Foi a combinação da profunda crise econômica de 2008 e da destruição do Estatut (Constituição) catalão de 2006 pelo regime espanhol em 2010 que levou a uma explosão do apoio à independência catalã e a massivas manifestações pela autodeterminação e independência.

No início do ressurgimento do movimento de independência catalã, o governo catalão de CiU ficou nas cordas. Houve manifestações massivas contra os cortes de austeridade na saúde e na educação, como parte de um orçamento que o governo catalão aprovou com o apoio do PP de Rajoy. A Generalitat se utilizou da repressão brutal contra o movimento dos Indignados e outros. Mas nesse momento CiU já havia submergido em dezenas de escândalos daninhos de corrupção. Foi nesse momento que a liderança do CDC (o principal partido da coalizão de CiU) decidiu adotar a independência como objetivo.

Este foi claramente um movimento cínico planejado para se reinventar com o objetivo de permanecer no poder, mas desencadeou uma série de acontecimentos que escaparam de seu controle. A burguesia catalã – os capitalistas, empresários e banqueiros – está firmemente contra a independência. Nos últimos meses tiveram que usar o seu músculo econômico em uma campanha agressiva de ameaças contra a república catalã. Por exemplo, eles trocaram a residência legal, e em alguns casos a residência fiscal, de suas empresas fora da Catalunha. No entanto, seus representantes políticos, por suas próprias e egoísticas razões de sobrevivência política, estão montando no tigre do movimento da independência.

Os Indignados e o movimento antiausteridade encontraram uma expressão política no surgimento do Podemos nas eleições europeias de 2014 e, em seguida, na vitória de amplas listas antiausteridade nas eleições municipais de 2015, inclusive em Barcelona, Sabadell e Badalona. No caso de Sabadell e Badalona, foram formadas amplas coalizões que incluíam partidos antiausteridade e organizações pró-independência trabalhando em conjunto com Candidaturas d’Unitat Popular (CUP), anticapitalista e pró-independência. En Comú Podem (uma coalizão incluindo a Esquerda Unida e o Podemos) ficou em primeiro na Catalunha nas eleições espanholas de 2015 e 2016. Contudo, quando se tornou evidente que o Podemos não chegaria no curto prazo ao poder na Espanha, muitos viram a independência catalã como o caminho mais curto para se livrarem das políticas de austeridade.

CUP e PODEM. Foto: Naciodigital.com.

Em 2014, o Estado espanhol proibiu um referendo de autodeterminação planejado pelo governo catalão, que depois recuou convertendo-o em uma consulta não-vinculativa. A participação foi de 1,9 milhão de pessoas. O Estado espanhol acusou o presidente catalão e outras figuras políticas de alto escalão de terem promovido a consulta. O CDC logo subiu a aposta e declarou que as eleições catalãs do início de 2015 seriam um plebiscito sobre a independência e encurralou o ERC em uma lista conjunta chamada Junts pel Sí (Unidos pelo Sim).

Nas eleições de 2015, os partidos pró-independência (JxSí e o anticapitalista e pró-independência CUP) obtiveram uma ampla maioria de assentos e 47,5% dos votos, uma participação na votação decididamente maior do que a dos partidos que se opunham à independência (que obtiveram 39%). Isso, depois de meses de negociações, levou à formação do governo JxSí de Puigdemont, com apoio externo da CUP (que em grande parte estava dividida sobre o assunto). Esse novo governo se comprometeu a convocar um referendo sobre a independência e a respeitar os resultados. Foi isso o que levou ao referendo de 1 de outubro.

Os três atores do conflito

O presente conflito tem três atores principais. De um lado há o Estado espanhol, que está determinado a impedir que a Catalunha exerça seu direito de autodeterminação a qualquer custo. Ele vê qualquer tentativa nessa direção como um desafio à totalidade do regime de 1978. Isso significou que os principais partidos espanhóis (o dominante PP, seus aliados do Ciudadanos, e o PSOE de oposição) se alinharam para apoiar a brutal repressão policial e a supressão, via Artigo 155, das instituições catalãs.

Mariano Rajoy. Foto: Flickr, EPP.

De outro lado há o governo catalão, composto de nacionalistas burgueses (PDeCAT, o novo nome do CDC) e nacionalistas pequeno-burgueses (o socialdemocrata ERC). Em sua luta por uma República Catalã, foram mais longe do que pretendiam. Provavelmente calcularam que um desafio sério à legalidade espanhola, combinado com manifestações pacíficas de massas nas ruas, forçaria a “comunidade internacional”, isto é, a União Europeia (UE), a intervir e levar a Espanha à negociação.

Isso estava errado por duas razões: a UE, que não se baseia nos princípios da democracia nem na solidariedade entre os povos europeus (como acariciavam alguns no governo catalão), apoiou completamente a Espanha. O Estado espanhol não estava preparado para fazer quaisquer concessões. O governo catalão, contudo, manteve essa estratégia ao declarar, por exemplo, a República em 10 de outubro, mas suspendendo-a imediatamente para dar tempo às negociações com a Espanha.

Um terceiro ator, no entanto, emergiu no cenário de forma poderosa: a mobilização e auto-organização em massa do povo contra a repressão e pelos direitos democráticos. Os Comitês para a Defesa do Referendo e outros grupos ad hoc garantiram o prosseguimento do referendo, defendendo-o fisicamente nos locais de votação, frustrando a tentativa do governo catalão de suspendê-lo ao meio-dia de 1º de outubro. As massas foram às ruas e paralisaram a Catalunha em 3 de outubro para protestar contra a repressão, deixando o governo catalão sem espaço para recuar. Em 26 de outubro, quando Puigdemont estava pronto para convocar as primeiras eleições catalãs em vez de proclamar a República, foram os milhares de estudantes nas ruas (representando a opinião pública pró-independência) que o impediram de seguir esse caminho.

Carles Puigdemont. Foto: Flickr, Convergència Democràtica de Catalunya.

No final, os políticos burgueses e pequeno-burgueses catalães da Generalitat decidiram proclamar a República em 27 de outubro. Mas foi um mero ato político, carecendo de consequências práticas. Não havia nenhum plano para defender a República Catalã; não houve nenhum apelo à ação de massas em sua defesa. Sua justificativa para esse curso de ação é dupla: eles não estavam preparados e as estruturas para uma República não estavam colocadas. Se tivessem avançado, afirmam, o Estado espanhol teria desencadeado uma onda ainda maior de repressão.

Estavam certos em ambos os aspectos. Em primeiro lugar, apesar de terem falado durante anos de preparar “estruturas estatais”, pouco foi realmente feito. Alguns ministros catalães nada fizeram a esse respeito simplesmente porque não acreditavam na independência, como admitiu, por exemplo, o ministro dos negócios, Santi Vila. Outros provavelmente pensavam que o Estado espanhol interviria decisivamente e interromperia o processo, então não havia necessidade de se preparar para algo que não iria ocorrer. A mobilização de massas das pessoas a partir de baixo abalou os seus cálculos.

Em segundo lugar, com respeito à repressão do estado espanhol, eles estavam corretos. A secretária-geral do ERC, Marta Rovira, revelou que receberam informação confiáveis de que, se avançassem com o estabelecimento de uma República Catalã, “[o estado teria que] usar armas de fogo, e não apenas balas de borracha como em 1º de outubro”. Adicionalmente, “fomos informados de que haveria sangue”. Foi publicado um informe detalhando o plano do Estado espanhol de usar grupos de operações especiais para tomar o Parlamento Catalão por terra, pelo ar e através dos esgotos se o presidente catalão tivesse se entrincheirado.

O governo catalão, no entanto, não explicou isso ao povo no dia em que proclamou a República e, em seguida, recuou. É claro que eles não estavam preparados para liderar um movimento insurrecional nas ruas, que teria escapado ao seu controle. Havendo declinado da opção da resistência de massas, da desobediência civil, da ocupação de prédios oficiais, de uma greve geral etc., só havia um possível curso de ação: render-se frente a ameaça da força.

A luta pela autodeterminação é uma tarefa revolucionária

Em poucas palavras, isso resume a posição na Catalunha. Contra o regime espanhol de 1978, o exercício do direito de autodeterminação é uma tarefa que somente pode ser cumprida por meios revolucionários. A burguesia catalã e os políticos pequeno-burgueses não estão preparados para usar meios revolucionários. Alguns deles sequer estão comprometidos com uma República Catalã, além de usá-la como ameaça para extrair concessões de Madri. O único caminho à frente na luta por uma República Catalã é uma batalha para afastar a atual liderança do movimento e substituí-la por outra firmemente baseada nos trabalhadores à frente das massas pequeno-burguesas: uma liderança preparada para usar métodos revolucionários para enfrentar e derrubar o regime de 1978.

Isso nos leva à outra questão fundamental. A classe trabalhadora catalã está dividida sobre a questão de uma República Catalã independente. Há uma camada de trabalhadores catalães de língua espanhola que estão contra ou desconfiam do movimento de independência por razões de identidade, como também por um tipo saudável de desconfiança em relação aos políticos burgueses do PDeCAT.

Dia Nacional Catalão. Foto: Flickr, Ivan McClellan.

Isso explica as diferenças geográficas nos resultados do referendo de 1º de outubro. A participação global foi de cerca de 43%, um resultado muito bom considerando que o referendo foi declarado ilegal e que havia uma brutal repressão policial. E, dos que votaram, 90% votaram pela independência. Isso significa que os que se opunham à independência se mantiveram em grande parte afastados. A participação foi mais alta nos condados do interior: em Girona (53,3%) e Lleida (52,8%), mas ficou bem abaixo da média nas áreas altamente habitadas onde a classe trabalhadora de língua espanhola se concentra, como no condado de Barcelona (35,9%), Baix Llobregat (32,9%) e Tarragonès 28,6%).

A classe dominante espanhola está tentando mobilizar essas camadas por trás do nacionalismo reacionário espanhol e da ondulação de bandeiras. O risco de uma divisão e de um confronto dentro da classe trabalhadora catalã ao longo de linhas nacionais e de língua é genuíno e deve ser evitado a todo custo, pois teria consequências seriamente reacionárias. Isso só se pode evitar dando ao movimento por uma República Catalã um claro caráter antiausteridade e anticapitalista. A CUP corretamente ligou o slogan de uma República ao slogan de “pão, moradia e empregos”. Essa linha deve ser ainda mais fortalecida e desenvolvida. Por outro lado, é necessário ligar, de forma mais clara, a luta por uma República Catalã à ideia de uma luta contra o regime de 1978 como um todo, e fazer um apelo claro aos trabalhadores do restante da Espanha a se juntar na luta comum aos seus irmãos e irmãs de classe catalães.

A palavra de ordem de uma República Socialista Catalã como uma centelha para a revolução ibérica resume estas duas ideias.

Artigo originalmente publicado em In Defense of Marxism, site da Corrente Marxista Internacional, sob o título “The struggle for a Catalan Republic—which way forward?”, no dia 7 de dezembro de 2017.

Tradução Fabiano Leite